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quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Pressão do Itamaraty derruba almirante Flávio Rocha, ligado a Bolsonaro - Igor Gielow (FSP)

Pressão do Itamaraty derruba almirante ligado a Bolsonaro

Integrante da cúpula da Marinha, Flávio Rocha foi vetado como negociador do programa nuclear brasileiro

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/09/pressao-do-itamaraty-derruba-almirante-ligado-a-bolsonaro.shtml

Folha de S. Paulo, 28/09/2023
A pressão do Ministério das Relações Exteriores derrubou um dos integrantes do Almirantado, a cúpula da Marinha, mais associados ao governo de Jair Bolsonaro (PL).


O almirante-de-esquadra Flávio Rocha não será mais secretário de Segurança Nuclear e Qualidade da Força, e deverá ficar sem cargo executivo até ir para a reserva, em março do ano que vem.

A crise foi tratada discretamente no governo Lula, para evitar mais marola numa relação que começou complexa com a Marinha, ainda mais em tempos de investigação sobre intentonas golpistas e afins.

O último chefe da Força sob Bolsonaro, Almir Garnier, se recusou a conversar com o então ministro da Defesa indicado, José Mucio, e não compareceu à passagem de comando para Marcos Sampaio Olsen, ato inédito na história da instituição desde a redemocratização de 1985.

Garnier também foi citado na delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, como o único chefe de Força que abraçou a ideia de um golpe contra o resultado das eleições vencidas por Lula (PT) no ano passado.

Rocha foi muito próximo do ex-presidente. Logo após receber a quarta estrela que identifica o topo da hierarquia, em 2020, ele foi convidado por Bolsonaro para ser seu secretário de Assuntos Estratégicos, com assento no Palácio do Planalto.

Considerado muito preparado e fluente em seis línguas, passou gradativamente a ocupar o espaço de um Itamaraty então destroçado pela gestão de Ernesto Araújo, aquele que dizia ser uma honra a qualificação de pária internacional então dada ao Brasil.

Quando Bolsonaro conversou com Xi Jinping para tentar amainar uma crise criada por seu filho Eduardo, que entrou em choque com a diplomacia chinesa, ele estava na teleconferência. Logo, missões sensíveis ao exterior lhe foram confiadas, como viagens para negociar armas em países árabes e a discussão para a adoção de combustível russo para o submarino nuclear brasileiro

Todo esse protagonismo incomodou a diplomacia, a exemplo do que ocorrera durante os 13 anos em que o já falecido Marco Aurélio Garcia foi assessor de Assuntos Internacionais das Presidências de Lula e Dilma Rousseff (PT) e, em menor escala, agora com o ex-chanceler Celso Amorim no mesmo cargo no Planalto.

Com a virada do governo e o mal-estar generalizado na Marinha, sobrou para Múcio, que conhecia Rocha desde os tempos em que o almirante era assessor parlamentar da Marinha, acomodar a situação.

No papel, o militar foi nomeado em 10 de março como assessor do gabinete do comandante Olsen. Na prática, ele assumiu as funções de secretário naval de Segurança Nuclear e Qualidade, na Diretoria-Geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Força.

Era uma saída lógica, na visão da Marinha, dado o envolvimento de Rocha em assuntos nucleares enquanto era secretário. A Força lidera os esforços brasileiros no setor desde 1979, e o governo Lula determinou uma retomada de iniciativas na área —a primeira, a transferência da diretoria do setor para São Paulo, no campus da USP, para enfatizar o caráter de benefícios civis do programa. 

Sem publicidade, em 20 de maio Rocha embarcou para uma viagem à Europa, na qual participou primeiro de uma reunião do comitê que discute o desenvolvimento do submarino de propulsão nuclear brasileiro no âmbito do acordo militar Brasil-França de 2009, em curso.

Depois, desembarcou em Viena para uma reunião ordinária do conselho de governantes da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), no dia 5 de junho. A sua presença causou rebuliço na missão brasileira junto ao órgão de 35 nações, no qual o país ocupa uma das duas vice-presidências.

Diplomatas com conhecimento do assunto afirmam que o problema era o caráter militar em um evento civil, ainda mais no momento em que a AIEA questiona os desígnios do Brasil, que pediu à agência um acordo para poder usar combustível nuclear em uma embarcação militar, apesar de não ter armas atômicas.

Já aliados de Rocha na Marinha viram no episódio pura inveja, sob a alegação de que ele é um bolsonarista. Seja qual for a verdade, o fato é que o Itamaraty passou a pressionar a Defesa a remover o almirante de funções executivas.

Na semana passada, Múcio e Olsen decidiram que era melhor evitar mais confusão e designaram Rocha para uma função inespecífica no Comando da Marinha. Ele seguirá com seu salário de R$ 37 mil mensais e, segundo amigos, tem se dedicado também a abrir uma empresa.

Suas funções serão incorporadas pelo diretor do programa nuclear, almirante Petrônio Aguiar, que está no cargo desde 2021. Rocha não respondeu a mensagem enviada pela Folha para comentar o caso.

No Almirantado, um colegiado de dez integrantes chefiado por Olsen, o processo caiu mal por envolver um dos seus. Por outro lado, há a compreensão de que Rocha ultrapassou limites quando aceitou trabalhar no governo Bolsonaro sendo um oficial da ativa —a maioria dos fardado que migrou para o Executivo passou para a reserva, com algumas exceções notórias como o controverso general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde.

O episódio todo comprova, mais uma vez, que as feridas da simbiose entre fardados e Bolsonaro, voluntária ou não, ainda estão por todos os lados.


quarta-feira, 22 de março de 2023

Tribulações de um presidente atrapalhado e trapalhão, boquirroto e vulgar - Igor Gielow (FSP)

  1. Lula em modo palanque incomoda aliados, diplomatas e EUA

Folha de S. Paulo, 22.mar.2023 às 12h08
Igor Gielow

A verborragia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que não deixou o chamado modo palanque após a vitória na eleição de outubro passado, tem deixado o campo do folclore político e passado a preocupar aliados e integrantes do governo.

O mais recente episódio ocorreu na terça (21), quando em entrevista ao site esquerdista Brasil 247 o petista disse que Operação Lava Jato foi orquestrada em conjunto com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos para destruir empreiteiras brasileiras.

"Tenho consciência de que a Lava Jato fazia parte de uma mancomunação entre o Ministério Público brasileiro, a Polícia Federal brasileira e a Justiça americana, o Departamento de Justiça", afirmou, confundindo o Poder Judiciário e o órgão equivalente ao Ministério da Justiça nos EUA.

Ele já havia feito tal ilação sem provas antes, que tentou inclusive levantar na Justiça brasileira, com o mesmo argumento apresentado na terça. "Era para destruir. Porque as empresas da construção civil brasileira estavam ocupando espaço no mundo inteiro", afirmou.

Lula desconsidera que só a Petrobras recebeu quase R$ 7 bilhões de volta em acordos de leniência, repatriação e colaboração de empreiteiras e outras firmas envolvidas com corrupção apurada pela Lava Jato.Iniciada em 2014, a ação desmontou a política organizada no Brasil, terraplanando o terreno para a ascensão de Bolsonaro. Ela que caiu em descrédito devido a abusos, como os de seu juiz-símbolo, Sergio Moro, ex-ministro do governo anterior e hoje senador pela União Brasil do Paraná.

Uma coisa, apontam diplomatas brasileiros e americanos ouvidos, é fazer uma acusação de envolvimento de um governo amigo em tal ação enquanto se está fora do poder. Outra, com consequências, é fazê-lo sentado na cadeira de presidente.

Para turvar o cenário, há o fato de que Lula irá viajar na sexta (24) para a China, missão que está sendo vista com extrema cautela pelo Departamento de Estado americano. Desde a campanha eleitoral, quando conversavam sobre o cenário brasileiro de forma reservada sobre Lula, diplomatas de Washington focavam suas questões acerca da posição do petista sobre a rival geopolítica dos EUA na Guerra Fria 2.0.

O governo de Joe Biden, hostil a Jair Bolsonaro (PL), fez gestos inéditos de apoio ao sistema eleitoral colocado em dúvida pelo então presidente brasileiro, que ajudaram a esfriar os ânimos de setores com ambições de ruptura institucional, que sonhavam com a repetição do apoio de Washington visto no golpe militar de 1964.

Lula havia começado com uma jogada tática inteligente, indo até Biden de forma algo improvisada para uma conversa antes da visita oficial à China. Ali, focaram no que é agenda comum: ambiente e democracia. O plano de Lula para mediar a paz na Ucrânia, que o líder Xi Jinping irá certamente elogiar em Pequim para se mostrar imparcial apesar da aliança com a Rússia, foi basicamente ignorado.

No Itamaraty, a busca por uma política independente é tradição, mas as posições brasileiras têm sido equilibradas para demonstrar equidistância. O que preocupa diplomatas, contudo, é a animosidade antiamericana transparecida por Lula, que remonta ao discurso tradicional da esquerda brasileira.

Hoje, já há comentários entre americanos de que Lula está sendo injusto com Biden, que trabalhou em prol de uma transição pacífica de poder no Brasil. Eles lembram que, se a China é o maior parceiro comercial brasileiro, posto que atingiu no governo Lula-2 em 2009, os EUA seguem sendo os segundos, isso para não falar na conexão cultural inerente ao fato de que ambos são países ocidentais.

No campo doméstico, aliados importantes do presidente consideram que ele precisa moderar seu tom. O presidente de um partido vital de seu arco de governo afirma que ele poderia ser menos enfático em sua campanha contra o Banco Central independente, por exemplo, mas compreende que para o Planalto é bom haver um bode expiatório enquanto o governo sofre para fazer deslanchar sua agenda legislativa.

O mesmo é dito, com menos convicção da utilidade, sobre as críticas à privatização da Eletrobras. Esse político afirma que mesmo Lula sabe da inviabilidade política de reverter a venda, até por falta de apoio no Congresso, e que erra ao falar para sua base à esquerda.

Enquanto Bolsonaro fornece a matéria-prima, como no caso dos atos golpistas do 8 de janeiro ou no episódio das joias da Arábia Saudita, diz o aliado, tudo bem. O problema é a insistência nos gestos à ala minoritária de seus apoiadores com itens que desagradam a maioria deles.

Um petista próximo do presidente avalia que nada disso não vai mudar, dado que Lula está, segundo ele, "com sangue nos olhos como se fosse seu último mandato". Mas ele aponta gestos conciliatórios também: o petista está levando consigo para a China uma comitiva bastante representativa de setores que eram associados ao bolsonarismo no agronegócio, por exemplo.

O problema maior, diz esse aliado, é o estilo. Na mesma entrevista ao 247, o petista lembrou que, quando estava preso, dizia que "só vai estar tudo bem quando eu foder esse Moro", em referência ao ex-juiz que o sentenciou à cadeia.

Não foi o primeiro palavrão público usado por Lula em sua carreira política, longe disso, como o episódio em que chamou o então presidente Itamar Franco de "FDP" em 1993 lembra. O emprego do recurso, algo que aconteceu pontualmente em seus primeiros mandatos, tornou-se comum no governo de Bolsonaro.

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/03/lula-em-modo-palanque-incomoda-aliados-diplomatas-e-eua.shtml

terça-feira, 4 de outubro de 2022

A guerra nuclear de Putin contra a Ucrânia - Igor Gielow (FSP)

 Rússia mobiliza 200 mil e divulga treinamento para guerra nuclear


Kremlin segue usando ameaça, que Alemanha diz ser uma chantagem a ser levada a sério

Folha de S. Paulo, 4.out.2022 às 9h20
Igor Gielow

O Ministério da Defesa da Rússia disse nesta terça (4) que já alistou 200 mil dos 300 mil reservistas que pretende usar na Guerra da Ucrânia em uma contestada mobilização, e passou a divulgar ostensivamente que eles estão sendo treinados para lutar num ambiente de guerra nuclear, química ou biológicas.

"O pessoal das unidades formadas [desde 21 de setembro] está sendo treinado em 80 campos e seis centros", afirmou o ministro Serguei Choigu em um evento em Moscou. Nele, foram repassados números de destruição de equipamento ucraniano, mas não foi dita uma palavra sobre as controfensivas de Kiev no leste e no sul do país invadido em fevereiro.

A perda das áreas ocupadas em Kharkiv (nordeste), de um bastião russo em Donetsk (leste) e o rompimento das defesas num ponto de Kherson (sul) têm preocupado a linha dura do governo Vladimir Putin, que passou a fazer críticas públicas à condução da guerra e sugerir o uso de armas nucleares táticas, de menor potência, para deter Kiev.

Militarmente, não parece fazer muito sentido, mas esta é uma carta que o Kremlin tem usado com frequência desde o começo do conflito. Ao decretar a anexação de quatro áreas ucranianas em que não tem controle total, Putin elevou a aposta, dizendo que elas seriam defendidas com "todos os meios possíveis" —e isso inclui o maior arsenal atômico do mundo.

Com efeito, desde domingo (2) o Ministério da Defesa passou a postar no seu canal no Telegram imagens e relatos de treinamento de recrutas, incluindo como lidar com terreno contaminado por armas nucleares, químicas ou biológicas. É rotina, claro, em especial em um país com as capacidades que a Rússia tem, mas a visibilidade ao tema não é casual.

A Alemanha, rival histórica da Rússia que passou a ser sua parceira energética nos anos que precederam a guerra, disse nesta terça que as ameaças nucleares de Putin podem ser para valer. "Não é a primeira vez que ele recorre a tais ameaças, que são irresponsáveis e nós devemos levá-las a sério", disse a chanceler Annalena Baerbock.

"Mas isso é também uma forma de nos chantagear", disse ela, dando nome ao que está na mesa. Baerbock sabe que a população europeia, particularmente a alemã, antevê um inverno de dificuldades sem gás russo para aquecer os lares e mover a indústria, e que o temor de um conflito nuclear ainda é presente nas gerações que viveram a Guerra Fria.

No cálculo do Kremlin, presumido obviamente, a ameaça pode desestimular o apoio europeu, já bem menos coeso e volumoso do que o americano, a Kiev.

Também nesta terça, o Pentágono fez vazar a repórteres a avaliação de que nada indica que Putin esteja prestes a mobilizar suas forças nucleares. Isso é possível devido ao monitoramento de movimentos em bases por satélites e informação colhida por espiões.

Mas o emprego de uma arma tática traz complicadores, com por exemplo o fato de que algumas são muito pequenas, facilmente transportáveis. Enquanto isso, a especulação em torno do tema só aumenta, dando uma vitória ao Kremlin.

Na segunda (3), por exemplo, o jornal britânico The Times publicou reportagem dizendo que os russos estariam enviando material nuclear para sua fronteira ocidental. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse nesta terça que não comentaria porque "não quero fazer parte do exercício ocidental em retórica nuclear".

Há especulação acerca uma detonação de intimidação sobre o mar Negro, talvez até atacando a ilha da Cobra, rochedo estratégico que os russos ocuparam e perderam. O problema é que o local é muito próximo da Romênia, e parece inevitável que a radiação chegaria a um membro da Otan (aliança militar ocidental), disparando uma resposta.

Da mesma forma, o uso de uma arma tática contra forças ucranianas demandar o emprego de diversas ogivas para ter efeito, o que potencializaria o risco de contaminação da própria Rússia. Para os soldados, há o treinamento de proteção pessoal e descontaminação de blindados e caminhões depois, mas não há o que fazer com uma nuvem radioativa.

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Ucrânia promete continuar contraofensiva e pede mais armas - Igor Gielow (FSP)

 Ucrânia promete continuar contraofensiva e pede mais armas

Embalada pelo sucesso de sua contraofensiva na região de Kharkiv, a Ucrânia disse que só irá parar quando expulsar todas as tropas russas

Por IGOR GIELOW

FOLHA DE SÃO PAULO, SP 13/09/2022 

Embalada pelo sucesso de sua contraofensiva na região de Kharkiv, a Ucrânia disse nesta terça (13) que só irá parar quando expulsar todas as tropas russas de seu território. Até os ataques iniciados na semana passada, Moscou ocupava cerca de 20% do vizinho que invadiu há 202 dias.

É um golpe de propaganda, claro, mas guerras são feitas disso também. “O objetivo é liberar a região de Kharkiv e além: todos os territórios ocupados pela Federação Russa”, afirmou a ministra-adjunta da Defesa, Hanna Maliar, a repórteres que a acompanhavam na estrada para Balaklia, primeira cidadezinha estratégica retomada por Kiev na ação.

A realidade ainda pode se interpôr. No começo da tarde (início da manhã no Brasil), uma barragem de artilharia pesada foi registrada em quase todos os pontos da frente de Kharkiv, no nordeste do país. 

Enquanto reforçavam sua posição para uma longamente protelada ofensiva ucraniana no sul do país, em Kherson, os russos se descuidaram da região nordeste do país, a qual ocupavam parcialmente desde abril. Kiev atacou lá, com grande eficácia, apesar da cautela de analistas acerca de sua capacidade de reter os ganhos. 

As forças russas recuaram, e hoje mantêm uma porção bem pequena de Kharkiv. É lá que os combates mais duros estão ocorrendo, pelos relatos desencontrados. Mas a ambição ucraniana tem limites: no sul, sua ofensiva pouco ganhou e no leste, o russófono Donbass, o Kremlin está em posição aparente de força.

Assim, a fala de Maliar remete a pedidos renovados do presidente Volodimir Zelenski, feitos na véspera, para que o Ocidente envie mais armamentos para a Ucrânia. Só os EUA já entregaram e prometeram mais de US$ 15 bilhões (R$ 76,3 bilhões) em ajuda militar, quase quatro vezes o orçamento de defesa regular dos ucranianos. 

O motivo é o temor de Kiev acerca da reação europeia às ameaças de Vladimir Putin de deixar o continente sem gás russo quando o inverno do Hemisfério Norte chegar, em dezembro. O chanceler Dmitro Kuleba entregou isso em uma postagem nesta terça no Twitter: “Sinais desapontadores da Alemanha, enquanto a Ucrânia precisa de Leopards [tanques de guerra alemães]. O que teme Berlim?”.

Diferentemente dos americanos, as grandes economias europeias são bastante menos efusivas no esforço de armar os ucranianos. E a atual campanha no nordeste do país voltou a provar a importância de tanques e blindados com apoio de infantaria: em poucos números, garantiram o maior sucesso da guerra para Kiev até aqui.

Na vizinha Donetsk (Donbass), o governador da porção ainda controlada por Kiev da província disse esperar uma ofensiva imediata de seus compatriotas. A assertiva parece otimista demais, em linhas com o esforço de imagem dos ucranianos. 

Do lado russo, as opções se reduzem para Putin. A pressão entre comentaristas militares e jornalistas chapa-branca para mudanças mais agressivas no rumo da guerra tem crescido tanto que até o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, se dignou a comentá-las.

“Pontos de vista críticos, desde que eles permaneçam dentro da lei, isso é pluralismo, mas a linha é muito, muito tênue e é preciso ser muito cuidadoso nisso”, afirmou, sem ironia aparente, já que criticar as Forças Armadas pode dar até 15 anos de cadeia na Rússia. Ele se dirigia ao líder tchetcheno Ramzan Kadirov e ao apresentador Vladimir Soloviev, que haviam questionado a liderança militar do país.

O problema para Putin se chama poderio humano. A resistência em fazer uma mobilização geral e declarar guerra, para evitar impopularidade, tem atrapalhado a Rússia desde o começo do que chama de operação militar especial.

A questão é a realidade. “Durante a Segunda Guerra Mundial, alguém só precisava dizer ‘a guerra’ para todo mundo saber o que estava sendo discutido. Nós chegamos ao mesmo ponto na guerra russo-ucraniana, e isso não era o que os russos esperavam”, escreveu nesta terça o papa da geopolítica americana, George Friedman, da consultoria Geopolitical Futures.

A primeira fase do conflito fracassou por falta de gente, táticas ruins e logística pobre. Na segunda, concentrada no Donbass, houve mais sucesso. A terceira, com a iniciativa ucraniana, voltou a evidenciar a falta de recursos em solo. 

Assim, como pondera Friedman, como não pode desocupar a Ucrânia ou buscar a paz agora, sob pena de inviabilizar seu governo, resta a Putin pensar em formas mais eficazes de reunir pessoal. Há relatos de que as forças reunidas no Extremo Oriente para o exercício Vostok-2022 na virada do mês seguiram treinando, mas nada disso é certo neste momento. 

Peskov buscou minimizar a questão. “Neste momento, não, não há discussão sobre isso”, afirmou, questionado sobre mobilização.

Assim, como pondera Friedman, como não pode desocupar a Ucrânia ou buscar a paz agora, sob pena de inviabilizar seu governo, resta a Putin pensar em formas mais eficazes de reunir pessoal. Há relatos de que as forças reunidas no Extremo Oriente para o exercício Vostok-2022 na virada do mês seguiram treinando, mas nada disso é certo neste momento.

Peskov buscou minimizar a questão. “Neste momento, não, não há discussão sobre isso”, afirmou, questionado sobre mobilização. 

https://jornaldebrasilia.com.br/noticias/mundo/ucrania-promete-continuar-contraofensiva-e-pede-mais-armas/


quinta-feira, 28 de julho de 2022

Rússia e Ucrânia trocam ataques, e guerra entra em nova fase - Igor Gielow (FSP)

 Independentemente das idas e vindas das tropas no terreno, os massacres da Rússia contra a população civil continuam, até aqui impunemente.

Rússia e Ucrânia trocam ataques, e guerra entra em nova fase

Kiev ensaia contraofensiva no sul; Moscou pressiona a leste e intensifica bombardeios

FSP, 28.jul.2022 às 9h05
Igor Gielow

Após uma pausa tática relativa, a Guerra da Ucrânia entrou em sua terceira grande fase. Kiev ampliou os movimentos de sua primeira contraofensiva, enquanto Moscou retomou o avanço no leste e intensificou bastante seus ataques com mísseis nesta quinta (28), 155º dia da invasão russa do vizinho.

Não se via tanta dinâmica no campo de batalha desde que a Rússia encerrou a conquista de Lugansk, uma das duas províncias que compõem o Donbass, o leste russófono do país, há pouco mais de três semanas. De lá para cá, obviamente a guerra seguiu, mas com ações pontuais.

Agora, a Ucrânia trabalha para isolar as forças russas em Kherson, a primeira grande cidade conquistada por Moscou, logo no começo da guerra. Porto ao sul do país, ela é a capital da província homônima, cujo controle russo estabeleceu uma ponte entre o Donbass e a Crimeia, anexada por Vladimir Putin em 2014.

É uma corrida contra o tempo, segundo as Forças Armadas ucranianas, que registram reforços russos chegando à região. Nesta semana, Kiev intensificou as ações contra a principal ponte que liga a cidade ao resto da província, separada pelo rio Dnieper. Aqui entra ao mesmo tempo um dilema estratégico e uma limitação tática.

A ponte em questão, Antonivski, tem 1 km de extensão. Ela teve a pista danificada com o uso de artilharia de longo alcance ocidental doada aos ucranianos —pela precisão da ofensiva, provavelmente por munição com guiagem de GPS Excalibur, disparada por obuseiros, não os famosos mísseis do sistema Himars.

Os russos dizem ter estabelecido pontões e uma travessia com balsa como alternativa, mas estão vulneráveis em Kherson, sob risco de ficarem isolados. Perder a cidade seria uma derrota estratégica importante para a pretensão agora explícita de Moscou de conquistar o sul do vizinho.

Como de costume na guerra de narrativas, fontes ocidentais dão a situação russa como perdida. A pasta da Defesa britânica diz que Moscou perdeu o ímpeto no sul de forma definitiva, o que por ora é exagero.

Entra então o dilema para Kiev: se quiser retomar Kherson, terá de bombardeá-la de forma intensiva. Meramente isolar os russos não sugere que eles sairão de lá. Só que a cidade segue habitada por seus cidadãos: antes da guerra, eram 283 mil moradores por lá.

Essa é a limitação tática das armas ocidentais. Elas deram uma capacidade operacional nova para os ucranianos, atingindo depósitos de munição e posições russas a até 70 km de distância, mas são inúteis para ocupar uma cidade, exceto se usadas para destruí-la antes. Mesmo a recusa até aqui em explodir de vez a ponte Antonivski ou a outra que fica mais acima no mesmo rio passa por essa lógica.

Há dúvidas também sobre a força do Exército ucraniano para montar uma contraofensiva em solo, dado que recebeu poucos blindados e tanques em comparação com as perdas que teve até aqui. As próximas semanas dirão a real condição da contraofensiva.

Os russos, por sua vez, desde o fim de semana retomaram a pressão sobre a porção remanescente sob controle de Kiev no Donbass, na província de Donetsk. Desde 2014, quando a Crimeia foi anexada em retaliação pela derrubada do governo pró-russo da Ucrânia, a área entrou em guerra civil e estava dividida entre ucranianos e separatistas apoiados por Moscou.

Essas tropas pró-Rússia participam de um ataque contra Adviivka, a linha de frente congelada em Donetsk, junto à capital homônima da província. Segundo afirmou no Telegram Igor Girkin, ex-comandante militar da região e hoje crítico da condução da guerra, o assalto direto tem tudo para dar errado.

Avaliação semelhante faz o Instituto para Estudos da Guerra, de Washington. O centro diz acreditar que a Rússia só tem força para essa ação e outra, por ora bem-sucedida, que tomou a usina termelétrica de Vuhleriska, na fronteira entre Donetsk e Lugansk. Com efeito, ali foram empregadas pela primeira vez numa ação de relevo o grupo mercenário russo Wagner, não tropas regulares.

Seja como for, os russos amplificaram seus ataques aéreos nesta quinta, o que pode ser uma tática diversionista para retirar empenho ucraniano no sul ou prenúncio de uma retomada da campanha mais sustentada. No domingo (24), o chanceler Serguei Lavrov disse com todas as letras que o objetivo, afinal, é derrubar o que chamou de "regime inaceitável" de Volodimir Zelenski.

Da Crimeia, foram lançados mísseis que destruíram uma base militar próxima de Kiev, em Liotij. De acordo com Oleksii Gromov, do Estado-Maior ucraniano, houve diversas baixas. Mais significativo ainda, de bases russas na Belarus foram lançados 25 mísseis contra posições na região de Tchernihiv, palco de sangrentas batalhas no começo do conflito.

Gromov avalia a situação em Donetsk como "bastante difícil, mas ainda sob controle". Os Estados Unidos já prometeram enviar mais sistemas de mísseis Himars —até aqui, são 12 entregues aos ucranianos—, e outros países da Otan, a aliança militar do Ocidente, seguem pingando armamentos aqui e ali para Kiev.

Grosso modo, a Guerra da Ucrânia pode ser dividida entre uma primeira fase, na qual Putin tentou tomar Kiev com um ataque com múltiplas frentes e pouco foco de poder de fogo. Enfrentou assim resistência ucraniana e fracassou. Dali o conflito mudou-se para sua origem, o Donbass, onde em abril os russos iniciaram sua nova campanha, mais bem-sucedida até aqui, apesar de dúvidas sobre a capacidade de tomada de toda a província de Donetsk. Ainda inconclusa, essa segunda fase é sobreposta pela terceira.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/07/russia-e-ucrania-trocam-ataques-e-guerra-entra-em-nova-fase.shtml


terça-feira, 26 de julho de 2022

Ucrânia acusa Lula de fazer propaganda da Rússia na guerra - Igor Gielow (FSP)

 Independentemente do presidente de honra do PT – candidato nas eleições de outubro de 2022, e provável próximo presidente do Brasil – ter dito ou não que o presidente da Ucrânia Volodimyr Zelensky é "ão culpado quanto Putin pela guerra" – SIC três vezes – o fato é que o Brasil de Bolsonaro tem sido leniente, senão conivente com a Rússia, e objetivamente solidário com Putin na sua guerra de agressão contra o povo da Ucrânia, e que, MAIS IMPORTANTE, Lula se prepara para REFORÇAR os laços com o BRICS e os Brics, numa perspectiva em que o dirigente russo pode ser acusado de CRIMES DE GUERRA, CONTRA A PAZ E A HUMANIDADE. 

Ou seja, o Brasil, com uma política externa que sempre se pautou PELA DEFESA DA CARTA DA ONU e dos princípios mais elementares do DIREITO INTERNACIONAL, se prepara para continuar, reafirmar e talvez até reforçar seus laços diplomáticos e de cooperação com um país que VIOLOU A CARTA DA ONU e que viola repetidamente as LEIS DA GUERRA, cometendo CRIMES EM SÉRIE. Não sei o que seria maior ruptura com padrões, princípios e valores de nossa diplomacia, e até da CONSTITUIÇÃO, para maior VERGONHA da diplomacia profissional.

Até quando?

Paulo Roberto de Almeida

Ucrânia acusa Lula de fazer propaganda da Rússia na guerra

Ex-presidente, que condenou a invasão, afirmou que Zelenski também é culpado no conflito

    São Paulo

    O governo da Ucrânia incluiu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do PT para tentar voltar ao cargo em outubro, numa lista de "oradores que promovem narrativas de propaganda russa".

    A acusação foi publicada no site do Centro para Contenção de Desinformação, uma entidade criada pelo presidente Volodimir Zelenski no ano passado que integra a guerra informativa entre Rússia e Ucrânia pela ótica do que Kiev considera fake news e manipulações do Kremlin.

    Lula e Putin no Kremlin durante visita do ex-presidente ao russo em 2005
    Lula e Putin no Kremlin durante visita do ex-presidente ao russo em 2005 - Eduardo Knapp - 18.out.05/Folhapress

    Lula é o único brasileiro numa relação de 78 pessoas, 30 das quais americanas. Está lá por dois motivos, segundo o centro: disse que a Rússia deveria liderar uma nova ordem mundial e que Zelenski é tão culpado pela guerra quanto o presidente russo, Vladimir Putin.

    Não há registro sobre o petista ter dito a primeira assertiva. Nos seus oito anos de mandato (2003-10), Lula promoveu uma política externa voltada para relações Sul-Sul, na qual a Rússia estava inserida como membro fundador do Brics, bloco político-econômico que une Brasil, China, Índia e África do Sul também.

    Em inúmeras ocasiões o então presidente e membros do seu governo enalteceram a ideia de uma alternativa à diplomacia dominada pelos EUA e pela Europa, o que é bastante diferente de dizer que a Rússia deveria dominar o sistema internacional.

    Já a segunda frase está na polêmica entrevista concedida por Lula à revista americana Time, publicada em maio. Nela, afirmou: ​"Fico vendo o presidente da Ucrânia na televisão como se estivesse festejando, sendo aplaudido em pé por todos os parlamentos, sabe? Esse cara é tão responsável quanto o Putin. Ele é tão responsável quanto o Putin. Porque numa guerra não tem apenas um culpado".

    Jair Bolsonaro em viagem à Rússia

    A assessoria de Lula disse que não comentaria o caso, mas lembrou que o petista condenou a invasão da Ucrânia. Considera as críticas à fala de Lula uma questão de "má vontade". Mesmo entre aliados do petista, houve a leitura de que, independentemente do mérito da opinião, ela poderia ter sido amainada, já que Kiev foi o objeto da agressão de Moscou.Mas não houve a usual exploração por parte de seu maior rival, o presidente Jair Bolsonaro (PL), por um motivo simples:o mandatário concorda com o antecessor.

    Esta é a segunda interação entre o conflito no Leste Europeu e a eleição brasileira. Na semana passada, Zelenski concedeu entrevista à TV Globo e criticou a posição de neutralidade advogada por Bolsonaro. O Brasil condenou a invasão em uma resolução na ONU, mas não aderiu às sanções contra Moscou.

    O fez por interesses econômicos: quis manter o fluxo de fertilizantes russos para o agronegócio brasileiro e, agora, busca negociar diesel com desconto para aliviar a crise inflacionária dos combustíveis.

    O caminho, criticado por Zelenski, que vê na relativização das relações com Moscou algo equivalente à tentativa de apaziguar Adolf Hitler feita pelo Ocidente antes da Segunda Guerra, não é uma exclusividade brasileira. A China e a Índia, não por acaso membros do Brics, aumentaram brutalmente a importação de hidrocarbonetos russos, gerando críticas de que ajudam a financiar a guerra de forma indireta. Além disso, o Itamaraty historicamente advoga por soluções de conflitos negociadas, evitando tomar partido.

    A lista do centro ucraniano não tem efeito prático. Nela, diplomaticamente, não há chefes de Estado: Bolsonaro, que visitou Putin e lhe prestou solidariedade uma semana antes da guerra, não aparece.

    Candidatos a presidente, contudo, estão lá. Além de Lula, dois derrotados do pleito francês deste ano figuram: Marine Le Pen e Eric Zemmour são criticados por posições pró-Moscou. A França, liderada por Emmanuel Macron, é frequentemente alvo em Kiev por suas posições menos agressivas em relação a Putin. Talvez não por acaso, é o segundo país com mais nomes no índex, 12.

    A publicação, feita em 14 de julho, foi destacada pelo site britânico UnHerd nesta segunda (25). Há lá políticos, jornalistas, cientistas políticos e analistas que deram opiniões consideradas pró-Rússia.

    A publicação ouviu algumas pessoas lá listadas, como o cientista político americano John Mearshimer, um advogado da chamada linha realista das relações internacionais que sempre apontou a atitude do Ocidente em relação à Rússia como parte das raízes do conflito.

    "Quando não conseguem derrubar seus argumentos com fatos e lógica, eles difamam. Eu argumento que é claro, pela evidência disponível, que a Rússia invadiu a Ucrânia porque os EUA e seus aliados europeus estavam determinados em fazer do país um baluarte ocidental", afirmou.

    Este é um ponto central geopolítico para entender a crise desde que Putin anexou a Crimeia, em 2014, mas a mera discussão foi proscrita em parte do Ocidente porque acaba se assemelhando a uma justificativa para a guerra. O que não é: entender razões, ou problematizar o senso comum, não implica endosso.

    Outro nome na lista, o jornalista americano Glenn Greenwald, acusou no Twitter o governo da Ucrânia de macarthismo —referência à caça às bruxas contra supostos comunistas na década de 1950 nos Estados Unidos sob a inspiração do então senador Joseph McCarthy.

    Ele lembra que Zelenski opera uma censura pesada ao trabalho jornalístico dentro da Ucrânia, suprimiu a oposição e viu presos rivais desde que exerce o poder sob a sombra das bombas de Putin.

    Não que a situação seja muito melhor do outro lado das trincheiras. Putin, que já havia suprimido na prática o dissenso político na Rússia nos últimos dois anos, instalou um controle informativo e de censura militar duro em seu país. A mídia independente foi virtualmente extinta e quem for acusado de divulgar fake news sobre a guerra, que nem assim pode ser chamada, arrisca-se a pegar 15 de cadeia.


    terça-feira, 8 de março de 2022

    Putin apresenta lista de condições para encerrar guerra na Ucrânia; o que fazia o Brasil em 1940 em relação à Polônia? - Igor Gielow (FSP), Paulo Roberto de Almeida

    Publiquei, há pouco, meu artigo sobre o o abandono do Direito Internacional pelo Brasil (também disponível neste link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2022/03/uma-renuncia-infame-o-abandono-do.html ). 

    Pois bem, leio agora que o ditador Hitler-Putin exige, como condição para acabar com a agressão contra a Ucrânia, que se reconheça "a Crimeia anexada em 2014 como russa e as ditas repúblicas separatistas do Donbass, no leste, como independentes".

    Permito-me, antes que o Itamaraty seja levado a mais uma violação de seus próprios princípios relativos ao Direito Internacional, recordar a atitude da diplomacia brasileira, em 1939, em plena ditadura do Estado Novo, relativamente ao esquartejamento da Polônia pela Alemanha nazista e pela União Soviética stalinista.
    Retiro do relatório do MRE de 1939, este trecho sobre o não reconhecimento de situações geradas pelo uso da força:

    "O conflito europeu suscitou, logo de início, a questão da nossa Representação diplomática junto ao Governo polonês e a do reconhecimento da anexação dos territórios ocupados. Decidiu o Governo brasileiro, fiel aos princípios do não reconhecimento de conquistas efetuadas pela força, manter a sua Representação junto ao Governo da Polônia, tendo sido dadas instruções nesse sentido ao Ministro Joaquim Eulálio do Nascimento Silva, que se transferiu para Angers. (Relatório do MRE de 1939, p. 4-5).

    Permito-me recordar, ainda, que o Brasil NUNCA reconheceu a suzerania da URSS sobre os três países bálticos em 1940 (e até 1991), pois havíamos estabelecido relações diplomáticas com os três, entre 1919 e 1921.
    Paulo Roberto de Almeida

    Putin apresenta lista de condições para encerrar guerra na Ucrânia
    Porta-voz diz que russo quer rendição militar, neutralidade e reconhecimento da Crimeia e do Donbass
    Igor Gielow
    Folha de S. Paulo, 7.mar.2022 às 13h06

    A Rússia de Vladimir Putin listou pela primeira vez as condições que apresentou à Ucrânia para acabar com a guerra que devasta o país vizinho há 12 dias.

    Em uma entrevista à agência Reuters, por telefone, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, afirmou que a operação "acaba em um instante" se Kiev se render militarmente, mudar sua Constituição para garantir que nunca irá aderir à Otan, a aliança militar ocidental, ou à União Europeia, reconhecer a Crimeia anexada em 2014 como russa e as ditas repúblicas separatistas do Donbass, no leste, como independentes.

    Segundo Peskov, os negociadores russos já informaram aos ucranianos seus termos na semana passada, quando fizeram duas reuniões na Belarus. A terceira rodada ocorre nesta segunda-feira (7), também na ditadura aliada de Moscou, que serve de base para ações no norte da Ucrânia.

    Peskov afirma que não haverá exigências territoriais adicionais a serem feitas, o que não condiz com o mapa que se desenha no solo ucraniano, particularmente com o estabelecimento de uma ponte terrestre entre o Donbass e a Crimeia, base da Frota do Mar Negro russa.

    Se a cidade de Mariupol, sob intenso cerco e objeto da discussão acerca de corredores humanitários, cair, tal ligação está estabelecida. E as forças de Putin lutam para chegar até Odessa, o maior porto ucraniano. Se conseguirem, apesar dos reveses no caminho no fim de semana, podem isolar o país do mar.

    "Nós realmente estamos acabando a desmilitarização da Ucrânia. Vamos acabá-la. Mas a principal coisa é a Ucrânia cessar sua ação militar. Aí ninguém vai atirar", disse Peskov. Em outras palavras, o Kremlin quer a rendição dos ucranianos, algo que o governo de Volodimir Zelenski rejeita. No sábado (5), Putin havia dito que a Ucrânia corria o risco de deixar de ser um Estado soberano.

    "Eles devem fazer emendas à Constituição de acordo com as quais a Ucrânia irá rejeitar entrar em qualquer bloco", afirmou, sobre a neutralidade. A frase é importante, pois "qualquer bloco" indica não só o temor decantado dos russos de ter um país enorme membro da Otan junto às suas fronteiras, mas também o desejo de evitar que a União Europeia transforme a Ucrânia em uma vitrine do tipo de democracia que possa inspirar opositores de Putin na Rússia.

    Peskov disse que "seria uma questão de tempo" ver mísseis intermediários e outras armas ofensivas colocadas numa Ucrânia que fizesse parte da Otan. "Tivemos de agir." A questão da neutralidade estava no centro do ultimato feito aos EUA e à Otan em dezembro por Putin, que foi rejeitado liminarmente pelos ocidentais. No caso, o russo queria a garantia deles de que não trariam a Ucrânia para seu lado.

    Em 2008, tal possibilidade levou o Kremlin a lutar uma guerra na Geórgia, vencida em cinco dias. As ações de 2014 na Ucrânia já seguiam essa lógica, já que o governo pró-Rússia de Kiev havia caído após protestos de rua por não ter aceito um acordo comercial com os europeus. Putin busca manter o cinturão que separa a Rússia de seus adversários, como fizeram antes o Império Russo e a União Soviética.

    Por fim, as questões territoriais existentes. Que a retomada da Crimeia por Moscou em 2014 é um fato consumado, isso é admitido por qualquer diplomata ocidental. Fazer Kiev aceitar parece algo mais difícil. O mesmo se aplica às chamada "repúblicas populares" do Donbass, baseadas em Donetsk e Lugansk, lar de 4 milhões de pessoas, a maioria russófona, e 800 mil delas, com passaporte russo.

    "Isso não significa que a gente está tomando Lugansk e Donetsk da Ucrânia. Elas não querem ser parte da Ucrânia. Mas isso não significa que elas devam ser destruídas como um resultado", disse o porta-voz, repassando a justificativa inicial da ação de Putin —a suposta proteção às duas áreas que são autônomas desde a guerra civil que seguiu à anexação da Crimeia. "De resto, a Ucrânia é um Estado independente que irá viver como quiser, sob as condições de neutralidade", disse. A Rússia reconheceu as duas regiões três dias antes do início da guerra. "Nós entendemos que elas seriam atacadas."