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segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Eleiões 2022: voto em Bolsonaro é mais emocional do que racional - Philipp Lichterbeck (Deutsche Welle)

O que leva eleitores a votar em Bolsonaro?

Coluna Brasil

Deutsche Welle, 19/09/2022

Apoiadores do presidente quase não têm respostas plausíveis sobre a sua escolha. São movidos sobretudo por emoções, fake news e ideais conservadores vendidos como cristãos. 

Há um fenômeno nesta campanha eleitoral: quando eleitores de Jair Bolsonaro são questionados sobre os motivos de sua escolha, geralmente não lhes ocorre nenhuma resposta plausível.

Ouvem-se com frequência frases como: "ele representa o povo" ou "ele é um patriota". Quando se pergunta o que de concreto Bolsonaro fez pelo povo, obtém-se, na maioria das vezes, o silêncio como resposta. São comuns respostas como: "ele construiu estradas e levou água para o Nordeste". Outros dizem que ele acabou com a corrupção – porém, quando se menciona o escândalo dos pastores no Ministério da Educação ou a compra de 51 imóveis com dinheiro vivo pela família Bolsonaro, às vezes admitem que talvez possa ter havido corrupção.

Alguns também admitem não saber o que Bolsonaro fez pelo Brasil, mas que isso não importa. Eles votariam em Bolsonaro de qualquer jeito, ele seria o "mito", aquele que representa o Brasil e que acredita em Deus.

Deus é uma resposta frequente para a pergunta sobre a motivação para votar no presidente. Durante um evento eleitoral no 7 de Setembro em Copacabana, um casal de Nova Iguaçu afirmou que Bolsonaro representa os valores cristãos que eles também defendem. Quais seriam esses valores? A primeira resposta é "a família": homem, mulher e filhos. A família, porém, não é um valor cristão. Valores cristãos são fé, amor, esperança, misericórdia, justiça, amor ao próximo. Família, ao contrário, é um ideal conservador que se vende como cristão.

De eleitores do Bolsonaro, ouve-se também frequentemente que ele é o único que pode derrotar Lula – o ladrão que quase arruinou o Brasil. Não é um argumento para Bolsonaro, mas contra Lula. Como o esperado, há também muitas fake news, por exemplo, de que Lula quer instaurar o comunismo, fechar igrejas ou que a "ideologia de gênero" seja ensinada nas escolas.

Para resumir, não se ouvem respostas convincentes sobre as razões de votar em Bolsonaro. Com os outros candidatos é diferente. Quem vota no Lula muitas vezes cita motivos pessoais, por exemplo, a influência positiva de políticas sociais em sua própria vida ou o fato de que pela primeira vez alguém da família pôde ir para a universidade. Motivos políticos também são citados, como o desejo de mais direitos para trabalhadores informais. Quem vota no Ciro Gomes argumenta sobre a terceira via, que quer acabar com a polarização. Ciro representa uma política fiscal e econômica sensata e equilibrada. Quem defende Simone Tebet usa argumentos parecidos, mas espera uma política econômica mais liberal.

Pode-se, portanto, constatar que os eleitores de Bolsonaro tomam uma decisão mais emocional que racional. Muitos brasileiros se identificam com o que ele representa – como o anticomunismo, o machismo ou a loucura por armas. O agronegócio, que nunca cresceu tanto e recebeu créditos tão baratos como no governo Lula, gosta da hostilidade de Bolsonaro ao MST e aos indígenas.

Bolsonaro conseguiu uma façanha. Ele transmitiu à sua base a impressão de que as instituições, a imprensa e a elite intelectual não falam mais a verdade. E de que ele, ao contrário, se atreve a proferir a verdade – rude, mas autêntico e sem floreios. A imagem do agente simples e franco a serviço do Brasil, excluído do establishment, é com certeza um dos motivos para a popularidade de Bolsonaro. Mas não é um bom motivo.

Pois, com demasiada frequência, eleitores votam contra os próprios interesses. Os republicanos nos Estados Unidos mostraram como conquistar eleitores brancos e pobres dos estados sulistas, que antes votavam nos democratas, com temas que mexem com as emoções, como aborto e casamento gay. Esses eleitores deixaram, de repente, de votar no partido que prometia melhorar sua situação econômica e passaram a votar no partido antiaborto. Bolsonaro também obteve sucesso com uma manobra semelhante, especialmente entre os evangélicos, que muitas vezes pertencem às camadas mais pobres da população. Ele costurou seu sucesso com conceitos emocionais, como Deus, nação, família e liberdade. São as palavras que ele repete em todos os eventos de campanha – enquanto evita conteúdos políticos concretos, possivelmente porque estes não existem.

Assim como o trumpismo, o bolsonarismo é um movimento sustentado pelo sentimento de que algo não está certo, de que a sociedade perdeu as estribeiras. Sua inquietação se volta contra mudanças sexuais, a ascensão dos pobres, a educação "muito liberal" ou a suposta "ameaça socialista". Em 2018, Bolsonaro conseguiu unir esses ressentimentos quando o Brasil se encontrava numa crise profunda. Tempos de crise são bons momentos para extremistas, e Bolsonaro agarrou essa oportunidade.

Mas agora a receita não parece funcionar mais. Um chefe de Estado precisa oferecer mais do que palavras emocionais, mas vazias.

No final, é exatamente como Abraham Weintraub, ex-ministro da Educação de Bolsonaro, disse há alguns dias: "O bolsonarismo é uma farsa (...) que usa religião para enganar." 

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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria  Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Alguém ainda acha que Bolsonaro vai melhorar, vai se corrigir? Ilusão - Philipp Lichterbeck (Deutsche Welle)

 As pessoas aprendem, por vezes pela via mais difícil, a da frustração, da desilusão...

COLUNA CARTAS DO RIO

O que Jairzinho não aprendeu, Jair jamais aprenderá

Agora até o Fagner resolveu reclamar das "besteiras" ditas pelo presidente. Mas esperavam o quê, afinal? E essas "loucuras" nem são o pior, mas a crescente corrupção e impunidade no governo Bolsonaro.

    
Brasilien Brasilia | Jair Bolsonaro, Präsident

O cantor Fagner concedeu entrevista ao jornal O Globo, na qual diz que se arrepende de ter votado em Jair Bolsonaro em 2018. "Votei para que tocasse o Brasil, não para falar besteira", diz ele, a certa altura. Numa outra: "A atuação do Bolsonaro é ridícula. Ninguém está precisando ouvir as loucuras que ele fala. (...) Quero que governe!"

É uma reclamação que se ouve com mais frequência de eleitores de Bolsonaro arrependidos, como o colega cantor de Fagner, Lobão, ou o deputado Alexandre Frota. Isso me surpreende por três motivos.

Em primeiro lugar, Jair Bolsonaro construiu toda sua carreira de 30 anos como político dizendo "loucuras" e "besteiras". O que Fagner e os demais esperavam? Que ele entenda aos 65 o que não entendia aos 45? Na Alemanha existe um belo ditado, que traduzido diz mais ou menos assim: "O que Hansinho não aprendeu, Hans jamais aprenderá". Pode-se dizer também que um adulto que deseja publicamente a morte de 30 mil brasileiros ("Se ​​vai morrer alguns inocentes, tudo bem. Em tudo quanto é guerra morre inocente") não se torna um Gandhi só porque ganhou uma faixa listrada de amarelo e verde para pendurar no corpo.

Em segundo lugar, surpreende o apelo de Fagner para que Bolsonaro governe. Aparentemente, Fagner espera que ele seja competente na solução dos numerosos problemas do Brasil. Gostaria que os eleitores do presidente me dissessem quando Bolsonaro alguma vez demonstrou competência para algo em sua carreira, fora ser reeleito a cada quatro anos ou colocar seus filhos na lucrativa política brasileira. Na pandemia do coronavírus fica agora evidente de forma exemplar como o desprezo pelo ser humano e a incompetência do presidente e de seu ministro da Saúde colocaram o país numa situação catastrófica.

Em terceiro lugar, e o que mais me assombra, é que Fagner critica o presidente pelo lado completamente errado. Não são as "loucuras" que mais incomodam, mas a crescente corrupção sob o governo de Bolsonaro, com a qual o Brasil vai se acostumando. Supostamente, este governo queria restaurar a lei e a ordem e combater a corrupção.

Impunidade

Em vez disso, criminosos são apoiados, como os grileiros na Bacia Amazônica. Eles estão ocupando ilegalmente terras públicas – terras que são de todos os brasileiros, inclusive de vocês, caros leitores – e destruindo a flora e a fauna. Mas esse governo recompensa os criminosos por meio da impunidade e da isenção de multas. Não é à toa que o próprio ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem seus problemas com a Justiça. Em 2018, ele foi condenado em São Paulo por improbidade administrativa. Este ano, é investigado e teve o sigilo bancário quebrado pelo Ministério Público de SP. Existe suspeita de crimes de sonegação e lavagem de dinheiro. O MP divulgou que o ministro teria enriquecido R$ 7,4 milhões em cinco anos atuando no governo do estado.

Outro exemplo é o recentemente demitido ministro do Turismo, Marcelo Álvaro. A PF já o indiciaraem 2019 como chefe do esquema de laranjas do PSL. A PF pediu que ele fosse condenado por três crimes. Mas ele continuou no governo até este dezembro. Foi demitido por uma briga interna no gabinete e não por corrupção. Mesmo assim, o presidente e seus seguidores repetem incansavelmente que não existe corrupção neste governo. Não existe para quem não quer ver.

Família se apodera do Estado

Basta olhar para a própria família do presidente. Parece que está tentando privatizar o Estado brasileiro para colocá-lo aos seus interesses. Nisso não é muito diferente da sempre tão criticada Venezuela, onde uma pequena elite corrupta sequestrou o Estado e o está usando para seus interesses. O caso do filho Renan Bolsonaro, o 04, que utilizou gratuitamente, em benefício da sua empresa, uma produtora que presta serviços ao governo federal, também poderia ter acontecido por lá. É coisa de republiqueta de bananas.

Assim como o caso Flávio Bolsonaro, que segundo o Ministério Público por anos roubou dinheiro público e também tinha uma proximidade surpreendente com a máfia do Rio. Para ser bem claro: Flávio Bolsonaro, filho do presidente, é acusado de ter roubado o dinheiro dos seus impostos, caros leitores! Mas o aparato estatal do Brasil (também financiado com seus impostos) agora o ajuda a se defender dessa investigação: para esse fim, foi usado o serviço secreto, a Abin. A Abin serve, segundo sua própria descrição, "para garantir a segurança da sociedade e do Estado brasileiro". Não deve resolver problemas pessoais dos filhos do presidente.

Em países normais, tudo isso daria origem a uma crise de Estado. Mas no Brasil as coisas anormais viram normais. As pessoas já se habituaram aos roubos de terras públicas e aos enormes incêndios que a cada ano destroem um pouco mais da maravilhosa natureza do Brasil. Ministros "um pouco corruptos" são considerados normais. E, obviamente, o presidente acredita que ele e sua família estão acima da lei.

Que ele toda hora fale "besteiras" é até o menor dos males.

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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais na Alemanha, Suíça e Austria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

terça-feira, 17 de março de 2020

Bullshitter: um jornalista alemão especialmente furioso com Bolsonaro - Philipp Lichterbeck

COLUNA CARTAS DO RIO

Com um 'bullshiter' no Planalto, covid-19 pode virar a peste negra brasileira

Se o coronavírus infectar milhares de brasileiros nas próximas semanas, o maior culpado já tem nome: Jair Bolsonaro. O Brasil é governado por um psicopata que age de forma criminosa, escreve Philipp Lichterbeck.
     Deutsche Welle
Jair Bolsonaro participa de protestos no dia 15 de março
Em 15 de março, Bolsonaro participou de protestos que havia pedido para serem cancelados
Antes das eleições de 2018, escrevi aqui sobre a hostilidade do bolsonarismo em relação à ciência. Agora, está comprovado aonde isso leva. Direto para a catástrofe. A situação no Brasil pode muito bem ser comparada à Idade Média na Europa. Naquela época, o fanatismo religioso fez com que fossem esquecidos os conhecimentos dos gregos e romanos no campo da higiene. Um resultado: a peste negra atravessou a Europa e matou milhões que nem sabiam como pegaram a doença, porque o veículo de transmissão – pulgas que passavam de ratos para humanos – era desconhecido.
A covid-19 é a peste negra do Brasil. Se o novo coronavírus fizer com que milhares de brasileiros adoeçam nas próximas semanas e levar não apenas o sistema de saúde, mas também a sociedade brasileira à beira do caos, haverá para isso um principal culpado. O nome dele é Jair Bolsonaro, ele é chefe de Estado de 210 milhões de pessoas e disse que não se importa com o coronavírus. Ele age de forma criminosa. O Brasil é liderado por um psicopata, e o país faria bem em removê-lo o mais rápido possível. Razões para isso haveria muitas. Também não parece mais absurdo que os generais já estejam fartos do caos que o presidente está causando, enquanto uma pandemia ameaça o Brasil.
O problema não é apenas a maldade do presidente, que, por vaidade e cálculo político, coloca em risco a vida de centenas de pessoas e desrespeita acintosamente as recomendações da Organização Mundial da Saúde. É, antes, sua limitação cognitiva. A visão de mundo de Bolsonaro e de seus seguidores é, na sua primitividade, algo difícil de superar. Tudo o que é complexo demais para eles, descrevem como invenção da mídia e dos comunistas. Foi o que o bispo Edir Macedo, chefe da medieval IURD, acabou de dizer, literalmente, sobre o coronavírus.
O colunista da DW Brasil, Philipp Lichterbeck
O colunista da DW Brasil, Philipp Lichterbeck
Já em 2019 foi possível ver até onde a hostilidade à ciência do bolsonarismo pode levar, quando o presidente demitiu um dos cientistas mais respeitados do país ao ficar contrariado com seus dados sobre os incêndios florestais na Amazônia. Isso deveria ter sido um aviso. Porque decisões responsáveis são tomadas com base no conhecimento, e não no delírio. Quando se trata de resolver problemas reais, como a pandemia do coronavírus, a verdade tem uma clara vantagem prática: ela funciona. E, da mesma forma: quem sabe muito, se torna humilde; quem sabe pouco, arrogante. E arrogância é, definitivamente, algo que não falta a este presidente e à sua turma.
Na Europa e, especialmente, na Ásia, vê-se agora como a ciência é importante para lidar com a pandemia do coronavírus. Aumenta novamente a demanda por cientistas e políticos sóbrios, enquanto os populistas, com suas mentiras e teorias da conspiração, são postos de lado. A situação é extrema demais para ser relegada a extremistas. Mas no Brasil, o extremista ocupa o mais alto cargo do Estado.
O governo brasileiro teve tempo suficiente para evitar o pior quando os dois primeiros casos de covid-19 foram notificados em São Paulo. Se o governo cuidasse do bem-estar dos brasileiros, rapidamente teria começado a restringir a vida pública e a preparar a população. Hoje, se conhece, a partir dos exemplos de China, Itália, Espanha e França, a forma rápida e devastadora com que o coronavírus pode se espalhar. Também está claro que isso não interessa ao presidente e a seus seguidores.
O filósofo Harry G. Frankfurt escreve em seu livro On Bullshit (Sobre falar merda) que o "bullshitter" é pior que o mentiroso, porque este último ainda tem pelo menos uma conexão com a verdade que ele nega. Já o bullshitter não se importa com nada. Ele diz qualquer absurdo para agradar seus seguidores e satisfazer sua vaidade.
Se o bullshitter é seu vizinho José ou sua tia Márcia, pode até ser bastante divertido. Mas se o bullshitter é o presidente do Brasil e se, ao mesmo tempo, o país enfrenta uma pandemia, então realmente é possível que venha o pânico contra o qual todos estão alertando. O problema não se chama coronavírus. Ele se chama Bolsonaro. O tempo está voando.
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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais na Alemanha, Suíça e Austria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
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