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domingo, 23 de janeiro de 2022

Eleições 2022: os Faria-Lulers - Helena Chagas, Lydia Medeiros (Capital Político)

 Lá vêm os “farialulers”

Helena Chagas, Lydia Medeiros

Uma análise da conjuntura 

Capital Político, Brasília, 23/1/2022 - no145

A entrevista do ex-presidente Lula aos sites independentes, afirmando que não quer voltar ao cargo para resolver os problemas do sistema financeiro e dos empresários, que pretende “botar os pobres no Orçamento e os ricos no Imposto de Renda” e que não dará prioridade a compromissos fiscalistas, mas, sim, a “pagar a dívida social”, não compõe exatamente uma narrativa agradável aos ouvidos do chamado mercado.

 Mas a boa repercussão da fala junto ao setor financeiro não surpreendeu seus analistas, porque tem origem num processo de aproximação que começou há semanas. Setores do mercado que leram as pesquisas da virada do ano, confirmando a liderança isolada do petista e as chances rarefeitas de uma terceira via, começam, pragmaticamente, a trabalhar com a possibilidade de vitória do ex-presidente. Isso vem implicando um esforço para ver o copo meio cheio em relação a Lula e buscar convergências.

No caso da entrevista, elas foram encontradas no discurso aliancista do ex-presidente, que praticamente confirmou Geraldo Alckmin como vice em sua chapa, enquadrou a ala petista contrária à parceria e mostrou que, se vencer, seu governo irá além do PT e da esquerda. A disposição de “conversar com todo mundo”, inclusive com o setor financeiro, foi o suficiente para “encher o copo” do mercado, com repercussão positiva no câmbio e nos negócios.

Não há data para essas conversas. A pauta desses “farialulers”, como estão sendo chamados de brincadeira, é complexa. Terá que ser reduzida a pontos básicos quando for apresentada a Lula — se é que já não foi, informalmente. Um deles passa pela recuperação da imagem externa do país, com a urgência de se criar um ambiente favorável ao retorno de investidores, como os fundos ambientais que fugiram de Bolsonaro. Analistas acham que, se o próximo presidente sinalizar com nomes experientes e respeitados para essa área, a reação positiva será imediata.

Há previsões também de que, eleito o petista, o mercado não vai confrontar sua prioridade aos investimentos públicos para retomada do desenvolvimento e a uma forte injeção de recursos no campo social. Aos olhos desse pessoal, esses gastos são comparativamente pequenos, e devem aumentar. Preocupam-se, sim, em compatibilizar princípios que sustentam a rentabilidade e a remuneração do setor com uma política desenvolvimentista. Vão lembrar a Lula que estão previstos investimentos

privados maciços no setor de infraestrutura — portos, ferrovias, energias renováveis — no próximo governo. Já contratados, podem fazer parte da retomada da economia, organizada e conduzida por quem ganhar a eleição.

Se a conversa avançar, certamente vai aflorar a ansiedade do pessoal do mercado em relação à escolha da futura equipe econômica. Nenhum dos nomes de petistas e antigos auxiliares que vêm circulando nas discussões sobre o programa de governo agrada ao setor — o que não chega ser novidade. Há torcida por um nome novo, técnico ou de político experiente, como, por exemplo, algum ex-governador que tenha fechado direitinho as contas do estado. Como a torcida do mercado financeiro pode ter efeito contrário, alguns acham melhor ficar calados.

As referências do petista à reforma tributária agradaram, bem como o tom contido em relação à rediscussão da reforma trabalhista. Outra grande apreensão dessa turma começou a se dissipar. Lula não falou em reverter a autonomia do Banco Central. Agradou ao dizer que chamará para conversar o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, hoje com mandato, e que “o BC tem que ter compromisso com o Brasil, e não comigo”.

Ao fim e ao cabo, ao falar para blogs de esquerda, o ex-presidente parece ter alcançado, mesmo sem mirar, inusitada sintonia com setores da direita no mercado. Foram tantos os recados considerados tranquilizadores que o serviço Scoop by Mover, um portal de notícias do ramo, chamou Lula de “roteador de sinais”.


sábado, 27 de março de 2021

Diplomatas querem a cabeça de Ernesto, primeira versão da carta dos 300 - Helena Chagas (Os Divergentes)

Diplomatas querem a cabeça de Ernesto

Os Divergentes, março 27, 2021, 11:02

Bola da vez, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, pode até sobreviver à Semana Santa no cargo, mas será o Judas do próximo Sábado de Aleluia. Depois do Senado, da Câmara, e dos prefeitos, que divulgaram nota ontem contra a política externa que acabou dificultando a compra de vacinas, agora são os próprios diplomatas que repudiam sua atuação e se deixam claro que querem sua demissão. Com o apoio de mais de 300 diplomatas da ativa, está sendo finalizado o texto de uma carta que considera a diplomacia de Ernesto “amadora, despreparada e personalista, dirigida por critérios fantasmagóricos” e alerta para o risco de “prejuízos concretos, por vezes irreparáveis, à toda a sociedade brasileira” caso seja mantida.

O documento circula nos gabinetes do Palácio do Itamaraty e em dezenas de embaixadas e consulados brasileiros mundo afora. Mas não será assinado por motivo óbvios: “Esta carta foi elaborada por diplomatas da ativa e recebeu a adesão de um grupo representativo de diplomatas de todas as classes funcionais. Estamos convencidos de que, em suas linhas gerais, ela reflete o sentimento da maioria do corpo diplomático brasileiro, que não pode se expressar, no contexto atual, sem o receio de sofrer retaliações que afetariam suas carreiras e vidas pessoais”.

A seguir, a íntegra da Carta dos Diplomatas:

“Com a proximidade do dia do diplomata, que se comemora em 20 de abril, data de nascimento do Barão do Rio Branco, nunca foi tão importante reafirmar as tradições do Itamaraty e os preceitos constitucionais que balizam as Relações Exteriores da República Federativa do Brasil – tradições e princípios que não constituem meras abstrações, mas que são construções e conquistas históricas do povo brasileiro.

Em um período de formação do Estado nacional, o patrono de nossa diplomacia garantiu a consolidação pacífica de 9 mil quilômetros de fronteiras por meio de tratados e arbitragens. Para tanto, lançou mão da ciência (era ele próprio um dos maiores geógrafos do país), de bom trânsito na comunidade internacional (era respeitado por autoridades e diplomatas de outros países) e do bom relacionamento com a imprensa (nacional e internacional).

Por séculos, a política externa brasileira caracterizou-se por pragmatismo e profissionalismo. O corpo diplomático, formado por concurso público desde 1945, sempre investiu no diálogo respeitoso e construtivo. Ao longo das últimas décadas, processos internos participativos possibilitaram a elaboração de posições internacionais equilibradas e representativas da diversidade brasileira, o que possibilitou ganhos comerciais, diversificação de mercados, acesso a cooperação internacional e instrumentos de desenvolvimento, credibilidade e respeito internacional, e maior participação em instâncias decisórias.

As diretrizes da política externa brasileira estão expressamente definidas no Artigo 4o da Constituição Federal de 1988. A República Federativa do Brasil deverá reger-se pelos princípios de: independência nacional; prevalência dos direitos humanos; autodeterminação dos povos; não intervenção; igualdade entre os Estados; defesa da paz; solução pacífica dos conflitos; repúdio ao terrorismo e ao racismo; cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; e concessão de asilo político. Além disso, a Constituição Federal nos legou o explícito mandato de buscar a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.

Longe de corresponder a um programa de governo que pregou uma política externa “livre de ideologias”, a gestão do ministro Ernesto Araújo submeteu o acervo de princípios e tradições da diplomacia brasileira, construído ao longo de gerações, aos humores e ditames de uma ideologia facciosa, muitas vezes antidemocrática, que presta contas apenas a seus próprios seguidores. Não raro, assistimos a nossa diplomacia, o nosso trabalho cotidiano, ser subordinado a interesses momentâneos da mobilização de uma base política, sem qualquer conexão com interesses permanentes e estruturais do desenvolvimento, da soberania e do bem-estar da sociedade brasileira.

Em pouco mais de dois anos, avolumam-se exemplos de condutas francamente incompatíveis com os princípios constitucionais antes mencionados e até mesmo com os códigos mais elementares da prática diplomática. De agressões injustificadas contra países com os quais o Brasil mantém relações estratégicas, até demonstrações de adesão a práticas inaceitáveis em uma democracia moderna, como nos espúrios comentários do Ministro em sua reação ao episódio da invasão do prédio do congresso norte-americano. As dificuldades evidenciadas pela pandemia de Covid-19 apenas descortinam os riscos de uma diplomacia amadora, despreparada e personalista, dirigida por critérios fantasmagóricos, e como esses riscos podem se traduzir em prejuízos concretos, por vezes irreparáveis, à toda a sociedade brasileira.

Sendo assim, nos juntamos às inúmeras manifestações de repúdio a esse lamentável e anômalo intervalo na condução da política externa brasileira, cujo alcance a trágica pandemia de Covid-19 colocou a nu, da pior forma possível e a um custo intolerável. Solidarizamo-nos com todas as milhares de pessoas tão duramente afetadas pela pior pandemia do nosso século, e lamentamos todas as mortes ocorridas no Brasil e em todos os países. A sociedade brasileira tem a seu serviço, no Itamaraty, um corpo profissional de funcionários altamente qualificados, ciosos de seus compromissos sob a constituição cidadã de 1988 e sob a leis do País, e de seu inarredável apego à democracia, aos direitos humanos, ao serviço público e à defesa dos interesses nacionais.

Esta carta foi elaborada por diplomatas da ativa e recebeu a adesão de um grupo representativo de diplomatas de todas as classes funcionais. Estamos convencidos de que, em suas linhas gerais, ela reflete o sentimento da maioria do corpo diplomático brasileiro, que não pode se expressar, no contexto atual, sem o receio de sofrer retaliações que afetariam suas carreiras e vidas pessoais, já marcadas pelas dificuldades e sacrifícios próprios da profissão que abraçaram como forma de contribuir para a construção de um futuro melhor para o nosso amado Brasil”.