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segunda-feira, 30 de outubro de 2023

O Sul Global não existe - Paulo Roberto de Almeida (Crusoé)

 Meu mais recente artigo publicado na Crusoé, do qual transcrevo alguns trechos: 

4491. “O Sul Global não existe”, Brasília, 12 outubro 2023, 3 p. Artigo sobre uma realidade criada por ideólogos que não apresenta consistência suficiente para ser chamado de grupo político. Artigo para a revista Crusoé, publicado sob o mesmo título (n. 287, 27/10/2023, link: https://crusoe.uol.com.br/Colunistas/o-sul-global-nao-existe). Relação de Publicados n. 1530.


O Sul Global não existe

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Artigo sobre um conceito criado por ideólogos que não apresenta consistência suficiente para ser chamado de grupo político.

Revista Crusoé, (n. 287, 27/10/2023, link: https://crusoe.uol.com.br/Colunistas/o-sul-global-nao-existe). Relação de Publicados n. 1530. 

 

Ideias contam, afirmam os historiadores, o que parece ser confirmado pela própria história. Certas declarações de líderes políticos ou militares de peso, ao lado de interpretações de filósofos influentes, acabam ganhando foros de atores e fatores decisivos em determinados processos históricos e passam a ser consideradas como tendo o poder de determinar o curso da história e, assim, de mudar a sua própria trajetória.

Pensem, por exemplo, no conceito de “luta de classes”, um corriqueiro lugar comum dos historiadores franceses no seguimento imediato da grande revolução de 1789, mas que acabou virando o eixo central de todo e qualquer processo histórico depois que dois jovens ideólogos alemães converteram essa interpretação derivada dos três grandes estamentos do Antigo Regime em fator crucial de toda e qualquer mudança politica e social: “proprietários e escravos”, “senhores feudais e servos de gleba”, “burgueses e proletários”, todas essas “lutas” seriam o verdadeiro “motor da história”. Era uma abordagem simplista, mas que teve um extraordinário sucesso nos 150 anos seguintes. Considerem, igualmente, o conceito de “complexo de Édipo”, que Freud generalizou a partir da literatura grega clássica e que passou a ser um dos eixos centrais das interpretações psicanalíticas desde então. 

Marx e Freud foram dois grandes pensadores contemporâneos que marcaram de forma indelével o século XX, e isso não tanto por algum poder político concreto de que dispusessem, mas pela simples força de suas ideias, que impregnaram as mentes e as ações de milhares de outros personagens dotados de influência social.

(...)

Esse conceito, tomado de forma unificada para somente um dos lados, é um completo equívoco acadêmico, político e geográfico, o que não o impede de ser utilizado de forma oportunista por políticos populistas. Mas, de forma alguma, a diversidade de nações nele incluídas e a multiplicidade de interesses nacionais agregados aleatoriamente nos Estados hoje componentes podem ser considerados a expressão de um grupo coeso em suas vontades e disponível para uma ação conjunta em face de um Norte hegemônico e dominador. 

Existe alguma possibilidade de que a Rússia neoczarista da atualidade ou de que a China novamente imperial, e com pretensões hegemônicas, possam ser os aliados de um inexistente “Sul Global” na luta pela construção de uma “nova ordem global” que não mais seria dominada pelo “Norte” do atual Ocidente dominador? A hipótese é inverossímil. Aliás, considerar que o Brics possa representar o tal de Sul Global é mais inverossímil ainda.

Para os saudosistas de um antigo terceiro-mundismo político retardatário, o tal de “Sul Global” já não é mais um simples expediente acadêmico equivocado, e sim uma entidade homogênea capaz de ajudá-los em suas pretensões oportunistas de liderar um suposto “bloco” unificado, mas que é tão diáfano quanto inexistente, para todos os efeitos práticos.

 

Brasília, 4449, 12 outubro 2023; revisão: 24/10/2023.