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quarta-feira, 6 de julho de 2022

Legislando em causa própria - José Serra e Aloysio Nunes (Congresso em Foco)

 Legislando em causa própria

CONGRESSO EM FOCO02.07.2022 12:19OPINIÃOJosé Serra e Aloysio Nunes*O Senado Federal retomou o exame da absurda Proposta de Emenda Constitucional (PEC 34/2021) que permitiria a parlamentares assumir a chefia de embaixadas no exterior sem perda de mandato.O Congresso Nacional tem grande responsabilidade no acompanhamento da política externa brasileira. As disposições constitucionais resguardam o equilíbrio que deve haver entre os Poderes, onde o Executivo propõe e o Legislativo avalia, com isenção e objetividade, as designações a chefias de missão diplomática. O modelo vigente obedece, ainda, à relação hierárquica que garante a unidade e a coerência da política externa brasileira. Por definição e por força de suas prerrogativas constitucionais, fundamentais ao exercício de suas funções no Congresso Nacional, os parlamentares não devem e não podem se submeter à hierarquia existente no serviço exterior brasileiro.A PEC 34/2021, se aprovada, criaria graves problemas e seria, certamente, considerada inconstitucional, pela violação à cláusula inerente ao regime republicano e à separação de  poderes,  causando desequilíbrio institucional incompatível com a República. A Constituição atual, em seu artigo 52, item IV, é muito clara quando estabelece que “compete privativamente ao Senado Federal aprovar previamente, por voto secreto, após arguição em sessão secreta, a escolha dos chefes de missão diplomática de caráter permanente”.Hoje, a perda do mandato do parlamentar que é nomeado embaixador,  longe de ser uma discriminação odiosa aos congressistas, como se menciona na justificativa da PEC, está de acordo com a exigência de harmonia entre os poderes. O chefe de missão diplomática permanente é a mais alta autoridade brasileira no país em cujo governo está acreditado e representa o Estado, isto é, o poder Executivo brasileiro.  A possibilidade de retorno ao cargo do parlamentar investido da função de embaixador, tal como proposta na PEC 34/2021, seria um retrocesso.A incompatibilidade da manutenção do mandato de parlamentar depois de designado embaixador, em decorrência dos impedimentos constitucionais a parlamentares, visa a assegurar a independência do poder Legislativo e desestimular congressistas de promoverem ingerências indevidas nas esferas de atuação do poder estatal, proibindo-se que “o parlamentar de exerça função noutro poder”, como está previsto em todas as Constituições republicanas.A função do parlamentar eleito para um mandato legislativo é a de discutir e propor legislação que vise promover e assegurar os direitos dos cidadãos e fiscalizar o Poder Executivo. A possibilidade de exercer cargo diplomático permanente não se coaduna com a essência do mandato parlamentar e do Poder Legislativo.Não menos importante é relembrar que os processos e negociações diplomáticos costumam ser de grande complexidade e longa maturação, o que exige corpo de profissionais altamente especializado. No Itamaraty, o preparo para o exercício de funções de chefia é o resultado de toda uma vida funcional de estudos e experiências voltada à formação de diplomatas comprometidos com a defesa dos interesses nacionais no exterior.A iniciativa pode ser considerada uma manobra em que parlamentares legislariam em causa própria e favoreceriam barganhas políticas pouco republicanas entre grupos parlamentares e o Executivo. Seria mais um fator de confusão criada pelo próprio Congresso.*ex-ministros das Relações Exterioreshttps://congressoemfoco.uol.com.br/area/congresso-nacional/legislando-em-causa-propria/


segunda-feira, 4 de julho de 2022

É absurda a PEC que deixa político com mandato virar embaixador - Editorial O Globo

 EDITORIAL

É absurda a PEC que deixa político com mandato virar embaixador

 

 

O Globo – 04/07/2022

 

 

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do senador Davi Alcolumbre (União-AP) para que parlamentares possam ocupar embaixadas sem abrir mão do mandato está na pauta da Comissão de Constituição e Justiça do Senado. No entender de Alcolumbre, a PEC acabaria com a “discriminação odiosa aos parlamentares”, forçados a deixar o Congresso para assumir postos de embaixador. Trata-se de uma daquelas iniciativas estapafúrdias que agridem o bom senso. Por várias razões.

Para começar, a mistura indevida nos papéis dos Poderes no presidencialismo. O Executivo põe em marcha políticas de Estado, o Legislativo está sujeito às vicissitudes da política partidária. Um faz, o outro fiscaliza. As duas funções são distintas. Ao distribuir congressistas por embaixadas, abre-se campo para conflitos entre a política externa e os interesses do indicado. Um embaixador que queira voltar ao Congresso estará a serviço de seu partido ou do país? Com as indicações, o presidente teria tal poder de barganha sobre o Congresso que, nas palavras da embaixadora aposentada Maria Celina de Azevedo Rodrigues, presidente da Associação de Diplomatas Brasileiros, “reduziria a eficácia do sistema de freios e contrapesos da democracia”.

Desde a Constituição de 1937 a vedação, segundo ela, protege a política externa “dos jogos do poder”. Na justificativa da PEC, o próprio Alcolumbre lembra que a questão foi tratada na Constituinte de 1987. Venceu quem temia que nomear congressistas para embaixadas representaria o sequestro da política externa “pela política miúda, fisiológica, em troca de apoio ao chefe do Poder Executivo”. Ele discorda, mas os constituintes tinham razão.

O argumento de que o chanceler pode ser parlamentar é falacioso, pois o cargo de ministro é político. Que diria Alcolumbre da regra de países como Argentina ou Estados Unidos, onde congressistas são forçados a renunciar para assumir qualquer ministério, não só Relações Exteriores? Por que não introduzir tal norma sensata no Brasil, onde não vigora o regime de ministros parlamentares (o parlamentarismo)?

A eficiência reconhecida da diplomacia brasileira se deve à profissionalização do Itamaraty. Graças a ela, o Brasil atua no mesmo padrão sob diversos presidentes. Mesmo sob Bolsonaro, que tenta de todo modo misturar ideologia e política externa. O que não aconteceria se congressistas ocupassem embaixadas como resultado de barganhas no varejo da política?

Pode ser que parlamentares — em especial os do Centrão — vejam na PEC uma oportunidade de engordar a conta bancária ou dar um destino confortável a carreiras estagnadas. Se pensam assim, demonstram ignorar a necessidade de as democracias terem carreiras de Estado e contarem com burocracia técnica eficiente, para que funções essenciais do poder público sejam executadas independentemente das trocas de governo. É conhecida a insaciável busca por espaços na máquina pública pelo grupo de partidos de que depende o governo Bolsonaro. Partidarizar até as embaixadas seria um despropósito.