O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador Mario Vargas Llosa. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Mario Vargas Llosa. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 11 de março de 2013

O caudilho e os seus desastres - Mario Vargas Llosa

Interessante artigo do Prêmio Nobel peruano de literatura: toca em vários pontos relevantes no plano conceitual e termina com uma expressão de confiança na possibilidade de vitória da oposição, achando que as massas podem ser racionais, o que me parece ilusório.
Mas deixou de tocar em duas questões importantes: as milícias fascistas, criadas pelo caudilho, e o Exército, aparentemente já controlado totalmente pelos êmulos do coronel, não por que o amassem de verdade, ou porque acreditam no tal de socialismo do século 21.
Acontece que essas forças fascistas -- algumas com comandantes que também fazem negócios no narcotráfico -- precisam que o sistema continue, pois esse é o seu modo de vida -- para os simples mercenários das milícias fascistas -- e este é a sua maneira de enriquecer, no caso dos comandantes.
Eles não podem abandonar o poder: já roubaram muito e querem continuar roubando e talvez já tenham cometido alguns crimes, e isso não pode ser exposto.
O próprio caudilho virou, ao que parece, e antes do tempo, um boneco de cera, o que assegura que a máquina de mentir e roubar, criada por eles, e seus mentores cubanos, já está bem montada.
Por isso sou menos otimista do que Vargas Llosa. Acho que os venezuelanos ainda têm muitos desastres pela frente...
Paulo Roberto de Almeida 

A morte do caudilho
Mario Vargas Llosa
O Estado de S.Paulo, 10/03/2013

O comandante Hugo Chávez Frías pertencia à robusta tradição dos caudilhos que, embora mais presentes na América Latina que em outras partes, não deixaram de se assomar a toda parte, até em democracias avançadas, como a França. Ela revela aquele medo da liberdade que é uma herança do mundo primitivo, anterior à democracia e ao indivíduo, quando o homem ainda era massa e preferia que um semideus, ao qual cedia sua capacidade de iniciativa e seu livre-arbítrio, tomasse todas as decisões importantes de sua vida.

Cruzamento de super-homem e bufão, o caudilho faz e desfaz a seu bel prazer, inspirado por Deus ou por uma ideologia na qual, quase sempre, se confundem o socialismo e o fascismo ─ duas formas de estatismo e coletivismo ─ e se comunica diretamente com seu povo mediante a demagogia, a retórica, a espetáculos multitudinários e passionais de cunho mágico-religioso.

Sua popularidade costuma ser enorme, irracional, mas também efêmera, e o balanço de sua gestão, infalivelmente catastrófico. Não devemos nos impressionar em demasia pelas multidões chorosas que velam os restos de Hugo Chávez. São as mesmas que estremeciam de dor e desamparo pela morte de Perón, de Franco, de Stalin, de Trujillo e as que, amanhã, acompanharão Fidel Castro ao sepulcro.

Os caudilhos não deixam herdeiros e o que ocorrerá a partir de agora na Venezuela é totalmente incerto. Ninguém, entre as pessoas de seu entorno, e certamente em nenhum caso Nicolás Maduro, o discreto apparatchik a quem designou seu sucessor, está em condições de aglutinar e manter unida essa coalizão de facções, de indivíduos e de interesses constituídos que representa o chavismo, nem de manter o entusiasmo e a fé que o defunto comandante despertava com sua torrencial energia nas massas da Venezuela.

Uma coisa é certa: esse híbrido ideológico que Hugo Chávez urdiu chamado revolução bolivariana ou socialismo do século 21, já começou a se decompor e desaparecerá, mais cedo ou mais tarde, derrotado pela realidade concreta: a de uma Venezuela, o país potencialmente mais rico do mundo, ao qual as políticas do caudilho deixaram empobrecido, dividido e conflagrado, com a inflação, a criminalidade e a corrupção mais altas do continente, um déficit fiscal que beira a 18% do PIB e as instituições ─ as empresas públicas, a Justiça, a imprensa, o poder eleitoral, as Forças Armadas ─ semidestruídas pelo autoritarismo, a intimidação e a submissão.

Além disso, a morte de Chávez coloca um ponto de interrogação na política de intervencionismo no restante do continente latino-americano que, num sonho megalomaníaco característico dos caudilhos, o comandante defunto se propunha a tornar socialista e bolivariano a golpes de talão de cheques. Persistirá esse fantástico dispêndio dos petrodólares venezuelanos que fizeram Cuba sobreviver com os 100 mil barris diários que Chávez praticamente presenteava a seu mentor e ídolo Fidel Castro? E os subsídios e as compras de dívida de 19 países, aí incluídos seus vassalos ideológicos como o boliviano Evo Morales, o nicaraguense Daniel Ortega, as Farc colombianas e os inúmeros partidos, grupos e grupelhos que por toda a América Latina lutam para impor a revolução marxista?

O povo venezuelano parecia aceitar esse fantástico desperdício contagiado pelo otimismo de seu caudilho, mas duvido que o mais fanático dos chavistas acredite agora que Maduro possa vir a ser o próximo Simon Bolívar. Esse sonho e seus subprodutos, como a Aliança Bolivariana para as América (Alba), integrada por Bolívia, Cuba, Equador, Dominica, Nicarágua, San Vicente e Granadinas, Antígua e Barbuda, sob a direção da Venezuela, já são cadáveres insepultos.

Nos 14 anos que Chávez governou a Venezuela, o preço do barril de petróleo ficou sete vezes mais caro, o que fez desse país, potencialmente, um dos mais prósperos do planeta. No entanto, a redução da pobreza nesse período foi menor que a verificada, por exemplo, no Chile e no Peru no mesmo período. Enquanto isso, a expropriação e a nacionalização de mais de um milhar de empresas privadas, entre elas 3,5 milhões de hectares de fazendas agrícolas e pecuárias, não fez desaparecer os odiados ricos, mas criou, mediante o privilégio e o tráfico, uma verdadeira legião de novos ricos improdutivos que, em vez de fazer progredir o país, contribuiu para afundá-lo no mercantilismo, no rentismo e em todas as demais formas degradadas do capitalismo de Estado.

Chávez não estatizou toda a economia, como Cuba, e nunca fechou inteiramente todos os espaços para a dissidência e a crítica, embora sua política repressiva contra a imprensa independente e os opositores os reduziu a sua expressão mínima. Seu prontuário no que respeita aos atropelos contra os direitos humanos é enorme, como recordou, por ocasião de seu falecimento, uma organização tão objetiva e respeitável como a Human Rights Watch.

É verdade que ele realizou várias consultas eleitorais e, ao menos em algumas delas, como a última, venceu limpamente, se a lisura de uma eleição se mede apenas pelo respeito aos votos depositados e não se leva em conta o contexto político e social no qual ela se realiza, e na qual a desproporção de meios à disposição do governo e da oposição era tal que ela já entrava na disputa com uma desvantagem descomunal.

No entanto, em última instância, o fato de haver na Venezuela uma oposição ao chavismo que na eleição do ano passado obteve quase 6,5 milhões de votos é algo que se deve, mais do que à tolerância de Chávez, à galhardia e à convicção de tantos venezuelanos que nunca se deixaram intimidar pela coerção e as pressões do regime e, nesses 14 anos, mantiveram viva a lucidez e a vocação democrática, sem se deixar arrebatar pela paixão gregária e pela abdicação do espírito crítico que o caudilhismo fomenta.

Não sem tropeços, essa oposição, na qual estão representadas todas as variantes ideológicas da Venezuela está unida. E tem agora uma oportunidade extraordinária para convencer o povo venezuelano de que a verdadeira saída para os enormes problemas que ele enfrenta não é perseverar no erro populista e revolucionário que Chávez encarnava, mas a opção democrática, isto é, o único sistema capaz de conciliar a liberdade, a legalidade e o progresso, criando oportunidades para todos em um regime de coexistência e de paz.

Nem Chávez nem caudilho algum são possíveis sem um clima de ceticismo e de desgosto com a democracia como o que chegou a viver a Venezuela quando, em 4 de fevereiro de 1992, o comandante Chávez tentou o golpe de Estado contra o governo de Carlos Andrés Pérez. O golpe foi derrotado por um Exército constitucionalista que enviou Chávez ao cárcere do qual, dois anos depois, num gesto irresponsável que custaria caríssimo a seu povo, o presidente Rafael Caldera o tirou anistiando-o.

Essa democracia imperfeita, perdulária e bastante corrompida, havia frustrado profundamente os venezuelanos que, por isso, abriram seu coração aos cantos de sereia do militar golpista, algo que ocorreu, por desgraça, muitas vezes na América Latina.

Quando o impacto emocional de sua morte se atenuar, a grande tarefa da aliança opositora presidida por Henrique Capriles será persuadir esse povo de que a democracia futura da Venezuela terá se livrado dessas taras que a arruinaram e terá aproveitado a lição para depurar-se dos tráficos mercantilistas, do rentismo, dos privilégios e desperdícios que a debilitaram e tornaram tão impopular.

A democracia do futuro acabará com os abusos de poder, restabelecendo a legalidade, restaurando a independência do Judiciário que o chavismo aniquilou, acabando com essa burocracia política mastodôntica que levou à ruína as empresas públicas. Com isso, se produzirá um clima estimulante para a criação de riqueza no qual empresários possam trabalhar e investidores, investir, de modo que regressem à Venezuela os capitais que fugiram e a liberdade volte a ser a senha e contrassenha da vida política, social e cultural do país do qual há dois séculos saíram tantos milhares de homens para derramar seu sangue pela independência da América Latina.

TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

domingo, 8 de julho de 2012

Maldita borracha - uma novela biografica de Vargas Llosa

A borracha está no centro das piores tragédias da passagem para o século XX, tanto no Congo (não belga, mas do rei belga), quanto no Peru, e provavelmente também no Brasil, mais especificamente no Acre, antes e depois de Rio Branco. Vargas Llosa captura o sentido dramático do engajamento na causa humanitária, e depois no envolvimento na causa irlandesa, por um herói trágico.
Paulo Roberto de Almeida 

Latin American fiction

A tragic hero’s tale

IN 1884 Roger Casement, an ascetic young Ulsterman, joined an expedition up the Congo river led by Henry Morton Stanley, believing that commerce, Christianity and colonialism would emancipate the dark continent. When he left Africa 20 years later, Casement was the leading figure in an international campaign to denounce the abuses committed by the Congo’s Belgian colonisers. As British consul, he published a report that detailed how the African population were beaten and mutilated to force them to supply rubber for export to Europe.
When news reached London that the rubber boom had prompted a similar reign of terror against the indigenous population in Putumayo, in the Peruvian Amazon, the British foreign secretary sent Casement to investigate with the words: “You’re a specialist in atrocities. You can’t say no.” His findings prompted the collapse of the Peruvian Amazon Company, the London-registered firm responsible. Casement was knighted, and the Times hailed him as “a great humanitarian”.
A passionate man of complex character, Casement is a tailor-made protagonist for Mario Vargas Llosa, a Peruvian writer who won the Nobel prize in literature in 2010. “The Dream of the Celt” is a meticulously researched fictional biography and a clever psychological novel.
Casement’s fame quickly turned to notoriety. Only a few years after his lauded success in Peru he was hanged in London’s Pentonville prison as a traitor. Having transferred his thirst for justice to the fight for Irish independence, he sought German military support for the cause during the first world war. Casement was caught in 1916 on an Irish beach during a foiled attempt to land 20,000 German rifles. His British captors sought to besmirch further his name by circulating diaries in which he detailed homosexual encounters with young men on several continents.
The strongest passages in the book are those in which the author skilfully interweaves scenes in Pentonville prison with details of Casement’s earlier life to trace the evolution of Casement’s consciousness. “The Dream of the Celt” is a moral tale. It is about the choice between denial or denunciation in the face of evil, and the fine line between activism and fanaticism. That makes an old story strikingly contemporary.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

A frase da semana - Mario Vargas Llosa


Um público comprometido com a leitura é crítico, rebelde, inquieto, pouco manipulável e não crê em lemas que alguns fazem passar por ideias.

Mario Vargas Llosa, em entrevista a jornalista

domingo, 20 de novembro de 2011

Vargas Llosa: uma entrevista em Madrid (revista da TAM)


Confidências de um escrevinhador


Mario Vargas Llosa
Entrevista a Emilio Fraia
Revista TAM nas Nuvens, novembro 2011

Na Calle Flora, em Madri, no terceiro andar de um antigo prédio, vivem dezenas de hipopótamos. Nas estantes, mesas, e, emoldurando a imensa biblioteca, os bichos acompanham seu dono, o escritor peruano Mario Vargas Llosa, de 74 anos, que os observa orgulhoso. “Eles são feios, dão impressão de brutalidade, mas na verdade são delicados”, diz. “Gosto deste paradoxo.” Quando Vargas Llosa estreou na Inglaterra sua peça Kathie e o Hipopótamo, nos anos 80, os atores o presentearam com algumas miniaturas e, desde então, os animais — de vidro, madeira, porcelana ou coloridos — habitam a sala onde Llosa concedeu esta entrevista semanas antes de ganhar o prêmio Nobel de Literatura de 2010.

Enquanto uma de suas netas brincava no chão da biblioteca, o autor de "Pantaleão e as Visitadoras", "Conversa na Catedral" e "Tia Julia e o Escrevinhador" falou de como Paris deixou de ser a capital cultural do mundo, exaltou sua experiência no sertão da Bahia em 1979 e contou como suas temporadas fora de seu país natal foram decisivas para que compreendesse a América Latina. “Conhecemos melhor nosso país quando viajamos.” No dia 14 de outubro, Llosa marca presença como conferencista convidado do evento Fronteiras do Pensamento, em Porto Alegre (www.fronteirasdopensamento.com.br).

Quando seu pai o colocou no Colegio Militar Leoncio Prado, em Lima, ele esperava que você deixasse de lado o gosto pela literatura. Mas aconteceu o contrário, não? Nunca li tanto quanto naquela época. A solidão do internato, sobretudo nos fins de semana, teria sido insuportável sem a leitura. Eu tinha 14 anos e ficar internado me causava imensa claustrofobia. A leitura era uma liberação, uma maneira de escapar. Dessa época, me lembro de ter lido Os Miseráveis, de Victor Hugo, o que foi uma experiência muito importante. A lembrança de Victor Hugo está intimamente ligada aos meus dois anos no colégio militar porque, sem dúvida, ele foi, com Alexandre Dumas, o melhor amigo que tive lá dentro.

Li toda a série de Dumas, Os Três Mosqueteiros, tudo. Li muitos romances de aventura e romances franceses. Meu pai me colocou naquele colégio para que os militares me curassem daquilo que ele chamava de “enfermidade literária”. Mas acabei lendo ainda mais, e ganhei a experiência que me permitiu escrever meu primeiro romance, A Cidade e os Cachorros. Também escrevi muito no colégio. Era um escritor profissional, escrevia cartas de amor e historinhas pornográficas para meus colegas. Trocava os textos por cigarro e, às vezes, por algum dinheiro.

Dois de seus primeiros livros, Os Filhotes e A Cidade e os Cachorros, tratam da passagem da infância para a vida adulta, e isso é marcado por certa violência. A transição para a vida adulta é sempre uma experiência traumática?Minha entrada no colégio militar foi mesmo traumática. Ali se vivia uma violência até então desconhecida por mim. Eu morava em um bairro protegido, Miraflores — os meninos dali não conheciam a violência brutal de outros setores do país. Na escola, chegavam meninos de todas as classes sociais, era um microcosmo da sociedade peruana. Lá, ricos, pobres e classe média viviam juntos; brancos, cholos, índios, negros, chineses. O clima era tenso. Havia também o machismo militar que estimulava um certo aspecto viril. Ao mesmo tempo, a experiência me fez conhecer melhor a realidade peruana.

No fim dos anos 50, quando você foi a Paris, a cidade era uma espécie de capital cultural do mundo. Ela continua sendo esta cidade? Não, isso mudou muito. Hoje, há outros centros culturais. Os jovens vão para Nova York, Barcelona, Madri, Berlim. Também é muito mais difícil se instalar na Europa, há uma espécie de paranoia em relação à imigração. Quando eu era jovem, Paris se apresentava como a capital da cultura, das artes. Em todo o mundo, jovens que tinham vocação literária ou artística sonhavam ir a Paris. Continua sendo uma cidade bela e importante do ponto de vista cultural, mas não é mais o centro magnético que costumava ser.

Quando chegou a Paris, em 1959, a primeira coisa que fez foi comprar um exemplar de Madame Bovary. Acredita que se tivesse comprado algum outro romance, sua história como escritor teria sido diferente? Certamente. Essa foi uma experiência fundamental para mim. Não só porque os romances de Flaubert me deslumbraram, mas porque me ajudaram a me tornar escritor. A correspondência de Flaubert talvez seja a melhor iniciação que se pode ter. Ele foi um escritor que trabalhou seu talento. Não tinha um talento natural. Ele se impôs um sistema de rigor, de exigência, de autocrítica e de imenso trabalho, e isso fez brotar talento onde não havia. Nesse sentido, Flaubert foi um mestre. Ele me mostrou o tipo de escritor que eu queria ser.

Você já morou em Lima, Paris, Londres, Barcelona. Há 15 anos, vive em Madri. O que costuma fazer? Eu tenho uma rotina disciplinada. Acordo perto das 6 da manhã, caminho por 1 hora e faço exercícios. Esse momento é quando preparo o trabalho do dia, crio o clima para começar. Depois, leio os jornais — sou um grande leitor deles, gosto de saber de tudo o que acontece. Então, começo a trabalhar. Trabalho até às 14 horas, sempre em casa.

À tarde, muitas vezes, vou a alguma biblioteca ou café. As horas mais criativas são sempre as da manhã. À noite não trabalho. Vou ao cinema, ao teatro, a concertos. De segunda a sábado, trabalho no livro que estiver escrevendo e, aos domingos, escrevo artigos. Viajo muito também, e quando viajo não interrompo esta rotina. Trabalho onde estiver. Há pouco estive de férias com a família em Mallorca, aqui na Espanha. Ficamos uma semana e trabalhei da mesma forma.

Embora você sempre passe alguns meses do ano em Lima, seu olhar sobre a América Latina se modificou, depois de anos na Europa? Qual a importância de reelaborar um país, uma cultura, em outro país? Para mim, isso sempre foi fundamental. Porque eu vivi mais tempo fora do Peru do que no Peru. Isso me deu uma visão mais objetiva. Conhecemos melhor nosso país quando viajamos ou saímos dele. Conseguimos, então, enxergar e julgar melhor as distorções que, muitas vezes, o patriotismo produz. Posso dizer que descobri a América Latina na Europa.

Eu não me sentia latino-americano enquanto vivia no Peru. Aqui, descobri que era um latino-americano, que participava de uma comunidade, que tinha uma série de denominadores comuns, tradições, problemas, uma missão cultural. Ao mesmo tempo, a experiência de viajar também foi imprescindível. Viajar me salvou de uma certa visão estreita, nacionalista e provinciana.

Você esteve no Brasil muitas vezes. Qual delas foi a mais marcante? Sem dúvida foi marcante conhecer os lugares onde se passa Os Sertões, de Euclides da Cunha, para depois escrever A Guerra do Fim do Mundo, sobre a Guerra de Canudos. Em 1979, estive nos 25 povoados do interior da Bahia e do Sergipe por onde Antonio Conselheiro teria passado, ouvindo os filhos e os netos daqueles que o haviam escutado.

Talvez uma das maiores emoções que tive na vida foi estar no lugar onde ficava Canudos. E guardo sempre a lembrança de grandes amigos brasileiros, como Jorge Amado, Rubem Fonseca, Nélida Piñon. E João Guimarães Rosa, um dos grandes autores latino-americanos, de quem sempre fui admirador. Grande Sertão: Veredas é uma obra-prima e, infelizmente, um livro muito mal traduzido para o espanhol.

Você já escreveu que “o mundo sem romances teria como traço principal o conformismo”. Por quê? Creio que o romance sempre foi um testemunho rebelde, de insubmissão. Em todas as épocas, os romances flagraram nossas carências, tudo aquilo que a realidade não nos pode dar e que, de alguma maneira, desejamos. Começamos a inventar porque o mundo não nos parece suficiente. O romance se situa justamente nessa compensação que o ser humano busca quando entende que a realidade não o satisfaz completamente.

Por esse motivo, ele sempre causou desconfiança nos governos, nas instituições que pretendem controlar a vida. As religiões e os regimes autoritários nunca foram simpáticos ao romance. E penso que têm razão: ele é mesmo um gênero perigoso, porque provoca a imaginação, os desejos, e nos faz sentir que a vida não é o bastante, que ela não consegue aplacar todos os nossos apetites e sonhos. O romance tem a ver com esse espírito rebelde. A invenção de outro mundo, de outra realidade, onde podemos nos refugiar e viver. Escapar por meio da fantasia. Acredito que essa é a origem de toda ficção.

Em novembro será lançado [na Espanha e na América hispânica, sem data ainda no Brasil] seu novo romance, El Sueño del Celta, baseado na vida de um diplomata irlandês, Roger Casement. O que chamou sua atenção nesse personagem?Descobri Casement ao ler uma biografia de Joseph Conrad. Casement esteve na África e também na Amazônia brasileira e peruana. Foi cônsul britânico no Congo belga e dedicou duas décadas da sua vida a denunciar as atrocidades do regime de Leopoldo II naquele país. Denunciou também as terríveis condições vividas pelos indígenas na Amazônia, o que influenciou de maneira decisiva a opinião pública da Europa e dos EUA. Foi também importante para a independência da Irlanda. Casement levou uma vida muito aventureira. Ele foi grande amigo do Conrad, acompanhando-o em sua jornada africana. Conrad escreveu Coração das Trevas em grande parte graças a ele.

Falando em África, gostei muito da sua coleção de hipopótamos. Tenho muito carinho por esse bicho. É um animal dócil, tem o paladar delicado e uma incrível propensão ao amor. Suas principais ocupações são tomar banho, chafurdar na lama e fazer amor — eles podem passar mais de 12 horas copulando. Gostaria de fazer amor como os hipopótamos. Conseguiram o que os hippies jamais conseguiram verdadeiramente: levar a cabo a máxima “paz e amor”.

Llosa pelo estômago

“A gastronomia peruana está na moda. A criatividade dos peruanos revelou-se de forma extraordinária na cozinha — os guisados, molhos, condimentos, ingredientes. Uma das razões, acho, é porque tivemos sempre uma tradição muito repressiva. A nossa imaginação se orientou para uma atividade em que não era perigoso ser imaginativo: a gastronomia. Gosto muito da comida do sul do Peru, da minha terra, Arequipa.

O chupe de camarão, por exemplo. É uma sopa espessa, muito picante. Em Madri, há um restaurante peruano muito bom, Astrid y Gastón (Paseo de la Castellana, 13). Cozinheiras nativas preparam os pratos e os ingredientes são trazidos de Lima. Também aprecio muito a culinária espanhola. Gosto da Casa Lucio (Calle Cava Baja, 35) — o ovo frito com batatas é sensacional, inimitável. Também vou ao Lhardy (Carrera de San Jeronimo, 8), um dos restaurantes mais antigos de Madri. Para quem gosta do cozido madrilenho, este é o lugar ideal."   

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Um Principe da literatura: Mario Vargas Llosa, Nobel Prize Lecture

Estou ouvindo, e recomendo que todos ouçam, a alocução, uma aula inteira, de Mario Vargas Llosa, ao receber seu prêmio Nobel:

http://nobelprize.org/mediaplayer/index.php?id=1416

O prêmio, na verdade, importa pouco, pois o que vale mesmo é sua aula sobre a literatura universal.

Nobel Lecture by Mario Vargas Llosa(54 minutes)

Mario Vargas Llosa delivered his Nobel Lecture, 7 December 2010, at the Swedish Academy, Stockholm. He was introduced by Peter Englund, Permanent Secretary of the Swedish Academy. The lecture was delivered in Spanish.
Credits: Sveriges Television AB (production)
Copyright © Nobel Media AB 2010

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Mario Vargas Llosa sobre o tal de "neoliberalismo"

Já escrevi bastante sobre essa bobagem essencialmente acadêmica -- mas exercitada plenamente por militantes políticos profundamente ignorantes, eu até ousaria dizer completamente idiotas, se não tivesse me comprometido a não mais chamar alguém de idiota (embora alguns mereçam) -- que consiste em acusar alguém ou alguma posição econômica ou política de "neoliberal".
Trata-se, numa expressão benigna, de um reducionismo atroz, no limite uma idiotice completa (perdão, perdão).
Em economia, existem liberais, como existem intervencionistas, ponto. Num caso se pretende a liberdade dos mercados, no outro se pretende a mão visível, e forte, do Estado. São fatos, não são minha opinião.
Em política, existem liberais e existem autoritários, ou mesmo totalitários. Os primeiros defendem um regime amplamente democrático, com total liberdade de expressão e de organização política, com algumas salvaguardas contra aqueles que pretenderiam destruir a democracia (sim, existem, como sabemos). Os segundos gostam de Estados centralizados, partidos únicos (ou quase), liderança da "vanguarda" (autodesignada, cela va de soi) e aquele desejo intenso de "reformar a sociedade", para torná-la mais "justa", mais "igualitária", mais conforme os desejos da "maioria". Enfim, tudo se resume num projeto de "engenharia social": os liberais não admitem essa perspectiva, e acham que os homens devem ser livres, simplesmente. Os autoritários, sim, têm essa vontade obsessiva de reorganizar a sociedade, mesmo contra a vontade dos... liberais, claro.
Bem, chega de papo.
Gostaria apenas de transcrever aqui um texto de Mario Vargas Llosa sobre o neoliberalismo, que fui "roubar" no blog do meu amigo e colega de ideias liberais Orlando Tambosi, que fez o trabalho de tradução (e que fica com todos os copyrights e moral rights pelo esforço). (Neste link.)
Quem quiser ler meus textos sobre neoliberalismo, pode buscar no meu site, na série sobre as "Falácias Acadêmicas".
Paulo Roberto de Almeida

Mario Vargas Llosa sobre o "neoliberalismo"
Creio que o termo “neoliberalismo” não tem conteúdo semântico. É uma fórmula fundamentalmente denigritória, utilizada como etiqueta para caricaturar o liberalismo e fazê-lo responsável por todas as calamidades humanas. Uma das grandes vitórias das ideologias totalitárias, todas derrotadas na prática, é que nos deixaram uma sequela ideológica que se traduz em preconceitos e em certos lugares-comuns ideológicos, profundamente arraigados apesar dos desmentidos da realidade.
A ninguém se chama “neoliberal” para definir um sistema de pensamento, de valores, de convicções políticas. Não, neoliberal é algo automaticamente associado a explorador, defensor de instituições anacrônicas, injustas; neoliberal é quem tem uma visão fundamentalista do mercado, alguém que, em última instância, defende o sistema de exploração, de abuso, de expropriação do trabalho.
Há que se rechaçar a própria noção de neoliberal, já que carece de significação e, mais que uma idéia, é uma espécie de imprecação. Tem gente que é liberal e gente que não o é. Mas eu não conheci jamais um “neoliberal”. Assisto a congressos e seminários sobre o liberalismo e nunca ouvi alguém dizer: “Eu sou um neoliberal”. Cada vez que ouvimos a palavra “neoliberal” temos que nos preocupar, porque por trás dessas palavras há preconceitos profundos e ódio ao que o liberalismo representa. E isto, sim, existe, está aí, em muitos casos é um ódio consciente, em outros é instintivo.
Curiosamente, o liberalismo, que para muitos representa algo conservador, anacrônico, algo que já não expressa a realidade, é capaz de provocar hostilidades, manifestações de extraordinária ferocidade. Creio que essas são sequelas das ideologias totalitárias que ainda contaminam profundamente o discurso político do nosso tempo.
Não há neoliberais, há liberais. E os liberais são um espectro bastante amplo, de matizes muito diferentes e, às vezes, distanciados e contrapostos. Algo que é perfeitamente lógico se se pensa que o liberalismo não é uma ideologia, não tem esse caráter fechado de religião, dogmático, que tem as ideologias. É um corpo de ideias, uma doutrina em que se parte de certas convicções básicas que têm a ver especificamente com a liberdade, a idéia de que a liberdade é o valor mais prezado desde o ponto de vista individual e social, e que a presença e operacionalidade da liberdade, entendida de maneira unívoca como totalidade no campo político, no campo econômico, no campo cultural, no campo individual, é o que mais contribui para afastar a violência, para estabelecer a coexistência social e trazer prosperidade. Essas são ideias muito elementares, que são o denominador comum dos liberais.
A partir daí, o que há são diferenças, enormes diferenças. Mas, basicamente, a partir de algumas convicções democráticas e algumas convicções de que a liberdade, tanto no campo político quanto no campo econômico, conjugados, traz progresso, desenvolvimento, civilização: não a sociedade perfeita; o liberalismo não parte da idéia de uma sociedade perfeita, posto que as sociedades são sempre imperfeitas, mas são aperfeiçoáveis, e que para uma sociedade se aperfeiçoar é necessário fundar a Carta da liberdade, permitir a crítica, a diversidade, dentro de uma coexistência só garantida pela lei.

Mario Vargas Llosa e o ocaso do ditador: Chavez diminui de tamanho

Em lugar de falar do Prêmio Nobel -- que para mim não significa absolutamente nada, pois o que me interessa, de fato, é o conteúdo e a forma dos seus livros, entre os quais aprecio particularmente Pantaleón y las Visitadoras -- prefiro falar do escritor político.
E, aproveitando essas conjunturas eleitorais, em que dois candidatos a ditadores são derrotados -- mesmo tendo conquistado um número significativo de votos -- vamos publicar o mais recente artigo político de Vargas Llosa, o escritor em permanente campanha contra os ditadores, de qualquer espécie.
Estou seguro de que já escreveu sobre o outro também, mas por enquanto fiquemos com o coronel em seu ocaso ditatorial...
Paulo Roberto de Almeida

Venezuela: La derrota de Chávez
Mario Vargas Llosa
El País, 8 Octubre 2010

A pesar de la grotesca manipulación del voto, las elecciones del pasado domingo en Venezuela han supuesto un serio revés al comandante bolivariano. Pero la oposición no debe cantar victoria.

La derrota de Chávez en las elecciones parlamentarias del domingo 26 de septiembre es mucho más significativa de lo que indican las cifras electorales, pues, al mismo tiempo que muestra la creciente impopularidad del caudillo venezolano y su régimen, saca a la luz pública la grotesca manipulación del voto popular amañada preventivamente por el chavismo para convertir en victoria lo que esperaba sería una recusación rotunda de su política y sus pretensiones.

La ha sido y sin atenuantes. El comandante Chávez presentó la consulta como un plebiscito en el que el pueblo de Venezuela debía legitimar torrencialmente a su “socialismo del siglo XXI” y su jefe de campaña, Aristóbulo Istúriz, profetizó con arrogancia: “Podemos perder ganando si no obtenemos los dos tercios de la Asamblea Nacional”. Pues bien, el resultado menos fraudulento de las elecciones, el voto por los 12 representantes al Parlamento Latinoamericano, dio a las fuerzas reunidas de la oposición una mayoría de cerca de 400.000 votos.

Esta diferencia se reduce en el voto para la Asamblea Nacional a 242.553 -resultados oficiales: 5.642.553 contra 5.399.574-, porque allí, la ingeniería electoralista de Chávez, con la complicidad de sus parlamentarios y del Poder Electoral, había enmendado la ley para dar una elefantiásica representación a las circunscripciones rurales, donde tenía fuerte arraigo, y encogerla en las urbanas donde la oposición era mayoritaria. Se ha calculado que con esta disparatada desproporción el régimen necesitaba apenas 30.000 votos para obtener un diputado en tanto que la Mesa de Unidad Democrática requería 140.000. Eso explica que la oposición, habiendo obtenido un 52% del voto, cuente sólo con 65 diputados, y el chavismo con 98 pese a alcanzar sólo el 48%. Esos son los milagros matemáticos que produce el socialismo del siglo XXI. No es extraño que, para comunicar estos datos, el Consejo Nacional Electoral tardara ocho horas más de lo previsto y que Chávez, siempre tan lenguaraz, enmudeciera cerca de veinticuatro horas antes de salir a dar la cara a la prensa. Esta vez no se atrevió a decir, como en diciembre de 2007, cuando el pueblo venezolano rechazó su reforma constitucional, que se trataba de “una victoria de mierda”. Más bien agradeció, con aspavientos que desmentía su cara avinagrada, al “pueblo revolucionario” la “victoria” que le otorgó.

Un aspecto interesante de la consulta es que los Estados más castigados por el caudillo (por haber elegido en el pasado a gobernadores y alcaldes hostiles al régimen) retaceándoles el presupuesto, cancelando programas sociales y defenestrando -a veces encarcelando- a sus autoridades, en vez de dejarse intimidar, han redoblado su oposición. Así ha ocurrido en Miranda, Táchira y Zulia, y en la propia Caracas: en el Distrito Capital la oposición derrotó al oficialismo por primera vez en 12 años en votos emitidos.

Con los 65 diputados en la Asamblea Nacional, la oposición tendrá la fuerza necesaria para frenar las reformas constitucionales que Chávez preparaba -se necesitan para ello dos tercios de los diputados- a fin de acelerar la estatización y el dirigismo de la economía, acabar con las empresas privadas y la prensa y la televisión independientes, cerrar los limitados espacios críticos que aún quedan en los ámbitos político, sindical, social y cultural. El avance del régimen hacia un modelo cubano, de dictadura marxista leninista integral, tendrá muchos más escollos para materializarse ahora que el propio pueblo venezolano ha comprobado que, con la civilizada y simple acción de depositar un voto en un ánfora, se podía infligir una seria advertencia a un gobierno en cuyo prontuario figura haber convertido a Venezuela en el país con la más alta inflación de América Latina, el de más alto índice de criminalidad, uno de los más corruptos e ineficientes del planeta y donde el desplome de los niveles de vida de los sectores de clase media y popular es más rápido. Este año Venezuela será el único país de América Latina con crecimiento negativo.

Las fuerzas de la oposición a Chávez no deben cantar victoria ni confiarse por este excelente resultado. Ni volver a cometer errores como el del año 2005, cuando, por abstenerse de participar en el proceso electoral, regalaron a Chávez una Asamblea Nacional servil y autómata (La Casa de las Focas) que todos estos años no ha sido más que una dócil sirvienta de los desafueros constitucionales y legales del Comandante. Es imprescindible que la unión de los partidos, movimientos y personas de la oposición que es La Mesa de Unidad Democrática se mantenga y se afiance, porque de esta manera seguirá ganando adeptos y sumando a sus filas a los venezolanos que, abrumados o atemorizados por las represalias del régimen, se abstuvieron de participar en esta contienda. A muchos de estos abstencionistas escépticos, la victoria electoral de la resistencia tiene que haberlos sacudido y demostrado que todavía hay razones para la esperanza. Cuando lo que está en juego es la libertad de un pueblo, el riesgo de que el oscurantismo de una dictadura totalitaria se abata sobre él y viva quién sabe por cuántos años -los cubanos la padecen hace más de medio siglo- las pequeñas rivalidades de doctrina, de matiz o personales, deben desaparecer a fin de no debilitar la primera de las prioridades: resistir el proyecto autoritario de un caudillo demagogo que ha sumido ya a Venezuela en la miseria, la violencia y el caos y podría seguir hundiéndola en formas todavía más infames de desvarío ideológico.

Se reprocha a la oposición venezolana carecer de líderes, no tener al frente a figuras carismáticas que arrebaten a las masas. Pero, cómo, ¿todavía hay que creer en los caudillos? ¿No han sido ellos, esos horripilantes payasos con las manos manchadas de sangre, embelecos inflados de vanidad por el servilismo y la adulación que los rodea, la razón de los peores desastres de América Latina y del mundo? La existencia de un caudillo carismático supone siempre la abdicación de la voluntad, del libre albedrío, del espíritu creador y la racionalidad de todo un pueblo ante un individuo al que se reconoce como ser superior, mejor dotado para decidir lo que es bueno y lo que es malo para todo un país en materia económica, política, cultural, social, científica, etcétera. ¿Eso queremos? ¿Que venga un nuevo Chávez a librarnos de Chávez?

Yo discrepo. Estoy convencido de que América Latina sólo será verdaderamente democrática, sin reversión posible, cuando la inmensa mayoría de latinoamericanos esté vacunada para siempre contra la idea irracional, primitiva, reñida con la cultura de la libertad, de que sólo un superhombre puede gobernar eficazmente y con acierto a esas mediocridades que somos el resto de los seres humanos, esos rebaños que necesitan buenos pastores que los conduzcan por el camino debido. Los venezolanos lo creyeron así cuando apareció el Comandante de marras, con su voz tonitronante y sus desplantes bolivarianos y sus monólogos farragosos, y votaron por él de manera masiva, descreyendo de la democracia. Así les ha ido. Lo han pagado carísimo. Ahora han aprendido la lección y una de las buenas cosas que vienen haciendo, mientras con gallardía se enfrentan a la semi dictadura que padecen, es haber renunciado a los caudillos. Ahora tienen dirigentes que merecen respeto, no adoración religiosa, pues trabajan en equipo, buscan consensos y toman acuerdos a través del diálogo y la persuasión, es decir, comienzan a practicar ya esa cultura democrática que volverá a ser la de la tierra de Bolívar cuando el comandante Chávez no sea sino una más de esas figuras borrosas de una tradición de vergüenza y atraso.

Los meses y años que tiene Venezuela por delante no serán fáciles. El régimen ha avanzado demasiado en la construcción de unas estructuras dictatoriales y mucha gente medra ya de ellas como para que Chávez, acatando la voluntad popular, rectifique su política y esté dispuesto a retirarse del poder si así lo mandan las urnas. El peligro mayor es que, después de esta golpiza pacífica que acaba de recibir, se embravezca y quiera conseguir, mediante ucases y matonerías represivas, lo que no ha podido conseguir a través de las ánforas. E instale la censura, la liquidación de la prensa no alineada con el régimen, la abolición de toda forma de oposición política y la estatización generalizada de la economía. No le será fácil, desde luego. Ya ha perdido ese estado de gracia del caudillo mesiánico de que gozó algunos años y ahora no sólo él, también el pueblo venezolano sabe que es falible y vulnerable. Se avecina un período tenso, en el que, una vez más, como hace dos siglos, se decidirá en tierra venezolana el futuro de la libertad en toda la América Latina.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Republique des lettres: Vargas Llosa finalmente reconhecido

Um escritor que nunca teve medo de assumir responsabilidade pelas suas posições políticas, um homem não político que escrevia politicamente e que fazia política de modo algo literário (por isso perdeu). Talvez tivesse sido um grande presidente, mas não tenho certeza. Sabe manejar melhor a pluma do que ordens executivas.
Intelectuais não fazem bons líderes políticos, pelo menos os intelectuais sinceros, aqueles que não sabem mentir e que teriam de mentir enquanto políticos.
Foi melhor assim, portanto.
Paulo Roberto de Almeida

Nobel : la surprise Vargas Llosa
Le blog de Pierre Assuline
Le Monde, 7 octobre 2010

C’était celui qu’on n’attendait plus. Celui qui fut si souvent et si longtemps cité commé nobélisable qu’on le disait écarté. Celui dont on ne parlait plus guère à Stockholm en raison de sa réputation d’homme de droite, mal portée ces derniers temps dans les sphères littéraires. Celui qui a reçu tant de prix littéraires en Espagne et en Amérique latine et de doctorats honoris causa ces dix dernières années qu’on les imaginait dissuasifs vis à vis des académiciens suédois. Bref, le péruvien Mario Vargas LLosa, qui a obtenu la nationalité espagnole il y a quelques années, et dont on peut tout dire sauf qu’il n’a pas une oeuvre, forte, puissante, stylée : Conversation à la cathédrale, Pantaléon et les visiteuses, La tante Julia et le scribouillard, Tours et détours de la vilaine f…

Les membres du comité Nobel marquent par ce choix leur volonté. Ils n’aiment illerien tant que surprendre les pronostics. Jamais ils n’ont été aussi secrets que ces dernières années. Même les échotiers suédois, autrefois bien informés, n’obtiennent rien dans les jours précédant l’annonce. Selon leur communiqué, l’heureux élu l’est autant pour sa conception de la carte que pour sa notion du territoire :en effet, ils ont distingué son oeuvre “pour sa cartographie des structures du pouvoir et ses représentations incisives de la résistance, de la révolte et de la défaite de l’individu”.

Le discours de Vargas Llosa lui sera certainement l’occasion de rendre hommage à ses pairs, notamment les écrivains à qui il n’a cessé de payer sa dette, dans de nombreux articles et essais, notamment Juan Carlos Onetti ou encore le Victor Hugo des Misérables. On guettera avec intérêt la réaction de Gabriel Garcia Marquez, l’autre nobel latino-américain vivant, ancien ami devenu ennemi intime.

Quant aux parieurs, ils l’ont dans le baba. Vargas Llosa était donné à 25 contre 1…

================

O comunicado da Princeton University, onde Vargas Llosa está passando um semestre de ensino:

Princeton Distinguished Visitor Vargas Llosa wins Nobel in literature
by Staff of Program of Latin American Studies, Princeton University
Posted October 7, 2010; 07:47 a.m.

Acclaimed Peruvian novelist Mario Vargas Llosa, who is spending this semester as the 2010 Distinguished Visitor in Princeton University's Program in Latin American Studies, has been awarded the 2010 Nobel Prize in literature. He also is a visiting lecturer in Princeton's Program in Creative Writing and the Lewis Center for the Arts.

Vargas Llosa was the only winner of this year's Nobel "for his cartography of structures of power and his trenchant images of the individual's resistance, revolt, and defeat," the Royal Swedish Academy of Sciences said in announcing the award today.

A press conference with the Vargas Llosa is scheduled for 1 p.m. today at the Instituto Cervantes, 211 East 49th St. (between Second and Third Avenues), in New York City. TV crews must arrive by 11:30 a.m. to set up in the institute's auditorium. All media inquiries about the press conference should be e-mailed to Barbara Celis at the Instituto Cervantes.

At Princeton this fall, Vargas Llosa is teaching a course in Spanish on techniques of the novel. He also is teaching a class on Argentine writer Jorge Luis Borges that examines the writer's prose, his techniques and the sources he used in his short stories. Vargas Llosa has had a relationship with the Program in Latin American Studies for several years and taught at the University in 1992. In addition, his literary papers -- including notebooks, correspondence, and manuscripts of novels and other writing -- are housed in Firestone Library.

"Everyone at Princeton is delighted to hear about Mario Vargas Llosa winning the Nobel Prize," said Paul Muldoon, chair of the Lewis Center for the Arts, who is a Pulitzer Prize-winning poet. "He's a visiting professor here just now, and our students have already had a great opportunity to work directly not only with a first-rate writer, of course, but a writer who's been seen to take on social issues directly and decisively. It's important that our students, and the rest of us, are reminded that literature is a real force in the world. It's no accident that Mario Vargas Llosa's next novel features Sir Roger Casement, the Irish activist who, in 1910 and 1911, reported on human rights abuses committed by rubber barons in Peru. I expect to learn more about Casement, rubber and Peru than I would from any conventional history or sociological treatise. That's the glory of what we term 'creative' writing, and the glory of a writer like Mario Vargas Llosa."

Rubén Gallo, a professor of Spanish and Portuguese Languages and Cultures and the director of the Program in Latin American Studies, said the Nobel was "a very well deserved honor" for Vargas Llosa. "For many years we were waiting for him to get the Nobel Prize because he's the most respected and accomplished novelist in Latin America. We are especially happy that this happened during his time at Princeton."

As an author, Vargas Llosa had an international breakthrough with the novel "La ciudad y los perros" (1963; "The Time of the Hero," 1966). This novel, which builds on his experiences in Leoncio Prado, a Peruvian military school, was considered controversial in his homeland. A thousand copies were burned publicly by officers from the school.

In 1975 he was elected to the Peruvian Academy. Vargas Llosa ran for the presidency of Peru in 1990, representing the FREDEMO alliance, but lost the election. In 1994 he was elected to the Spanish Academy, where he took his seat in 1996. In recent years he has lived in Barcelona, Madrid, Lima, Paris and London. He has lectured and taught at a number of universities in the United States, South America and Europe.

Vargas Llosa's well known works include "Conversación en la catedral" (1969; "Conversation in the Cathedral," 1975), "La guerra del fin del mundo" (1981; "The War of the End of the World," 1984) and "La fiesta del chivo" (2000; "The Feast of the Goat," 2001). He is also a noted journalist and essayist.