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sexta-feira, 11 de abril de 2014

Censura democratica do Brasil companheiro - Guilherme Fiuza

O Brasil inventa a censura democrática

Meio século depois do golpe de Estado que feriu as liberdades no Brasil, um deputado foi impedido de discursar no Congresso Nacional. Mas não tem problema, porque esse deputado é de direita. Essa é a noção de democracia dos progressistas que abominam a ditadura militar: liberdade de expressão para os que falam as coisas certas. Para quem fala as coisas erradas, mordaça. E quem decide o que é certo são eles, os progressistas. Eles é que têm o dom da virtude (por coincidência, foi exatamente isso que os militares pensaram em 1964). Seria cômico se não fosse trágico: os que carregam a bandeira contra o autoritarismo podem mandar os outros calar a boca.
O deputado Jair Bolsonaro é um conhecido defensor da categoria militar. E defende o regime implantado em 1964. Numa sessão na Câmara dos Deputados que marcava os 50 anos do início da ditadura, deputados e militantes progressistas impediram Bolsonaro de falar. Viraram de costas no plenário, cantaram, tumultuaram e cassaram no grito a palavra do deputado de direita. Esses são os democratas brasileiros que defendem a liberdade.
Eles dizem que não podem tolerar a defesa de um regime imposto por golpe de Estado. Será então que ninguém mais poderá subir à tribuna para defender Getúlio Vargas? Não, isso pode. Na história em quadrinhos dos progressistas, Getúlio é de esquerda, assim como Fidel. A esquerda que amordaçou Bolsonaro vive (bem) dessa fábula da resistência à ditadura – uma ditadura que já acabou há quase 30 anos. E interessante observar que alguns dos símbolos dessa resistência estão presos por corrupção. Ou, mais especificamente: presos por roubar a pátria – essa que dizem defender contra a ameaça conservadora.
Chega a ser assustador que, enquanto busca a verdade sobre os desaparecidos e vítimas do regime brutal, a sociedade democrática fale a língua dos gorilas
Os que estão presos são aliados dos que governam essa mesma pátria. E todos eles são aliados de regimes que atropelam a liberdade de expressão, mesma tática da tropa do deputado Bolsonaro. A diferença é que a tropa de Bolsonaro fez isso no século passado, e a confraria chavista faz isso hoje. Outra diferença é que os militares eram autoritários, e os progressistas fingem que não são. Gato escondido com rabo de fora, como se vê nos projetos do PT para controlar a mídia — que o governo popular já tentou contrabandear até em programa de direitos humanos. Eles são assim, sempre bonzinhos, sempre colorindo com slogans humanitários seus pequenos e grandes golpes. A primeira denúncia do mensalão, como se sabe, foi classificada pelo companheiro Delúbio como “uma conspiração da direita contra o governo popular”.
A ação impedindo a fala de Bolsonaro fere a democracia. Mas ninguém é louco de dizer isso. Bolsonaro é uma figura grosseira e prepotente, enquanto seus algozes são os simpáticos heróis da resistência – na percepção cada vez mais abóbada da opinião pública. Para combater o mal, esses revolucionários puros defendem até black blocs assassinos e continuam bem na foto. A imprensa, as empresas e as instituições “burguesas” em geral morrem de medo deles e da incrível patrulha anticapitalista que tomou as redes sociais – onde a burrice se espalha mais rápido. Os 50 anos do golpe foram transformados numa estranha catarse anacrônica, com todos os perseguidos pela patrulha progressista gritando “abaixo a ditadura”. Só faltou denunciar os crimes de Adolf Hitler.
Chega a ser assustador que, enquanto busca a verdade sobre os desaparecidos e vítimas do regime brutal, a sociedade democrática fale a língua dos gorilas – e tente calar seus herdeiros políticos. Que democracia é essa?
O sotaque chavista é inconfundível. Se Bolsonaro é troglodita, deveria ser facilmente derrotado com argumentos e inteligência. Mas os heróis da resistência temem sua própria mediocridade, então preferem falar sozinhos. Nessa democracia seletiva, uma dissidente cubana foi impedida – no grito – de falar em público no Brasil. Entre outras ações autoritárias, no dia 31 de março um professor da USP foi impedido de criticar o comunismo. Estudantes “do bem” invadiram a sala de aula e abafaram sua voz cantando um samba. Truculência festiva pode.
Talvez o Brasil mereça mesmo ter como voz única a ex-guerrilheira e eterna vítima da ditadura, dizendo as coisas certas em rede obrigatória de rádio e TV.
Fonte: Época

sábado, 18 de janeiro de 2014

Rolezinho no Planalto - Guilherme Fiuza

Rolezinho no Planalto


Guilherme Fiuza
O Globo, 18/01/2014
O rolezinho do PT no Palácio do Planalto, como se sabe, caminha para perfazer 16 anos — o dobro do Estado Novo de Getúlio Vargas. Se Dilma Rousseff não aparecer fantasiada de Marcos Valério em algum dos seus pronunciamentos à nação — ela já fez o do réveillon, só faltam o do carnaval, o do Dia da Mulher, o da Páscoa, o do Dia do Trabalho, o do Dia das Mães, o de Corpus Christi, o do Dia dos Pais e o do Dia da Independência — ninguém tasca mais quatro anos de rolezinho petista.
Tudo correndo bem no primeiro turno, Dilma nem precisará convocar cadeia de rádio e TV no Dia de Nossa Senhora Aparecida e no Dia de Finados, porque os concorrentes já estarão finados no início de outubro.
Enquanto a próxima data festiva não chega, o governo popular trabalha duro para reciclar sua retórica coitada. E acaba de encontrar uma nova jazida, que talvez possa jorrar poesia social-demagógica até a eleição. O fenômeno dos rolezinhos — invasão de shoppings por multidões de jovens da periferia — foi uma providência divina na vida ociosa dos governantes petistas.

Dilma Rousseff. Foto: Divulgação
Não que eles se importem de mentir um pouco mais nos pronunciamentos oficiais, como no anúncio do superávit de 2013: o governo roubou 35 bilhões de reais da meta (meta para eles é um estado de espírito) e divulgou, com a maior tranquilidade, o cumprimento da mesma.
Ainda rebolou como um Anderson Silva na frente do adversário, informando que estava divulgando a façanha com antecedência para “acalmar os nervosinhos”. Fale a verdade: se você conta uma mentira desse tamanho em casa e ninguém duvida, ou você vai ficar zangado com a ignorância dos seus ou vai querer abrir imediatamente uma franquia da bocarra petista.
Mas aí surgiu o rolezinho. Trata-se, antes de tudo, de um vocábulo patético, cafona, que poderia muito bem ter saído da cabeça de um soldado de José Dirceu — desses que passam a vida bolando vírus sociais como munição ideológica.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Nao espiona e nao deixa ninguem espionar: aventuras sherloquianas doscompanheiros - Guilherme Fiuza

Guilherme Fiuza


Dilma foi à ONU e acabou com Barack Obama. Lendo com fúria o discurso terceiro-mundista que algum Marco Aurélio Garcia ajuntou para ela, deixou os yankees apavorados. Falando sobre espionagem digital, a presidente brasileira deu uma lição de direito e democracia aos americanos, com sua autoridade de aliada de Cuba, Irã, Síria e Venezuela. E Dilma fez mais: cancelou a visita que faria neste mês aos Estados Unidos. A maior potência mundial talvez não resista a esse golpe.

Obama inventou uma briguinha com o Congresso e fez seu governo parar de funcionar - tudo para ganhar tempo e pensar o que fará sem Dilma. A Casa Branca estaria tentando negociar pelo menos a substituição dela por outra grande líder do Brasil transparente - como Erenice Guerra ou Rosemary Noronha -, mas o Planalto estaria irredutível.

A ética petista não transige com espiões, não tolera governos que abusam de seu poder para fins de dominação política. Tanto que a espionagem do sigilo bancário do caseiro Francenildo foi feita sem qualquer invasão de privacidade - a conta era num banco estatal, e as estatais, como se sabe, são deles, e ninguém tem nada com isso. Inclusive, Marcos Valério levava tranquilamente sacos de dinheiro do Banco do Brasil para o PT, tudo em casa. Agora os Estados Unidos aprenderão com Dilma a respeitar o que é dos outros.

Alguns críticos neoliberais, elitistas e burgueses andaram dizendo que o discurso de Dilma na ONU foi uma bravata pueril, uma lambança diplomática. Disseram que Oswaldo Aranha e o Barão do Rio Branco se reviraram nas catacumbas com a transformação da assembleia da ONU em assembleia do PT, onde o que vale é rosnar contra o "inimigo" para excitar a militância e descolar uns votos. Esses críticos acham que a gritaria de Dilma em Nova York e o cancelamento de sua visita aos EUA fazem bem ao PT e mal ao Brasil. São uns invejosos.

Quando o assunto é espionagem e manipulação de dados protegidos, o governo popular sabe do que está falando. Uma de suas obras-primas na matéria foi o vultoso Dossiê Ruth Cardoso - uma varredura em registros contábeis sobre a ex-primeira-dama. Na ocasião, o primeiro escalão do governo Lula era denunciado por uso abusivo dos cartões corporativos. O material sobre as despesas de Dona Ruth não trazia nenhuma irregularidade, mas virou um "banco de dados" nas mãos da "inteligência" aloprada, acostumada a envenenar informação e jogar no ventilador.

O Dossiê Ruth Cardoso foi montado na Casa Civil pela ainda desconhecida Erenice Guerra. Sua chefe se chamava Dilma Rousseff- essa mesma que agora ensina Obama a não futricar a vida alheia.

Ela pode ensinar, porque entende de invasão. Segundo a ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira, a então ministra chefe da Casa Civil Dilma Rousseff- a quem Lina não era subordinada - ordenou-lhe que desse cabo de um processo o companheiro Sarney. Após a denúncia, Lina aceitou ser acareada com Dilma, que dessa vez preferiu não se meter com ela.

Na campanha presidencial de Dilma em 2010, funcionários de seu comitê invadiram o sigilo fiscal da filha de seu adversário eleitoral. Era mais uma tentativa de dossiê, traficando dados protegidos por lei. Que Obama compreenda de uma vez: ou para de espionar os outros ou se filia ao PT, que aí não tem problema.

Enquanto Dilma lia seu panfleto na ONU, o Brasil registrava o primeiro déficit nas contas públicas desde 2001. O mês de agosto de 2013 passa à história como um marco do governo popular: após dez anos zombando das metas de inflação e de superávit, os pilares da estabilidade econômica, torrando dinheiro público com sua Arca de Noé ministerial e o dilúvio de convênios piratas, o PT conseguiu levar o Brasil de volta ao vermelho.

Mas está tudo bem. Basta olhar para os manifestantes nas ruas, ninjas, black blocs, sindicalistas e arruaceiros light para entender que o negócio hoje é brincar de revolução. Nessa linha, nada mais excitante que a "presidenta-mulher falando grosso" com os imperialistas. O Brasil entrega as calças, mas não admite acordar desse conto de fadas. Feliz 2019.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

O Brasil foi assaltado, mais uma vez, como esperado... - Guilherme Fiuza

A Primavera Burra
Guilherme Fiuza
O Globo, 29/09/2013

O Supremo Tribunal Federal melou a prisão dos mensaleiros, na mão grande. Como se sabe, pela primeira vez na história a corte máxima tem juízes partidários, como Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, obedientes aos seus senhores petistas. E os principais réus do mensalão, que por acaso mandam no Brasil, têm os melhores advogados de Brasília — pagos a peso de ouro com uma dinheirama que eles não precisam dizer de onde veio, mas pode-se supor. Foi com essa blitz política (disfarçada de jurídica), ou, em bom português anglo-saxão, com esse lobby, que o Brasil foi roubado de novo, à luz do dia.
E o que fizeram os brasileiros, que agora são revolucionários e esculhambam o trânsito a qualquer hora do dia para “mudar o Brasil”? Não fizeram nada. Os bravos manifestantes da Primavera Brasileira de 2013 assistiram ao novo assalto, como diria Anitta, ba-ban-do.
O golpe dos embargos infringentes foi vexaminoso. Uma manobra tosca, que embaralhou um julgamento cristalino e cindiu o direito e o bom senso — o que é uma cisão grave, mas não nesse Brasil onde civismo é jogar pedra em vidraça. Votos como o do ministro Marco Aurélio mostraram que o julgamento só poderia ser reaberto — decisão drástica — se não pairassem dúvidas sobre a legalidade dos embargos.
Pois bem: o julgamento foi reaberto em casos onde houve quatro votos contrários à sentença. E a própria decisão de reabertura teve cinco votos contrários! Não seria então o caso de entrar com embargos infringentes contra a aceitação dos embargos infringentes?
Não, não seria, porque nesse caminho de prostituição da técnica, a lógica já foi abandonada no acostamento há muito tempo, e o espírito da lei já foi pendurado na parede, ao lado de um retrato do filho do Brasil. A blitz dos advogados milionários do PT fez o STF virar as costas para a lógica e o espírito da lei. Normal. Quem está do outro lado é só o Brasil, esse pobre coitado, que não tem nada concreto para oferecer: nem cargos, nem prestígio, nem favores, nem negócios, nem mesmo a emoção de um café da manhã com José Dirceu, o astro da penumbra.
Foi comovente ver a bancada petista no Supremo, em ações grandiloquentes e tom épico, defendendo com garra um futuro tranquilo e confortável. O PT inaugurou o patriotismo privado.
Para o pobre coitado do outro lado, batizado com nome de madeira nativa (profetizando a cara de pau), o que aconteceu no Supremo Tribunal Federal é apenas o fim. Se as massas (e os gatos pingados) não sabem direito por que vão às ruas, se não é só por 20 centavos, se é por tudo — e tudo, como se sabe, é igual a nada —, a zombaria do STF contra o país inteiro, aliviando os maiores assaltantes da história da República, cujo grupo político por acaso governa o Brasil, é a causa das causas. É para inundar as ruas de gente, é para cercar os palácios da Justiça Federal em todo o território, é para, aí sim, parar tudo e avisar que isso aqui não é a casa da mãe Dilma e de seus companheiros parasitários.
Mas o que se viu por aí depois do golpe do STF? Bem, escolha a sua manifestação preferida: black blocs vaiando e ameaçando artistas de cinema na chegada ao Festival do Rio; revolucionários da Cinelândia recebendo a adesão do Batman e do Saci Pererê; ninjas, fora do eixo e fora de órbita, discutindo a relação com a polícia (decidindo o que veio primeiro, a pedra ou a pimenta); sindicalistas privatizando as ruas e decidindo quem pode ir e vir.
Enquanto isso, estoura novo escândalo na boquinha que Dilma Rousseff cultivou dentro do Ministério do Trabalho — o mensalão redivivo na farra das ONGs piratas. Mais R$ 400 milhões desviados para a turma que a presidente fingiu escorraçar em 2011, com o inesquecível Carlos Lupi, mas que na verdade protegeu, porque é dando que se recebe. Os réus que o STF acaba de refrescar fizeram escola, só não vê quem não quer. E ninguém parece querer. Não apareceu um único mascarado no horizonte para acuar os sócios do governo popular nesse novo escárnio. Eles preferem rosnar contra artistas de cinema.
Não pode haver mais dúvidas: os movimentos de protesto que levaram os brasileiros às ruas em 2013 passarão à história como a Primavera Burra.
PS: o ministro do Trabalho passa bem, os ministros infringentes idem, e os mensaleiros estão estourando champanhe com a nova disparada de Dilma no Ibope. Vêm aí mais quatro anos de sucção pacífica.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

domingo, 5 de setembro de 2010

O império dos oprimidos - Guilherme Fiuza

Apenas um caso de impostura eleitoral...

O império dos oprimidos
Guilherme Fiuza
O Globo, 04/09/2010

Quando estourou o escândalo do mensalão, em 2005, o companheiro Delúbio foi logo avisando que aquilo era uma tentativa de golpe da direita contra o governo popular. Agora, com o escândalo da espionagem na Receita Federal, a companheira Dilma alerta que "estão tentando virar a mesa da democracia". O enredo da esquerda oprimida, como se vê, é inesgotável.

É dura a tarefa de se perpetuar no poder e continuar oprimido. Requer uma formidável ginástica conceitual, quase um presépio de fetiches - o papai pobre, a mamãe heroica, o filho do Brasil, a manjedoura estatal. Foi penoso para o então tesoureiro Delúbio Soares interromper as baforadas no charuto cubano para gritar, empanturrado de verbas públicas privatizadas pelo PT, que precisava de socorro contra a ameaça das elites. Não deve ser fácil passar a vida erguendo barricadas imaginárias.

Dilma Rousseff que o diga. As operações na penumbra para detonar adversários políticos - como o dossiê Ruth Cardoso, montado em seu gabinete na Casa Civil - não lhe deixaram feridas. O famigerado "banco de dados" sobre as despesas pessoais da falecida ex-primeira-dama, que é exemplo de dignidade na política brasileira, parece até que não existiu. Sumiu na poeira da mitologia eleitoral, onde Dilma é apenas a mulher valente que luta pelos pobres.

O caso Lina Vieira também ficou invisível nesse presépio. A ex-secretária da Receita Federal denunciou Dilma por tráfico de influência, afirmando que a então ministra ordenou-lhe tratamento especial a um processo envolvendo a família Sarney. Lina sumiu, e a investigação também. O Brasil deixou para trás um indício grave de interferência política da ministra-chefe da Casa Civil na Receita Federal. Um belo habeas corpus para a conspiração.

O escândalo da invasão do sigilo da filha de José Serra na Receita, portanto, pode ser tudo - menos surpreendente. O roteiro do filme estava pronto, na cara de todos. Já tinha até trailer, com o caso Eduardo Jorge, o vice-presidente do PSDB cujo sigilo fiscal foi igualmente socializado. Há meses o país assiste a esse trailer soturno: como um cidadão de segunda classe, Eduardo Jorge persegue por conta própria a reparação por seus direitos violados, diante de uma Receita Federal impávida, fingindo-se de morta.

O caso Verônica Serra já começava a ser cozinhado no mesmo fogo lento. O secretário da Receita - o diligente substituto de Lina Vieira - chegara a informar que os dados de Verônica tinham sido solicitados por ela mesma. Aí entrou em ação a imprensa, essa entidade que existe para atrapalhar a química entre o governo de esquerda e o povo. E veio à tona a informação inconveniente: não só a procuração apresentada à Receita era falsa, como a essa altura a própria Receita já sabia disso. Sabia, mas não contou para ninguém. Deve ser uma outra concepção de sigilo.

Os percursos do valerioduto entre as estatais brasileiras e o partido do presidente, os bancos de dados extraoficiais, a conduta temperamental de órgãos técnicos capitais como a Receita Federal - para ficar só no universo da máquina pública - compõem uma literatura republicana no mínimo intrigante. Em circunstâncias normais, este seria um governo sob suspeita. Ou talvez, acossado pela vigilância democrática, já tivesse corrigido esses desvios - curando-se da obsessão de submeter o Estado ao cabresto partidário.

Mas as circunstâncias não são normais. Dificilmente haverá um paralelo, em toda a história da democracia, de um governo quase à prova de desgaste, que chega ao fim de um exercício de oito anos com menos de 5% da população a reprová-lo. E em regime de plena liberdade. Esta é a façanha de Lula, legítima, que todos precisam reconhecer - mesmo os que discordam de suas políticas. O problema é o que será feito com essa fortuna de popularidade.

O caminho da mistificação populista, simbolizado pela lavagem cerebral do "nunca antes na história deste país", provavelmente já estaria abrandado se o cenário da sucessão de Lula fosse outro. A necessidade de inventar Dilma Rousseff, uma militante despreparada, insegura e absolutamente desprovida de magnetismo e propensão ao diálogo, fez recrudescer a blindagem mitológica. A alta vulnerabilidade da candidata ressuscitou os instintos mais autoritários do PT.

O pesadelo de todos os envolvidos no Plano Dilma é que sua fragilidade e mediocridade acabem expostas em praça pública. E que o paraíso do lulismo acima do bem e do mal chegue ao fim, com a inevitável percepção geral dos problemas reais - como a bagunça institucional que avança no setor público, vide o escândalo da Receita, entre outros desmandos.

Resta a Dilma gritar que estão querendo virar a mesa da democracia, evocando os totens do oprimido para manter a hipnose coletiva. O risco para ela e seus companheiros é perder o poder. O risco para o Brasil é perder a liberdade.