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segunda-feira, 5 de maio de 2014

Claudio Shikida relembra Simonsen, que ja desmontava Prebisch no ato da embromacao...

Devo esta a uma postagem do meu amigo Claudio Shikida no seu sempre excelente blog De Gustibus non Est Disputandum.
Paulo Roberto de Almeida

Centro e periferia: ser ou não ser?

Publicado em 
“Foi mal, galera.”
Pois é. Centro ou periferia? Freud certamente estaria louco para faturar uma grana sobre alguns auto-denominados “economistas” da América Latina. Afinal, eles passaram a vida defendendo uma visão de mundo estática, embora acusassem seus inimigos de usar uma visão igualmente estática. Era um tal de falar em construção de uma teoria econômica própria, um tal de a solução é a industrialização, etc. Muita gente saiu às ruas e apanhou da polícia pensando nisto. Outros, mais espertos, convenceram alguns a apanharem nas ruas por suas idéias. Não importa.

O que importa é que havia uma verdade importante: nós éramos a periferia, eles eram o centro. Obviamente, os conceitos são vagos, mas com um excelente apelo emocional. Geralmente, teorias assim são muito mais populares do que as teorias científicas como explicou Simonsen:

O segredo dessas teorias reside na substituição da comunicação lógica pela comunicação mística: a sua lógica é amiúde tortuosa, mas cada teorema vem envolvido num jargão capaz de despertar ondas de associação de idéias que acabam moldando a esperança de que os problemas difíceis possam solucionar-se rapidamente por passes de mágica reformistas. [Simonsen, M.H. "O Pensamento Estruturalista", Brasil 2001, APEC, 1971, cap. III]

Pois é. Muito antes de McCloskey falar de retórica em economia, Simonsen, nosso economista que não era nem ortodoxo, nem heterodoxo, nem democrata, nem liberal, já chamava a atenção para o perigo da sedução da retórica.

“Foi mal gente: ele estava errado mesmo”.
Centro, periferia, centro, periferia: um problema freudiano?
Um dos problemas destas teorias fundamentadas em conceitos vagos é que a realidade vive lhe cobrando a coerência. Por exemplo:

Como é cruel a vida, não? A periferia não é um todo monolítico que luta contra o centro (outro todo monolítico). E não me venha com o papo de que a periferia, neste caso, está sendo usada pela grande conspiração do centro, comandado por Obama e um bando de judeus. A verdade é que a realidade é muito mais complicada do que acreditavam alguns estruturalistas (eles mesmos adoravam usar este mesmo argumento contra os economistas, mas nunca conseguiram escapar de sua própria armadilha retórica…).
O governo brasileiro, como se percebe, também adora explorar sua periferia, com protecionismo e tudo. Então, o binômio centro-periferia não é tão rígido assim. Qualquer país pode ser centro ou periferia: depende da situação (ou do discurso do político no poder). Logo, se o conceito não conceitua mais, o melhor é deixarmos ele no lugar certo: no lixo. Bem, se você não quiser jogar no lixo, jogue no cesto de recicláveis, mas faça isto pensando no entendimento da realidade, não no discurso político porque, para este pessoal, até a mãe é reciclável.
Na minha opinião, o arcabouço mais adequado para se entender o protecionismo do governo brasileiro é o da Escolha Pública ou da Nova Economia Institucional. Eu diria mais. Eu diria que ambas são agendas de pesquisa do grande pensamento econômico conhecido como mainstream (ou, seguindo a sugestão do Peter Boettke: mainline)

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Raul Prebisch: um economista controverso

Reportagem de capa:
Biografia resgata o legado do economista argentino Raúl Prebisch, líder da Cepal e da teoria desenvolvimentista latino-americana.
Prebisch e o continente
Diego Viana | De São Paulo
Valor Econômico, 29/07/2011

No turbilhão das crises, o conhecimento acumulado sobre o funcionamento da economia muitas vezes é questionado e as vozes de economistas heterodoxos passam a soar mais atraentes. Assim como as livrarias alemãs puderam comemorar em 2008 uma discreta corrida por edições atuais de "O Capital", de Karl Marx, o terremoto no mercado financeiro americano naquele ano foi celebrado como um renascimento da teoria keynesiana.

Foi também no ano da crise que chegou às livrarias dos EUA e do Canadá a biografia de Raúl Prebisch (1901-1986), o economista argentino que, para muitos, é o "Keynes latino-americano". Escrita por Edgar Dosman, da Universidade de York, no Canadá, "Raúl Prebisch: a Construção da América Latina e do Terceiro Mundo" tem publicação prevista no Brasil para o dia 15, em parceria do Centro Internacional Celso Furtado (CICF) com a editora Contraponto.

"O fim de 2008 foi o momento perfeito para sair o livro, porque assinala o começo de uma crise que pode vir a ser um colapso global", diz o autor. O lançamento permite resgatar a memória do pai da teoria estruturalista do desenvolvimento econômico. Prebisch, segundo Dosman, foi o primeiro economista a estender a teoria ao mundo em desenvolvimento e a enxergar a América Latina como uma entidade à parte. A tradução prática de seu pensamento foi a liderança da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) e da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento). Grandes economistas brasileiros, como Celso Furtado (1920-2004) e Maria da Conceição Tavares, beberam na fonte de Prebisch.

O caos econômico dos anos 1930 desnudou, para o economista, a fraqueza da teoria hegemônica de comércio internacional

"Acredito que sei o que Prebisch recomendaria para o Brasil neste momento de boom de commodities e risco de desindustrialização", diz Dosman. Ao contrário do que se possa imaginar de um economista que preconizou o protecionismo e intervenção estatal para industrializar países periféricos, substituindo importações de manufaturados por produção local, Prebisch apoiava um setor primário forte. A explosão de commodities pode ser usada a favor do Brasil, se o país não se descuidar de ampliar as condições de produzir com alto valor agregado.

"Uma das vantagens da idade é ter acompanhado o ir e vir dos ciclos econômicos", comenta o autor. O próprio Prebisch presenciou uma alta acentuada de preços de produtos agrários na década de 20. "Levando em consideração as mudanças de humor do mercado de commodities, a pergunta passa a ser: o que é preciso fazer para se manter como potência industrial?"

Para Dosman, que vem ao Brasil no mês que vem para uma série de seminários organizados pelo CICF, Prebisch diria aos governos latino-americanos que encarassem o boom das commodities como temporário. A recomendação seria administrar a situação para evitar a "doença holandesa", ou seja, desindustrialização por dependência de um único produto exportado. "Não se pode esquecer que os países só têm sucesso se contarem com uma infraestrutura física, intelectual e produtiva que garanta o desenvolvimento de longo prazo", alerta Dosman.

Como Keynes, Prebisch desenvolveu suas teorias a partir da experiência traumática da Grande Depressão, que atingiu a economia argentina com uma violência particularmente atroz. O país era, até então, um dos mais prósperos do mundo, com sua economia assentada sobre a exportação de carne bovina e trigo para a Europa. A implosão do comércio mundial carregou consigo o país platino, que atravessou o violento período conhecido como "década infame".

Para Simão Davi Silber, da USP, a tese de Prebisch é falha porque se baseia no pior período da história do comércio internacional
Prebisch, nascido em Tucumán, filho de um imigrante alemão com uma descendente de aristocratas coloniais, era então um economista ortodoxo e diretor-geral do Banco Central de seu país, que também fundou. Atravessou no BC, onde trabalhou de 1930 a 1945, períodos turbulentos da crise e presenciou a ascensão do populismo de Juan Domingo Perón (1895-1974), que se tornaria seu desafeto. A magnitude do caos econômico dos anos 1930 desnudou, aos olhos do economista, as fraquezas práticas da teoria hegemônica de comércio internacional, fundada sobre o conceito de vantagens comparativas de David Ricardo (1772-1823). Para o economista inglês, os países devem se especializar na produção daquilo em que têm maior eficiência, para ampliar o comércio e gerar maior riqueza.

Uma das razões encontradas por Prebisch para explicar que os benefícios da vantagem comparativa não fossem repassados aos países periféricos, segundo o economista Nelson Marconi, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e organizador do seminário paulistano sobre o argentino, foi a escassez de mão de obra nas sociedades industriais. Em consequência, os salários eram mais altos, porque os empresários tinham de investir em qualificação dos operários. "A vantagem comparativa chegava ao bolso do operário europeu, mas não ao camponês latino-americano", diz Marconi. Na crise, Prebisch observou que os preços do trigo e da carne argentinos despencaram com violência maior do que os de manufaturados. Os resultados foram divulgados na ONU (Organização das Nações Unidas) em 1949, com o texto "O Desenvolvimento Econômico da América Latina e Alguns de Seus Principais Problemas". Ao mesmo tempo, o economista alemão Hans Singer (1910-2006) chegava a conclusões semelhantes, de tal maneira que a teoria ficou conhecida como tese Prebisch-Singer.

O rebento da observação de Prebisch seria a teoria estruturalista do desenvolvimento econômico, que marca a ruptura do argentino com a ortodoxia. "O desenvolvimentismo da Cepal foi uma teoria muito importante para sua época", assinala o economista da FGV Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda. "Foi a base de todo o desenvolvimento no Brasil, no México, no Chile e, em menor escala, na Argentina." Ironicamente, no país de Perón, Prebisch era persona non grata. Seus dois breves retornos à terra natal, como conselheiro dos presidentes Pedro Aramburu, em 1955, e Raúl Alfonsín, em 1983, foram desastrosos. "Ninguém queria escutar seus conselhos. Ele era associado ao 'antigo regime', período em que presidiu o Banco Central", diz Dosman.

"A vantagem comparativa nessa relação de comércio chegava ao bolso do operário europeu, mas não ao camponês latino-americano"

O ostracismo de Prebisch contrasta com o renome de que goza o outro grande economista heterodoxo do continente, o brasileiro Celso Furtado. O autor do monumental "Formação Econômica do Brasil" foi um prolífico colaborador de Prebisch na Cepal, além de amigo do argentino. "Prebisch deu o pontapé inicial", segundo Marconi. "Furtado ampliou a teoria e introduziu a questão da desigualdade de renda, que faltava."

Quando se conheceram, no Chile, o brasileiro era um jovem economista promissor. Prebisch, segundo Dosman, logo reconheceu nele um colega brilhante. "Era uma admiração mútua. Prebisch admirava a integridade pessoal de Furtado." A colaboração durou décadas, mas houve discordâncias, que chegaram a um breve rompimento em 1957. "Ambos tinham vontades fortes... eram 'machos alfa'", brinca o biógrafo.

Uma explicação para os destinos divergentes reside no acesso aos textos de ambos. Enquanto Furtado legou uma bibliografia ainda amplamente estudada, Prebisch escreveu apenas profissionalmente. Como diz seu biógrafo, "ele assinava como chefe de pesquisas, na Cepal e na Unctad. Seus textos individuais, para apresentação na ONU, ficaram indisponíveis". O projeto de publicar os manuscritos e correspondências do economista argentino avança lentamente.

"O estruturalismo entende que o processo de desenvolvimento implica uma mudança estrutural na composição da produção", diz Marconi. A necessidade de industrializar, ponto fundamental das ideias de Prebisch, é parte de um estímulo generalizado à demanda, por intervenção estatal ou investimento externo, à medida que uma economia deixa de ser primária. No horizonte situa-se um "ponto de maturidade", com consumo de massa e uma demanda de perfil mais sofisticado, em que a população exige serviços públicos, educação, saúde, lazer.

O ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira defende um desenvolvimentismo inspirado nas ideias de economistas como Raúl Prebisch
Segundo Bresser-Pereira, o desenvolvimentismo de Prebisch, Furtado e outros autores tem o mérito de reconhecer na economia um pensamento social e, portanto, histórico, em oposição à teoria neoclássica, que se pretende a-histórica. À exceção do pioneiro Reino Unido, aponta Bresser-Pereira, "todos os países que se industrializaram no século XIX protegeram a produção local": França, EUA, Alemanha, Japão.

Ao fim da Grande Depressão dos anos 1930, os governos latino-americanos tomaram interesse pelas teses da Cepal, que prometiam desenvolvimento e proteção contra novas recessões. A substituição de importações, ponto inaugural da doutrina, foi buscada no Brasil, no México, no Chile e em outros países. Nas décadas seguintes, o crescimento do continente foi um dos mais fortes do mundo e a estrutura econômica e social na região foi radicalmente transformada. As cidades cresceram com as fábricas. Mas ao fim da década de 1970, o quadro era outro: inflação, estagnação, crises políticas e ditaduras.

O desenvolvimentismo e as teses da Cepal foram relegadas a um plano secundário a partir da década seguinte, quando as teorias neoclássicas voltaram ao centro dos debates e o Consenso de Washington tomou forma. O próprio Raúl Prebisch foi esquecido e esquecido morreu, no Chile, em 1986. "A hipótese de Prebisch e Singer era muito ruim. Ela se baseava em dados apenas do período mais terrível da história do mercado mundial, que foi a Grande Depressão", argumenta o economista Simão Davi Silber, da Universidade de São Paulo (USP). Segundo Silber, as pesquisas empíricas revelam o oposto daquilo que diagnosticou o economista argentino: quem exporta commodities está em situação melhor do que o exportador de produtos industriais. "A história não corrobora a hipótese. A melhor maneira de verificá-lo é comparar o desempenho da América Latina com o Sudeste Asiático, onde a substituição de importações foi abandonada tão logo perceberam o erro."

O confronto entre latino-americanos e asiáticos em matéria de desenvolvimento também atrai os defensores do estruturalismo. Bresser-Pereira lembra que a substituição de importações é uma "pequena fase inicial de industrialização", cujo substrato é, nas palavras de Nelson Marconi, "um forte investimento na qualificação da mão de obra", com vista a galgar as etapas de desenvolvimento e reestruturar o sistema econômico. Um erro do Brasil, lamenta Marconi, foi não investir no capital humano. O modelo de industrialização que importou a matriz tecnológica foi concentrador de renda e não colaborou para atingir fases mais avançadas de desenvolvimento.

"A substituição de importações funcionou bem até os anos 1960", diz Bresser-Pereira. "Os asiáticos começaram assim e saíram rápido." Embora não se baseassem no pensamento de Raúl Prebisch, os economistas e burocratas daquele continente são pragmáticos, segundo Bresser-Pereira, e "olham para como a economia funciona de verdade". Países como a China e a Índia são encarados como exemplos de sucesso de políticas desenvolvimentistas.

Bresser-Pereira conclui que o erro latino-americano foi demorar a sair da etapa de substituição de importações. As raízes dessa demora podem ser políticas, já que as massas recém-incorporadas à economia urbana e industrial se tornaram um eleitorado atraente para os líderes do continente. "Por trás das ideias de Prebisch está um ativismo governamental pronunciado, daí o fato de ter caído no gosto do nacional-desenvolvimentismo latino-americano", afirma Simão Silber, ressaltando o caráter estatista da teoria heterodoxa da Cepal.

O renascimento do interesse pelo keynesianismo e por teorias centradas no desenvolvimento, a partir da crise de 2008, se faz acompanhar de um olhar mais benevolente para a atuação do Estado. "A estratégia do novo desenvolvimentismo é crescer com estabilidade, mas defendendo um Estado mais participativo", diz Bresser-Pereira. Nesse modelo, o Estado deixa de ser produtor, dono de empresas, e se torna indutor de investimentos privados. "O estágio de desenvolvimento é outro. Não precisamos mais fazer a revolução industrial e capitalista", diz. "Já existe uma classe de empresários capazes de investir."

Marconi lamenta que o Brasil tenha passado tantas décadas investindo na modernização da estrutura sem modernizar também a formação da mão de obra. "Só agora esse problema está sendo atacado no Brasil." O desenvolvimentismo de hoje, segundo Marconi, é a corrente que chama a atenção para a necessidade de agregar valor à produção, seja no setor industrial ou nos serviços mais dinâmicos.

Análise:
Raúl Prebisch, a ascensão da China e o Terceiro Mundo
Carlos Lessa | Para o Valor, do Rio
29/07/2011

Edgar Dosman: Prebisch não excluía apoio a um setor primário forte
A coruja do conhecimento, geralmente, levanta voo ao entardecer. As grandes passagens da economia mundial produzem revoadas de corujas. Destas, muitas fazem a releitura de antigos pensadores deixados, provisoriamente, de lado. Essa releitura auxiliará a construção de novas interpretações. Hegel falava da fácil sabedoria da visão retrospectiva, ou seja, como o curso histórico tem suas razões, a releitura permite explicitar algumas delas. Entretanto, a criação intelectual que ilumina o amanhã exige o que Nietzsche denominava "espírito de águia", que não teme se debruçar sobre o abismo.
Li "Raúl Prebisch (1901-1986): A Construção da América Latina e do Terceiro Mundo", de Edgar Dosman, editado pela Contraponto em parceria com o Centro Internacional Celso Furtado. Uma biografia exaustiva e rigorosa, do ponto de vista documental, do economista argentino que escreveu o livro "O Desenvolvimento Econômico da América Latina e Alguns de Seus Principais Problemas", conhecido como "Manifesto Latino-Americano", divulgado em Havana em 1949. Nele, Prebisch demonstrou que a distribuição de benefícios do crescimento mundial era desigual entre o centro e a periferia e se aprofundava secularmente, pois a dinâmica dos ciclos de comércio exterior favorecia, a longo prazo, as economias já industrializadas e dominantes.

Prebisch demonstrou que a distribuição de benefícios do crescimento mundial era desigual entre o centro e a periferia e só se aprofundava

O alicerce ortodoxo da economia política clássica inglesa foi a teoria ricardiana de comércio exterior. Seu teorema dos custos comparativos "justificava" como maximizante para todos os integrantes do comércio internacional a especialização nos bens que produzia com maior eficiência. Se cada país se especializasse e obtivesse, pelo comércio internacional, aquilo que tinha menor produtividade interna, haveria o máximo bem-estar das economias interligadas. David Ricardo construiu o argumento perfeito para a hegemonia inglesa, nação que sediou a Primeira Revolução Industrial. Investir, intelectual e politicamente, contra a ortodoxia do país dominante foi a prática dos pais fundadores dos Estados Unidos. Alexander Hamilton defendeu a ideia da industrialização como essencial ao padrão de vida e à soberania nacional das 13 ex-colônias. Friedrich List, em 1841, publica "O Sistema Nacional de Economia Política", que se sucedeu à Zollverein, união aduaneira alemã, de 1834. List explicita que o projeto nacional de desenvolvimento via industrialização é uma exceção ao livre-câmbio e livre-comércio. A Revolução Meiji realiza uma modernização à força no Japão, sob o argumento de que sacrifícios no presente produziriam felicidade no futuro. A França, de Napoleão III, também critica Ricardo e defende a prioridade da industrialização nacional. O denominador histórico comum de todas essas experiências de industrialização consiste na adesão ao livre-câmbio e livre- comércio, tão logo esteja consolidada sua maturidade industrial. Foram poucas as nações que se industrializaram e nenhuma nação latino-americana, no século XIX e década iniciais do século XX.

Uma retórica geopolítica pretendendo superar o atraso pela boa convivência de nações foi recorrente. Por exemplo, o brasileiro Rui Barbosa, que conhecia a heterodoxa visão de finanças industrializantes dos fundadores americanos, defendeu o "desenvolvimento" da periferia na famosa e inútil 2ª Conferência de Haia, em 1907. Após a Primeira Guerra Mundial e no umbral da Grande Crise de 1929, Mihail Manoïlesco, ministro da Indústria e Comércio da Romênia, defendeu, em "Teoria do Protecionismo e da Permuta Internacional", a industrialização como único caminho para a superação do atraso. Essa defesa explicitou o argumento-chave de indústria nascente e das relações interindustriais de um sistema industrial nacional. O brasileiro Roberto Simonsen, presidente do Centro das Indústrias de São Paulo, traduziu e publicou, em 1931, o trabalho do economista romeno. A ideia da industrialização como projeto nacional impregnou a gestão Getúlio Vargas durante os anos 30 e a Segunda Guerra Mundial. O ideal de produzir as máquinas que fazem máquinas apareceu no discurso do obelisco, precedendo o governo Vargas, que realizou uma política keynesiana antes da publicação do clássico livro de Keynes.

Ouso dizer que a obra de Prebisch, menos pelo pioneirismo e mais pela oportunidade, decisão, habilidade e poder mobilizador, foi um voo de coruja decisivo para o esforço latino-americano de superação do atraso. O conceito de América Latina foi consolidado e tornado, em alto nível de abstração, homogêneo pela crítica atualizada e politizada da ortodoxia das economias dominantes. Prebisch, com visão política historicamente correta, evitou refletir sobre as estruturas internas dos países latino-americanos. Apesar do trabalho intelectual de economistas latino-americanos como Aníbal Pinto Santa Cruz e Celso Furtado, que mergulharam na heterogeneidade e na formação histórica singular de cada país latino-americano, o sonho bolivariano da integração recebeu um forte estímulo a partir do Manifesto, de Prebisch, e do trabalho dos estruturalistas da Cepal.

Em tempos de crise, a coruja voa revitalizando o passado, porém o fato mais relevante do momento atual é o desenvolvimento da China e não pode ser atribuído a nenhuma receita ortodoxa de livre-comércio e livre-câmbio. Não é uma economia de mercado. Regula - de perto e com instrumentos estatais variados, discriminatórios e poderosos - finanças, câmbio e atuação empresarial. O maior sucesso nacional do momento é, em si, questionador frontal da ortodoxia neoliberal.

Prebisch, hoje, teria se debruçado sobre a experiência chinesa e chamaria a atenção para a geopolítica dominante que a China vem fazendo no chamado Terceiro Mundo.

Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa é professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES