Exatamente a minha impressão, ao ler o artigo abaixo.
Quando pela primeira vez fui a Argentina, como jovem mochileiro, no final dos anos 1960, antes portanto do Brasil começar o seu "milagre" da era militar -- que não foi milagre, apenas reformas que levaram a uma fase temporária de alto crescimento, até que o pessoal começou a fazer bobagem, porque os militares queriam a todo custo preservar altas taxas de investimento num ambiente já contaminado pelo primeiro choque do petróleo --, eu achei, ao percorrer as ruas de Buenos Aires e outras cidades do interior (Rosário, Córdoba, Mendoza, San Luiz), que estava em um país "desenvolvido", com todo mundo andando bem vestido nas ruas, sem todos aqueles pedintes e aé pobres andrajosos que sempre víamos no Brasil. Tudo limpo, organizado, prédios imponentes, de uma era que tinha começado lá atrás. Os argentinos sempre lembravam, que depois de Londres e Paris, foram eles que tinham as linhas de metro mais extensas.
Quando voltei pela segunda vez, no inicio dos anos 1990, vinte anos
depois, e viajando pelo interior, descobri que eles tinham parado no
tempo, e vi um país que me lembrou o Brasil do final dos anos
1950, quando se tinha ainda de esperar, no interior da Argentina, que a
telefonista completasse um pedido de ligação telefônica para o Brasil.
Agora sabemos que a construção da decadência tinha começado bem atrás, ainda na primeira metade do século, e que nos anos 1960 eles estavam consumindo os últimos cartuchos da antiga prosperidade do início do século 20, quando chegaram a ter 73% do PIB per capita americano, à frente da França e da Austria. Hoje, eles não chegam a um terço da renda per capita americana. Cem anos atrás eram quase cinco vezes mais ricos que os brasileiros, hoje estão um pouco acima, menos de um terço de nossa renda per capita. E em educação, parece que recuaram sensivelmente, começando com os peronistas, claro.
Voltei lá várias vezes depois, com o crescimento e modernização da era Menem, mas percebi que eles tinham decaído sobretudo no plano mental, pois ainda tinha acadêmico defendendo o legado peronista, justamente o homem que começou a enterrar o país.
No início do século 20, se dizia "riche comme un Argentin".
Cem anos depois, talvez se possa dizer: "atrasado como um argentino".
Paulo Roberto de Almeida
PS.: Grato a meu amigo e colega de Vocacional Ivo Xavier, por me mandar este artigo antigo, mas altamente ilustrativo para o caso brasileiro: aqui também temos peronistas, só que sem qualquer doutrina, apenas peronistas de botequim...
A incrível decadência argentina e suas lições para o Brasil Amilton Aquino
O Mundo, 01/08/2014
Existe uma piada que diz que o melhor negócio do mundo é comprar um argentino pelo que ele realmente vale e revendê-lo pelo que ele acha que vale. O pano de fundo desta piada é o orgulho argentino, conhecido em todo mundo.
Basta imaginar que até o início dos anos 50, a Argentina era a sexta maior economia do mundo, com uma população escolarizada, recursos naturais abundantes e uma indústria pungente que disputava de igual para igual até mesmo em setores de alta tecnologia, como o automotivo.
E não se tratavam de apenas filiais estrangeiras. A Argentina tinha sua própria marca de automóveis (SIAM), além de várias outras de eletrodomésticos.
A riqueza argentina era tamanha que o país, em 1920, chegou a ter reservas em ouro superiores ao decadente império britânico, e ao emergente novo império norte-americano. Era praticamente um “europeu” latino americano. Não por acaso, o país tornou-se o destino preferido de milhões de refugiados das duas guerras mundiais, inclusive de carrascos nazistas acolhidos por Perón.
Meio século depois, a Argentina não passa de mais um problemático país latino-americano, com as conhecidas mazelas que afligem o continente, como favelas, violência crescente, inflação galopante, analfabetismo e doenças epidêmicas, entre outros.
A decadência da Argentina é tão evidente que o país virou um "case" internacional, citado como um caso raro de país que “involuiu” nas últimas décadas. Uma rápida comparação com o Brasil dá uma ideia da decadência dos nossos hermanos.
A economia, que até os anos 50 era maior que a nossa, hoje é menor que a economia do estado de São Paulo. Agora imagine-se na pele de um argentino que viveu este apogeu, ver o país hoje em mais uma moratória, com uma inflação de 40%, dependente da economia brasileira.
Mas, afinal, o que causou toda esta decadência? Como a Argentina conseguiu empobrecer justamente no momento em que tantos países asiáticos, antes miseráveis, ascenderam econômica e socialmente, a ponto de alguns deles integrarem hoje o clube dos ricos?
A Argentina é vítima do que Hayek chamou de “caminho da servidão”, um processo lento e gradual de coletivização, aumento do intervencionismo estatal e polarização da sociedade em diferentes níveis.
O início de tal processo tem uma data: 04/06/1946, dia da chegada de Perón ao poder. O simpatizante de Hitler e Mussolini iniciou uma tradição populista na Argentina que dura até os dias de hoje.
A exemplo de Getúlio Vargas no Brasil, que instituiu os direitos trabalhistas inspirados na Carta del Lavoro de Mussolini e se tornou o “pai dos pobres”, Perón dividiu a Argentina entre seus apoiadores (o bem, o povão, os “trabalhadores”) e seus adversários (o mal, os “exploradores capitalistas”, a velha “elite colonial”- lembra alguém? ). E como sempre acontece nestes casos, os discursos inflamados dos “pais dos pobres” conquistaram os eleitores da base da pirâmide.
Começou então uma simbiose entre a nova elite governante trabalhista/socializante, que precisa dos votos da massa para continuar oferecendo-lhes novas “conquistas”, e a massa, que descobre o poder do voto e passa a endeusar seus ídolos. A conquista da hegemonia da opinião publica passa a moldar também os políticos.
Com medo de se colocarem “contra os pobres”, até mesmo políticos da antiga aristocracia migraram para a base do governo peronista. Aos poucos, a oposição foi minguando, ao mesmo tempo em que a Argentina transformava-se numa república sindicalista.
E, mais uma vez, como sempre acontece, no começo tudo é festa. Aumento do salário mínimo acima da inflação, aumento do crédito, crescimento recorde, nacionalização de multinacionais, grandes obras, políticas de transferência de renda e tudo o mais que já nos é bem familiar.
Mas todo crescimento artificial tem um preço. A fatura vem com o tempo e com ela os efeitos negativos decorrentes do intervencionismo governamental. Ao final do primeiro mandato de Perón, a Argentina já dava claros sinais de crise, com as exportações caindo pela metade, reservas se esvaindo e aproximando a balança comercial de um déficit histórico, uma vez que até então a Argentina tinha sempre grandes superávits.
Apesar de todos estes sinais, o caudilho conseguiu mudar a legislação que lhe deu mais cinco anos de mandato.
O segundo mandato foi ainda pior, abrindo espaço para o primeiro de uma sequência de golpes militares só interrompido nos anos 70 com um breve período de redemocratização onde, mais uma vez, o peronismo voltou ao poder.
E, como da primeira vez, em pouco mais de um ano de governo, Perón já multiplicou a inflação que chegou a 74% em 1974. Dois anos depois, chegaria à casa dos 954%!
Para completar a tragédia argentina, Perón morreu em pleno mandato, o que o elevou ainda mais à categoria de mito.
Sua terceira mulher, “Isabelita”, assumiu então o governo e continuou seu projeto populista, afundando ainda mais a economia argentina. E, como sempre acontece na América Latina, os militares estão sempre prontos para um novo golpe. E foi o que aconteceu.
Em 1976, começava um dos regimes mais truculentos da América Latina. A esta altura, além de Perón e Evita, a segunda esposa que quase vira santa, a Argentina já tinha um novo mito para cultuar: Che Guevara.
Agora, além dos adversários peronistas, os desastrados militares argentinos tinham também como novos inimigos os diversos movimentos de esquerda que se organizavam em toda a América Latina e que tentavam chegar ao poder pela via armada.
Paralelamente, a exemplo do que aconteceu no Brasil e em todo mundo, o marxismo cultural passou a dominar os meios acadêmicos e culturais, avançando gradativamente por todas as demais áreas estratégicas para a construção da “nova mentalidade” gramisciana.
No campo econômico, o segundo período militar argentino herdou a época do choque do petróleo que culminou com o aumento expressivo dos juros em 1982, os quais elevaram substancialmente as dívidas dos países do chamado Terceiro Mundo.
A nova redemocratização veio em 1983 com Raul Alfonsín que, a exemplo de Sarney, no Brasil, fracassou redondamente no combate à inflação.
A nova esperança surgia na figura populista de um novo peronista, Carlos Menem, em 1989. Os tempos agora eram outros. Não havia mais espaço para novas “conquistas trabalhistas” como no passado. A grave crise dos anos 90 levou Menem a ser pragmático, aderindo ao Consenso de Washington, a odiada “cartilha neoliberal”.
Suas raízes populistas peronistas, no entanto, não lhe permitiram executar bem as dez recomendações do Consenso de Washington (confira aqui o nosso post que compara os governos argentino e brasileiro na execução das tais recomendações).
Apesar disso, Menem passou a ser apontado pelos esquerdistas como o maior exemplo de fracasso das políticas “neoliberais”. Um dos seus principais erros foi desobedecer à diretriz que recomendava câmbio flutuante.
Ao invés disso, ele dolarizou a economia argentina, instituindo a paridade entre o peso e o dólar. E, como previsto por diversos economistas, ao longo dos anos a situação da Argentina foi se agravando paulatinamente, a ponto de quebrar duas vezes em um intervalo de quatro anos.
Em meio à mais profunda crise da história da Argentina, que culminou com mais uma moratória em 2002, eis que surge um novo salvador da pátria, também peronista: Néstor Kirchner.
E, assim como no Brasil, quando Lula assumiu justamente no início do ciclo de maior crescimento do capitalismo desde o final da II Guerra Mundial, Kirchner começou a contar com o aumento expressivo das receitas decorrentes do aumento dos preços dos seus principais produtos de exportação.
E assim Kirchner surfou na onda da globalização chinesa, esquecendo, no entanto, de fazer reformas estruturais para tornar o crescimento sustentável nos próximos anos.
Terminado o período do boom de crescimento global, as mazelas da economia argentina começaram a reaparecer. E o governo dos Kirchner, que começou com um calote da dívida externa, vai terminar da mesma forma, com um novo calote, com uma inflação galopante.
E mais uma vez a história se repete. A Argentina não aprende com os próprios erros, tornando-se cada vez mais refém da mentalidade populista que asfixia a economia e produz políticos mais interessados no poder do que realmente resolver os problemas argentinos.
Qualquer semelhança não é mera coincidência!