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quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Trajetória do pensamento brasileiro: duzentos anos de produção intelectual - um livro ainda em preparação - Paulo Roberto de Almeida

Acabo de terminar o rascunho de um livro, mas já me dou por insatisfeito com ele. Por uma razão muito simples: deixei muita gente de fora, e pretendo incluir. 
Se tudo der certo, terei terminado antes de completarmos dois séculos de Estado-nação independente, do contrário, será com quem couber na minha carruagem histórica.
Primeiro, mostro o índice do rascunho desse livro, tal como elaborei no segundo semestre de 2019.
Mais abaixo, um possível novo sumário incorporando outras personalidades. Estão faltando mulheres e provavelmente outros pensadores que ficaram de fora, mas preciso ter bons motivos para incluir cada novo nome. 
O critério é simples: pensadores que fizeram propostas para melhorar o Brasil, tenham sido ou não bem sucedidos em suas proposições. Se repararmos bem, a maior parte foi derrotada nessa nobre e difícil missão de melhorar o Brasil, uma sociedade escravocrata, oligárquica, sempre patrimonialista, não capitalista, desigual, injusta, corrupta, disfuncional, mas que apesar de todos esses defeitos conseguiu construir um país razoável nos trópicos, ainda que preservando o monumental atraso educacional das grandes massas, nossa praga principal.
Critério simples parece uma contradição nos termos. Mas vamos ver o que consigo fazer...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1o. de janeiro de 2020
Trajetória do pensamento brasileiro:
dois séculos de produção intelectual 
Paulo Roberto de Almeida
Doutor em ciências sociais.
Mestre em economia internacional.
Diplomata.
Edição do Autor – 2019


0. Prefácio: dois séculos de produção intelectual no Brasil    9
1. O primeiro estadista: Hipólito José da Costa    11
2. O patriarca da nação: José Bonifácio de Andrada e Silva  29
3. O patrono da historiografia: Francisco Varnhagen   39
4. O pioneiro da industrialização: Irineu Evangelista de Souza   49
5. Um germanófilo insurreto: Tobias Barreto      57
6. Um monarquista frustrado: Joaquim Nabuco     69
7. O pai da diplomacia brasileira: Barão do Rio Branco      79
8. Um historiador diplomático: Oliveira Lima   89
9. Um tribuno republicano: Ruy Barbosa    101
10. Um revolucionário modernizador: Oswaldo Aranha  109
11. Um visionário do progresso: Monteiro Lobato   127
12. A luta pela educação: Fernando de Azevedo    143
13. O progresso pelas mãos do Estado: Roberto Simonsen     153
14. O Dom Quixote da economia de mercado: Eugênio Gudin    167
15. Um jurista weberiano malgré lui: Raymundo Faoro    173
16. O pensador da política: Afonso Arinos de Mello Franco  179
17. O economista desenvolvimentista: Celso Furtado   187
18. O progresso na inserção econômica global: Roberto Campos    197
19. Um estudioso da sociedade patriarcal: Gilberto Freyre   209
20. A interpretação marxista da história: Caio Prado Jr.    215
21. Um sociólogo incontornável: Florestan Fernandes    221
22. Do marxismo ao liberalismo: Antonio Paim   231
23. O enfant terrible do liberalismo: Gustavo Franco  239
24. A diplomacia na construção da nação: Rubens Ricupero   249

Agora, o que eu poderia fazer, se conseguir reunir engenho e arte, como disse o poeta: 

Trajetória do Pensamento Brasileiro:
dois séculos de produção intelectual 
Índice (Preliminar) 

0. Prefácio: dois séculos de produção intelectual no Brasil
1.      Um Adam Smith brasileiro: José da Silva Lisboa (Cairu)
2.      O primeiro estadista de um império luso-brasileiro: Hipólito da Costa
3.      O patriarca da nação e primeiro chanceler: José Bonifácio de Andrada e Silva
4.      O construtor da administração: Paulino Soares de Sousa (Visconde de Uruguai)
5.      O patrono da historiografia conservadora: Francisco Varnhagen
6.      O pioneiro da industrialização liberal: Irineu Evangelista de Souza (Mauá)
7.      O germanófilo insurreto do direito: Tobias Barreto
8.      Um aristocrata abolicionista: Joaquim Nabuco
9.      O pai da diplomacia brasileira: Barão do Rio Branco
10.   Um historiador diplomático: Manuel de Oliveira Lima
11.   O tribuno republicano do civilismo democrático: Ruy Barbosa
12.   O constitucionalista gaúcho: Joaquim Francisco de Assis Brasil
13.   O sociólogo conservador: Francisco José de Oliveira Viana
14.   Um visionário do progresso: Monteiro Lobato
15.   O estudioso da sociedade patriarcal: Gilberto Freyre
16.   A interpretação marxista da história: Caio Prado Jr.
17.   O historiador da civilização brasileira: Sérgio Buarque de Holanda
18.   O revolucionário modernizador: Oswaldo Aranha
19.   O progresso pelas mãos do Estado: Roberto Simonsen
20.   O Dom Quixote da economia de mercado: Eugênio Gudin
21.   A luta pela educação e cultura: Fernando de Azevedo
22.   O geógrafo da fome: Josué de Castro
23.   Um historiador engajado: José Honório Rodrigues
24.   O diplomata da esquerda positiva: San Tiago Dantas
25.   Um jurista weberiano malgré lui: Raymundo Faoro
26.   O pensador da política: Afonso Arinos de Mello Franco
27.   O economista desenvolvimentista: Celso Furtado
28.   O progresso na inserção econômica global: Roberto Campos
29.   O pioneiro da integração latino-americana: Helio Jaguaribe
30.   Um antropólogo da educação: Darcy Ribeiro
31.   Um sociólogo incontornável: Florestan Fernandes
32.   Um diplomata intelectual: José Guilherme Merquior
33.   Um liberal conservador: José Oswaldo de Meira Penna
34.   Do marxismo ao liberalismo: Antonio Paim
35.   enfant terrible do liberalismo: Gustavo Franco
36.   Um sociólogo na presidência: Fernando Henrique Cardoso
37.   A diplomacia na construção da nação: Rubens Ricupero
38.   O pai fundador das relações internacionais no Brasil: Celso Lafer

Apêndices
39.   Livros de Paulo Roberto de Almeida
40.   Nota sobre o autor 

(Brasília, 15 de outubro de 2019)

Vale um calendário programado para cada um...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1o. de janeiro de 2020

quarta-feira, 9 de abril de 2014

A grande pensadora do PT - Milton Pires

Sai Marilena Chaui, muito complicada, prolixa demais, com aquela linguagem empolada, que não se coaduna mais aos novos tempos.
Entra uma rainha do funk, a nossa pensadora universal que vai redimir todos os excluídos da linguagem universitária, muito complicada para os primatas que nos governam...
Paulo Roberto de Almeida

DANDO A LUZ AO PT

Milton Pires

Valesca dos Santos (Rio de Janeiro, 6 de outubro de 1978), mais conhecida pelo nome artístico de “Valesca Popozuda” ou apenas Valesca, é uma cantora, compositora, produtora e empresária brasileira. Foi vocalista do grupo feminino “Gaiola das Popozudas” entre 2000 e 2012 até a metade de 2013, sendo uma das responsáveis por tornar o funk carioca dissipado e conhecido em todo o Brasil. Em 2013 lançou-se em carreira solo com a canção "Beijinho no Ombro", que atingiu a décima segunda posição na Billboard Brasil.
Esse primeiro parágrafo é uma das maravilhas permitidas pelo famoso Ctrl+C. Tudo o que fiz foi isso: entrar na Wikipédia para saber, afinal de contas, alguma coisa a respeito dessa moça, copiar e iniciar o texto. O que vou escrever a seguir nada se relaciona com ela e muito pouco diz respeito a isso que vem sendo chamado de funk music. A ideia aqui é bem diferente: Antonio Kubitschek é o nome do professor que elaborou uma prova de filosofia da Escola de Ensino Médio 3, no Distrito Federal, e nela havia uma questão que chamava Valesca Popozuda de "grande pensadora contemporânea" - sobre isso eu acho que faz sentido escrever.
Antes de começar gostaria de chamar a atenção para uma atitude da própria Valesca que, segundo o Jornal O Globo, se disse “muito honrada” pela citação em uma prova de filosofia. Tal gesto reflete, ao meu ver, a sensação de estranhamento, a ideia de distância de uma pessoa que, independente do seu caráter ou de sua atividade profissional, jamais imaginou pertencer, ela mesma, ao mundo da alta cultura ou dos grandes pensadores. Em outras palavras eu diria o seguinte: mesmo sem ter conversado com Valesca ou com o “professor de filosofia” que fez a questão, eu imagino que nenhum dos dois se conhecia antes disso e que a moça jamais quis ser citada nem pediu ou pagou ninguém para que a letra de sua música se tornasse uma pergunta de prova.
Fácil seria escrever dizendo que não existe mais pensamento crítico no Brasil. Isso eu já fiz antes e se o fizesse novamente aqui, nesse artigo, correria o risco de passar àquele que lê a impressão do temido discurso “moralista”, “conservador” ou “reacionário” daqueles que acreditam num ensino de filosofia “distanciado da realidade” e “vinculado às elites.” Nada sei sobre ensinar filosofia. Sequer graduado sou nessa área do conhecimento e o que escrevo não tem relação com a minha condição de médico. É como brasileiro que tento me expressar...é como alguém que não perdeu (ainda) a noção da realidade e que tem perfeitamente guardada a distinção entre a alta cultura e a vulgaridade..entre a arte e o apelo comercial. Acredito ter como parceira nessa empreitada a própria Valesca dos Santos que, no seu sentimento de lisonja, revelou toda estupefação de quem jamais pretendeu ser fonte de reflexão alguma..e que na sua gratidão revela a ingenuidade de quem foi usada por mais um militante petista dentro da educação brasileira.
Não tenho, nem nunca tive, qualquer procuração para defender os pensadores desse país. Não conheço Valesca e nada sei do seu caráter. Não gosto daquilo que ela canta, mas isso nada tem a ver com o ensino de filosofia no Brasil. Digo apenas que a própria filosofia nasceu da “capacidade do espanto”... da curiosidade sobre o mundo, sobre o sentido da vida e de como vivê-la da melhor e mais justa forma. O questionamento sobre a verdadeira arte e sobre a noção do belo somaram-se à essas primeiras indagações dos gregos e vem atravessando o tempo como objeto de investigação filosófica.
Tudo o que se faz hoje em termos culturais é reflexo de um Brasil em que não há mais espanto algum..em que a própria noção do belo desapareceu e onde a vulgaridade, o apelo rasteiro à sexualidade, e ao sucesso comercial são aquilo que restou. Nem Valesca nem a maioria dos artistas que cantam o tipo de música que ela celebra pretenderam jamais ser mais do que isso. A crise moral ou cultural não começou com eles; começou dentro das Universidades e das escolas que se entregaram completamente ao domínio de um Partido Político e a um projeto de poder no qual o belo e o justo são o que servem à Revolução..
Valesca e os MC's dos bailes funks nasceram no mesmo país que deu ao mundo a música de Villa- Lobos, a pintura de Portinari, e a escultura do Aleijadinho. Toda tragédia do pensamento brasileiro não está nos bailes das favelas do Rio de Janeiro; está na Educação que, em nome de um delírio revolucionário, acabou com a distância que havia entre o juízo crítico e a obscenidade cultural dos mais pobres. Nossa miséria continua original: segue autêntica e sem pretensão alguma. Ela nunca se “prostituiu” como como disseram que Valesca fez.
Nada seria mais justo do que o funk brasileiro agradecer cantando nas suas letras a “filosofia vagabunda” da nossa Universidade. Valesca, queiram ou não, continua sendo verdadeira, mas a nossa cultura foi estuprada num baile em 1968, engravidou da revolução e morreu dando à luz ao PT.

Porto Alegre, 9 de abril de 2014.

O que nos distingue das especies animais ou de certa "popozuda"? (estou falando de um livro...)

Sempre recebo, quase diariamente (daily@delanceyplace.com), extratos selecionados de livros recentemente publicados através do site Delancey Place, que todo mundo pode assinar (www.delanceyplace.com).
Pois bem, o livro selecionado nesta quarta-feira, 9 de Abril de 2014, é um sobre o surgimento da linguagem e sobre como esse fator nos permitiu, melhor dito, permitiu a certos hominídeos, nos distinguir dos demais espécies de primatas superiores, adquirindo uma alavanca e uma ferramenta poderosa para estabelecer a cooperação entre membros da mesma espécie, para defesa conjunta contra predadores e, portanto, conquista do meio ambiente e seleção natural em direção de um futuro de sobrevivência e progresso.
Eu disse progresso?
Sim, mas esta é uma palavra iluminista que não precisa ser dominante o tempo todo.
Em alguns casos pode haver retrocesso, ou involução, como observado no recente caso de uma prova de colégio em Brasília, onde um professor, que não honra seu nome de família (de um ex-presidente, o que justamente construiu Brasília, aliás contra o orçamento, e sem orçamento), propôs como questão algo relacionada ao caráter de grande pensadora do Brasil, quem sabe da Humanidade, certa representante da espécie que deve sua sobrevivência na selva atual de predadores de mercado mais a certos atributos físicos do que propriamente a sua capacidade cognitiva ou dons de linguagem. Acho que me fiz entender.
Mas, o que mais me choca não é a "popozuda" em questão, ou mesmo o professor primário que colocou uma questão indecente, e incompreensível para primatas superiores, a alunos inocentes da mesma espécie.
O que me chocou, sobremaneira, foi o "debate" que se seguiu, inclusive televisionado ou rádio-difundido. O que ouvi, ou li, de representantes de uma outra espécie superior, a de supostos acadêmicos do terceiro ciclo (ou o que passa por isso), foi a defesa feita desse professor primata por universitários primatas, que tampouco parecem dominar adequadamente os dons da linguagem adquiridos por nossos ancestrais 200 ou 300 mil anos atrás.
Foi a confirmação definitiva de que eu necessitava para continuar assegurando que a educação brasileira não corre nenhum risco de melhorar, e que ela só pode continuar alegremente seu caminho para o brejo.
Como diria alguém, que país é este?
Que futuro pode ter um país que tem primatas não superiores no ensino superior?
Paulo Roberto de Almeida

This Fleeting World
David Christian

Today's selection -- from This Fleeting World by David Christian. We have always grasped to define what characteristic it is, if anything, that distinguishes humans so markedly from other species. Attempted answers to this question have included our use of tools, our brain size, our bipedalism, but as our study of other species has become more sophisticated, those answers have proven inadequate. Our current answer is our use of symbolic language. The first evidence of this characteristic is from 200,000 to 300,000 years ago -- which may be the point at which the species of humans as we know them began to emerge:

"At the moment, the most powerful marker, the feature that distinguishes our species most decisively from closely related species, appears to be symbolic language. Many animals can communicate with each other and share information in rudimentary ways. But humans are the only creatures who can communicate using symbolic language: a system of arbitrary symbols that can be linked by formal grammars to create a nearly limitless variety of precise utterances. Symbolic language greatly enhanced the precision of human communication and the range of ideas that humans can exchange. Symbolic language allowed people for the first time to talk about entities that were not immediately present (including experiences and events in the past and future) as well as entities whose existence was not certain (such as souls, demons, and dreams). 

"The result of this sudden increase in the precision, efficiency, and range of human communication systems was that people could share much more of what they learned with others; thus, knowledge began to accumulate more rapidly than it was lost. Instead of dying with each person or generation, the insights of individuals could be preserved for future generations. 

"As a result, each generation inherited the accumulated knowledge of previous generations, and, as this store of knowledge grew, later generations could use it to adapt to their environment in new ways. Unlike all other living species on Earth, whose behaviors change in significant ways only when the genetic makeup of the entire species changes, humans can change their behaviors significantly without waiting for their genes to change. This cumulative process of 'collective learning' explains the exceptional ability of humans to adapt to changing environments and changing circumstances. It also explains the unique dynamism of human history. In human history culture has overtaken natural selection as the primary motor of change. 

The 'Florisbad Skull' classified as Homo helmei

"These conclusions suggest that we should seek the beginnings of human history not only in the anatomical details of early human remains, but also in any evidence that hints at the presence of symbolic language and the accumulation of technical skills. [Archeological] findings ... link the earliest evidence of symbolic activity (including hints of the grinding of pigments for use in body painting) and of significant changes in stone tool technologies with the appearance of a new species known as 'Homo helmei,' The remains of this species are so close to those of modern women and men that we may eventually have to classify them with our own species, Homo sapiens. The earliest anatomical, technological, and cultural evidence for these changes appears in Africa between 200,000 and 300,000 years ago." 

domingo, 23 de junho de 2013

Fernando Henrique Cardoso e os Pensadores do Brasil - livro, entrevista (Estadao)

Formação do Brasil

Fernando Henrique Cardoso mostra a importância que ainda tem a obra dos grandes intelectuais nacionais

O Estado de S.Paulo, 22 de junho de 2013
Fernando Henrique Cardoso conversou com o Estado na tarde de quinta-feira, em seu apartamento, em São Paulo. Ele acabara de chegar de um evento promovido pelo governo da Dinamarca. O cansaço logo se dissipou quando começou a falar sobre seus mestres.
'Processo saturou', diz Fernando Henrique Cardoso sobre o lulismo - Evelson de Freitas/Estadão
Evelson de Freitas/Estadão
'Processo saturou', diz Fernando Henrique Cardoso sobre o lulismo
Qual característica mais forte de cada um desses pensadores que marcou sua carreira?
Fernando Henrique Cardoso - 
Começo por Joaquim Nabuco. Era um sujeito capaz de combinar um estilo aristocrático com forte preocupação social. Ele era um sociólogo de fato, o que era raro na época. Apesar de ter um certo pendor pela monarquia e esteticamente ser conservador, Nabuco era um democrata. Por isso que o comparo a Tocqueville, que era um reacionário mas compreendia as mudanças de tempo. Também gosto de Nabuco por considerar a democracia inglesa superior à americana por causa da noção da igualdade perante à lei.
O senhor vê alguma semelhança com a sua trajetória?
Fernando Henrique Cardoso - 
Em alguns pontos, sim, pois ele, como eu, conciliou uma vida intelectual com outra política, e também porque enfrentou todo o drama envolvido (risos).
É curiosa a diferença apontada pelo senhor entre a visão que Nabuco tinha do Império comparada com a de Sergio Buarque de Holanda.
Fernando Henrique Cardoso - 
A análise do Sergio é brilhante e tem menos repercussão que merece - Raízes do Brasil é o livro que o fez entrar para história. É um belo ensaio, mas o outro também é genial. E, na contraposição entre o democrata Sérgio Buarque e o aristocrata Joaquim Nabuco, esse se deixava enrolar pelos meandros do Império, enquanto Sérgio via nesse Império a dominação escravocrata. Ele desmistifica a tradição de que aquele governo era civilizador. Acho que, entre todos os pensadores, é o mais explicitamente democrático. Afinal, Sérgio escreve Raízes do Brasil nos anos 1930, marcados pela ascensão do comunismo e do integralismo. Assim, a aposta que ele fez era rara, pois, na época, comunista é que era democrata e ele era basicamente liberal, acreditava que a ascensão das classes populares resultaria na democracia. E seu livro foi lido ao contrário, como se portasse uma visão tradicional, uma outra maneira de ser Gilberto Freyre. Algumas de suas frases ainda são atualíssimas, como "só existe democracia com a lei da universal". O Sérgio seria um analista ideal para o que está acontecendo hoje.
Como assim?
Fernando Henrique Cardoso - 
Ele veria que a ascensão do sindicalismo não resultou necessariamente em democracia - ao contrário, vem reforçando a matriz tradicional, corporativista, patrimonialista, da discricionariedade. O instinto democrático tornou-se clientelista. Foi absorvido pela cultura tradicional brasileira.
Por falar em Gilberto Freyre, um dos destaque do livro é a forma como o senhor reavalia sua obra, dando-lhe mais importância.
Fernando Henrique Cardoso - 
Tive pouca convivência com ele, mas, quando li sua obra pela primeira vez, desenvolvi um horror pela sua posição política. Eu tinha muita resistência por dois motivos - a primeira porque, em São Paulo, tentávamos fazer uma sociologia empírica, científica, e a visão que se tinha dele (precipitada, na verdade) era de que se tratava mais um ensaísta (e conservador) que um analista. Quando reli sua obra, descobri um grande intelectual, a despeito de ser conservador.
O senhor deixou nomes de fora?
Fernando Henrique Cardoso - 
Sim. José Bonifácio, por exemplo, primeiro pensou o Brasil. Cito muito sua importância, mas não me aprofundo. Também não falo de Rui Barbosa, ícone do liberalismo, mas que não me influenciou. Nunca li sua obra, embora merecesse. Talvez seja um preconceito, pois venho de uma família de militares positivistas. Enquanto meu bisavô era monarquista, meu avô era a favor da abolição e meu pai participou das revoluções de 1922 e 24. Todos tinham horror do Ruy Barbosa, que era mais liberal enquanto eles apoiavam o Estado. E confesso que herdei um pouco dessa aversão.
E como foi a relação com Caio Prado Jr.?
Fernando Henrique Cardoso - 
Era um escritor seco, mas moderno, que notou detalhes importantes na relação do Brasil colonial com a metrópole portuguesa, no latifúndio e na escravidão. Um livro que considero pouco valorizado é A Revolução Brasileira, no qual é revisionista com relação às teses do Partido Comunista. Ao mesmo tempo em que era militante, tinha uma importante formação intelectual. Não se saiu bem na filosofia, na dialética, mas era bom nas análises concretas, além de revelar uma noção sólida de geografia - ele não viajava como turista, mas em busca de aprendizado.
É visível sua admiração por Celso Furtado.
Fernando Henrique Cardoso - 
Porque ele inaugura uma nova tradição. Celso via o Brasil como um país subdesenvolvido em relação aos demais, apontando o crescimento econômico como principal solução para esse problema. Ele introduziu o viés da análise econômica na compreensão do retrato do Brasil. Se Caio tinha uma visão marxista, mas um tanto mecânica, Celso fez análise do processo de formação do mercado interno. Ele explica a dinâmica do processo ao mesmo tempo em que oferecia um projeto nacional com fundamento econômico. A minha geração cresceu lendo Celso Furtado. Nossa paixão, na época, anos 1950 e 60, era o desenvolvimentismo. Só depois, com regime autoritário, veio a paixão pela democracia, movimentos sociais, já nos anos 70.
É nesse momento que acontece uma mudança?
Fernando Henrique Cardoso - 
Sim, pois a ideia da formação do Brasil vai até minha geração. A partir daí, começa a ser diferente, pois começa a integração, a globalização, palavra, aliás, que ainda nem existia. Começávamos a entender que havia algo novo, a periferia do mundo estava se industrializando e buscava caminhos diferentes. Era preciso entender o interesse nacional de cada país em um contexto global. Caio dizia que não se entendia a colônia sem entender o vínculo com o império. Já Celso afirmava que era preciso romper o vínculo e desenvolver o mercado interno. Hoje, sabemos que o certo não é romper, mas refazer.
Esses pensadores funcionam como um farol para o senhor?
Fernando Henrique Cardoso - 
Sim, formataram meu pensamento atual. Mas hoje, com as ruas agitadas, não se sabe para onde ir. Antes, esses pensadores diziam o que fazer. O farol está agora na popa e só vamos para frente porque o mar está empurrando. Não quero personalizar, mas, desde o governo Lula, a visão do futuro está errada. Não se percebeu que a crise terminaria, como deve acontecer. Acreditava-se que os EUA entrariam em decadência e não vão. O Brasil fez o caminho contrário da China, que se concentrou na exportação para acumular capital e investir, enquanto aqui se montou a base a partir do consumo, uma solução trôpega. O consumo cresceu, mas quem consome não está feliz e protesta na rua. Quer outras coisas, sem saber exatamente o quê. Basta ver os cartazes de protesto: tarifa, PEC, saúde, corrupção. Por trás disso, surge uma mensagem poderosa: quero viver melhor e isso não significa apenas consumir. O processo lulista deu o contrário. Saturou rapidamente. 

Veja também:

Farol da sabedoria

Fernando Henrique Cardoso reúne textos sobre intelectuais que formaram seu pensamento

"São textos sobre autores que me influenciaram. Uma leitura sobre como aprendi a olhar o Brasil" - Evelson de Freitas/Estadão
Evelson de Freitas/Estadão
"São textos sobre autores que me influenciaram. Uma leitura sobre como aprendi a olhar o Brasil"
UBIRATAN BRASIL - O Estado de S.Paulo
Em seu processo de formação, o sociólogo e ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso alimentou-se das ideias de intelectuais que ajudaram a forjar e solidificar seus conceitos sobre a identidade e as grandes questões do País. Obras de Joaquim Nabuco e Euclides da Cunha despertavam sua atenção, assim como de mestres com quem teve a honra de conviver, como Sergio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes, Antonio Candido, Caio Prado Jr., Raimundo Faoro e Celso Furtado, entre outros.
São autores que ele interpreta como faróis, no sentido de ser um facho de luz que pode iluminar um caminho. Ao longo da vida acadêmica e política, Fernando Henrique escreveu sobre seus mestres, tanto na forma de ensaio como na de discurso. É esse material que forma Pensadores Que Inventaram o Brasil, seleção de textos escritos entre a década de 1970 e a atual, que será lançada oficialmente pela Companhia das Letras na terça-feira, no Masp, às 19 horas, quando começa um debate entre Fernando Henrique e o historiador José Murilo Carvalho, autor do posfácio do livro, com mediação da professora Lilia Schwarcz.
"Não se trata de uma obra pretensiosa, que pretende contar a história da cultura", avisa o sociólogo. "São textos sobre autores que me influenciaram. Uma leitura pessoal sobre como aprendi a olhar o Brasil."
Nos 18 artigos escolhidos - alguns foram publicados na extinta revista Senhor Vogue em 1978, outros, como o que analisa Raimundo Faoro, foram especialmente escritos para esse volume -, Fernando Henrique Cardoso trata de assuntos que sempre lhe foram caros, na carreira política ou na acadêmica, como a relação entre Estado e sociedade civil, os percalços do desenvolvimento econômico, a herança da colonização, a dificuldade em promover a justiça social.
Apesar de utilizar o mesmo rigor intelectual para todos, o sociólogo deixa transparecer sua simpatia pelos intelectuais com quem manteve uma relação próxima, como Florestan Fernandes, de quem foi aluno e assistente, ou Antonio Candido, também professor e mais tarde colega. E, apesar do viés econômico ter caracterizado mais a sua obra, Celso Furtado faz parte da seleção pela lucidez com que sempre apontou o melhor caminho para o desenvolvimento do País.
Fernando Henrique aproveita também para apresentar um mea culpa e, em um texto de 2010, recolocar Gilberto Freyre, antes apontado como reacionário, no panteão dos grandes pensadores do Brasil.

CRÍTICA: a identidade do País por um fluente professor

Capítulos mais saborosos são aqueles que misturam interpretação analítica com testemunhos e evocações pessoais

Elias Thomé Saliba - Especial para o Estado
"Clássico é um livro que as gerações dos homens, urgidos por razões diversas, leem com prévio fervor e com uma misteriosa lealdade." Esta notável definição de Jorge Luis Borges poderia servir de epígrafe para as leituras e releituras dos clássicos brasileiros que Fernando Henrique Cardoso realiza em Pensadores Que Inventaram o Brasil. Escritos por razões diversas e cobrindo um extenso período, que vai de 1978 a 2013, são 18 ensaios que revelam não apenas as obras daqueles pensadores que inventaram o Brasil, mas também muito da trajetória intelectual do próprio autor. Pertencente à geração imediatamente posterior aos clássicos da ciência social brasileira, Fernando Henrique publicou suas primeiras obras naqueles anos de questionamento das grandes interpretações do Brasil, nos quais as "visões gerais" começavam a ceder espaço àquelas investigações mais pontuais e, ao mesmo tempo, mais especializadas e mais inovadoras, como foram, aliás, os próprios livros do sociólogo Fernando Henrique. 
Embora irregulares, alguns dos capítulos mais saborosos são aqueles que misturam interpretações analíticas com testemunhos e evocações pessoais, pois Fernando Henrique conheceu - e em alguns casos conviveu - com autores como Caio Prado Jr., Sérgio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes, Antonio Candido e Celso Furtado. Recorda os bons tempos de quando entrou na Faculdade de Filosofia, em 1949 - localizada ainda no prédio da Praça da República e com classes que não tinham mais do que 12 alunos. Relembra, ainda, fazendo referência aos seus colegas, que todos queriam mesmo ser socialistas e não sociólogos. E que de repente se viram frente a um grupo de jovens professores que vestiam aquele obrigatório avental branco de cientistas de laboratório, como Florestam Fernandes e, mais discretamente, Antonio Candido - que lhes ensinaram a nunca transigir com o rigor da análise, com a solidez da pesquisa ou com qualquer coisa que prejudicasse a fluência dos argumentos. 
Além de ensaios menores sobre Euclides da Cunha, Paulo Prado, Caio Prado Jr. e Sérgio Buarque, e de uma primorosa resenha de Os Parceiros do Rio Bonito, de Antonio Candido, as análises mais detalhadas recaem sobre Joaquim Nabuco, Gilberto Freyre, Celso Furtado e Raymundo Faoro. O ensaio sobre Nabuco, de difusa inspiração freudiana, recupera os episódios da infância do grande abolicionista, incluindo a afetiva convivência com os escravos e as dramáticas perdas familiares. Já ao discorrer sobre a trajetória política de Nabuco, Fernando Henrique parece indiretamente falar um pouco de si - do intelectual que participa da política, se entrega inteiramente a ela em dados momentos, mas não quer se despersonalizar e nem perder seus mais caros valores existenciais.
Já os ensaios mais longos sobre Gilberto Freyre constituem uma espécie de desabafo de consciência culpada do autor, que pertenceu a uma geração que, durante os anos 1950 e 1960, tratou de rotular o autor de Casa Grande & Senzala como o reacionário criador e propugnador de uma (ilusória) democracia racial brasileira. Rótulos que nasceram menos de uma discutível "escola paulista de Sociologia" e mais da primeira leitura de um sociólogo militante, ansioso por cobrar dos outros uma posição de recusa da ordem estabelecida. Sem deixar de apontar os deslizes e os devaneios literários de Freyre, Fernando Henrique - desta feita escrevendo já em 2010 - ressalta a força mítica da obra do pernambucano: a sociedade patriarcal; as relações desiguais, mas próximas, entre as raças; o repúdio do racismo como guia heurístico (sem prejuízo dos deslizes racistas) e a afirmação de uma cultura singular, acabaram se tornando parte tácita e indistinguível da realidade brasileira. Mito é muito simplesmente a narrativa de uma história que não aconteceu, mas também daquela história que gostaríamos de acreditar que aconteceu - ou que ainda virá a acontecer, a qual fruímos, à maneira de Borges, com "prévio fervor e misteriosa lealdade". De qualquer forma, ao definir o estilo de Freyre como encantatório, cheio de reveladoras epifanias, Fernando Henrique não se esquece ainda de apontá-lo como um inesperado precursor daqueles estudiosos que criaram um método todo particular, no qual as sutilezas do estilo narrativo substituem os modelos teóricos e os conceitos abstratos.
Também se destacam as observações sobre Caio Prado Jr: um autor no qual "o método e os achados interpretativos caminham juntos, sem que ele esteja a cada instante batendo no peito para fazer o ato de contrição dos marxistas acadêmicos". 
Se apenas o epílogo do livro reproduz uma aula magna, ministrada pelo então ministro das Relações Exteriores aos alunos do Instituto Rio Branco, poderíamos dizer que o estilo de quase todos os ensaios é menos do político e mais aquele de um fluente professor - que também nos dá a deixa para uma outra definição de um clássico: "quando o livro é grande, os andaimes pesam menos e é preciso ver menos a maquinaria utilizada e mais a beleza da obra construída, mesmo que, às vezes, sem muito rigor". Nesta elegante e ponderada releitura da pedagogia da brasilidade, talvez seja mesmo possível reconhecer o que há ainda de atual e de inatual naqueles clássicos - todos eles um tantinho angustiados em pensar o futuro do País a partir de um retrato panorâmico de seu povo e de sua história. Se alguns daqueles retratos panorâmicos envelheceram, outros ainda fazem falta, sobretudo num país que vivencia - como, aliás, todo o mundo contemporâneo - uma crise de perspectivas de futuro.
* ELIAS THOMÉ SALIBA É HISTORIADOR, PROFESSOR DA USP E AUTOR DE RAÍZES DO RISO, ENTRE OUTROS