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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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terça-feira, 12 de setembro de 2023

Lula apoia tiranos por gosto, perversão ou ignorância? Deve ser antiamericanismo barato - artigo de Joel Pinheiro (FSP)

Por que Lula insiste em bajular tiranetes? Cria-se um ruído desnecessário com quem vê democracia e direitos humanos como valores centrais 

Joel Pinheiro
Folha de S. Paulo, 12/09/2023

Foi a resposta seca —alguns interpretaram como incrédula— da jornalista ao ouvir o presidente Lula, na Índia, afirmar sem meias palavras que descumpriria a decisão do Tribunal Penal Internacional que pede a prisão de Vladimir Putin. O que é claro é que a aplicação dessa decisão, caso Putin viesse ao Brasil, não seria nada trivial. Um chefe de Estado —e ainda de uma potência militar— chega para uma reunião e sai algemado? Não é o tipo de coisa que se faz assim com leveza. Mas é também, como o próprio Lula foi obrigado a reconhecer no dia seguinte, uma decisão que cabe à Justiça. Putin, por sua vez, sabe dos riscos que corre se começar a viajar por aí —e um mandado de prisão expedido por um tribunal é o menor deles. Não deve sair de casa tão facilmente. 

Ou seja, muito barulho por nada. A questão é mais profunda: o que ganhamos com esse tipo de manifestação de Lula? Essa bagunça, esse vai e volta, nos beneficia de que maneira? Criamos um clima mais amistoso com Putin e grupos que o apoiam. Ao mesmo tempo, criamos mais um ruído desnecessário, aí sim, com todo mundo que vê na democracia e nos direitos humanos como valores centrais. E talvez essa seja a pergunta que caiba fazer agora: na sua busca pela política externa "não alinhada", Lula está disposto a se desalinhar dos direitos humanos? "Temos de ter cuidado para que o discurso de direitos humanos, por mais válido que seja, transforme-se em uma arma política para aqueles que se incomodam com o fortalecimento e o crescimento econômico do mundo em desenvolvimento." Essa fala não veio do ministro da Economia ou da Agricultura, preocupados em fazer negócios. Veio do nosso ministro da Cidadania e Direitos Humanos, em entrevista para o UOL. 

 A condenação de Putin, cabe ressaltar, não é mera perseguição internacional de capangas dos EUA (que aliás não aceita o TPI); ela decorre do fato de que o governo russo cometeu crime de guerra ao deportar crianças ucranianas para a Rússia em territórios ocupados. Com sua vitória em 2022, Lula foi aclamado, celebrado pelas nações desenvolvidas do mundo democrático, que receberam sua eleição como uma lufada de esperança. Mas parece ansiar mesmo é pela amizade de qualquer tiranete subdesenvolvido que reproduza discurso da Guerra Fria. Não aprendemos nada com o vexame que foi nossa relação amistosa com o Irã em 2009 e 10? Defendemos o programa nuclear iraniano, recebemos o então presidente Ahmadinejad de braços abertos, passamos vergonha ao relativizar sua negação do Holocausto e a homofobia de seu governo, e não ganhamos nada. 

 A democracia liberal está longe de ser perfeita. Mas é também, de longe, a organização social e política que mais nos aproxima de uma sociedade mais justa, estável, solidária e próspera, especialmente os mais vulneráveis. E está sob ataque: tanto interno, com movimentos que buscam corroer suas bases, quanto externo, na forma de regimes autocráticos que se afirmam com cada vez mais desenvoltura —a guerra expansionista da Rússia é o maior exemplo disso. Buscar comércio e diplomacia com todos é um fim nobre. 

Distanciar-se dos EUA quando ele promove invasões e regimes brutais, idem. Mas tornar esse distanciamento um cacoete automático, que resvala para a defesa de ditadores toda vez que o presidente fala de improviso, é preocupante. Se forem só palavras ao vento, geram um ruído desnecessário com nossos reais aliados de quem podemos obter reais vantagens. Se indicarem um direcionamento real futuro, são prelúdio de um fracasso ético e econômico.


quarta-feira, 11 de junho de 2014

Catolico e Libertario? Pode Sim! - Joel Pinheiro

O Papa parece que anda sendo mal aconselhado. Ou então não aprendeu economia, nem história econômica. Parece flutuar naquela mixórdia de economia da teologia da libertação que não leva a lugar nenhum. Só a mais atrasos na América Latina e em outros lugares.
Essa teologia econômica da Igreja Católica é um atraso mental.
Ainda bem que temos liberais para corrigi-la.
Paulo Roberto de Almeida


LESA-MAJESTADE
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Católico e Libertário? #PodeSim!



Com a eleição de Francisco ao papado, que trouxe consigo ventos de mudança, vieram também os ventos da teologia da libertação. Francisco está longe de ser um radical dessa ala do pensamento católico, mas é parte dela, e foi nela que teve sua formação. Ela é marcada pela preocupação com a justiça social e com a crítica ao que vê como a causa da pobreza e da desigualdade: o mercado.
Fiel à cartilha, o cardeal Maradiaga, hondurenho muito próximo ao papa, disse num discurso em Washington que Catolicismo e a crença libertária no livre mercado são incompatíveis. Em seu lugar, devemos dar ao Estado mais poder sobre a sociedade e mais recursos, de forma que ele redistribua a riqueza. O libertário, segundo ele, é alguém que não se importa com os pobres. É uma grande infelicidade ver pastores da maior religião do mundo tentando impor a seus fieis uma posição política, qualquer que ela seja. Pior ainda é ver que sua argumentação está cheia de caricaturas.
Maradiaga não é exceção na Igreja. Lembremos, por exemplo, que o papa Paulo VI – em sua encíclica Populorum Progressio – conclamou os países ricos a pagarem mais impostos para ajudar os países pobres. Enquanto houvesse um pobre no mundo, os ricos não deveriam aproveitar sua riqueza.
Não é, contudo, só a esquerda católica que tem problemas com a economia de mercado. Da segunda metade do século 19 para cá, que é quando os papas começaram a publicar encíclicas mais voltadas a questões sociais (encíclicas que, juntas, são a base da chamada “Doutrina Social da Igreja”), as ideias liberais não estiveram em alta. A primeira dessas encíclicas, chamada Rerum Novarum, do papa Leão XIII, é até bem liberal para os padrões de hoje em dia; e mesmo na época marcava uma mudança de rumo do papado, abandonando o reacionarismo radical e tentando dialogar com o mundo moderno. No fim do século 20, João Paulo II deu uma notável guinada liberal ao revalorizar a importância do empreendedorismo e da necessidade de se facilitar a criação e as trocas econômicas.
Cardeal Oscar Rodriguez Maradiaga, de Honduras
Cardeal Oscar Rodriguez Maradiaga, de Honduras
De resto, vemos flertes com o fascismo, reiteradas condenações ao Ocidente capitalista. E sempre, em todos os casos, muita ingenuidade: a crença de que a pobreza – ou a exclusão social – é um mal que deve ser curado com a redistribuição, com leis pesadas, com o Estado intermediando as relações econômicas, e com muita condenação aos ricos, outra tradição do pensamento católico. A crítica de D. Maradiaga, embora inspirada pela Teologia da Libertação, tem raízes antigas, até milenares.
“Todas as riquezas vêm da iniquidade, e a menos que um perca, outro não pode ganhar. Portanto me parece verdadeira a opinião comum de que o homem rico ou é injusto, ou é herdeiro de um injusto.” Quem o disse? Marx? Engels? Guevara? Nada. A frase é de S. Jerônimo, santo do século 4. Só que uma opinião que é compreensível no século 4, muito antes dos homens sonharem em fazer ciência econômica, não é desculpável hoje em dia…
Se D. Maradiaga tivesse se preocupado em estudar, saberia que os libertários se interessam sim pelo bem dos pobres, e que não, não propõem a caridade privada como grande solução da pobreza. Propõem, isso sim, um caminho oposto ao dele. O caminho para a prosperidade não é o de tirar de quem produz e dar a quem não produz, e sim o de dar a quem não produz as condições institucionais para que possa produzir. Os pobres não são uma massa inerte de mãos estendidas esperando comida do céu; são seres humanos plenamente capazes de produzir (aliás, já produzem em alguma medida) e que precisam de um ambiente que favoreça sua ambição e facilite sua ascensão.
Compare a riqueza dos EUA, um país que, ainda que de forma bem imperfeita, desenvolveu-se com base na livre iniciativa, e a pobreza de uma Honduras, país que amarga sob um Estado pesado e continua na miséria (ao contrário de vizinhos mais liberais da América Central). O discurso mais enfático de ajuda aos pobres tem sido muito bom em perpetuar a pobreza. Onde se ouve mais falar em justiça social: no Mercosul ou na Aliança do Pacífico? E qual deles tem tido mais sucesso no combate à pobreza?
Apesar das notas antiliberais, existe todo um outro lado para a tradição de pensamento católica. Aliás, falar em “tradição de pensamento católica” assim, no singular, é omitir a enorme variedade que se esconde sob ela. Especialmente a partir da Idade Média, essa tradição originou também diversos conceitos importantes até hoje no pensamento liberal. Foi o pensamento católico medieval que reabilitou a figura do comerciante e justificou seu lucro, malvistos na Antiguidade.
Ele cometeu um erro gritante: a condenação absoluta dos juros; mas mesmo esse erro deu origem a discussões que foram importantes para clarear diferenças importantes: juro é diferente de remuneração por lucros cessantes, de remuneração do risco, do lucro de investimento, etc. Foram os escolásticos católicos da Idade Média os primeiros a formular os rudimentos do que viria a ser a ciência econômica: o entendimento claro, por exemplo, de que tabelar preços durante um período de escassez apenas piora a escassez, pode ser encontrado já no século 13. Foram eles também que solidificaram a ideia de que o preço justo é o preço definido pelo mercado num determinado lugar e sob determinadas circunstâncias, e que portanto, está sujeito a mudanças se as circunstâncias mudarem. Por fim, algumas figuras da teologia moral medieval foram as primeiras a se interessar pela figura do empreendedor, e a pensar as virtudes que ele requer.
Preços, lucros, juros, câmbio, direitos, os limites do poder real, a propriedade privada; tudo foi objeto de estudo de teólogos, e muitos deles chegaram a conclusões razoavelmente liberais. No campo do Direito, acadêmicos da Escola de Salamanca, no auge do Império espanhol, declaravam que a Coroa não tinha o direito de desapropriar e escravizar os indígenas no Novo Mundo; conclusão que obviamente não foi seguida, mas que permanece como um motivo de orgulho. Outro autor da época, Juan de Mariana, concluiu que qualquer súdito podia matar uma autoridade que praticasse impostos abusivos…
Mais tarde, no século 18, autores católicos na França e na Irlanda ajudaram a desenvolver a ciência econômica que começava a nascer. No século 19, um católico liberal como Fredéric Bastiat via na ordem do mercado uma harmonia divina, e o Lorde Acton buscava conciliar sua fé com um mundo aberto e cosmopolita. A tradição católica conta com muitas potencialidades liberais.
No nível da alta hierarquia, contudo, essas potencialidades foram, via de regra, ignoradas, e vemos quase sempre a defesa de uma ordem iliberal. A Igreja adotou uma postura paternalista para com suas “ovelhas”, querendo resolver tudo em reuniões de chefes de Estado, impondo ao povo suas decisões. Era assim para defender o Antigo Regime, e continua sendo assim para defender a economia quase socialista. Bento XVI chegou a defender a criação de uma autoridade mundial para regular as sociedades. Há também, decerto, a percepção de que uma visão econômica mais de esquerda pega bem para a imagem da instituição, tão desgastada em outras frentes.
Não é de hoje que membros importantes da Igreja opinam sobre questões econômicas e buscam fechar questões polêmicas, ainda que de forma esparsa. Basta lembrar que a Igreja condenou, por séculos, toda e qualquer forma de cobrança de juros. Até o século 18 há papas fulminando contra os males da usura. Como esse exemplo atesta, ela errou feio no passado, e pode errar no futuro.
É perfeitamente natural que a Igreja queira guiar seus fieis em questões econômicas e sociais, e não se espera de papas tratados com grande profundidade ou rigor; não é o papel deles. O problema é pegar essas manifestações – guiamentos para um grande público pouco formado – e pretender que elas sejam definitivas para quem se interessa pelo tema; daí é só ridículo. Sejamos claros: todas as encíclicas papais sobre questões sociais só têm a importância que têm porque foram escritas por papas; consideradas em si mesmas não têm nenhuma grande contribuição ao conhecimento. Querer limitar o pensamento social católico às opiniões expressas nessas encíclicas é selar o certificado de mediocridade a qualquer tentativa de contribuição católica a essas discussões.
Católico pode ser libertário; diversos já são e o foram. Alguns membros do alto clero podem chiar (não todos! Há variedade de pensamento também na Cúria), mas em questões econômicas e políticas a autoridade não importa. Se a liberdade é ou não é boa para os pobres, não são as credenciais de um cardeal, ou mesmo de um papa, que decidirão.
Joel Pinheiro

Joel Pinheiro é libertário de boa estirpe, anarquista de coração e algum dia ainda será filósofo. Assina a coluna Lesa-Majestade.