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quarta-feira, 11 de junho de 2014

Catolico e Libertario? Pode Sim! - Joel Pinheiro

O Papa parece que anda sendo mal aconselhado. Ou então não aprendeu economia, nem história econômica. Parece flutuar naquela mixórdia de economia da teologia da libertação que não leva a lugar nenhum. Só a mais atrasos na América Latina e em outros lugares.
Essa teologia econômica da Igreja Católica é um atraso mental.
Ainda bem que temos liberais para corrigi-la.
Paulo Roberto de Almeida


LESA-MAJESTADE
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Católico e Libertário? #PodeSim!



Com a eleição de Francisco ao papado, que trouxe consigo ventos de mudança, vieram também os ventos da teologia da libertação. Francisco está longe de ser um radical dessa ala do pensamento católico, mas é parte dela, e foi nela que teve sua formação. Ela é marcada pela preocupação com a justiça social e com a crítica ao que vê como a causa da pobreza e da desigualdade: o mercado.
Fiel à cartilha, o cardeal Maradiaga, hondurenho muito próximo ao papa, disse num discurso em Washington que Catolicismo e a crença libertária no livre mercado são incompatíveis. Em seu lugar, devemos dar ao Estado mais poder sobre a sociedade e mais recursos, de forma que ele redistribua a riqueza. O libertário, segundo ele, é alguém que não se importa com os pobres. É uma grande infelicidade ver pastores da maior religião do mundo tentando impor a seus fieis uma posição política, qualquer que ela seja. Pior ainda é ver que sua argumentação está cheia de caricaturas.
Maradiaga não é exceção na Igreja. Lembremos, por exemplo, que o papa Paulo VI – em sua encíclica Populorum Progressio – conclamou os países ricos a pagarem mais impostos para ajudar os países pobres. Enquanto houvesse um pobre no mundo, os ricos não deveriam aproveitar sua riqueza.
Não é, contudo, só a esquerda católica que tem problemas com a economia de mercado. Da segunda metade do século 19 para cá, que é quando os papas começaram a publicar encíclicas mais voltadas a questões sociais (encíclicas que, juntas, são a base da chamada “Doutrina Social da Igreja”), as ideias liberais não estiveram em alta. A primeira dessas encíclicas, chamada Rerum Novarum, do papa Leão XIII, é até bem liberal para os padrões de hoje em dia; e mesmo na época marcava uma mudança de rumo do papado, abandonando o reacionarismo radical e tentando dialogar com o mundo moderno. No fim do século 20, João Paulo II deu uma notável guinada liberal ao revalorizar a importância do empreendedorismo e da necessidade de se facilitar a criação e as trocas econômicas.
Cardeal Oscar Rodriguez Maradiaga, de Honduras
Cardeal Oscar Rodriguez Maradiaga, de Honduras
De resto, vemos flertes com o fascismo, reiteradas condenações ao Ocidente capitalista. E sempre, em todos os casos, muita ingenuidade: a crença de que a pobreza – ou a exclusão social – é um mal que deve ser curado com a redistribuição, com leis pesadas, com o Estado intermediando as relações econômicas, e com muita condenação aos ricos, outra tradição do pensamento católico. A crítica de D. Maradiaga, embora inspirada pela Teologia da Libertação, tem raízes antigas, até milenares.
“Todas as riquezas vêm da iniquidade, e a menos que um perca, outro não pode ganhar. Portanto me parece verdadeira a opinião comum de que o homem rico ou é injusto, ou é herdeiro de um injusto.” Quem o disse? Marx? Engels? Guevara? Nada. A frase é de S. Jerônimo, santo do século 4. Só que uma opinião que é compreensível no século 4, muito antes dos homens sonharem em fazer ciência econômica, não é desculpável hoje em dia…
Se D. Maradiaga tivesse se preocupado em estudar, saberia que os libertários se interessam sim pelo bem dos pobres, e que não, não propõem a caridade privada como grande solução da pobreza. Propõem, isso sim, um caminho oposto ao dele. O caminho para a prosperidade não é o de tirar de quem produz e dar a quem não produz, e sim o de dar a quem não produz as condições institucionais para que possa produzir. Os pobres não são uma massa inerte de mãos estendidas esperando comida do céu; são seres humanos plenamente capazes de produzir (aliás, já produzem em alguma medida) e que precisam de um ambiente que favoreça sua ambição e facilite sua ascensão.
Compare a riqueza dos EUA, um país que, ainda que de forma bem imperfeita, desenvolveu-se com base na livre iniciativa, e a pobreza de uma Honduras, país que amarga sob um Estado pesado e continua na miséria (ao contrário de vizinhos mais liberais da América Central). O discurso mais enfático de ajuda aos pobres tem sido muito bom em perpetuar a pobreza. Onde se ouve mais falar em justiça social: no Mercosul ou na Aliança do Pacífico? E qual deles tem tido mais sucesso no combate à pobreza?
Apesar das notas antiliberais, existe todo um outro lado para a tradição de pensamento católica. Aliás, falar em “tradição de pensamento católica” assim, no singular, é omitir a enorme variedade que se esconde sob ela. Especialmente a partir da Idade Média, essa tradição originou também diversos conceitos importantes até hoje no pensamento liberal. Foi o pensamento católico medieval que reabilitou a figura do comerciante e justificou seu lucro, malvistos na Antiguidade.
Ele cometeu um erro gritante: a condenação absoluta dos juros; mas mesmo esse erro deu origem a discussões que foram importantes para clarear diferenças importantes: juro é diferente de remuneração por lucros cessantes, de remuneração do risco, do lucro de investimento, etc. Foram os escolásticos católicos da Idade Média os primeiros a formular os rudimentos do que viria a ser a ciência econômica: o entendimento claro, por exemplo, de que tabelar preços durante um período de escassez apenas piora a escassez, pode ser encontrado já no século 13. Foram eles também que solidificaram a ideia de que o preço justo é o preço definido pelo mercado num determinado lugar e sob determinadas circunstâncias, e que portanto, está sujeito a mudanças se as circunstâncias mudarem. Por fim, algumas figuras da teologia moral medieval foram as primeiras a se interessar pela figura do empreendedor, e a pensar as virtudes que ele requer.
Preços, lucros, juros, câmbio, direitos, os limites do poder real, a propriedade privada; tudo foi objeto de estudo de teólogos, e muitos deles chegaram a conclusões razoavelmente liberais. No campo do Direito, acadêmicos da Escola de Salamanca, no auge do Império espanhol, declaravam que a Coroa não tinha o direito de desapropriar e escravizar os indígenas no Novo Mundo; conclusão que obviamente não foi seguida, mas que permanece como um motivo de orgulho. Outro autor da época, Juan de Mariana, concluiu que qualquer súdito podia matar uma autoridade que praticasse impostos abusivos…
Mais tarde, no século 18, autores católicos na França e na Irlanda ajudaram a desenvolver a ciência econômica que começava a nascer. No século 19, um católico liberal como Fredéric Bastiat via na ordem do mercado uma harmonia divina, e o Lorde Acton buscava conciliar sua fé com um mundo aberto e cosmopolita. A tradição católica conta com muitas potencialidades liberais.
No nível da alta hierarquia, contudo, essas potencialidades foram, via de regra, ignoradas, e vemos quase sempre a defesa de uma ordem iliberal. A Igreja adotou uma postura paternalista para com suas “ovelhas”, querendo resolver tudo em reuniões de chefes de Estado, impondo ao povo suas decisões. Era assim para defender o Antigo Regime, e continua sendo assim para defender a economia quase socialista. Bento XVI chegou a defender a criação de uma autoridade mundial para regular as sociedades. Há também, decerto, a percepção de que uma visão econômica mais de esquerda pega bem para a imagem da instituição, tão desgastada em outras frentes.
Não é de hoje que membros importantes da Igreja opinam sobre questões econômicas e buscam fechar questões polêmicas, ainda que de forma esparsa. Basta lembrar que a Igreja condenou, por séculos, toda e qualquer forma de cobrança de juros. Até o século 18 há papas fulminando contra os males da usura. Como esse exemplo atesta, ela errou feio no passado, e pode errar no futuro.
É perfeitamente natural que a Igreja queira guiar seus fieis em questões econômicas e sociais, e não se espera de papas tratados com grande profundidade ou rigor; não é o papel deles. O problema é pegar essas manifestações – guiamentos para um grande público pouco formado – e pretender que elas sejam definitivas para quem se interessa pelo tema; daí é só ridículo. Sejamos claros: todas as encíclicas papais sobre questões sociais só têm a importância que têm porque foram escritas por papas; consideradas em si mesmas não têm nenhuma grande contribuição ao conhecimento. Querer limitar o pensamento social católico às opiniões expressas nessas encíclicas é selar o certificado de mediocridade a qualquer tentativa de contribuição católica a essas discussões.
Católico pode ser libertário; diversos já são e o foram. Alguns membros do alto clero podem chiar (não todos! Há variedade de pensamento também na Cúria), mas em questões econômicas e políticas a autoridade não importa. Se a liberdade é ou não é boa para os pobres, não são as credenciais de um cardeal, ou mesmo de um papa, que decidirão.
Joel Pinheiro

Joel Pinheiro é libertário de boa estirpe, anarquista de coração e algum dia ainda será filósofo. Assina a coluna Lesa-Majestade.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Os neobolcheviques do PT querem dominar a sociedade brasileira... - Erick Vizolli

...de forma obviamente totalitária.
Os totalitários petistas pensam que estão em Petrogrado, em 1917, e se preparam para tomar o poder de assalto, o que já fizeram pela via eleitoral. Covardes como são, não tentarão um putsch, como fez Lênin, que pelo menos arriscou a vida dos seus companheiros (ele mesmo se escondeu nos momentos decisivos da tomada dos palácios), o que obviamente os poltrões neobolcheviques não pretendem fazer (inclusive porque sabem que a sociedade reagiria e os militares não deixariam).
Então, tentam implantar seu regime totalitário de modo gradual, gramscianamente, ao que parece, e esse é o sentido do decreto celerado assinado pela presidente que pretende deformar a democracia -- já tão conspurcada -- e submetê-la ao tacão dos novos totalitários
Vamos ver o que acontece agora.
Recomendo a consulta aos demais artigos de Liberzone.
Paulo Roberto de Almeida

POLÍTICA

Afinal, o que é esse tal Decreto 8.243?




Introdução
O maior problema do estado é que, tal qual um paciente de hospício, ele acredita possuir superpoderes, podendo violar as regras da natureza como bem entender. Dois exemplos bem conhecidos pelos liberais: ele considera ser capaz de ler mentes de milhares de pessoas ao mesmo tempo com uma precisão incrível e ter uma superinteligência capaz de fazer milhões de cálculos econômicos por segundo. Um roteirista de história em quadrinhos não faria melhor.
O estado brasileiro, no entanto, não está satisfeito com seus delírios atuais, e pretende aumentar o espectro dos seus poderes sobrenaturais para dois campos que a Física considera praticamente inalcançáveis. E parece estar conseguindo: a partir de 26/05/2014, viagem no tempo e teletransporte passaram a ser oferecidos de graça a todo e qualquer cidadão brasileiro.
Obviamente, a tecnologia está nos seus primórdios e ainda tem suas limitações, de tal modo que você, pretenso candidato a Marty McFly, pode escolher apenas um destino para suas aventuras: a Rússia de abril de 1917. Em compensação, prepare-se: graças ao estado brasileiro, você está prestes a enfrentar a experiência soviética em todo o seu esplendor.
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A “máquina do tempo” que nos leva de volta a 1917 tem um nome no mínimo inusitado: chama-se “Decreto nº 8.243, de 23 de maio de 2014”. Aqui a denominaremos apenas de “Decreto 8.243”, ou “Decreto”.
Este artigo se destina a investigar o seu funcionamento – ou, mais especificamente, quais as modificações que esse decreto introduz na administração pública. Também farei algumas breves considerações a respeito da analogia que se pode fazer entre o modelo por ele instituído e aquele que levou à instauração do socialismo na Rússia: trata-se, no entanto, apenas de uma introdução ao tema, que, pela importância que tem, com certeza ainda gerará discussões muito mais aprofundadas.

O Decreto 8.243/2014

Chamado por um editorial do Estadão de “um conjunto de barbaridades jurídicas” e porReinaldo Azevedo de “a instalação da ditadura petista por decreto”, o Decreto 8.243 foi editado pela Presidência da república em 23/05/14, tendo sido publicado no Diário Oficial no dia 26 e entrado em vigor na mesma data.
Entender qual o real significado do Decreto exige ler pacientemente todo o seu texto, tarefa relativamente ingrata. Como todo bom decreto governamental, trata-se de um emaranhado de regras cuja formulação chega a ser medonha de tão vaga, sendo complicado interpretá-lo sistematicamente e de uma forma coerente. Tentarei, aqui, fazê-lo da forma mais didática possível, sempre considerando que grande parte do público leitor dessa página não é especialista na área jurídica (a propósito: que sorte a de vocês.).
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Iniciemos do início, pois. Como o nome diz, trata-se de um “decreto”. “Decreto”, no mundo jurídico, é o nome que se dá a uma ordem emanada de uma autoridade – geralmente do Poder Executivo – que tem por objetivo dar detalhes a respeito do cumprimento de uma lei. Um decreto se limita a isso – detalhar uma lei já existente, ou, em latinório jurídico, ser “secundum legem”. Ao elaborá-lo, a autoridade não pode ir contra uma lei (“contra legem”) ou criar uma lei nova (“præter legem”). Se isso ocorrer, o Poder Executivo estará legislando por conta própria, o que é o exato conceito de “ditadura”. Ou seja: um decreto emitido em contrariedade a uma lei já existente deve ser considerado um ato ditatorial.
É exatamente esse o caso do Decreto 8.243. Logo no início, vemos que ele teria sido emitido com base no “art. 84, caput, incisos IV e VI, alínea “a”, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 3º, caput, inciso I, e no art. 17 da Lei nº 10.683”. Traduzindo para o português, tratam-se de alguns artigos relacionados à organização da administração pública, dentre os quais o mais importante é o art. 84, VI da Constituição – o qual estabelece que o Presidente pode emitir decretos sobre a “organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos”.
Guarde essa última frase. Como veremos adiante, o que o Decreto 8.243 faz, na prática, é integrar à Administração Pública vários órgãos novos – às vezes implícita, às vezes explicitamente –, algo que é constitucionalmente vedado ao Presidente da República. Portanto, logo de cara percebe-se que se trata de algo inconstitucional – o Executivo está criando órgãos públicos mesmo sendo proibido a fazer tal coisa.
Os absurdos jurídicos, contudo, não param por aí.

A “sociedade civil”

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Analisemos o texto do Decreto, para entender quais exatamente as modificações que ele introduz no sistema governamental brasileiro.
Em princípio, e para quem não está acostumado com a linguagem de textos legais, a coisa toda parece de uma inocência singular. Seu art. 1º esclarece tratar-se de uma nova política pública, “a Política Nacional de Participação Social”, que possui “o objetivo de fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil”. Ou seja: tratar-se-ia apenas de uma singela tentativa de aproximar a “administração pública federal” – leia-se, o estado – da “sociedade civil”.
O problema começa exatamente nesse ponto, ou seja, na expressão “sociedade civil”. Quando usado em linguagem corrente, não se trata de um termo de definição unívoca: prova disso é que sobre ele já se debruçaram inúmeros pensadores desde o século XVIII. Tais variações não são o tema deste artigo, mas, para quem se interessar, sugiro sobre o assunto a leiturdeste texto de Roberto Campos, ainda atualíssimo.
Para o Decreto, contudo, “sociedade civil” tem um sentido bem determinado, exposto em seu art. 2º, I: dá-se esse nome aos “cidadãos, coletivos, movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações”.
Muita atenção a esse ponto, que é de extrema importância. O Decreto tem um conceito preciso daquilo que é considerado como “sociedade civil”. Dela fazem parte não só o “cidadão” – eu e você, como pessoas físicas – mas também “coletivos, movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações”. Ou seja: todos aqueles que promovem manifestações, quebra-quebras, passeatas, protestos, e saem por aí reivindicando terra, “direitos” trabalhistas, passe livre, saúde e educação – MST, MTST, MPL, CUT, UNE, sindicatos… Pior: há uma brecha que permite a participação de movimentos “não institucionalizados” – conceito que, na prática, pode abranger absolutamente qualquer coisa.
Em resumo: “sociedade civil”, para o Decreto, significa “movimentos sociais”. Aqueles mesmos que, como todos sabemos, são controlados pelos partidos de esquerda – em especial, pelo próprio PT. Não se enganem: a intenção do Decreto 8.243 é justamente abrir espaço para a participação política de tais movimentos e “coletivos”. O “cidadão” em nada é beneficiado – em primeiro lugar, porque já tem e sempre teve direito de petição aos órgãos públicos (art. 5º, XXXIV, “a” da Constituição); em segundo lugar, porque o Decreto não traz nenhuma disposição a respeito da sua “participação popular” – aliás, a palavra “cidadão” nem é citada no restante do texto, excetuando-se um princípio extremamente genérico no art. 3º.
Podemos, então, reescrever o texto do art. 1º usando a própria definição legal: o Decreto, na verdade, tem “o objetivo de fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e os movimentos sociais”.
Compreender o significado de “sociedade civil” no contexto do Decreto é essencial para se interpretar o resto do seu texto. Basta notar que a expressão é repetida 24 (vinte e quatro!) vezes ao longo do restante do texto, que se destina a detalhar os instrumentos a serem utilizados na tal “Política Nacional de Participação Social”.

“Mecanismos de participação social”

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Ok, então: há uma política que visa a aproximar estado e “movimentos sociais”. Mas no que exatamente ela consiste? Para responder a essa questão, comecemos pelo art. 5º, segundo o qual “os órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta deverão, respeitadas as especificidades de cada caso, considerar as instâncias e os mecanismos de participação social, previstos neste Decreto, para a formulação, a execução, o monitoramento e a avaliação de seus programas e políticas públicas”.
Traduzindo o juridiquês: a partir de agora, todos os “os órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta” (ou seja, tudo o que se relaciona com o governo federal: gabinete da Presidência, ministérios, universidades públicas…) deverão formular seus programas em atenção ao que os tais “mecanismos de participação social” demandarem. Na prática, o Decreto obriga órgãos da administração direta e indireta a ter a participação desses “mecanismos”. Uma decisão de qualquer um deles só se torna legítima quando houver essa consulta – do contrário, será juridicamente inválida. E, como informam os parágrafos do art. 5º, essa participação deverá ser constantemente controlada, a partir de “relatórios” e “avaliações”.
Os “mecanismos de participação social” são apresentados no art. 2º e no art. 6º, que fornecem uma lista com nove exemplos: conselhos e comissões de políticas públicas, conferências nacionais, ouvidorias federais, mesas de diálogo, fóruns interconselhos, audiências e consultas públicas e “ambientes virtuais de participação social” (pelo visto, nossos amigos da MAV-PT acabam de ganhar mais uma função…).
A rigor, todas essas figuras não representam nada de novo, pois já existem no direito brasileiro. Para ficar em alguns exemplos: “audiências públicas” são realizadas a todo momento, a expressão “conferência nacional” retorna 2.500.000 hits no Google e há vários exemplos já operantes de “conselhos de políticas públicas”, como informa este breve relatório da Câmara dos Deputadossobre o tema. Qual seria o problema, então?
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A questão está, novamente, nos detalhes. Grande parte do restante do Decreto – mais especificamente, os arts. 10 a 18 – destinam-se a dar diretrizes, até hoje inexistentes (ao menos de uma forma sistemática), a respeito do funcionamento desses órgãos de participação. E nessas diretrizes mora o grande problema. Uma rápida leitura dos artigos que acabei de mencionar revela que várias delas estão impregnadas de mecanismos que, na prática, têm o objetivo de inserir os “movimentos sociais” a que me referi acima na máquina administrativa brasileira.
Vamos dar um exemplo, analisando o art. 10, que disciplina os “conselhos de políticas públicas”. Em seus incisos, estão presentes várias disposições que condicionam sua atividade à da “sociedade civil” – leia-se, aos “movimentos sociais”, como demonstrado acima. Por exemplo: o inciso I determina que os representantes de tais conselhos devem ser “eleitos ou indicados pela sociedade civil”, o inciso II, que suas atribuições serão definidas “com consulta prévia à sociedade civil”. E assim por diante. Essas brechas estão espalhadas ao longo do texto do Decreto, e, na prática, permitem que “coletivos, movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações” imiscuam-se na própria Administração Pública.
O art. 19, por sua vez, cria um órgão administrativo novo (lembram do que falei sobre a inconstitucionalidade, lá em cima?): “a Mesa de Monitoramento das Demandas Sociais, instância colegiada interministerial responsável pela coordenação e encaminhamento de pautas dos movimentos sociais e pelo monitoramento de suas respostas”. Ou seja: uma bancada pública feita sob medida para atender “pautas dos movimentos sociais”, feito balcão de padaria. Para quem duvidava das reais intenções do Decreto, está aí uma prova: esse artigo sequer tem o pudor de mencionar a “sociedade civil”. Aqui já é MST, MPL e similares mesmo, sem intermediários.
Enfim, para resumir tudo o que foi dito até aqui: com o Decreto 8.243, (i) os “movimentos sociais” passam a controlar determinados “mecanismos de participação social”(ii) toda a Administração Pública passa a ser obrigada a considerar tais “mecanismos” na formulação de suas políticas. Isto é: o MST passa a dever ser ouvido na formulação de políticas agrárias; o MPL, na de transporte; aquele sindicato que tinge a cidade de vermelho de quando em quando passa a opinar sobre leis trabalhistas. “Coletivos, movimentos sociais, suas redes e suas organizações” se inserem no sistema político, tornando-se órgãos de consulta: na prática, uma extensão do Legislativo.

“Back in the U.S.S.R.”!

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Esse sistema de “poder paralelo” não é inédito na História – e entender as experiências pretéritas é uma excelente maneira de se compreender o que significam as atuais. É isso que, como antecipei no início do texto, nos leva de volta a 1917 e aos “sovietes” da Revolução Russa, possivelmente o exemplo mais conhecido e óbvio desse tipo de organização. Se é verdade que “aqueles que não podem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”, como diz o clássico aforismo de George Santayana, é essencial voltar os olhos para o passado e entender o que de fato se passou quando um modelo de organização social idêntico ao instituído pelo Decreto 8.243 foi adotado.
Essa análise nos leva ao momento imediatamente posterior à Revolução de Fevereiro, que derrubou Nicolau II. O clima de anarquia gerado após a abdicação do czar levou à formação de um Governo Provisório inicialmente desorganizado e pouco coeso, incapaz de governar qualquer coisa que fosse.
Paralelamente, formou-se na capital russa (Petrogrado) um conselho de trabalhadores – na verdade, uma repetição de experiências históricas anteriores similares, que na Rússia remontavam já à Revolução de 1905. Tal conselho – o Soviete de Petrogrado – consistia de “deputados” escolhidos aleatoriamente nas fábricas e quarteis. Em 15 dias de existência, o soviete conseguiu reunir mais de três mil membros, cujas sessões eram realizadas de forma caótica – na realidade, as decisões eram tomadas pelo seu comitê executivo, conhecido como Ispolkom. Nada diferente de um MST, por exemplo.
A ampla influência que o Soviete possuía sobre os trabalhadores fez com que os representantes do Governo Provisório se reunissem com seus representantes (1º-2 de março de 1917) em busca de apoio à formação de um novo gabinete. Isto é: o Governo Provisório foi buscar sua legitimação junto aos sovietes, ciente de que, sem esse apoio, jamais conseguiria firmar qualquer autoridade que fosse junto aos trabalhadores industriais e soldados. O resultado dessas negociações foi o surgimento de um regime de “poder dual” (dvoevlastie), que imperaria na Rússia de março/1917 até a Revolução de Outubro: nesse sistema, embora o Governo Provisório ocupasse o poder nominal, este na prática não passava de uma permissão dos sovietes, que detinham a influência majoritária sobre setores fundamentais da população russa. A Revolução de Outubro, que consolidou o socialismo no país, foi simplesmente a passagem de “todo o poder aos sovietes!” (“vsia vlast’ sovetam!”) – um poder que, na prática, eles já detinham.
Antes mesmo do Decreto 8.243, o modelo soviético já antecipava de forma clara o fenômeno dos “movimentos sociais” que ocorre no Brasil atualmente. Com o Decreto, a similaridade entre os modelos apenas se intensificou.
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Em primeiro lugar, e embora tais movimentos clamem ser a representação do “povo”, dos “trabalhadores”, do “proletariado” ou de qualquer outra expressão genérica, suas decisões são tomadas, na realidade, por poucos membros – exatamente como no Ispolkom soviético, a deliberação parte de um corpo diretor organizado e a aclamação é buscada em um segundo momento, como forma de legitimação. Qualquer assembleia de movimentos de esquerda em universidades é capaz de comprovar isso.
Além disso, a institucionalização de conselhos pelo Decreto 8.243 leva à ascensão política instantânea de “revolucionários profissionais” – pessoas que dedicam suas vidas inteiras à atividade partidária, em uma tática já antecipada por Lênin em seu panfleto “Que Fazer?”, de 1902 (capítulo 4c). Explico melhor. Vamos supor por um momento que o Decreto seja um texto bem intencionado, que de fato pretenda “inserir a sociedade civil” dentro de decisões políticas (como, aliás, afirma o diretor de Participação Social da Presidência da República neste artigo d’O Globo). Ora, quem exatamente teria tempo para participar de “conselhos”, “comissões”, “conferências” e “audiências”? Obviamente, não o cidadão comum, que gasta seu dia trabalhando, levando seus filhos para a escola e saindo com os amigos. Tempo é um fator escasso, e a maioria das pessoas simplesmente não possui horas de sobra para participar ativamente de decisões políticas – é exatamente por isso que representantes são eleitos para essas situações. Quem são as exceções? Não é difícil saber. Basta passar em qualquer sindicato ou diretório acadêmico: ele estará cheio de “revolucionários profissionais”, cuja atividade política extraoficial acabou de ser legitimada por decreto presidencial.
A questão foi bem resumida por Reinaldo Azevedo, no texto que citei no início deste artigo. Diz o articulista: “isso que a presidente está chamando de ‘sistema de participação’ é, na verdade, um sistema de tutela. Parte do princípio antidemocrático de que aqueles que participam dos ditos movimentos sociais são mais cidadãos do que os que não participam. Criam-se, com esse texto, duas categorias de brasileiros: os que têm direito de participar da vida púbica [sic] e os que não têm. Alguém dirá: ‘Ora, basta integrar um movimento social’. Mas isso implicará, necessariamente, ter de se vincular a um partido político”.
Exatamente por esses motivos, tal forma de organização confere a extremistas de esquerda possibilidades de participação política muito mais amplas do que eles teriam em uma lógica democrática “verdadeira” – na qual ela seria reduzida a praticamente zero. Basta ver que o Partido Bolchevique, que viria a ocupar o poder na Rússia em outubro de 1917, era uma força política praticamente irrelevante dentro do país: sua subida ao poder se deve, em grande parte, à influência que exercia sobre os demais partidos socialistas (mencheviques e socialistas-revolucionários) dentro do sistema dos sovietes. Algo análogo ocorre no Brasil atual: salvo exceções pontuais, PSOL, PSTU et caterva apresentam resultados pífios nas eleições, mas por meio da ação de “movimentos sociais” conseguem inserir as suas pautas na discussão política. As manifestações pelo “passe livre” – uma reivindicação extremamente minoritária, mas que após um quebra-quebra nacional ocupou grande parte da discussão política em junho/julho de 2013 – são um exemplo evidente disso.
O sistema introduzido pelo Decreto 8,243 apenas incentiva esse tipo de ação. O Legislativo “oficial” – aquele que contém representantes da sociedade eleitos voto a voto, representando proporcionalmente diversos setores – perde, de uma hora para outra, grande parte de seu poder. Decisões estatais só passam a valer quando legitimadas por órgãos paralelos, para os quais ninguém votou ou deu sua palavra de aprovação – e cujo único “mérito” é o fato de estarem alinhados com a ideologia do partido que ocupa o Executivo.
Pior: a administração pública é engessada, estagnada. Não no sentido definido no artigo d’O Globo que linkei acima (demora na tomada de decisões), mas em outro: os cargos decisórios desse “poder Legislativo paralelo” passam a ser ocupados sempre pelas mesmas pessoas. Suponhamos, em um esforço muito grande de imaginação, que o PT perca as eleições presidenciais de 2018 e seja substituído por, digamos, Levy Fidelix e sua turma. Com a reforma promovida pelo Decreto 8.243 e a ocupação de espaços de deliberação por órgãos não eletivos, seria impossível ao novo presidente implantar suas políticas aerotrênicas: toda decisão administrativa que ele viesse a tomar teria que, obrigatoriamente, passar pelo crivo de conselhos, comissões e conferências que não são eleitos por ninguém, não renovam seus quadros periodicamente e não têm transparência alguma. Ou seja: ainda que o titular do governo venha a mudar, esses órgãos (e, mais importante, os indivíduos a eles relacionados) permanecem dentro da máquina administrativa ad eternum, consolidando cada vez mais seu poder.

Conclusão

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O Decreto 8.243 é, possivelmente, o passo mais ousado já tomado pelo PT na consecução do “socialismo democrático” – aquele sistema no qual você está autorizado a expressar a opinião que quiser, desde que alinhada com o marxismo. Sua real intenção é criar um “lado B” do Legislativo, não só deslegitimando as instituições já existentes como também criando um meio de “acesso facilitado” de movimentos sociais à política.
Boa parte dos leitores dessa página podem estar se perguntando: “e daí?”. Afinal, sabemos que a democracia representativa é um sistema imperfeito: suas falhas já foram expostas por um número enorme de autores, de Tocqueville a Hans-Hermann Hoppe. É verdade.
No entanto, a democracia representativa ainda é “menos pior” do que a alternativa que se propõe. Um sistema onde setores opostos da sociedade se digladiam em uma arena política, embora tenda necessariamente a favorecimentos, corrupção e má aplicação de recursos, ainda possui certo “controle” interno: leis e decisões administrativas que favoreçam demais a determinados grupos ou restrinjam demasiadamente os direitos de outros em geral tendem a ser rechaçadas. Isso de forma alguma ocorre em um sistema onde decisões oficiais são tomadas e “supervisionadas” por órgãos cujo único compromisso é o ideológico, como o que o Decreto 8.243 tenta implementar.
Esse segundo caso, na verdade, nada mais é do que uma pisada funda no acelerador na autoestrada para a servidão.

Erick Vizolli é advogado e anarco-monarquista de extremo centro. Defende a liberdade econômica e política pelo simples motivo de que, nesse sistema, a produção de zoeira é maximizada.