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segunda-feira, 10 de junho de 2024

Mario Henrique Simonsen, um dos pais do Plano Real - Coriolano Gatto (Brazil Journal); comentário Maurício David

 BRAZIL JOURNAL

Simonsen, um precursor discreto do Plano Real 

Coriolano Gatto


Brasil Journal, 9 de junho de 2024 


Às vésperas de completar 30 anos, o Plano Real foi defendido logo no nascedouro por um dos maiores economistas brasileiros que, ainda nos anos 70, já demonstrava preocupação com a inflação crescente e a indexação da economia.

Mais ainda: uma década antes do Real, Mario Henrique Simonsen já apoiava a tese de desindexação de Persio Arida e André Lara Resende, que era o pilar central do plano.

Matemático refinado, arquiteto de grandes projetos, engenheiro, economista e professor por vocação, Simonsen foi o primeiro expoente do governo militar a mencionar o processo de realimentação da inflação, causado pela indexação introduzida pelo próprio regime em 1964. 

“Apesar da ortodoxia, o Simonsen pensava na formação keynesiana dentro da equação de preços: demanda, choques autônomos e a realimentação. Eu comecei a pensar na teoria inercial da inflação com ele,” me disse o economista Francisco Lopes em seu apartamento em Copacabana. “O Roberto Campos dizia que o Simonsen nunca foi um liberal ou um monetarista como ele e o Eugênio Gudin, e era mais um keynesiano, modestamente intervencionista.” 

Lopes conheceu Simonsen na adolescência. Aos 19 anos, levou seu pai – Lucas Lopes, um dos grandes artífices do desenvolvimento no governo Juscelino Kubitschek (1956-1961) – e o próprio Simonsen até a estação de trem, no Rio, dirigindo o carro de sua mãe. Eles iam para São Paulo por conta da Consultec, a primeira empresa de projetos do Brasil, da qual fazia parte também Roberto Campos. 

Mais tarde, Lopes seria estagiário da Consultec e teria um grande convívio na academia com Simonsen, que fundou em 1965 a pós-graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas, a tradicional FGV EPGE, a primeira do Brasil – antecedida, quatro anos antes, pelo Centro de Aperfeiçoamento de Economistas. 

À época, Simonsen tinha 30 anos. Ele deu uma contribuição decisiva para a redação do PAEG – o Plano de Ação Econômica do Governo, criado por Roberto Campos, então ministro do Planejamento do primeiro governo militar. Mais tarde, Simonsen foi ministro da Fazenda de Geisel (1974-1978) e por seis meses ministro do Planejamento de Figueiredo (1979-1985). 

Em um artigo publicado em novembro de 1984 pela revista Conjuntura Econômica, Simonsen propôs criar a UMB, a Unidade Monetária Brasileira. 

Em seu estilo criativo e muitas vezes ferino, Simonsen resumiu ali a ideia de combater a inflação por meio heterodoxo, em vez de insistir nos choques monetários defendidos por Octavio Gouvêa de Bulhões, o ministro da Fazenda de Castello Branco (1964-1967), que se baseava na teoria quantitativa da moeda. 

“A ideia central do projeto, a da desindexação pela própria indexação da moeda, parece mais pertinente a um libreto de ópera wagneriana do que a uma proposta de teoria econômica,” Simonsen escreveu no artigo acadêmico. “Sem dúvida, a ideia da criação da UMB deve ser objeto de muita discussão e meditação.” 

Nos parágrafos seguintes, Simonsen dá seu aval à proposta em gestação pelos economistas André Lara Resende e Persio Arida. Ainda corria o ano de 1984 – dez anos antes do Real.

Simonsen sabia que o processo de desindexação – em contraponto ao arrocho monetário que causaria uma recessão elevada e o aumento exponencial da taxa de desemprego – era anátema à ordem econômica vigente, que insistia em um gradualismo para frear a inflação. Mas aquele modelo já havia fracassado nos anos 80 e levou o país à beira da hiperinflação, desorganizando o processo produtivo. 

“Pelos padrões internacionais, o passo errado é o do sistema brasileiro, que gerou formidável inflação inercial, e que a política monetária combate com eficiência igual à dos soldados americanos na guerra do Vietnã. O Brasil precisa acertar o passo, e a ideia da UMB talvez forneça o mapa da mina,” Simonsen escreveu na revista.

De fato, dez anos depois seria criada a URV (Unidade Real de Valor), definida de forma precisa pelo advogado José Luiz Bulhões Pedreira (1925-2006): “moeda de curso legal sem poder liberatório.” 

Eram sete palavras mágicas que descreviam o DNA da URV, que foi convertida para o real em 1º de julho de 1994, finalmente quebrando a inércia da inflação brasileira.

“A inflação não volta,” Simonsen proclamou no início de fevereiro de 1996 durante um longo depoimento ao Jornal do Brasil. “Tradicionalmente, o Brasil achava que o político desejava inflação. A eleição de Fernando Henrique deixou claro o seguinte: ele foi um político que não quis a inflação, fez o Plano Real e virou presidente”.

No livro Conversas com Economistas Brasileiros (Editora 34, 1995), Simonsen dizia estar convencido desde o Governo Geisel de que uma terapia apenas ortodoxa, inspirada pelo FMI, não liquidaria a inflação. 

Por ocasião da preparação do Plano Real, ainda em 1993, foi figura de destaque nos debates que precederam e sucederam o programa de estabilização. Era próximo da equipe de economistas da PUC-Rio, a quem chamava, carinhosamente, de “EPGE do B”.

O economista Daniel Valente Dantas, considerado o melhor aluno de Simonsen na EPGE, ressalta a pluralidade no pensamento do seu mestre, que quebrou dogmas e rompeu com o padrão clássico da economia.

“O mais importante dos seus ensinamentos era tratar a economia como ciência. Ensinou a observar, a medir e a não deixar as preferências, as conveniências, ideologias ou crenças ocuparem o espaço da observação. Não confundir conhecimento com crença, axiomas com dogmas; contudo, ao mesmo tempo, era implacável e rigoroso na única evangelização que suas aulas continham, que eram os limites do conhecimento.”

Coriolano Gatto é jornalista

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Comentário de Mauricio David:  

Sou de uma geração que pouco pode pode conviver com o Simonsen, porque tive (tivemos) a vida meio cortada por longos anos de exílio. Mas sempre tive um olhar à distância para o Mário (como o chamavam pelo prenome figuras mais velhas e mais jovens da minha geração, como a Conceição e José Alexandre Scheinkman, ambos produtos de uma Faculdade Nacional de Ciências Econômicas que, para o bem ou para o mal, era o que tínhamos no Brasil...). Quando voltei do exílio, em 1979, fui a um Seminário na EPGE, da Fundação Getúlio Vargas, creio que a meados de 1980 com o meu amigo e ex-colega José Alexandre, para assistir a uma palestra do Simonsen. Uma conferencia brilhante, como acontecia quando o Simonsen discorria sobre economia (ou sobre óperas e sobre o jogo de xadrez, pois era apaixonado por ambas). Nesta conferencia o Simonsen falou do porque a inflação havia “sky-rocketed” no Brasil e no mundo. Correu um frisson entre os jornalistas que cobriam o evento, todos saíram correndo para reproduzir parte da conferencia do Mário Henrique, em especial a expressão “sky-rocket” por ele utilizada.  Eu mesmo, chegando da Suécia, nunca tinha ouvido falar daquela expressão (propulsar, subir como um foguete, apurei depois). O Simonsen era assim... Eu também tinha um ex-colega do Pedro II que foi campeão brasileiro de xadrez (e o Simonsen, como já mencionei, era apaixonado por xadrez) que era amigo do Simonsen. Pois hoje compreendo em parte porque o Geisel tanto se afeiçoou a êle (foram até morar em casas próximas, em Teresópolis, quando saíram do governo).  Até hoje me lembro de duas fotos do Simonsen que vi em algum momento da vida : uma dele tomando banho de mar em Ipanema, quando saiu do governo e voltou de Brasília para o Rio, e outra dele que foi capa da revista VEJA, com êle completamente careca, fazendo quimioterapia, às vésperas de morrer aos 62 anos !!! 62 anos, tão ingrata a vida quando leva luminárias como o Simonsen numa idade em que a maioria ainda nem começou a curtir uma aposentadoria... O Simonsen era um liberal, liberal das antigas... Fundou a EPGE na FGV, a primeira pós-graduação de economia do Brasil. Quando saiu da EPGE para assumir as pastas da Fazenda (com o Geisel) e do Planejamento (no começo do governo Figueiredo), comenta-se que a escola caiu muito... Também se comenta a boca pequena que ele procurou o Geisel, quando a Conceição esteve presa por 48 horas nos porões da repressão, e pediu pela Conceição. Já outros dizem que foi o Veloso (talvez tenham sido os dois, nunca se saberá ao certo). Dois liberais – Simonsen e Veloso – que talvez tenham salvo a vida da nossa valente guerreira (no bom sentido da palavra, porque a Conceição nunca se meteu em aventuras guerrilheiras que seduziram a muita gente, como a Dilma e etc, no período. Era uma revolucionária da linha pacífica, incapaz de matar uma mosca...Mas o fato que o Geisel atendeu ao pedido dos dois e mandou liberar a Ceiça...

O Simonsen fumava como um tresloucado. E isto talvez o tenha levado ao câncer que o matou precocemente (se tivesse vivido 32 anos mais, teria completado o mesmo ciclo vital que a Conceição). O que teria passado então se a vida lhe tivesse proporcionado mais estes 32 anos, com a mente em seu apogeu ? Por ironia, me lembro de ter lido ou ouvido que o Simonsen, ao deixar o governo, teria assumido cadeiras nos Conselhos de Administração do City Bank e da British America Tobacco, ambas cotadas na Bolsa de Nova York. Cadeiras em conselhos de grandes bancos em geral não matam seus ocupantes cedo, já as de companhias de cigarro... são fulminantes (lembro que o Simonsen, assim como a Conceição, era fumantes inveterados, acendendo um cigarro atrás do outro. Um morreu com 62, a outra com 94. O cigarro mata ?

MD

P.S.: Uma anedota divertida : quando o general Costa e Silva foi “eleito” pelo sistema militar para suceder ao general Castelo Branco na Presidência da República, o Brasil foi tomado por centenas e centenas de piadinhas sobre a proverbial burrice do sucessor do Castelo Branco. O Costa e Silva, para amenizar talvez as piadas que o colocavam na berlinda, resolveu convidar o Simonsen para lhe dar umas aulas de economia. (É verdade sim, basta consultar os jornais da época...). Imaginem que o Simonsen tinha 30 anos na época ! Podem crer: 30 anos ! Todos achavam que o Costa e Silva ia nomear seu “professor de economia” para Ministro. Me imagino que o Simonsen tenha perdido a paciência com o general e em algum momento o chamado de “burro”, porque de fato o Simonsen chamou o Hélio Beltrão para ministro do Planejamento e o Delfim para a Fazenda. Estupor generalizado ! Eu tinha um amigo e professor aqui no Rio, vindo da UnB onde havia entrado na lista negra que me dizia : “Este tal de Simonsen deve ser muito incompetente, Mauricio... Ter dado aulas de economia para o Costa e Silva e não ser chamado para ministro...”. Mas acho que o incompetente era o Costa e Silva mesmo... Se bem que o Brizola me contou, em Montevidéu, onde eu e a Beatriz fomos visita-lo na nossa viagem para o Chile, quando eu, jovem estudante repeti o deboche que os estudantes do Rio tinham com relação ao general : “não creia nisto, em 1961, quando uma ligação telefônica caiu por engano no aparelho do então governador do Rio Grande, do outro lado da linha estava o general... Pude sentir na ocasião, disse-me o Brizola, a voz de autoridade e comando do outro lado da linha... Não era tão burro assim o general, agora promovido a marechal...”. Se bem que continuo achando, tantos anos depois, que o velho marechal era uma besta quadrada mesmo...

MD


sexta-feira, 26 de junho de 2015

O historicismo e a dinamica apocaliptica: Karl Popper e M.H. Simonsen - Eugenio Gudin (1973)

O historicismo e a dinâmica apocalíptica: Karl Popper e M.H. Simonsen

*Eugênio Gudin Filho, 7/12/1973


Ao tempo (no princípio do século) em que eu alisava os bancos da Escola Politécnica, havia dias tendências distintas pelas quais os estudantes de matemática e engenharia, de um lado, e os estudantes de direito, de outro, abordavam os problemas de ciências sociais. Os politécnicos só davam valor aos problemas passíveis de solução pela matemática (de que seu espírito estava imbuído), ao passo que os futuros bacharéis procuravam abordá-los pelos princípios jurídicos. Caso característico era (e talvez ainda seja) o da economia política. Os estudantes da Politécnica a tratavam com desdém pela ausência de métodos matemáticos (a que hoje se recorre como auxiliares ou como alternativas precisas e sintéticas da linguagem corrente), enquanto os futuros bacharéis se inclinavam para tratá-la como matéria paraliterária. 

Ambas as orientações eram deformativas: uma, porque as ciências sociais não são ciências exatas; outra, porque também não são paraliterárias.

Dos grupos de tendência matemática (econometria à parte) há os que, por deformação espiritual ou por carência de capacidade crítica, recorrem à extrapolação e à futurologia, como no caso do Hudson Institute.

Mas esses profetas do futuro só tinham como plataforma de partida os dados da história, sobre os quais extrapolavam usando funções, lineares ou homogêneas. Daí sua subordinação ao historicismo.

Eu tinha um amigo inglês que freqüentemente me dizia: “When things come back to normal” (quando as coisas voltarem à normalidade), a que eu retrucava que “as coisas nunca voltavam”; evoluem. A história não é repetitiva. E aí é que está a dificuldade de saber como e para onde evolui.

A crítica mais arrasadora que conheço do historicismo é o de Karl Popper na Pobreza do historicismo (título que parafraseia a Pobreza da filosofia, de Marx, o qual por sua vez ironizava a Filosofia da pobreza, de Proudhon).

Popper discerne bem a origem do historicismo no fato de que aqueles que vivem em um certo período da história inclinam-se erradamente a acreditar que as regularidades que observam em torno de si são leis sociais de caráter universal, válidas para todas as sociedades.

Sempre tive para mim que a regularidade dos ciclos de prosperidade e depressão é uma construction de l’esprit. Como também nunca confiei nos planejamentos quantitativos do futuro (que a Deus pertence) a que se dedicam economistas menos ocupados de um período econômico (ano, qüinqüênio, etc), fixando parâmetros de 10%, digamos, para a taxa de progressão do PNB, ou 12% para a taxa de inflação em 1973, ou o dia de São Sebastião para a inauguração da Ponte Rio - Niterói ou ainda o mês de setembro de 1971 (!) para a inauguração do horário de 5 horas (!) no percurso Rio -São Paulo da Central do Brasil...

Muitos devem ter sido os pecados que cometi quando Ministro da Fazenda. Mas asseguro que nenhum foi por falta de cumprimento de promessa, ou - melhor ainda – por ter prometido qualquer coisa. Sempre acreditei em procurar informar o público das intenções e dos planos gerais da administração. Nunca em prometer resultados quantitativos em prazos determinados.

Na Teoria do Crescimento Econômico, em vias de publicação, Mário Henrique Simonsen aborda de início, com extraordinária lucidez (o que para o autor é usual), a dinâmica apocalíptica pelo problema do determinismo histórico: “O prestígio desses modelos é psicologicamente compreensível: as angústias da humanidade provêm do desconhecimento do futuro, e as construções deterministas são as únicas que se propõem a revelar a evolução dos fatos sem a intromissão de condicionais. Um bom profeta deve possuir suficiente coragem de afirmar e isso recomenda que seus vaticínios sejam enquadrados numa moldura de determinismo histórico”.

Entre as construções econômicas de maior glamour cita o autor: a teoria clássica inglesa da evolução para o estado estacionário, a previsão marxista da derrocada do capitalismo por suas contradições internas, e a projeção estagnacionista da decadência do sistema pelas próprias condições da abundância.

A história foi suficientemente caprichosa, escreve Simonsen, para ir desmentindo, uma a uma, essas construções. Com a vantagem de terem provocado os cientistas sociais a descortinar a defesa contra os vaticínios catastróficos.

Nenhum dos construtores da dinâmica apocalíptica, como Malthus ou Marx, conseguiu até hoje acertar em suas previsões.

Nas páginas que se seguem desse primeiro capitulo vão-se sucessivamente esboroando, a golpes de racionalidade e de lucidez, os mitos da lei dos rendimentos decrescentes no caminha malthusiano para a miséria, a lei férrea dos salários conduzindo ao nível de subsistência, o determinismo histórico de Marx, a inexorabilidade da luta de classes, a famosa mais-valia, a ruptura violenta do sistema pela revolução do proletariado e por fim a tendência para a depressão que se inspira no modelo keynesiano.

Felizmente para a humanidade, remata Simonsen, os rendimentos decrescentes do fator trabalho e o desmoronamento do capitalismo foram contornados pela acumulação do capital e pelo progresso tecnológico.


*Eugênio Gudin Filho (Rio de Janeiro, 12 de julho de 1886 - Rio de Janeiro, 24 de outubro de 1986) foi um economista brasileiro, ministro da Fazenda entre setembro de 1954 e abril de 1955, durante o governo de Café Filho.

Formado em Engenharia Civil em 1905 pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, passou a interessar-se por Economia na década de 1920. Entre 1924 e 1926, publicou seus primeiros artigos sobre Economia em O Jornal, do Rio de Janeiro.

Em 1944, o então ministro da Educação, Gustavo Capanema, designou Gudin para redigir o Projeto de Lei que institucionalizou o curso de Economia no Brasil. Nesse mesmo ano, foi escolhido delegado brasileiro na Conferência Monetária Internacional, em Bretton Woods, nos Estados Unidos, que decidiu pela criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (Bird)

Durante os sete meses em que foi ministro da Fazenda (1954-1955), promoveu uma política de estabilização econômica baseada no corte das despesas públicas e na contenção da expansão monetária e do crédito, o que provocou a crise de setores da indústria. Sua passagem pela pasta foi marcada, ainda, pelo decreto da Instrução 113, da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), que facilitava os investimentos estrangeiros no país, e que seria largamente utilizada no governo de Juscelino Kubitschek. Foi por determinação sua também que o imposto de renda sobre os salários passou a ser descontado na fonte.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Claudio Shikida relembra Simonsen, que ja desmontava Prebisch no ato da embromacao...

Devo esta a uma postagem do meu amigo Claudio Shikida no seu sempre excelente blog De Gustibus non Est Disputandum.
Paulo Roberto de Almeida

Centro e periferia: ser ou não ser?

Publicado em 
“Foi mal, galera.”
Pois é. Centro ou periferia? Freud certamente estaria louco para faturar uma grana sobre alguns auto-denominados “economistas” da América Latina. Afinal, eles passaram a vida defendendo uma visão de mundo estática, embora acusassem seus inimigos de usar uma visão igualmente estática. Era um tal de falar em construção de uma teoria econômica própria, um tal de a solução é a industrialização, etc. Muita gente saiu às ruas e apanhou da polícia pensando nisto. Outros, mais espertos, convenceram alguns a apanharem nas ruas por suas idéias. Não importa.

O que importa é que havia uma verdade importante: nós éramos a periferia, eles eram o centro. Obviamente, os conceitos são vagos, mas com um excelente apelo emocional. Geralmente, teorias assim são muito mais populares do que as teorias científicas como explicou Simonsen:

O segredo dessas teorias reside na substituição da comunicação lógica pela comunicação mística: a sua lógica é amiúde tortuosa, mas cada teorema vem envolvido num jargão capaz de despertar ondas de associação de idéias que acabam moldando a esperança de que os problemas difíceis possam solucionar-se rapidamente por passes de mágica reformistas. [Simonsen, M.H. "O Pensamento Estruturalista", Brasil 2001, APEC, 1971, cap. III]

Pois é. Muito antes de McCloskey falar de retórica em economia, Simonsen, nosso economista que não era nem ortodoxo, nem heterodoxo, nem democrata, nem liberal, já chamava a atenção para o perigo da sedução da retórica.

“Foi mal gente: ele estava errado mesmo”.
Centro, periferia, centro, periferia: um problema freudiano?
Um dos problemas destas teorias fundamentadas em conceitos vagos é que a realidade vive lhe cobrando a coerência. Por exemplo:

Como é cruel a vida, não? A periferia não é um todo monolítico que luta contra o centro (outro todo monolítico). E não me venha com o papo de que a periferia, neste caso, está sendo usada pela grande conspiração do centro, comandado por Obama e um bando de judeus. A verdade é que a realidade é muito mais complicada do que acreditavam alguns estruturalistas (eles mesmos adoravam usar este mesmo argumento contra os economistas, mas nunca conseguiram escapar de sua própria armadilha retórica…).
O governo brasileiro, como se percebe, também adora explorar sua periferia, com protecionismo e tudo. Então, o binômio centro-periferia não é tão rígido assim. Qualquer país pode ser centro ou periferia: depende da situação (ou do discurso do político no poder). Logo, se o conceito não conceitua mais, o melhor é deixarmos ele no lugar certo: no lixo. Bem, se você não quiser jogar no lixo, jogue no cesto de recicláveis, mas faça isto pensando no entendimento da realidade, não no discurso político porque, para este pessoal, até a mãe é reciclável.
Na minha opinião, o arcabouço mais adequado para se entender o protecionismo do governo brasileiro é o da Escolha Pública ou da Nova Economia Institucional. Eu diria mais. Eu diria que ambas são agendas de pesquisa do grande pensamento econômico conhecido como mainstream (ou, seguindo a sugestão do Peter Boettke: mainline)