O STF nos envergonha, a todos nós, isso já
sabemos.
Mas como sempre existem os mais iguais,
alguns nos envergonham mais que outros...
Paulo Roberto de Almeida
Marco Aurélio Mello e a porta
dos fundos do STF
O
Antagonista, Brasil, 26.12.18
11:10
No
Estadão, José Nêumanne se vale daquela liminar indecorosa de Marco Aurélio
Mello, para escrever um artigo magistral sobre a raiz dos problemas no STF: a
porta dos fundos do patrimonialismo exercido por meio do quinto constitucional
e da Justiça trabalhista.
É
preciso fechar essas portas.
Pedimos
permissão para publicar o artigo na íntegra, lembrando que Nêumanne disse
na cara de Marco Aurélio que não confiava no STF, durante uma entrevista do
ministro no programa Roda Viva.
Leia:
“A
lambança do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello a
poucos minutos do expediente de fim de ano do Poder Judiciário, ao tentar
soltar 169 mil presos condenados pós-segunda instância, entre eles Lula,
despertou mais uma vez a fúria popular. E com ela emergiu também a criatividade
das fórmulas desejadas para substituir a atual indicação de seus componentes
pelo presidente da República, com aval do Senado Federal após sabatina. Eleição
direta dos ministros, concurso público para admissão e indicação por notáveis
ou mesmo associações da classe jurídica são, entre elas, as mais citadas.
Como
dizia minha avó, ‘devagar com o andor, que o santo é de barro’. E seguindo
instruções de Jack, o Estripador, ‘vamos por partes’. Quem tem conhecimento
mínimo do resultado de eleições diretas, principalmente para ocupantes de
colegiados, como o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas e as Câmaras
Municipais, não pode nutrir a mínima esperança de que o voto direto livre os
tribunais superiores dos vícios de sempre com a escolha dos mais sábios e mais
justos. Concurso público pode escolher mais membros com mais conhecimentos para
lidarem com informações sobre determinada área, mas não há prova, oral ou
escrita, que escolha entre os pares o mais habilitado a dirimir questões sobre
a adequação de determinada lei ao texto constitucional vigente. Não há notáveis
ou instituições isentas da interferência de lobbies e que tais na escolha de um
profissional para ocupar um cargo de tal relevância e que representa o mais
elevado posto na carreira de um profissional do Direito.
A
vida do protagonista citado no início deste texto dá a oportunidade de indicar
caminhos mais seguros para levar gente mais capacitada e equilibrada para
ocupar o topo. Marco Aurélio Mello é o exemplo perfeito de como o
patrimonialismo atravessou incólume todas as tentativas de superá-lo e resiste,
como entulho, no terreno das instituições republicanas, acentuando suas
imperfeições e demolindo a reputação de seus agentes. Ele entrou na carreira
pública como procurador na Justiça do Trabalho, invenção de Getúlio Vargas
depois da Revolução de 1930, para funcionar como elo no aparelho de poder de um
tipo de populismo latino-americano, o trabalhismo. Uma espécie de fascismo
cucaracho, também estrelado por Juan Domingo Perón, na Argentina, e Haya de la
Torre, no Peru.
O cargo não foi obtido por concurso público, mas
por nomeação patrocinada pelo pai, Plínio Affonso de Farias Mello, patrono até
hoje reverenciado no ambiente do sindicalismo patronal como uma espécie de
benemérito da classe dos representantes comerciais. O prestígio de Plínio Mello
era tal que o último presidente do regime militar, João Figueiredo, manteve
aberta a vaga no Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro para o filho
dele, Marco, completar 35 anos, em 1981, e com isso cumprir preceito legal para
assumi-la. O prestígio paterno levou-o ao Tribunal Superior do Trabalho, em
Brasília, onde Fernando Affonso Collor de Mello o encontrou para promovê-lo –
tcham, tcham, tcham, tcham! – para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Neste
caso, em que se entrelaçam parentela, compadrio e interesses corporativos,
Fernando merece citação especial, pois seu avô materno, Lindolfo Collor,
revolucionário de 1930, foi ministro do Trabalho. É também uma história com
marcas de chumbo e sangue: Arnon, pai do ex-presidente, irmão de Plínio e tio
de Marco Aurélio, atirou em Silvestre Péricles de Góes Monteiro, seu inimigo em
Alagoas, no plenário do Senado e matou, com uma bala no coração, o acriano José
Kairala, que entrou na tragédia como J. Pinto Fernandes, citado no último verso
do poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade: ‘que não tinha entrado na
história’. É um caso comum na era dos ‘pistolões’ e pistoleiros.
No
STF Marco Aurélio sempre foi voto vencido e um espírito de porco até que
encontrou um rumo depois que a ex-presidente Dilma Rousseff nomeou sua filha
Letícia desembargadora no Tribunal Regional da 3.ª Região, no Rio, demonstração
de como o nepotismo se perpetua. Foi desde então que o campeão das causas
perdidas abraçou cruzadas que atendem aos interesses petistas e aos de nababos
da advocacia de Brasília, que defendem a troco dos dólares que ganharão, quando
for, se é que vai ser, extinta a jurisprudência que autoriza a prisão de
condenados em segunda instância. Foi em nome dela que cometeu o tresloucado
gesto.
O
antagonista no episódio, Dias Toffoli, presidente do STF, mas adepto da mesma
cruzada, até tentou ser juiz por concurso, mas foi reprovado em dois. Como
defensor de José Dirceu e do PT e advogado-geral da União de Lula, contudo,
ascendeu ao cargo que hoje ocupa. O posto, aliás, já tinha pertencido antes,
com graves danos para a Constituição, rasurada por ele na ocasião do
impeachment de Dilma, a Ricardo Lewandowski. Este foi nomeado pelo quinto
constitucional para o Tribunal de Alçada Criminal por indicação de seu então
chefe, Aron Galant, prefeito de São Bernardo do Campo. Extinto o órgão, foi
transferido para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e chegou ao STF
por mercê de suas ligações de compadrio e amizade com o casal Marisa e Lula da
Silva. O monturo patrimonialista só será desmanchado se forem fechadas a porta
dos fundos do STF, pela qual entram os quintos, e a Justiça trabalhista.
Este conto de trancoso
terá um final feliz se loucuras como a de Marco Aurélio e do desembargador
Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, em Porto Alegre,
não forem sequer tentadas. Toffoli marcou a sessão plenária do STF para decidir
sobre a jurisprudência da possibilidade de prisão em segunda instância para 10
de abril. Mas só haverá solução final se Bolsonaro e Moro levarem à aprovação
do Congresso uma lei para determiná-la. O resto é lero.”