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sexta-feira, 12 de julho de 2019

Acordo Mercosul-EU: derrota para os antiglobalistas - Eliane Oliveira

Antiglobalistas do governo Bolsonaro sofreram derrota no acordo UE-Mercosul, apontam diplomatas


Ao assinar tratado, negociadores foram obrigados a aceitar cláusulas sobre direitos humanos, meio ambiente e leis trabalhistas que já haviam sido incluídas no tratado durante governo Temer.

Eliane Oliveira
O Globo, 11/07/2019

BRASÍLIA - O acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, anunciado há quase duas semanas, em Bruxelas, na Bélgica, trouxe a seguinte lição para a ala mais conservadora do governo: os tratados comerciais do século XXI incluem questões que vão além do comércio, como meio ambiente, direitos humanos e leis trabalhistas. Na avaliação de fontes da área diplomática, ao aceitar essas precondições para que o documento fosse finalmente assinado após duas décadas de negociações, o Brasil se rendeu ao globalismo tão combatido pela equipe do presidente Jair Bolsonaro . Esses temas já haviam sido negociados na gestão do ex-presidente Michel Temer e tiveram de ser mantidos.

A expressão globalismo é usada pelos movimentos de direita para se referir a instituições internacionais, como a própria ONU, que acusam de interferir na soberania dos países e tentar apagar as tradições nacionais. O governo atual mantém uma faceta " antiglobalista " ao rejeitar conceitos já consolidados em fóruns multilaterais em temas como aborto, mudança climática e gênero. Não há, contudo, resistência à globalização , que eles próprios enxergam apenas em seus aspectos econômico-comerciais.

Na avaliação de uma importante fonte do governo, a ala antiglobalista sofreu uma derrota, "por ter de concordar com tudo o que diz que é contra". Essa contradição, destacou essa fonte, vai ocorrer também na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o chamado "clube dos países ricos", no qual o Brasil é candidato a uma vaga. Tanto União Europeia quanto a OCDE e outros organismos adotam padrões e valores universais que não são "genuinamente nacionais".

Para o cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV)  Guilherme Casarões, há uma tentativa sistemática da "ala olavista" do governo —  os adeptos do ideólogo de direita Olavo de Carvalho —  em distinguir globalização de globalismo. Globalização teria a ver com os fluxos econômicos, geralmente pouco ou não regulados, enquanto o globalismo diria respeito à tentativa, eminentemente política, de se criar uma burocracia global que opere nos países como uma espécie de governo mundial, impondo padrões culturais e regulatórios que supostamente atentam contra a soberania nacional.

 —  Ao assinar o acordo Mercosul-UE , dirão os antiglobalistas que o que o Brasil fez foi ampliar nossa inserção dentro dos fluxos de globalização e nada mais. A contradição na fala deles é que a UE é frequentemente usada como exemplo dos malefícios do globalismo político. O próprio chanceler Ernesto Araújo, no famigerado texto "Trump e o Ocidente", publicado em 2017, refere-se à Europa como um "espaço culturalmente vazio regido por valores abstratos"  —  disse Casarões.

Na versão divulgada pelo Itamaraty, o acordo reforça o compromisso brasileiro em áreas como meio ambiente e desenvolvimento sustentável, "inclusive o Acordo de Paris e a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, com previsão de aportes dos países desenvolvidos para mitigação e adaptação, tendo em conta as necessidades dos países em desenvolvimento". Já o texto divulgado pelos europeus destaca a premissa de que o aumento do comércio não deve ocorrer às custas do meio ambiente ou das condições de trabalho. A UE cita explicitamente o trabalho infantil.

 —  O Brasil cedeu, ao assinar um acordo dentro das regras do sistema multilateral de comércio, com cláusulas ambientais e sociais. Se o país quer entrar para o Primeiro Mundo, precisa seguir as normas dos países desenvolvidos  —  afirmou Nelson Franco Jobim, professor da pós-graduação em relações internacionais das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha).

Franco Jobim acredita que este é "um dos aspectos positivos" do acordo, mas ressalta:

 — Vai contra o antiglobalismo do núcleo mais ideológico do governo. É uma vitória da globalização, do sistema multilateral de comércio e da ala mais pragmática do governo, que está empenhada numa abertura comercial para aumentar a competitividade da economia brasileira  —  completou.

Políticas não mudam, diz especialista
Carolina Pavese, especialista em União Europeia da PUC de Poços de Caldas (MG), não acredita que ter endossado um acordo com cláusulas sociais e ambientais vá levar o governo Bolsonaro a necessariamente mudar de posição nessas áreas. Segundo ela, esse tipo de exigência faz parte dos acordos assinados pela UE com outros parceiros internacionais, e é encarado como uma formalidade.

 —  Claro, com o atual governo certas agendas devem perder um pouco de fôlego, refletindo a orientação de política externa que se faz presente, mas a cooperação e a menção a certos temas é uma característica já presente na estrutura das relações Brasil-UE desde muito tempo. Seria difícil encrencar agora e arriscar perder tudo, insistindo em retirar essas cláusulas. Elas não têm poder vinculante no direito internacional. São apenas uma declaração de intenções, se assim o Brasil quiser  — disse ela.

segunda-feira, 10 de junho de 2019

Seminario sobre (anti)globalismo no Itamaraty - contribuicao Paulo Roberto de Almeida

Hoje ocorrerá um seminário sobre o globalismo (na verdade anti-globalista), conforme programa abaixo.
Eu já ofereci a minha contribuição, não solicitada, ao "debate" em questão (na verdade, não será um debate, mas uma exposição de uma única linha defensiva sobre unicórnios e sereias), como aqui referido:


3467. “O globalismo e seus descontentes: notas de um contrarianista”, Brasília, 21 maio 2019, 13 p. Notas sobre um fenômeno conspiratório de nosso tempo e sua aplicação ao caso brasileiro. Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/s/9eb7f275b5/o-globalismo-e-seus-descontentes-notas-de-um-contrarianista); blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/05/o-globalismo-e-seus-descontentes-notas.html); Facebook (link: https://www.facebook.com/paulobooks/posts/2469304759799626). Publicado no site NeoIluminismo (23/05/2019; link: https://neoiluminismo.com/2019/05/22/o-globalismo-e-seus-descontentes-notas-de-um-contrarianista-paulo-roberto-de-almeida/).

Divirtam-se.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 10 de junho de 2019

Seminário sobre Globalismo
Auditório Wladimir Murtinho - Itamaraty
10 de junho de 2019 – 10:00 horas
10:00-10:30 Abertura
Embaixador Ernesto Araújo, Ministro de Estado das Relações Exteriores
10:30-11:00 “Globalismo: teoria da conspiração ou fenômeno político observável?”
Filipe G. Martins, Assessor Especial para Assuntos Internacionais do Presidente da República
11:00-11:10 Intervalo
11:10-11:40 “Educação globalista e a proposta de secundarizar as instituições”
Christine Nogueira dos Reis Tonietto, Deputada Federal – PSL/RJ
11:40-12:10 “O ativismo judicial a serviço do globalismo”
Ludmila Lins Grilo, Juíza de Direito do Tribunal de Justiça de Minas Gerais
12:10-13:00
13:00-15:00
Debate
Intervalo
How globalism threatens national sovereignty,
15:00-15:45
self-determination, and individual liberty
Chris Buskirk, editor da revista American Greatness
15:45-16:15 “A evolução do globalismo”
Alexandre Costa, autor dos livros Introdução à Nova Ordem Mundial e O Brasil e a Nova Ordem Mundial
16:15-16:30 Intervalo
16:30-17:00 “Democracia, povo e representatividade na era do globalismo”
Flávio Morgenstern, escritor, analista político e editor do site Senso incomum – pensando contra a corrente
17:00-18:00 Debate


segunda-feira, 27 de maio de 2019

Globalismo e globobagens: seminario no Itamaraty promete - "especialistas" em antiglobalismo

O Ministério de Relações Exteriores realizará um evento em 10 de junho para discutir o globalismo, duramente criticado por representantes da ala olavista do governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL). Entre os debatedores, aparecem o chanceler Ernesto Araújo e o assessor para assuntos internacionais Filipe G. Martins, mais conhecido como Robespirralho.
A seguir, algumas pérolas desses entendidos em globalismo, na verdade antiglobalistas: 

"O globalismo é a globalização econômica que passou a ser pilotada pelo marxismo cultural". (...) "Essencialmente é um sistema anti-humano e anticristão. A fé em Cristo significa, hoje, lutar contra o globalismo, cujo objetivo último é romper a conexão entre Deus e o homem, tornado o homem escravo e Deus irrelevante." 

Ernesto Araujo, blog "Metapolitica 17: contra o globalismo"

Globalismo é a ideologia que preconiza a construção de um aparato burocrático — de alcance global, centralizador e pouco transparente — capaz de controlar, gerir e guiar os fluxos espontâneos da globalização de acordo com certos projetos de poder. 

Filipe G. Martins, 16 de nov de 2018

"A Nova política externa: 

1/O Brasil não deixará de exportar frango e soja, carne e açúcar, mas passará a exportar também esperança e liberdade. O fato de ser uma potência agrícola não nos proíbe de ter ideais e de lutar por eles. 
2/Nestes longos anos sem ideais e sem identidade, não fechamos nenhum acordo comercial relevante. Isso mostra que não é pela autonegação ou pela adesão automática aos cânones do globalismo que o Brasil conquistará mercados, mas pela autoconfiança e pelo trabalho." 
Ernesto Araújo ✔ @ernestofaraujo  · 21 de dez de 2018

"O globalismo quer destruir a nação para favorecer os interesses políticos de uma elite transnacional ou pós-nacional, para acorrentar o pensamento humano, para privar o homem da liberdade e do senso de propósito. Esse é o projeto contra o qual o Brasil está sendo chamado a lutar. 

Filipe G. Martins, 30 de dez de 2018

"O Brasil tem que se reposicionar no embate mundial entre soberanismo e globalismo, no qual está em jogo não só a existência da nação, mas também o legado civilizacional cristão-ocidental e a própria essência do homem em sua presença diante de si mesmo e do mistério existencial."

Filipe G. Martins, 30 de dez de 2018

"Do ponto de vista teórico-conceitual, a gente tem que classificar o globalismo como uma ideologia, como um projeto de poder, uma visão até um certo ponto utópica" que dilui "a força das nações"....

Filipe G. Martins, 30 de dez de 2018

"O globalismo se constitui no ódio, através das suas várias ramificações ideológicas e seus instrumentos contrários à nação, contrários à natureza humana e contrários ao próprio nascimento humano. Nação, natureza e nascimento, todos provêm da mesma raiz etimológica, e isso se dá porque possuem entre si uma conexão profunda. Aqueles que dizem que não existem homens e mulheres são os mesmos que pregam que os países não têm direito a guardar suas fronteiras," (...) "Nós vamos lutar para reverter o globalismo e empurrá-lo de volta ao seu ponto de partida."


Ernesto Araújo, discurso de posse as Relações Exteriores, 2/01/2019

"Trabalharemos com ele [Steve Bannon] para recuperar a soberania surrupiada pelas forças elitistas globalistas progressistas e expandir o nacionalismo para todos os cidadãos da América Latina."

Eduardo Bolsonaro, deputado federal, presidente da CREDN-CD

https://www.worldgovernmentsummit.org/ 

"Depois disto, quem continue chamando o globalismo de "teoria da conspiração" é evidentemente um pobre louco. Sua demência consiste em esforços desesperados para fingir que acredita em si próprio.
Olavo de Carvalho (@opropriolavo), 5 de mar de 2019

[Confundiu "cúpula mundial dos governos", com "cúpula do governo mundial"; recomenda-se um cursinho de inglês elementar para "o próprio Olavo"; PRA; eis o que pretende o summit: 

The World Government Summit is a global platform dedicated to shaping the future of governments worldwide. Each year, the Summit sets the agenda for the next generation of governments, focusing on how they can harness innovation and technology to solve universal challenges facing humanity.]


Pérolas extraídas por Paulo Roberto de Almeida da matéria seguinte: 
"O que é o globalismo, em debate pelo Itamaraty, segundo oito especialistas"
Fonte: https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2019/05/24/o-que-e-globalismo-que-sera-debatido-pelo-itamaraty.htm?fbclid=IwAR3O5oqH8duGgvFngXmYjExG2GGN4lqTbPllg6dKWxYhVDfpZTgqjG4qCak&cmpid=copiaecola

Addendum: 
O guru de todos eles, o Rasputin de subúrbio Olavo de Carvalho, tem muitas pérolas em sua própria dimensão, que não é obviamente a nossa. Como ele é extremamente respeitado por todos os personagens acima, especialmente pelo chanceler EA, que lhe deve reconhecidamente a sua designação ao Itamaraty, caberia citar algumas de suas pérolas, as que mais identificam-no em sua fase atual, a de anti-Einstein. Não tenho ainda declarações assertivas sobre a tal de "terra plana", mas estas pérolas dedicadas ao maior físico do século XX, merecem transcrição, pela crueza de suas palavras, emitidas em uma de suas aulas.

Segundo Olavo de Carvalho, Einstein teria sido "o maior plagiário do século XX, e "mais um gênio da picaretagem do que um gênio da física", cuja "fama é 100% imerecida". 

Pois são os admiradores dessa "gênio" da estupidez humana que falarão aos estudantes do Instituto Rio Branco, aos diplomatas do Itamaraty, aos convidados ao seminário a ser realizado em 10 de junho, falando, portanto, em nome do Brasil, ao Brasil e ao mundo.

Pergunto eu (PRA): quando deixaremos de sermos ridicularizados aos olhos do mundo?
Paulo Roberto de Almeida
São Paulo, 27 de maio de 2019

terça-feira, 21 de maio de 2019

O globalismo e seus descontentes: notas de um contrarianista - Paulo Roberto de Almeida


O globalismo e seus descontentes: notas de um contrarianista

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: debate público; finalidade: caráter didático e de esclarecimento geral]


1. Fixando os termos do debate: a contracorrente do pensamento único
Todo processo social, todo movimento econômico, toda tendência política, sendo o produto da ação consciente ou inconsciente, deliberada ou involuntária, de indivíduos, de grupos humanos ou de qualquer entidade organizada burocraticamente, despertam naturalmente a reação adversa dos mesmos entes ou personagens, quando os processos, movimentos ou tendências contrariam benefícios consolidados, situações estabelecidas, ganhos reais ou esperados ou quaisquer outras vantagens e privilégios existentes ex ante ou simultaneamente à percepção de uma ruptura do status quo. Trata-se de fenômeno secular, senão milenar, ou seja, forças sociais emergentes provocam, inevitavelmente, sua cota de descontentes, os seus frustrados, os seus órfãos, os seus perdedores. A revolução industrial produziu o seu quinhão de luddistas, os revoltados contra a modernização da tecelagem, com alguma destruição de teares mecânicos até que se conseguisse empregar os anacrônicos dos teares manuais nas fábricas movidas a caldeiras a vapor. A lâmpada elétrica deixou quase todos os fabricantes de velas sem crescimento da demanda e, logo, sem clientes de qualquer tipo. O automóvel aposentou cavalos, estrebarias, recolhedores de esterco nas cidades e vários outros servidores cavalares. O computador desempregou antigas datilógrafas e operadores de máquinas de calcular, presentes antigamente em quase todas as corporações e escritórios de governo. Vários outros exemplos poderiam ser citados, aliás indefinidamente.
Não foi diferente com a globalização, embora ela seja um fenômeno mais do que antiquíssimo, propriamente existente desde a pré-história, como já revelado no livro de Nayan Chanda: Bound Together: How Traders, Preachers, Adventurers, and Warriors Shaped Globalization (New Haven: Yale University Press, 2007). Mas, após décadas de alternativas antimercado, sob o socialismo real, a nova onda da globalização trouxe consigo certo número de perdedores, como resultado da nova divisão internacional do trabalho e da deslocalização de empresas e investimentos. Ela criou os descontentes da globalização, como já tinha alertado muitos anos atrás o economista indiano Jagdish Bhagwati: In Defense of Globalization (New York: Oxford University Press, 2004; edição brasileira: Em Defesa da Globalização: como a globalização está ajudando ricos e pobres (Rio de Janeiro: Elsevier-Campus, 2004).
Com o globalismo, ocorre o mesmo: assim como a expansão das economias de mercado, supostamente capitalistas (mas não se deve confundir as duas coisas, como poderia lembrar o historiador Fernand Braudel), produziu a sua cota de altermundialistas, mais conhecidos como antiglobalizadores, o monstro metafísico do globalismo também produziu o seu pequeno grupo de antiglobalistas, como é natural existir em qualquer fenômeno social, como já adiantado no primeiro parágrafo. Os antiglobalistas são algo assim como os luddistas da globalização, seres deslocados pelo multilateralismo contemporâneo, aspirando defender antigas concepções de tempos passados, o nacionalismo estreito do período pré-onusiano, o bilateralismo estrito dos antigos acordos de comércio e navegação, e que pretendem, parafraseando Marx, fazer rodar para trás a roda da História.
Os conceitos e argumentos acima já balizam o espírito sob o qual foi redigida esta nota sobre os inimigos do globalismo, que eu considero um exército brancaleônico de templários, que estaria mais à vontade no terreno mitológico dos unicórnios e das sereias, ou seja, seres bizarros que pretendem se contrapor às correntes de vento ou às marés dos oceanos. Não tenho nenhuma hesitação em revelar desde já meu julgamento sobre esse patético ajuntamento de novos cruzados, depois de já ter enfrentado as hostes mais caóticas de antiglobalizadores, como exemplificado em meu livro Globalizando: ensaios sobre a globalização e a antiglobalização (Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2011), pela simples razão que eu mesmo estou acostumado a nadar contra a corrente. A caução preliminar a ser introduzida aqui é a identificação de qual globalismo se está falando: a versão “paranoica” é a que se vai discutir aqui, se é que ela tem condições de persistir em um mundo aparentemente entregue a uma marcha irrefreável de conquistas científicas. Quanto ao globalismo “normal”, é propriamente patético constatar que se pretenda lutar, num ambiente diplomático, contra a essência fundamental do trabalho dos diplomatas, o ambiente natural de nosso ganha-pão diário.

2. Nota pessoal do ponto de vista de quem pratica ativamente o ceticismo sadio
Independentemente do tema, assunto, questão ou problema que se apresente em face de minhas aventuras intelectuais algo aleatórias, sou um praticante ativo, desde a adolescência pelo menos, daquela atitude que foi, pela primeira vez, sintetizada, por um professor de arqueologia ao grupo de estudantes de ginásio que o visitava na USP, pelo conceito de “ceticismo sadio”. Ele explicava a postura como sendo feita de indagações sucessivas ao objeto em exame, ou seja, questionamentos, perguntas, exame acurado das origens e dos fundamentos do problema com o qual se confronta um pesquisador qualquer, o que até parecia inadequado para um “arqueólogo”, sempre pautado pelas evidências da geologia, paleontologia e outras vertentes das ciências naturais. Nunca esqueci a lição, e sempre a cultivei, inclusive instruído desde muitos anos antes pelas leituras de Monteiro Lobato, pois resolvi ater-me à modesta racionalidade desta regra básica no trabalho intelectual: apresentado a qualquer proposição, tese ou argumento no terreno das ciências sociais aplicadas e das humanidades, busque os fundamentos, anote as evidências empíricas, questione os dados, aprofunde a pesquisa antes de aderir a qualquer proposta ou opinião que se lhe apresente, por mais “racionais” ou “evidentes” que possam parecer essas proposições oferecidas para o seu “consumo”.
Devo, entretanto, alertar que a minha atitude cética em face de questões que me são apresentadas não é doentia, ou sistematicamente aplicada a todos os problemas em análise; ela apenas se manifesta de forma racional (pelo menos espero) e de forma compatível com os dados da questão em exame. Continuei aprofundando e refinando o meu “ceticismo sadio” ao longo de toda uma vida dedicada aos estudos e pesquisas nos meus campos de interesse intelectual, que vão de uma ponta a outra das ciências humanas e sociais (inclusive ciências naturais, paleontologia, biologia e outras áreas afins ou vinculadas). Pois foi armado da mesma atitude cética que fui apresentado, não muito tempo atrás, ao tal de antiglobalismo, um movimento para a qual minha atenção foi despertada no contexto de uma diatribe involuntária mantida com o autoproclamado “filósofo” Olavo de Carvalho, a quem eu comecei a chamar de “sofista da Virgínia”, quando eu sequer desconfiava que existisse qualquer tipo de problema com a sua suposta base conceitual, o globalismo, que sempre considerei como uma espécie de equivalente ao processo bem mais conhecido da globalização (termo que os franceses rejeitam, por anglofobia visceral, preferindo o conceito de mundialização, e o seu contrário, o altermundialismo). Vou relatar brevemente como foi essa confrontação, antes de voltar a tratar do globalismo e do antiglobalismo.
No segundo semestre de 2017 – tendo já concedido uma entrevista individual, um ano antes, sobre política externa e economia do Brasil a um novo grupo de mídia – fui solicitado pelo mesmo grupo, Brasil Paralelo, a conceder uma nova entrevista, via hangout, para um programa especial, desta vez sobre o processo de globalização e o conceito de globalismo. Concordei, uma vez que costumo atender essas demandas de caráter didático, colocando minhas pesquisas acadêmicas e minha experiência de vida a serviço de um círculo maior de interessados, e para tal preparei algumas notas, seguindo um roteiro feito pelos organizadores. Essas notas sumárias – “Globalismo e globalização: os bastidores do mundo”, disponíveis no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/12/globalizacao-e-globalismo-como.html) – foram divulgadas no próprio dia da “entrevista”, que afinal revelou-se um “diálogo” com aquele a quem passei a chamar de “Rasputin de subúrbio”: Academia.edu (link: https://www.academia.edu/39178804/Globalismo_e_globalizacao_os_bastidores_do_mundo). No seguimento do “diálogo”, o dito sofista entendeu ser seu dever ofender-me sob diversos epítetos, no que foi seguido por uma horda de seguidores fanáticos, com aqueles impropérios escatológicos que também se tornaram doravante marca registrada do próprio guru da seita, e por ele aplicados a diversos militares do governo Bolsonaro.
Num sentido inverso ao de Buffon, meu “debate” involuntário com Olavo de Carvalho demonstrou como o “estilo faz o homem”, uma vez que ele ocupou-se de me ofender em seus canais próprios, sempre endossado pelos fundamentalistas de uma nova crença: o fantasma do globalismo, com registrei em nova postagem no Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2018/01/olavo-de-carvalho-o-estilo-faz-o-homem.html). Já enfastiado por esse entrevero surrealista e inútil, dei por encerrado esse exercício desprovido de qualquer charme e interesse num “dossiê” por meio do qual disponibilizei o conjunto dos materiais relativos ao assunto, disposto a não mais voltar ao tema: “Dossiê Globalismo: Brasil Paralelo e seu seguimento”, Academia.edu (http://www.academia.edu/35667769/Dossi%C3%AA_Globalismo_Brasil_Paralelo_e_seu_seguimento). Mas, admito, o assunto é tão aborrecido que não merece atenção.

3. Globalização real e globalismo surreal: da física à metafísica
Venho agora ao objeto principal deste texto: o globalismo e os “anti”. Não creio ser necessário discutir qualquer aspecto real – inclusive porque ele não existe – do chamado “globalismo”, em vários trabalhos considerado um sinônimo virtual do processo de globalização, este sim abundantemente mapeado na literatura acadêmica e jornalística. Na verdade, o globalismo é geralmente considerado nas diatribes dos “anti” como um tipo particular de globalização, aquela produzida sorrateiramente nas fímbrias da governança global e que se destina, na concepção dessa tribo, a retirar soberania dos Estados nacionais e atribuir toda a potestade a uma “ordem global” dotada de características algo similares aos grandes organismos multilaterais da atualidade, dentre eles a ONU. Não é possível discutir aqui o tema da globalização, mas permito-me uma referência a pequeno texto meu, no qual faço uma distinção entre a globalização real, de nível “micro”, e sua vertente “macro”: “Globalização micro e macro: o que é isso?” (blog Diplomatizzando: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2018/01/globalizacao-economica-e-globalizacao.html).
A primeira forma, de caráter individual ou empresarial, considero a verdadeira globalização: impessoal, irrefreável, não administrada por qualquer poder ou Estado organizado, já que correspondendo justamente ao que Adam Smith chamou de “mão invisível”, o trabalho empreendido pelos agentes econômicos diretos visando objetivos privados absolutamente egoístas, mas não coordenados entre si. A segunda forma não deveria, normalmente, corresponder ao conceito de globalização, uma vez que comporta a ação de Estados e de organismos internacionais com vistas a ordenar e controlar esse processo, não administrável por nenhuma força identificada com um objetivo pré-determinado, embora se acredite que ele possa ser objeto de normas e regulamentos instituídos por burocratas nacionais ou internacionais; ou seja, se poderia classificar a forma “macro” da globalização como um esforço de antiglobalização, ou pelo menos de contenção, esforços de controle, por parte de “planejadores sociais” dos efeitos mais evidentes – alguns nefastos para certas categorias sociais – desse processo irrefreável.
Vejamos agora o conceito de “globalismo”, que é praticamente, como já dito, um sinônimo de globalização. Contudo, aos olhos de certos adeptos das teorias da conspiração, ele assume um sentido ideológico, uma vez que costuma despertar reações de cunho soberanista ou nacionalista, que é aquilo eu costumo chamar de “metafísica do antiglobalismo”. Tanto a esquerda quanto a direita alimentaram suas versões respectivas do antiglobalismo. Na visão da esquerda, mais identificada com os franceses de um conhecido movimento anti ou altermundialista, a globalização (ou mundialização) só trouxe desgraças ao mundo: pobreza, desigualdade social, destruição da natureza e dos recursos da biodiversidade, discriminação racial e de gênero, reforço dos “poderes do grande capital” contra os interesses dos trabalhadores (argumento mais utilizado nas denúncias dos sindicatos de países avançados contra a “deslocalização”, ou seja, os investimentos diretos em países periféricos, de baixos salários), enfim um conjunto de efeitos negativos que precisam ser ativamente combatidos pelos movimentos sociais. Estes de fato tentaram, durante vários anos, nas manifestações ruidosas dos anos 1990 e 2000, contra as reuniões das organizações de Bretton Woods (FMI e Banco Mundial), contra as rodadas de negociações do GATT e contra a própria OMC, contra as reuniões do G7, G8, G20 e todas as cúpulas supostamente identificadas com o “capitalismo global”, como as reuniões empresariais anuais do World Economic Forum (em Davos, na Suíça), mas também nos inúmeros convescotes ruidosos reunidos sob a égide do Fórum Social Mundial (um contraponto ao Fórum de Davos), realizados durante vários anos em capitais teoricamente identificadas com suas teses “progressistas” e “por um outro mundo possível”; Porto Alegre (durante muitos anos dominada por governos do PT), Caracas durante a presidência de Hugo Chávez, e outras capitais “alternativas” serviram de cenário para esses convescotes barulhentos, mas pouco efetivos, tanto no plano doutrinal, quando no que se refere a recomendações práticas para governos.
Como as piores desgraças da globalização não se manifestaram de forma tão evidente quanto o pretendido pelos adeptos do altermundialismo – e como, ao contrário, diversos países da periferia, especialmente na Ásia Pacífico, progrediram de modo espetacular, arrancando milhões de pessoas de uma miséria ancestral para leva-las a uma situação de pobreza aceitável, e até de moderada prosperidade –, esse movimento foi perdendo força, de modo que o antiglobalismo de esquerda deixou de ter aquele charme muito pouco discreto que ele exibia nos anos 1990 e 2000, para se prolongar apenas em pequenos núcleos de irredutíveis anticapitalistas, mais evidentes na academia do que nos movimentos políticos reais.
O que mais contribuiu para provar o fracasso prático dos antiglobalizadores – objeto de muitos artigos meus e até de um livro já referido Globalizando: ensaios sobre a globalização e a antiglobalização, reunindo o essencial do que escrevi sobre eles – e a consequente progressiva perda de influência desses “anti” de esquerda nos tempos mais recentes? Algo muito evidente: o mundo deixou de ser caracterizado pela “Grande Divergência” – o processo de aumento das disparidades de renda entre países avançados e economias periféricas, grosso modo entre a segunda revolução industrial e os anos 1980 do século XX – para adentrar no que parece ser uma “Convergência Parcial”, pelo menos envolvendo aqueles países e regiões que se inseriram de modo mais assertivo no processo de globalização capitalista. A diminuição das desigualdades entre os países não impediu, porém, um aumento (temporário?) das desigualdades dentro dos países, o que abriu uma janela de oportunidade para um economista socialista (francês, of course) que pretendeu navegar sobre glórias passadas de Karl Marx: o magnum opus de Thomas Piketty, O Capital no Século XXI, opera um mau diagnóstico sobre as origens da nova concentração de renda (considerada em sua forma unicamente financeira) e prescrições ainda piores para a superação dessa desigualdade, pela taxação dos ricos obviamente.
Estudos econométricos de um outro economista, o catalão Xavier Sala-i-Martin, professor na Columbia University, demonstraram amplamente que a desigualdade – evidente em diversos indicadores de distribuição de renda, especialmente no coeficiente de Gini – diminuiu sensivelmente a partir da terceira “onda” da globalização a partir dos anos 1980, que corresponde aproximadamente à volta da China à divisão mundial do trabalho com as reformas de Deng Xiaoping, seguida pouco depois por igual adesão por parte da Índia aos princípios mais elementares da economia de mercado, da qual ela se tinha afastado desde seu entusiasmo pelo planejamento estatal ainda nos anos 1950. A implosão final da União Soviética, em 1991, e a transição de praticamente todos os países socialistas ao velho e duro capitalismo de modo mais ou menos rápido terminou por encerrar o culto beato que mantinham acadêmicos e sindicalistas ao estatismo e à “soberania econômica nacional”, inclusive porque a volta à prosperidade de alguns desses países congelados na estagnação socialista foi real e espetacular (sobretudo na Europa).
Na América Latina, sempre alimentada por velhas teorias e doutrinas ditas “desenvolvimentistas” com muita influência nas academias e, portanto, entre as elites econômicas igualmente, os resultados foram bastante contraditórios, inclusive porque o fracasso da “década perdida” (a crise da dívida externa nos anos 1980) não foi seguido por reformas realmente profundas na maior parte dos países. Poucos dentre eles aderiram ao novo “cânone” liberal, supostamente simbolizado na regras do “Consenso de Washington”, de modo que a conversão a economias livres de mercado foi apenas parcial – em parte no México, moderadamente na Colômbia, mais decisivamente no Chile, e tardiamente no Peru –, ao passo que grandes economias, como Argentina, Brasil e também a Venezuela, experimentaram um pouco de “neoliberalismo”, mas tornaram a recorrer a velhas receitas do estatismo e do populismo econômico, mais uma vez guiadas por demagogos de esquerda (os Kirchner, na Argentina; Lula, no Brasil; Hugo Chávez na Venezuela). De forma não surpreendente, aqueles quatro países da franja do Pacífico se engajaram mais resolutamente na globalização, e passaram a experimentar taxas de crescimento mais robustas, ao passo que os demais estagnavam, quando não recuavam no caminho da prosperidade e da inserção na economia global.

4. Do lado da direita: todo globalismo será castigado, mesmo sem doutrina
Tudo indica, portanto, que o antiglobalismo de esquerda perdeu relevância, mantendo-se apenas em poucos nichos acadêmicos, eventualmente influentes em alguns movimentos políticos e sociais, mas desprovidos de maiores evidências capazes de sustentar uma nova escalada ascensional ao poder, como talvez tenha sido o caso localmente em certos países. Abriu-se então uma janela de oportunidade para o antiglobalismo de direita, de certa forma alimentado pelo efeitos da globalização em países avançados, nos quais as velhas indústrias da segunda revolução industrial deixaram de representar parte relevante do PIB, para abrir espaço às novas economias de serviço, apoiadas bem mais no oferecimento de bens intangíveis do que na produção de manufaturados (que foi deslocada para os países periféricos, ou “emergentes”, em grande parte na Ásia). Ao mesmo tempo, o fracasso econômico de algumas grandes regiões, assoladas por guerras civis, como na África e no Oriente Médio, ou pelo velho populismo como na América Latina, realimentou novos fluxos migratórios, alguns espetaculares, como resultado de guerras prolongadas e afundamento econômico em Estados falidos. O fato desses novos imigrantes acudirem aos borbotões e de forma frequentemente ilegal às portas de países avançados da Europa e da América do Norte despertou – ao lado de alguns ataques espetaculares de terroristas islâmicos no próprio coração dessas velhas metrópoles coloniais, ou imperialistas –, como seria de se esperar, reações xenófobas, e até racistas, por parte das populações brancas, cristãs, e relativamente afluentes nesses países. O fato de que a ONU e suas agências especializadas tendem a assumir uma postura política tendencialmente favorável ao fenômeno migratório, e pragmaticamente assistencialista no tocante ao acolhimento de refugiados econômicos e de catástrofes humanitárias, também contribuiu para a formação de uma reação negativa, por parte das populações dos países “assediados”, o que alimentou o crescimento e o reforço político de partidos e movimentos de direita, excludentes por definição, nacionalistas em sua essência, e manifestamente “antiglobalistas” no que tange à expansão contínua do multilateralismo ao longo dos primeiros setenta anos da ONU e seus órgãos assessórios.
Não existe uma “doutrina” unificada do antiglobalismo, pela simples razão de que as situações nacionais são substancialmente diversas, tanto em termos de “pressões” advindas de fluxos migratórios “não-cristãos”, quanto como resultado de trajetórias políticas nacionais bastante diferentes entre si, mesmo numa Europa supostamente “comunitária”, exibindo algumas políticas comuns de “segurança” ou de política externa, como o “espaço Schengen”, por exemplo, compreendendo, em teoria, 26 dos 28 países membros da União Europeia. Nos Estados Unidos, já pressionados por algumas dezenas de milhões de imigrantes ilegais, a maior parte latino-americanos, a situação política também se modificou sensivelmente a partir da eleição de Donald Trump, e sua assunção à presidência em janeiro de 2017; deliberadamente contrário às políticas de imigração já relativamente restritivas da administração anterior, o novo presidente começou uma ofensiva anti-imigratória simbolizada na construção de um muro na fronteira com o México, até o momento ainda não materializado por inteiro.
No plano mais global das ideias políticas é certo que o multilateralismo, em vigor durante mais de meio século sob a égide da ONU, e dos grandes empreendimentos comunitários ao estilo da EU, encontram-se temporariamente sob os ataques dos novos movimentos de direita, com seus diversos componentes políticos, étnicos, religiosos e culturais, que assumiram algum poder em diversos desses países “assediados”, com a perspectiva de que alguma associação mais flexível entre esses diversos movimentos se manifeste de forma mais ruidosa no plano político-eleitoral, sobretudo na Europa. Os casos mais evidentes se referem à Itália, à Hungria e à Polônia, não por acaso sob a vigilância das instâncias comunitárias que examinam atentamente a evolução de suas políticas nacionais nos terrenos da democracia política, das liberdades de expressão e do respeito aos direitos humanos. Talvez também não por acaso são os países escolhidos como novos “aliados políticos” do novo governo brasileiro, assumidamente de direita e partidário de uma pouco explicada adesão a valores “judaico-cristãos” que estavam, pelo menos aparentemente, esquecidos nas últimas décadas em nosso país.

5. Teorias conspiratórias sobre o globalismo: déjà vu, all over again
Mais até que no âmbito das políticas nacionais em matéria educacional ou de direitos humanos – que praticamente não existem ou são suficientemente confusas para desafiar qualquer interpretação a respeito –, é no âmbito da política externa que se tem manifestado a mais espetacular inversão de tendências das últimas décadas, ou, mais exatamente, desde sempre, ao se ter evidências fáticas, ainda que igualmente confusas, sobre o antiglobalismo notório da nova administração diplomática brasileira. Ela está a cargo de um funcionário pouco experiente no exercício de funções de alta chefia, muito devotado às ideias da “nova direita” europeia – na verdade, de extrema direita –, e especialmente submisso aos eflúvios antiglobalistas expelidos pelo já referido “sofista da Virgínia”, que não possui nenhum discurso articulado sobre o fenômeno.
Ainda que Olavo de Carvalho não possua nenhum estudo academicamente respeitável sobre o pretenso fenômeno do globalismo, não há dúvida de que ele está na origem da formação de um pequeno grupo de discípulos, organizados em forma de seita antiglobalista, seguidores de suas diatribes – na verdade, reproduzindo tendências já presentes na nova direita americana – contra a globalização e o suposto globalismo. De fato, sem produzir qualquer conhecimento original, na completa ausência de pesquisas baseadas em fontes credíveis, ele vocaliza suspeitas há muito disseminadas em certos meios esotéricos, e as transmite a seus “discípulos” propensos a acreditar na ação obscura de determinados grupos supostamente influentes na sociedade. Completamente desprovidos de fundamentação empírica, reproduzindo verdadeiros absurdos do ponto de vista da história econômica, os poucos escritos e afirmações esparsas de Olavo de Carvalho a propósito desse globalismo fantasmagórico não apresenta nenhum dos requerimentos básicos para eventual submissão a algum journal peer-reviewed.
Sua reação epidérmica, próxima da indigência sub-intelectual, se parece muito com as teorias conspiratórias de alguns grupos, eventualmente conectados em rede, já detectados em algumas obras de especialistas acadêmicos, dentre eles o historiador escocês (radicado nos EUA), Niall Ferguson, em especial em um livro recente: The Square and the Tower: Networks and Power, from the Freemasons to Facebook (Londres: Penguin Books, 2018), aqui transcrito:
A suspeita cresce [entre os deslocados do mercado de trabalho] de que o mundo é controlado por redes poderosas e exclusivas: os banqueiros, o Establishment, o Sistema, os Judeus, os Maçons, os Illuminati. Quase tudo o que se escreve nessa linha é lixo. Mas seria improvável que as teorias da conspiração fossem tão persistentes se redes desse tipo não existissem.
O problema com os teóricos da conspiração é que, como deslocados ressentidos, eles invariavelmente não compreendem e deformam os meios pelos quais as redes operam. Em especial, eles tendem a acreditar que redes de elites controlam, disfarçadamente, mas facilmente, as estruturas formais de poder. Minha pesquisa – assim como minha experiência – sugere que esse não é o caso. Ao contrário, redes informais frequentemente exibem uma relação altamente ambivalente com respeito às instituições estabelecidas, e em muitos casos mesmo uma relação hostil. (tradução livre do prefácio: “O historiador em rede”)

Mas, o historiador britânico também alerta logo em seguida: “Frequentemente, grandes mudanças na história são o resultado de grupos informalmente organizados de pessoas, parcamente documentados.” Ele também indica, imediatamente, dois nos quais é formalmente envolvido, o World Economic Forum e encontros do grupo Bilderberg, este último frequentemente citado nas diatribes antiglobalistas de Olavo de Carvalho. A despeito de pertencer a muitos outros grupos e redes, na Grã-Bretanha e nos EUA, Niall Ferguson confessa candidamente que não tem “quase nenhum poder” (idem). No entanto, alguns dos exemplos examinados em seu livro chegaram a ter essa ilusão de conseguir mudar o mundo, começando, no século XVIII, pela Illuminatenorden, a Ordem dos Iluminados, na qual circularam intelectuais como Goethe e Herder. Seu fundador a chamava de Liga dos Perfeitabilistas – Bund der Perfektibilisten –, cujo objetivo era assegurar a “vitória da virtude e da sabedoria sobre a estupidez e a malícia” (Cap. 1: “The Mystery of the Illuminati”). Alcançando os Estados Unidos depois da revolução francesa, os Illuminati podem ter estado na origem do “estilo paranoico na política americana”, segundo o historiador Richard Hofstader; eles também teriam tido um papel na fundação da John Birch Society, a mais anticomunista das associações políticas americanas, assim como certa influência na obra do maior conservador cristão do país, Pat Robertson, autor do livro New World Order (1991), uma das possíveis bases do pensamento antiglobalista de Olavo de Carvalho.
Em meu debate involuntário com Olavo de Carvalho fui “presenteado” com a descrição completa do “alto comando” que, segundo essa teoria conspiratória, manda soberanamente nos destinos do mundo, já tendo colocado na teia do globalismo as mais influentes associações e os mais ricos magnatas cooptados para esse projeto sinistro. Ele me citou os Bilderbergers, os Rockefellers e os Rothschilds, além da Fabian Society e uma cesta inteira de think tanks e ONGs, todos eles engajados na consolidação da Ordem Global, inclusive por meio da ONU. Niall Ferguson resume de forma magnífica essa “teoria da conspiração” numa das passagens mais representativas de seu livro – sobre as redes que circulam em volta do poder –, ilustrando aliás seus parágrafos sobre a coalizão dos Illuminati contemporâneos com um quadro apropriado, que já reproduzimos abaixo, seguido de seu texto-síntese sobre a “conspiração para dominar o mundo”:


Um painel bastante representativo descreve os Illuminati como uma ‘elite super rica do Poder com a ambição de criar uma sociedade escrava’:
Os Illuminati possuem todos os bancos internacionais, as companhias de petróleo, as mais poderosas empresas da indústria e do comércio, eles se infiltram na política e na educação e eles dominam quase todos os governos – ou pelo menos controlam-nos. Eles possuem até mesmo Hollywood e a indústria da música... [O]s Illuminati comandam também a indústria do comércio de drogas... Os principais candidatos à Presidência são cuidadosamente escolhidos dentre as linhas ocultas de sangue de treze famílias de Illuminati... O maior objetivo é o de criar um Governo Único Mundial, com seus membros no topo para dominar o mundo na direção da escravidão e da ditadura... Eles querem criar uma ‘ameaça externa’, uma falsa Invasão Extraterrestre [a fake Alien Invasion], de forma a que os países deste mundo se declarem dispostos a se unir num Único.
A versão padrão da teoria da conspiração vincula aos Illuminati a família Rothschild, a Távola Redonda, o Grupo Bilderberg e a Comissão Trilateral – sem esquecer o administrador de fundos de risco, doador político e filantropista George Soros. (Cp. 1 de Ferguson, ““The Mystery of the Illuminati”, in: The Square and the Tower, p. 3)

6. A contrafação dos neo-Illuminati no Brasil: globalismo, climatismo, marxismo
Aqueles dispostos a assistir à “entrevista-diálogo” que mantive com Olavo de Carvalho em dezembro de 2017 ouvirão de sua própria voz as mesmas referências a esse sinistro projeto conspiratório globalista, com o desfilar nominativo daqueles mesmos personagens suspeitos de financiar dezenas de organizações – inclusive várias de esquerda, uma vez que se sabe que Soros é um “homem de esquerda” – com a meta de instaurar um governo mundial. O representante en titre do antiglobalismo no Brasil se exerce com toda a sua arrogância autosapiente neste vídeo gravado pela equipe do Brasil Paralelo, disponível no Canal YouTube (link: https://youtu.be/6Q_Amtnq34g).
Segundo os neo-Illuminati e seus representantes no Brasil qualquer projeto que tenda a retirar poderes dos Estados soberanos para colocá-los nas mãos de burocratas não eleitos está irremediavelmente contaminado pela ideia globalista, e deve, portanto, ser rejeitado in limine.  Encontra-se nessa situação, obviamente, o projeto comunitário da União Europeia, aliás desde sua origem no Tratado de Paris (1951) e nos tratados de Roma de 1957 e todas as suas derivações posteriores, até o de Maastricht, que criou a União Europeia em 1993, e que inclusive tentou instituir uma espécie de “governo central”, com presidente e constituição escrita. Para ser fiel a esse credo soberanista, os novos responsáveis pela política externa do Brasil deveriam, presumivelmente, recusar não só o acordo de liberalização comercial Mercosul-União Europeia, como o próprio princípio do Mercosul, cujo tratado constitutivo – assinado em Assunção, em 1991 – prevê o coroamento do atual processo de consolidação da união aduaneira por meio de um mercado comum, como no precedente europeu de 1957. O nome oficial do bloco, aliás, é “Mercado Comum do Sul”, aparentemente uma insustentável renúncia de soberania, na visão dos antiglobalistas.
O fato de que todo e qualquer tratado internacional, seja ele bilateral, regional ou multilateral, implique necessariamente uma renúncia de soberania por parte dos Estados signatários – no sentido em que eles concordam em fazer e deixar de fazer certas coisas de comum acordo, se comprometendo, portanto, a não aplicar medidas unilaterais nas áreas cobertas pelo tratado – deveria fazer com que os antiglobalistas convictos recusem a essência mesma da diplomacia, que é justamente a arte de estabelecer convivência e cooperação entre Estados, num exercício de autolimitação de seus poderes soberanos. O extremo nacionalismo, como já observado em algumas trajetórias históricas, termina por resultar na autarquia, isto é, a tentativa de se libertar de qualquer dependência com respeito a fornecedores estrangeiros, amigos ou inimigos. Exemplos conhecidos na era moderna compreendem a União Soviética – “socialismo num só país” –, a economia nazista na Alemanha sob Hitler e o próprio Brasil, em diversos períodos sob dominação militar (na era Vargas e sob a ditadura militar, 1964-85), quando também se praticou uma espécie de “stalinismo industrial”, com indústrias verticalmente integradas e basicamente dedicadas a se abastecer e a fornecer produtos para o mercado interno.
Os principais inimigos dos antiglobalistas brasileiros são, sem qualquer ordem pré-determinada, os adeptos do marxismo cultural, do aquecimento global (chamado de climatismo), do comercialismo (ou seja, o comércio sem alma), do multilateralismo, do universalismo e, evidentemente, do globalismo. Todos eles passaram a ser combatidos, em nome da pureza na adesão ao novo credo oficial, muito próximo das mesmas posturas já exibidas pela nova direita europeia e pelo presidente Trump, objeto dos maiores elogios do novo chanceler ao ser considerado o “salvador do Ocidente”, em especial em sua vertente “judaico-cristã”. Ao lado dessas ameaças, persistem diversos outros equívocos teorizados especialmente para o caso do Itamaraty pelo encarregado da diplomacia bolsonarista: o nominalismo, o tematismo, o isolamento do Itamaraty da sociedade brasileira e das demais políticas públicas, e uma suposta indiferença dos diplomatas no tocante aos valores profundos do povo brasileiro, que seria conservador por excelência e, ipso facto, partidário de todas essas posturas quase que naturalmente.
Trata-se de uma agenda demolidora, stricto et lato sensi, pois para colocar o Itamaraty no mesmo diapasão que vigorou no Império até a gestão do Barão do Rio Branco – uma vez que todo o período posterior, até o governo Bolsonaro, é considerado um desvio em relação aos verdadeiros valores da sociedade brasileira –, é preciso desmantelar, literalmente, os padrões culturais e ideológicos seguidos durante esse largo período intermediário, quando a política externa e a diplomacia distanciaram-se da real identidade do povo brasileiro, praticando o terceiro-mundismo, o antiamericanismo e o anti-ocidentalismo.
Suprema ironia: todo esse combate contra as más ideias – de fato, a destruição da inteligência no Itamaraty – tem como justificativa a luta contra as ideologias. Soit!

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 21 de maio de 2019