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quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Itamaraty desmantelou a agenda ambiental? - Felipe Frazão

Deputados da oposição cobram do Itamaraty explicação sobre agenda ambiental
Bancada do PSOL exige de chanceler justificativa sobre desmobilização da frente diplomática dedicada ao meio ambiente
Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo
12 de agosto de 2020 | 15h42

BRASÍLIA – A oposição ao governo Jair Bolsonaro decidiu cobrar explicações do Itamaraty sobre a desmobilização da frente diplomática brasileira dedicada a discussões ambientais. A bancada do PSOL na Câmara dos Deputados fez um requerimento de informações ao chanceler Ernesto Araújo, após o Estadão mostrar a perda de protagonismo do País, com redução do quadro de diplomatas dedicados ao tema, rebaixamento na estrutura da pasta.
O Brasil perdeu prestígio em cúpulas globais das Nações Unidas, isolou-se de antigos parceiros que costumavam apoiá-lo nessas negociações e abriu espaço para um avanço da Colômbia sobre a antiga liderança nacional entre países amazônicos. Nesta terça-feira, dia 11, o presidente colombiano Iván Duque promoveu o segundo encontro da Cúpula do Pacto de Letícia, esforço liderado por ele para assumir protagonismo na discussão.
Por videoconferência, Bolsonaro participou de uma rara agenda diplomática voltada à questão ambiental e climática. Defendeu acordos “justos e efetivos”, no ano que vem, nas conferências da ONU sobre a Biodiversidade (COP 15) e o Clima (COP 26). O presidente cobrou que países ricos contribuam com dinheiro para a preservação nos países em desenvolvimento, entre eles o Brasil. O foco em obter recursos tem sido a tônica da diplomacia brasileira. Em nenhum momento, citou nominalmente os países.
“Exortamos as nações de fato preocupadas com o futuro da Amazônia a honrar seus compromissos de financiamento no âmbito da Convenção do Clima e das demais convenções internacionais sobre o meio ambiente”, afirmou Bolsonaro.
Em tom reativo, Bolsonaro disse que o Brasil tem “tolerância zero” com desmatamento e crimes ambientais. Ele conclamou os presidentes por “união” e “resistência” dos países sul-americanos contra críticas de países europeus. Disse que os países da região amazônica devem ser “senhores” de seus “territórios e destinos”, numa alusão ao princípio da soberania nacional, a grande preocupação de militares.
“Nós bem sabemos da importância dessa região para todos nós, bem como os interesses de muitos países outros nessa região. E também sabemos o quanto nós somos criticados de forma injusta por parte de muitos países do mundo”, disse Bolsonaro, em discurso escrito. “Devemos resistir. Essa região é muito rica, é praticamente o que sobrou no mundo no tocante à questão ambiental, riquezas minerais, biodiversidade entre tantas outras. Vamos resistir, a nossa união é a prova de que valorizamos essa área.”
Bolsonaro afirmou que o Brasil tem 14% do território como demarcado em terras indígenas e convocou os demais países a resistirem também à pressão por novas demarcações. “O mundo, esse que quer nos ver sem a nossa Amazônia, pretendia no meu governo chegar a 20% (de terras indígenas). Isso inviabilizaria toda a nossa economia, em grande parte advinda do agronegócio. Talvez problemas semelhantes os senhores enfrentam nos seus países. Devemos resistir”, disse o presidente.
Bolsonaro vinculou as críticas ao Brasil ao fato de o País ser uma potência do agronegócio, associando a uma atitude protecionista. Disse que costuma convidar embaixadores estrangeiros a sobrevoar a Amazônia, entre Boa Vista (RR) e Manaus (AM), num bandeirante da Força Aérea Brasileira para constatarem a preservação da mata, que, segundo ele, “por ser floresta úmida não pega fogo”. “Essa história de que a Amazônia arde em fogo é uma mentira”, afirmou.
Também nesta terça, o governo decidiu reavivar a participação na Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), sediada em Brasília, mas antes desprezada pelo governo Bolsonaro como forma de articulação para coordenar esforços de preservação continentais. Dela faz parte a Venezuela, cujo governo Nicolás Maduro não é reconhecido pelo presidente brasileiro. Maduro rivaliza com Duque, a quem acusa de tentar derrubar o regime bolivariano por interesse dos Estados Unidos.
Um decreto publicado no Diário Oficial da União transferiu a Comissão Nacional Permanente do Tratado de Cooperação Amazônica, com representantes dos ministérios e antes coordenado pelo Itamaraty, para o âmbito do Conselho Nacional da Amazônia Legal, chefiado pelo vice-presidente Hamilton Mourão.
Os deputados do PSOL classificaram as mudanças na política externa como “desmonte organizacional”. “Além de confirmar o total descaso com a proteção do meio ambiente, o Brasil também deixa de lado o seu consolidado poder de influência e protagonismo nos fóruns internacionais na área ambiental”, afirmou a líder Fernanda Melchionna (RS), em documento protocolado nesta segunda-feira, dia 10, na Câmara.
Os parlamentares pedem justificativas para mudanças apontadas pelo Estadão, como a extinção da Subsecretaria-Geral de Meio Ambiente, Energia, Ciência e Tecnologia e seu Departamento de Sustentabilidade Ambiental, e outras mudanças na organização interna do Ministério das Relações Exteriores. Atualmente, a unidade responsável por liderar as discussões ambientais é o Departamento de Meio Ambiente, com seis diplomatas em cargos de confiança. Antes, eram dez.
As mudanças no Itamaraty coincidiram com alterações também no Ministério do Meio Ambiente, classificadas como desmonte por especialistas, e a alta de desmatamento e incêndios florestais. O último relatório do sistema-alerta Deter, usado pelo governo, aponta que a área desmatada chegou a 9,2 mil km2 na Amazônia. A perda de florestas representa uma das principais fontes de emissão de gases estufa no Brasil, sendo considerada no exterior como principal problema ambiental do País.
Os deputados querem saber se o Itamaraty perdeu capacidade de interlocução e atuação internacional, se a pauta ambiental deixou de ser prioridade e qual a avaliação da chancelaria sobre o impacto da atual política interna para o meio ambiente no comércio exterior, investimentos estrangeiros e o Acordo do Mercosul com a União Europeia. Eles cobram documentos do MRE, como instruções a postos diplomáticos e negociadores, rubricas orçamentárias e quadro pessoal, e detalhamento das delegações enviadas a fóruns como a Conferência do Clima (COP) 25, realizada em dezembro passado.