Dando continuidade à libre disponibilidade de livros fora do mercado, venho, agora, a um dos que me deu maior prazer na construção, um processo que durou praticamente dez anos, ao meu estilo contrarianista, contestando cada uma das afirmações dos altermundialistas, ou antiglobalistas.
Globalizando: ensaios sobre a globalização e a antiglobalização
(Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2011, xx+272 p.; Inclui bibliografia; ISBN: 978-85-375-0875-6)
Frontspício
Ridendo castigat mores.
Jean-Baptiste Poquelin, aliás Molière (1622-1673)
“O Brasil converter-se-á num dos mais formosos estabelecimentos do globo (nada para isso lhe falta) quando o tiverem libertado dessa multidão de impostos, desse cardume de recebedores que o humilham e oprimem; quando inúmeros monopólios não mais encadearem sua atividade; quando o preço das mercadorias que lhe trazem não mais for duplicado pelas taxas que andam sobrecarregadas; quando os seus produtos não pagarem mais direitos ou não os pagarem mais avultados que os dos seus concorrentes; quando as suas comunicações com as outras possessões nacionais se virem desembaraçadas dos entraves que as restringem...”.
Guillaume-Thomas Raynal, conhecido como Abade Raynal,
Histoire philosophique et politique des établissements et du commerce des européens dans les deux Indes (Amsterdam, 1770);
Apud Manuel de Oliveira Lima, D. João VI no Brasil
(3a. ed.; Rio de Janeiro: Topbooks, 1996), p. 58-59.
Sumário
À maneira de prefácio:
O altermundialismo, uma enfermidade infantil da globalização
Parte I
Globalização
1. O Brasil e os primeiros 500 anos de globalização capitalista
2. Contra a corrente: treze ideias fora do lugar sobre as relações internacionais
3. A globalização e as desigualdades: quais as evidências?
4. Três vivas ao processo de globalização: crescimento, pobreza e desigualdade
5. Distribuição mundial da renda: evidências desmentem concentração e divergência
6. O Brasil e os impactos econômicos e sociais da globalização
7. Globalização perversa e políticas econômicas nacionais: um contraponto
Parte II
Antiglobalização
8. Contra a antiglobalização: Contradições, insuficiências e impasses do movimento
9. A globalização e seus descontentes: um roteiro sintético dos equívocos
10. A globalização e seus benefícios: um contraponto ao pessimismo
11. Fórum Social Mundial: nove objetivos gerais e alguns grandes equívocos
12. Um outro Fórum Social Mundial é possível… (aliás, é até mesmo necessário)
13. Fórum Social Mundial 2008: menos transpiração, mais inspiração, por favor...
14. Fórum Surreal Mundial: pequena visita aos desvarios dos antiglobalizadores
15. Uma previsão marxista...
16. Perguntas impertinentes a um amigo antiglobalizador
17. Fórum Social Mundial 2010, uma década de embromação
À guisa de conclusão:
Se, nouvelle manière (ou as qualidades do homem na globalização)
Obras de Paulo Roberto de Almeida
Índice
À maneira de prefácio:
O altermundialismo, uma enfermidade infantil da globalização
Parte I
Globalização
1. O Brasil e os primeiros 500 anos de globalização capitalista
1.1. Introdução: meio milênio de inserção internacional do Brasil
1.2. A globalização mercantilista: as grandes descobertas e a expansão dos séculos 16-18
1.3. A globalização da Revolução Industrial: manufaturas e novos impérios coloniais
1.4. A globalização em compasso de espera: crises e recessão mundial no século 20
1.5. A nova globalização capitalista: sob a sombra da Pax Americana
1.6. Conclusão: um Brasil ainda pouco globalizado
2. Contra a corrente: treze ideias fora do lugar sobre as relações internacionais
2.1. O mundo é injusto e desigual, está baseado nas relações de força e na prepotência dos poderosos
2.2. O Brasil está situado na periferia, por razões históricas e estruturais, e portanto forçado a uma situação de dependência em relação às poderosas nações centrais
2.3. A dominação econômica de empresas multinacionais atua como obstáculo para nossa independência tecnológica e se reflete em relações desiguais na balança tecnológica
2.4. O Brasil não consegue exportar devido ao protecionismo dos países ricos que protegem seus setores estratégicos ou sensíveis. O Brasil deveria fazer o mesmo
2.5. O multilateralismo e os agrupamentos regionais representam nossa melhor defesa no plano mundial, por isso precisamos atuar mediante grupos de países (G-77, Mercosul etc.)
2.6. Devemos reforçar os laços com os grandes países em desenvolvimento (China, Índia, Rússia) e com os da América do Sul, onde podemos dispor de vantagens comparativas
2.7. Só podemos abrir nossa economia e liberalizar o comércio na base da estrita barganha recíproca e com o oferecimento de concessões equivalentes e substantivas
2.8. Os capitais voláteis são responsáveis pela desestabilização de nossas contas externas e devem ser estritamente controlados
2.9. Os tratados devem ser sempre recíprocos e respeitadores de nossa soberania e autonomia nacional
2.10. A globalização acentua as desigualdades dentro e entre as nações. Por isso o Brasil deve evitar uma abertura excessiva à economia mundial
2.11. Processos de liberalização entre parceiros muito desiguais beneficiam principalmente os mais poderosos, por isso devemos primeiro corrigir assimetrias estruturais 80
2.12. Nossa diplomacia é altamente capacitada e profissional, reconhecida pelos seus dotes de excelência 84
2.13. A ação diplomática brasileira deve servir ao processo de desenvolvimento nacional 86
3. A globalização e as desigualdades: quais as evidências? 91
3.1. Tendências à divergência e à concentração na economia mundial 92
3.2. Tendências demográficas: a globalização promove a transição 93
3.3. Mudanças tecnológicas: os fatores determinantes são domésticos
3.4. O mito do “intercâmbio desigual”
3.5. Globalização financeira: para o bem e para o mal
3.6. A globalização como bode expiatório de políticas nacionais
4. Três vivas ao processo de globalização: crescimento, pobreza e desigualdade
4.1. Mea culpa: miserere nobis illusionis est
4.2. A antiglobalização e os seus descontentes: em busca de coerência
4.3. O que era preciso demonstrar: o economista como profeta
4.4. Vinde a mim os pobres deste mundo?: os milagres da globalização
4.5. Uma proposta modesta: o neomarxismo da globalização
5. Distribuição mundial da renda: evidências desmentem concentração e divergência
5.1. De volta ao problema (equivocado) do crescimento da pobreza mundial
5.2. A diminuição da pobreza mundial: velhas e novas evidências
5.3. Os dados do problema: questões metodológicas e descobertas empíricas
5.4. A pobreza no mundo: diminuindo, a despeito de tudo
5.5. O mundo é menos desigual: como isso ocorre, e por quais razões?
5.6. Uma palavra final: os antiglobalizadores precisam mudar o discurso...
6. O Brasil e os impactos econômicos e sociais da globalização
6.1. Um debate marcado por posições maniqueístas
6.2. A globalização, o “fim da geografia” e a inserção desigual
6.3. O Brasil na economia mundial
6.4. Impactos e desafios do processo de globalização
6.4.1. A abertura externa leva ao debilitamento das políticas nacionais?
6.4.2. A globalização aumenta ou diminui as desigualdades intra- e entre-Estados?
6.4.3. A globalização se traduz num padrão uniforme de políticas públicas?
6.4.4. Crises financeiras são o resultado da globalização?; a integração regional é o remédio?
6.4.5. A globalização significa menos democracia e maior dominação de cartéis e monopólios?
6.4.6. Impactos econômicos e sociais da globalização ou do sistema de mercado?
7. Globalização perversa e políticas econômicas nacionais: um contraponto
7.1. Abertura econômica e liberalização comercial
7.2. Ausência de projeto estratégico
7.3. Políticas não-ortodoxas de desenvolvimento
7.4. As supostas políticas não-liberais da China
7.5. A Índia como promotora do mercado interno
7.6. O papel do cobre nacionalizado no sucesso do Chile
7.7. O Brasil penalizado pelos seus juros excessivamente altos
7.8. Políticas monetária e cambial do Brasil nocivas ao crescimento
Parte II
Antiglobalização
8. Contra a antiglobalização: Contradições, insuficiências e impasses do movimento
8.1. Uma longa (mas necessária) introdução metodológica e de princípios
8.2. Contradições da antiglobalização: carência de fatos, de método, de análises
8.3. Pensando o impensado: existem ideias concretas sobre temas concretos?
8.3.1. Protecionismo agrícola e vantagens comparativas dos mais pobres
8.3.2. Dívida externa, movimentos de capitais e globalização financeira
8.3.3. Competição aberta contra mercados regulados e fechados
8.3.4. Instituições de solução de controvérsias em face do arbítrio comercial
8.3.5. Crescimento e pobreza, ou o que a globalização pode fazer por eles
8.3.6. Concentração da renda e desigualdades
8.3.7. Tecnologia proprietária e dependência tecnológica
8.3.8. Meio ambiente e mercado: um instável equilíbrio
8.4. Diagnóstico de duas enfermidades precoces: autismo e esquizofrenia
9. A globalização e seus descontentes: um roteiro sintético dos equívocos
9.1. A globalização e o desenvolvimento: convergências ou divergências?
9.2. A globalização e as políticas neoliberais: elas produzem recessão e desemprego?
9.3. O “consenso de Washington” fracassou na América Latina? E o caso do Chile?
9.4. Liberalização comercial e produtividade: quais as evidências nesse campo?
9.5. Liberalização financeira e capitais voláteis: e o problema da estabilidade?
9.6. Relações de trabalho e desemprego: quais as lições dos países mais flexíveis?
9.7. Inserção internacional e interdependência econômica: quais são os problemas?
9.8. Patentes e países pobres: como avançar em ciência e tecnologia?
9.9. Investimentos externos e autonomia tecnológica: eles são opostos?
9.10. Segurança alimentar e protecionismo agrícola: e a situação dos países mais pobres?
9.11. Taxas sobre fluxos de capitais: elas são positivas ou mesmo necessárias?
9.12. Livre-comércio ou mercantilismo: o que é bom para o crescimento?
9.13. Conclusões: os mitos e equívocos sobre a globalização
10. A globalização e seus benefícios: um contraponto ao pessimismo
10.1. Uma controvérsia politicamente enviesada
10.2. A globalização provoca miséria e desigualdade?
10.3. As desigualdades estruturais da globalização capitalista agravaram-se?
10.4. Os benefícios da globalização: redução da miséria e das desigualdades
11. Fórum Social Mundial: nove objetivos gerais e alguns grandes equívocos
11.1. Pela construção de um mundo de paz, justiça, ética e respeito pelas espiritualidades diversas
11.2. Pela libertação do mundo do domínio das multinacionais e do capital financeiro 11.3. Pelo acesso universal e sustentável aos bens comuns da humanidade e da natureza
11.4. Pela democratização do conhecimento e da informação
11.5. Pela dignidade, diversidade, garantia da igualdade de gênero e eliminação de todas as formas de discriminação
11.6. Pela garantia dos direitos econômicos, sociais, humanos e culturais, especialmente os direitos à alimentação, saúde, educação, habitação, emprego e trabalho digno
11.7. Pela construção de uma ordem mundial baseada na soberania, na autodeterminação e nos direitos dos povos
11.8. Pela construção de uma economia centrada nos povos e na sustentabilidade
11.9. Pela construção de estruturas políticas realmente democráticas e instituições com a participação da população nas decisões e controle dos negócios e recursos públicos
12. Um outro Fórum Social Mundial é possível… (aliás, é até mesmo necessário)
12.1. Onde se encontra o outro mundo possível?
12.2. Quem sabe um outro Fórum seja possível?
13. Fórum Social Mundial 2008: menos transpiração, mais inspiração, por favor...
13.1. Déjà vu, all over again
13.2. Repetindo velhos argumentos (equivocados)
13.3. A mobilização pela mobilização (isso deve cansar)
13.4. Os jornalistas estão fazendo o seu trabalho corretamente?
14. Fórum Surreal Mundial: pequena visita aos desvarios dos antiglobalizadores
14.1. Globalizados contra a globalização: reação freudiana?
14.2. Objetivos reciclados nos últimos três anos: falta de ideias?
14.3. Pelo menos um objetivo novo: alguma grande contribuição intelectual?
14.4. Os “sábios” da antiglobalização: mais bem dotados que os jovens?
14.5. Mais uma dúzia de propostas para um outro mundo possível: será possível?
14.5.1. Cancelamento da dívida externa dos países do Sul
14.5.2. Introdução da Taxa Tobin sobre transações financeiras
14.5.3. Desmantelamento dos paraísos fiscais
14.5.4. Benefícios sociais sem discriminação de gêneros
14.5.5. Comércio justo com exclusão da liberalização de serviços
14.5.6. Soberania alimentar e barreiras a OGMs
14.5.7. Contra patentes de conhecimento e a privatização de bens comuns
14.5.8. Contra todas as discriminações, pelos direitos de povos indígenas
14.5.9. Defesa dos recursos naturais, sobriedade energética
14.5.10. Contra bases estrangeiras, salvo a serviço da ONU
14.5.11. Direito à informação, contra os grandes grupos de comunicação
14.5.12. Democratização ampla das organizações internacionais
14.6. A caminho de Belém 2009: alguma esperança de ideias novas?
15. Uma previsão marxista sobre o “fim da história” e os equívocos atuais dos antiglobalizadores
15.1. Da profecia, enquanto engenharia social
15.2. O fim da história, enquanto profecia otimista
15.3. O capitalismo não tem manual de instruções (aliás, nem o socialismo)
15.4. O socialismo tropeça no cálculo econômico
15.5. Marx: habitual de Davos e articulista da Economist
16. Perguntas impertinentes a um amigo antiglobalizador
16.1. Sem querer ofender ninguém...
16.2. Quem afirma tem o dever de provar...
16.3. Doze perguntas em busca do outro mundo possível...
17. Fórum Social Mundial 2010, uma década de embromação
17.1. A novela está de volta (com o mesmo enredo...)
17.2. O diagnóstico do nosso mundo impossível
17.3. Construindo um outro mundo possível
17.4. O mundo possível dos antiglobalizadores
17.5. A grande síntese antiglobalizadora
À guisa de conclusão:
Se, nouvelle manière (ou as qualidades do homem na globalização)
Obras de Paulo Roberto de Almeida
À maneira de prefácio:
O altermundialismo, uma enfermidade infantil da globalização
Incrível atualidade a da frase transcrita no frontspício deste livro, de uma das cabeças mais lúcidas do século 18 francês. Anti-escravagista em plena era do tráfico africano, pensador iluminista, conhecedor das coisas do mundo, mesmo sem ter viajado fora da Europa ocidental, o abade Raynal (Guillaume-Thomas) poderia ser descrito, em linguagem moderna, como um “globalizador esclarecido”, categoria à qual eu mesmo me orgulharia de pertencer, se existisse entre nós tal clube filosófico. Com efeito, a sua provocadora Histoire philosophique et politique des établissemens & du commerce des européens dans les deux Indes pode ser chamada de primeiro tratado da globalização dos tempos modernos, ou le premier traité de la mondialisation, como prefeririam os franceses, sempre suscetíveis nessas coisas de anglofonia.
Raynal começa o primeiro livro de sua enorme obra (6 volumes) proclamando a revolução que tinha sido a passagem do cabo da Boa-Esperança: “uma revolução então começou no comércio, na potência das nações, nos costumes, na indústria e no governo dos povos. Foi nesse momento que os homens dos lugares mais distantes se fizeram necessários: os produtos dos climas equatoriais são consumidos nos climas vizinhos do pólo; a indústria do norte é transportada ao sul; os tecidos do Oriente vestem o Ocidente, e em todas as partes os homens trocam suas opiniões, suas leis, seus hábitos, seus remédios, suas enfermidades, suas virtudes e seus vícios”. Além de lúcido, nosso abade era um visionário: “Tudo mudou e tudo deve mudar ainda. Mas, as revoluções passadas e aquelas que ainda vão vir, podem ser úteis à natureza humana? O homem, por causa delas, gozará um dia de mais tranquilidade, de mais virtudes ou de mais prazeres? Poderão elas torná-lo melhor, ou elas apenas o mudarão um pouco?”
Estas perguntas, filosóficas, de fato, são examinadas à luz da obra colonizadora dos europeus: “Depois que se conheceu a América e a rota do Cabo, nações que não eram nada se tornaram poderosas; outras, que faziam estremecer a Europa, se enfraqueceram. Como essas descobertas influenciaram o estados dos povos? Por que, enfim, as nações mais florescentes não são exatamente aquelas com as quais a natureza foi mais pródiga?” Ele começa a explorar essas questões, partindo do pressuposto da unificação comercial do mundo sob a hegemonia do se poderia chamar, hoje em dia, de capitalismo ocidental. A análise de Raynal é absolutamente atual, podendo-se dizer que seus argumentos parecem referir-se à globalização contemporânea.
Esta coleção de ensaios pessoais também é colocada sob o signo controverso da globalização, aliás, bem mais do lado do abade Raynal do que dos modernos êmulos daqueles representantes das correntes anti-iluministas que colocaram sua obra no index dos livros proibidos e tentaram calar sua voz incômoda e libertária. Após a publicação da terceira edição da sua História filosófica das duas Índias, seus inimigos a fazem condenar pelo Parlamento de Paris, queimando-a em praça pública, enquanto ele se refugiava na Suíça (onde ele faz construir um monumento em honra à liberdade). Ele freqüenta em seguida as cortes de Frederico II, da Prússia, e a de Catarina II, da Rússia.
Às vésperas da Revolução, ele encarna os ideais do Iluminismo e dos direitos humanos e protesta contra a autocracia e a escravidão nos territórios coloniais, cujos horrores ele conhecia por ser descendente de uma família de grandes comerciantes (e de traficantes). Perseguido pelo ancien Régime, ele logo se coloca também contra os exageros do novo regime, como declarado em sua carta à Assembléia Nacional em 31 de maio de 1791: “eu alertei os reis quanto aos seus deveres; inquietai-vos que hoje eu fale ao povo dos seus erros”.
Com efeito, mesmo os bem intencionados cometem erros, como por exemplo, hoje, os chamados altermondialistes franceses – e seus seguidores miméticos no Terceiro-Mundo, conhecidos como antiglobalizadores –, ao pretender substituir as iniquidades da globalização capitalista por sistemas econômicos que fariam os povos das antigas colônias ainda mais pobres do que eles já são.
De fato, ao examinar os escritos, declarações, manifestos, slogans e consignas dos antiglobalizadores, e ao confrontá-los com os dados da realidade, tanto no plano da história, como da atualidade, ou ainda no âmbito da simples lógica formal, impossível não chegar à conclusão de que eles se equivocam redondamente sobre o mundo, seus problemas e respectivas soluções. Pode-se, inclusive, parafrasear a velha frase: nunca, tantos se enganaram tanto, sobre tantos assuntos.
Há muitos anos venho observado o curioso fenômeno da antiglobalização: não posso me impedir de admirar e também de sorrir face à ingenuidade de tantos jovens, sinceramente armados de idealismo, desejosos de corrigir os defeitos deste mundo. Mas tampouco posso evitar uma sensação de cansaço ante tantos slogans repetidos, retomando aborrecidamente chavões de décadas atrás, quando eu também marchava contra o imperialismo e a dominação do capital financeiro internacional. Creio, sim, que o movimento altermundialista é uma enfermidade infantil da globalização. Como não existe uma vacina contra ele, é preciso esperar que os sinais da enfermidade se tornem cada vez mais tênues, até desaparecer por completo, quando todos os jovens estiverem devidamente globalizados, como aliás já estão os da antiglobalização (mas no seu caso, eles pegam continuamente o virus com professores alienados da academia).
Tenho menos complacência, justamente, em face desses velhos representantes da academia, que parecem não ter aprendido absolutamente a partir do itinerário de desastres do socialismo real, no século 20. Velhos sindicalistas podem ser perdoados por marcharem contra a “deslocalização”, já que, afinal de contas, eles não estão fazendo mais do que o seu dever, ao defender a manutenção dos empregos de seus associados em seus respectivos países. Mas, intelectuais de gabinete, que repetem slogans monotemáticos, simplificando uma realidade complexa e induzindo jovens a se engajarem em causas perdidas, não são apenas equivocados; eles também podem ser considerados intelectualmente desonestos, já que dispondo de todos os instrumentos para se informar (e se formar).
A acusação é grave, e ela se refere não apenas a equívocos materiais, digamos de avaliação econômica da realidade. Ela tem a ver com um slogan absolutamente vazio, o tal de “outro mundo possível”: jamais fomos contemplados com a arquitetura desse outro mundo prometido, nunca apresentado em seus contornos materiais ou sequer “filosóficos”. Esses acadêmicos vivem do movimento pelo movimento, numa espécie de moto perpétuo mental, aliás, girando em circuito fechado, pois que imune e isolado de todo e qualquer debate que não seja no interior do próprio movimento.
Ao condenar o tal de “pensamento único” – que seria, supostamente, o do neoliberalismo – esses acadêmicos alienados conseguem ostentar o mais rígido pensamento único conhecido na atualidade. De resto, o conjunto do movimento antiglobalizador pode ser acusado de sectarismo e tribalismo: só podem participar dos seus encontros, aqueles que aderem ao credo filosófico que constitui a “bíblia” do movimento antiglobalizador. Os que não estão habituados aos rituais da tribo encontrarão nesta coleção de ensaios farto material probatório.
Os trabalhos aqui compilados falam por si mesmos. Eles tanto dão a palavra ao movimento antiglobalizador – pois que reproduzindo fielmente suas teses e argumentos mais repetidos – quanto se dedicam à anatomia desse pensamento redutor e simplista. Cada um dos ensaios está datado cronologicamente, o que explica pequenas repetições nos argumentos aqui e ali. De resto, eles devem se sustentar por si mesmos, e submeter-se à crítica dos leitores, entre os quais espero encontrar muitos jovens idealistas e alguns irredutíveis antiglobalizadores. Não tenho o hábito de ser politicamente correto, nem o de dobrar-me a conveniências do momento. Alguns dos trabalhos aqui compilados, já publicados anteriormente, podem explicar minha posição singular tanto na academia, quanto em outros ambientes. Não sou de esconder minhas posições. A todos de julgar.
Paulo Roberto de Almeida
A obra está disponível na plataforma Academia.edu, neste link:
https://www.academia.edu/42313006/Globalizando_ensaios_sobre_a_globalizacao_e_a_antiglobalizacao_2011_