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sábado, 1 de abril de 2023

O Estadão não gostou do arcabouço: Editorial

 Licença para gastar

Do que foi revelado, a proposta de ancora fiscal do governo não tem uma única medida concreta para rever gastos e aposta em aumento irreal de receitas. Já se sabe onde isso vai dar. 

O Estado de São Paulo – Editorial – 1º de abril de 2023

         O governo de Lula da Silva demorou, mas apresentou sua proposta de arcabouço fiscal. O mecanismo, segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vai fixar o crescimento das despesas a 70% do avanço das receitas. Em paralelo, os gastos terão um piso e um teto, que garantirão a eles um aumento real de 0,6% a 2,5% acima da inflação. Esse plano, de acordo com o governo, seria capaz de reduzir o déficit primário a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, zerá-lo em 2024 e gerar um superávit em 2025 e 2026.

                   Após a euforia inicial gerada pelo anúncio, economistas começaram a se ater aos números e detalhes da proposta. A primeira dúvida diz respeito ao rombo para este ano. Na semana passada, na divulgação do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do primeiro bimestre, o Ministério da Fazenda havia reduzido a estimativa de déficit primário de R$ 228,1 bilhões, o equivalente a 2,1% do PIB, para R$ 107,6 bilhões, ou 1% do PIB.

 

         O que fez com que o governo cortasse a projeção do rombo de 1% para 0,5% do PIB passados apenas oito dias permanece uma incógnita. Tudo indica, no entanto, que essa mudança teria relação com um outro pacote, ainda a ser apresentado, cujo objetivo é rever parte dos subsídios e renúncias tributárias e onerar setores que hoje não recolhem impostos, como o de apostas eletrônicas. Esse plano elevaria a arrecadação federal em R$ 100 bilhões a R$ 150 bilhões.

         Assumir essa projeção de aumento de receitas como um fato concreto é de um otimismo que beira a ingenuidade, considerando a articulação que esses grupos de interesse conquistaram no Congresso. Mas o problema é que esse aspecto resume a essência da proposta do arcabouço fiscal do governo, que aposta num crescimento irreal de receitas e não propõe uma única medida concreta para rever os gastos estruturais da União. Ao contrário: se há algo que esse mecanismo assegura é que as despesas cresçam ano a ano e sempre acima da inflação, o que é suficiente para colocar em xeque qualquer previsão de superávit primário.

         Há outros detalhes questionáveis a respeito das bases do novo arcabouço fiscal e que o enfraquecem já de saída. A regra não atinge os fundos que bancam o piso salarial dos professores e da enfermagem, bem como mantém os mínimos constitucionais estabelecidos para saúde e educação, independentemente das reais necessidades das áreas e do recorrente empoçamento de recursos orçamentários que esses setores registram ano a ano. Da mesma forma, os investimentos estão fora do escopo da âncora. O patamar atual, de R$ 70 bilhões a R$ 75 bilhões, será mantido e corrigido pela inflação mesmo que as receitas sejam frustradas, mas poderá ser ampliado, de maneira extraordinária, caso a arrecadação supere as projeções do governo.

         Na entrevista em que a proposta foi detalhada, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, ao defender a flexibilidade do arcabouço, criticou a rigidez do teto de gastos e as recorrentes emendas constitucionais aprovadas para alterá-lo. Mas, na ânsia de elaborar algo exequível, o governo perdeu a mão. Se houver superávit primário no fim do mandato de Lula, a única forma de atingi-lo sem reformas que revisem os gastos obrigatórios será pela elevação de uma carga tributária já bastante alta. Do contrário, essas despesas serão financiadas da mesma forma como têm sido arcadas nos últimos anos, via endividamento – o que retroalimenta a inflação e exige o aumento da taxa básica de juros.

         A nova regra, segundo Ceron, permitirá ao governo fazer escolhas. Se é assim, a primeira escolha parece muito clara: . Foi exatamente a prática adotada pela administração de Dilma Rousseff, que levou o País a uma recessão cujos efeitos ainda não foram completamente superados. A opção por um Estado eficiente foi mais uma vez descartada. E, se mesmo um arcabouço frouxo como este foi alvejado pela ala política do governo e por lideranças e parlamentares petistas, é o caso de o País começar a se preocupar.

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Comentário de Tomas Guggenheim:

 O Estadão não gostou do "arcabouço". O resumo do resumo estaria na frase "assegurar condições para que todo e qualquer gasto possa ser realizado". Ainda é um tanto prematuro julgar as intenções do governo, mas se o Estadão estiver certo, a gastança (se possível com pouca inflação), bem mais do que a redistribuição de renda (que sempre encontra muita resistência), seria um atalho (ou uma avenida) para a permanência indefinida no controle do aparelho estatal, com o argumento para (os apoiadores) de que, excluindo dele os inimigos dos necessitados/excluidos, entreguistas, privatizadores, o "mercado", etc, com pouco mais o país acabará por se desenvolver inevitavelmente. ”