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segunda-feira, 19 de julho de 2010

Luiz Felipe Lampreia e a diplomacia brasileira - Celso Lafer

Opinião
A lição das memórias de Lampreia
Celso Lafer
O Estado de S.Paulo, 18 de julho de 2010

Em 1999 Luiz Felipe Lampreia publicou Diplomacia Brasileira, uma seleção de textos elaborados em função das suas responsabilidades como chanceler de Fernando Henrique Cardoso. Precedeu-os todos de excelentes notas introdutórias, explicativas dos contextos das suas palavras e razões. Observou que estava no tempo da ação diplomática e, por isso, seria prematuro escrever memórias. Com efeito, no tempo da ação diplomática, as palavras de um chanceler estão direcionadas para a ação. Não são memórias. São memoriais que dão conta do ofício de orientar, definir e explicar a política externa.

Outra é a natureza do seu recém-publicado O Brasil e os Ventos do Mundo: Memórias de Cinco Décadas na Cena Internacional, que, como toda narrativa autobiográfica, é fruto de um parar para pensar, organizador do significado de um percurso existencial. A palavra, neste caso, tem outros propósitos. Insere-se no tempo da meditação sobre a experiência vivida. Elucida o modo de ser da pessoa e a sua maneira de agir perante desafios e oportunidades. No caso das memórias de Lampreia, o foco da narrativa é dado pela sua reflexão sobre a política externa brasileira, de cuja execução participou no arco do tempo dos vários estágios de uma carreira diplomática que culminou com os seus seis anos de chanceler do governo FHC.

As memórias de Lampreia explicitam o seu modo de ser como diplomata, cabendo destacar, entre os traços do seu agir, a nitidez dos propósitos, a segurança no encaminhamento dos assuntos e a capacidade de hierarquizar o relevante na agenda internacional. Um bom exemplo dessa capacidade é o destaque que dá, na conclusiva avaliação do cenário contemporâneo, às mudanças climáticas como a questão central do nosso tempo e à proliferação nuclear como o maior perigo da atualidade. Em síntese, Lampreia não perde o rumo, pois não confunde o acidental com o importante e não se atrapalha com os ventos do mundo que, no correr da sua vida, sopraram em muitas direções. Por isso pôde ser, na condução do Itamaraty, um destacado e qualificado colaborador de FHC.

Lampreia tem muita clareza sobre a relevância da política externa para o desenvolvimento brasileiro. Esta clareza permeia a sua narrativa. Daí o significado que atribui à diplomacia econômica e por que suas importantes considerações sobre a política externa independente de Afonso Arinos e San Tiago Dantas - que marcaram o início de sua carreira - são antecedidas por observações sobre a Operação Pan-Americana, de Juscelino Kubitschek, e de como seu chanceler Horácio Lafer a ela conferiu a linha de uma diplomacia operacionalmente voltada para o desenvolvimento.

São altamente interessantes as observações de Lampreia sobre o choque da alta de preço do petróleo dos anos 70, que evidenciaram vulnerabilidades energéticas do Brasil, que ele viu de perto participando de comitivas brasileiras à Líbia, ao Iraque, ao Irã e à Arábia Saudita. Novas vulnerabilidades trazidas pelos ventos do mundo ele as viveu como chanceler, em razão das crises financeiras internacionais que impactaram o real. Daí a implícita crítica que faz a um voluntarismo diplomático que não estabelece prioridades e não equaciona meios e fins.

Nesse sentido são muito esclarecedoras as páginas dedicadas ao pragmatismo responsável de Azeredo da Silveira, de quem foi um dedicado colaborador e admirador. Destaco sua análise do personagem e da estratégia que definiu para sair de uma configuração de vulnerabilidades e dependências. Essa estratégia passava por boas relações com os EUA e pelo reforço das relações "diagonais", tanto as existentes com o Japão, a França, a Grã-Bretanha e a Alemanha quanto as novas que encetou com a China e a África.

Em matéria de diplomacia econômica, são muito relevantes as passagens sobre a sua atuação como embaixador em Genebra nas negociações que levaram à conclusão da Rodada Uruguai do Gatt; sobre a prioridade que, como chanceler, conferiu à Organização Mundial do Comércio (OMC); como tratou dos problemas do Mercosul, conduziu as batalhas da Alca e encarou as negociações com a União Europeia.

O pano de fundo das memórias de Lampreia articula um confronto, ora implícito, ora explícito, entre a sua visão da diplomacia e a política externa do governo Lula. Da sua viagem ao Líbano extrai a conclusão de que o Oriente Médio é um enigma político, talvez indecifrável, e que, bilateralmente, não se pode fazer muito, pois os riscos são enormes e a região está longe da esfera de influência do Brasil. Do seu trato com temas nucleares, da sua análise dos entendimentos com a Argentina, que levaram ao fim do risco de uma corrida armamentista nuclear na nossa região, e dos motivos que guiaram a adesão do Brasil ao Tratado de Não-Proliferação - que ele conduziu como chanceler - provém sua avaliação crítica da conduta do Irã e de por que não faz sentido, para o Brasil, respaldar um país e um regime que praticam um perigoso jogo duplo.

Das inúmeras e ricas análises da sua experiência, quero mencionar apenas duas passagens que são exemplos de como encaminhar tensões políticas no contexto da nossa vizinhança, que contrastam com o que vem sendo feito atualmente. A primeira é o relato do seu período como embaixador no Suriname e de como o Brasil logrou afastar o regime de Bouterse, no período da guerra fria, das tensões da influência cubana e endereçou Paramaribo para uma construtiva e cooperativa aproximação com o País. A segunda é o circunstanciado relato do papel mediador do Brasil no conflito territorial entre Peru e Equador, que é altamente esclarecedor do que deve fazer um terceiro em prol da paz para deslindar um histórico e difícil contencioso.

Dizia o padre Antonio Vieira - e esta é a lição de Lampreia: "Perdem-se as repúblicas porque os seus olhos veem o que não é, e não veem o que é."

PROFESSOR TITULAR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS E DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, FOI MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES NO GOVERNO FHC

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

1672) Itamaraty do B: apenas corrigindo um deslize historico...

O artigo abaixo transcrito, condenatório do que poderia ser considerado um "Soviet" dentro do Itamaraty, contém um pequeno deslize histórico, que me permito corrigir apenas para melhor compreensão dos leitores.
Nele, o ex-chanceler Lampreia afirma que:

"A Casa de Rio Branco - fundada por Dom João VI em 1808 - tem uma folha de duzentos anos de serviços prestados ao país sob a forma da definição perpétua e pacífica do território nacional, de bom convívio com nossos dez vizinhos e de múltiplas batalhas em defesa do interesse nacional nos mais variados planos."

Obviamente que o chanceler anterior conhece a história do Itamaraty (que aliás só passa a ser chamado assim já bem entrada a República), e deve ter escrito a frase acima, na verdade apenas a parte que se refere à "Casa de Rio Branco", numa espécie de homenagem a nossas tradições bi-seculares (ou quase).
Mas cabem dois pequenos reparos.

1) O termo Casa de Rio Branco é quase sinônimo de Itamaraty, assim que só poderia ser utilizado a partir da morte desse chanceler da República, não valendo para o período anterior.
2) Não é exato que essa "Casa", que nem sempre existiu sob essa forma, tenha sido fundada por Dom João VI em 1808, por diversos motivos.

(a) Portugal já exibia, desde meados do século 18 pelo menos, uma Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, ou seja, combinando assuntos diplomáticos e militares, como aliás era costume nessa época. O outro ministério militar era obviamente o da Marinha, que existia de forma independente desde algum tempo. Essa Secretaria de Estado continuou sob essa forma durante toda a fase final da permanência dos Braganças no trono português em Lisboa, até dali ser alijada pelas tropas de Napoleão. O que ocorreu foi o simples transplante desse ministério, com toda a administração portuguesa e seus milhares de servidores, nobres, criados e outros aspones, para o Brasil, no final de 1807, como é sabido. Chegando ao Rio, os dois serviços, sempre sob a condução de Linhares, se instalam numa casa, e continuam a funcionar durante todo o resto do período colonial, na fase de Reino Unido, na Regência, e no começo do primeiro Reinado, sendo o primeiro chanceler do Brasil independente José Bonifácio de Andrade e Silva, que já o era sob a regência do príncipe D. Pedro (aliás, junto com os Negócios do Reino, ou seja, Ministério da Justiça ou do Interior). Apenas em 1823, se tomam as providências para "desentranhar" os dois serviços, a Guerra e os Negócios Estrangeiros.

(b) D. João VI não pode ter criado qualquer Casa, nesta ou em qualquer forma, posto que D. João VI não "existia" em 1808. Ele era apenas o Príncipe Regente, D. João. Se ele por acaso tivesse morrido antes do falecimento de sua mãe, D. Maria, a Louca, ele não teria sido D. João VI, o que só vem a ser em 1816, quando falece aquela maluca e ele toma posse como Rei de Portugal, do Brasil e de Algarves. Se não tivesse sido assim, talvez algum outro homônimo, posteriormente, tivesse sido o D. João VI que eventualmente não teria sido.

(c) Dificilmente se pode falar da criação de um Serviço das relações exteriores do Brasil, em 1808, posto que se tratava de Portugal, obviamente. Portanto, este só surge em 1822, mas se trata de uma instituição pré-existente, uma herança bendita, se ouso, dizer, do período portugues, um dos mais velhos Estados do mundo, com uma diplomacia bastante competente, para o tamanho do pais, sua desimportância militar e econômica (a despeito do Brasil e suas riquezas) e seu analfabetismo disseminado (talvez até em certos nobres...).

Feitas estas ressalvas, vamos ler a justa indignação do chanceler Lampreia contra o Soviet que pretendem implantar no Itamaraty. Aliás, ainda não vi nota do MRE sobre isso. Talvez estejam pensando em como responder...
Paulo Roberto de Almeida (17.02.2010)

OPINIÃO
Imaginação voluntarista
LUIZ FELIPE LAMPREIA
O Globo, 11/02/2010

Informam os jornais que o Partido dos Trabalhadores decidiu incluir em seu programa a criação de um "conselho de política externa" paralelamente ao Ministério das Relações Exteriores. A proposta sugere que o referido conselho seja integrado por representantes de ONGs, sindicatos e movimentos sociais.

A ideia é preocupante por várias razões. Em primeiro lugar, porque visa a colocar o Itamaraty sob a tutela de alguns segmentos da sociedade brasileira, que têm suas próprias credenciais, sem dúvida, mas não podem arrogar-se o direito de serem os únicos porta-vozes legítimos da nação. A Casa de Rio Branco - fundada por Dom João VI em 1808 - tem uma folha de duzentos anos de serviços prestados ao país sob a forma da definição perpétua e pacífica do território nacional, de bom convívio com nossos dez vizinhos e de múltiplas batalhas em defesa do interesse nacional nos mais variados planos. É reconhecida em todo o mundo por ser conduzida por profissionais de alto gabarito e integridade. Levantar dúvidas sobre sua competência como instituição ou sua dedicação ao Brasil é uma postura espúria.

Em segundo lugar, a proposta é facciosa porque afirma que só no atual governo o Itamaraty procurou ouvir e dialogar com representações categorizadas da sociedade civil. No governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, de quem tive a honra de ser por seis anos o ministro das Relações Exteriores, este exercício foi constante. Cito alguns exemplos.

Em maio de 1996, em Belo Horizonte, reuni-me com representantes de todas as principais organizações sindicais para discutir a posição brasileira na Alca. Com os representantes do setor produtivo nacional, tivemos diálogo regular no Conselho Empresarial, que buscava examinar os interesses econômicos do país nas negociações da OMC e da integração regional. Com representantes das ONGs ambientais, tivemos amplas e frequentes reuniões antes e depois da Conferência de Kyoto, sobre o Protocolo que resultou daquela conferência, na qual a delegação brasileira chefiada pelo ministro José Israel Vargas teve atuação marcante. Falei inúmeras vezes em universidades, escrevi muitos artigos na imprensa de prestação de contas à opinião pública. Dialoguei constantemente com representantes de diversas denominações religiosas. Por fim , mantive em mais de uma ocasião um diálogo aberto e respeitoso com o professor Marco Aurélio Garcia, na própria sede do Itamaraty ou fora dela. Todas estas afirmações são factuais e comprováveis, não resultam da imaginação ou de propósito ideológico.

O aventado "conselho" - que pretende implantar um novo modelo radicalmente mais aberto na representação da sociedade brasileira - é apenas mais um passo na busca de desconstrução do passado que, na área da política externa, como em diversas outras, tem caracterizado o presente governo.

Em terceiro lugar, esta é também uma tentativa de abalar as próprias colunas do Estado forte, ao qual tantas loas são tecidas por aqueles que agora o exaltam como um requisito do progresso do Brasil.

Existe um consenso universal de que relações exteriores e defesa são os dois campos em que há competência básica do Estado. Subordinar políticas públicas, como a externa, a um comitê de posições apriorísticas e pouco representativo do conjunto da nação resultará inevitavelmente em debilitar o Estado, tolhendo-o de uma das mais essenciais atribuições da soberania: representar o país na cena internacional.

Resta torcer para que a inoportuna ideia deste "conselho de política externa" permaneça no rol das fantasias que nunca se concretizam por que resultam apenas da imaginação voluntarista de alguns e, como dizia Fernando Pessoa, "não têm relação com o que há na vida".

LUIZ FELIPE LAMPREIA foi ministro das Relações Exteriores do governo Fernando Henrique Cardoso(1995-2001).