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terça-feira, 10 de julho de 2018

Luta Armada no regime militar: testemunho pessoal de Paulo Roberto de Almeida

Hi Paulo Roberto, 
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segunda-feira, 9 de julho de 2018

Minha utopia pessoal: o que poderia ser um governo de recuperação no Brasil? -Paulo Roberto de Almeida

De vez em quando eu me pego sonhando, como por exemplo ao retornar de Portugal no último dia 2 de julho, uma semana atrás, portanto. Em Portugal encontrei um país recuperado da enorme crise vivenciada alguns anos atrás, recebendo milhões de turistas, mas basicamente comprometido com sólidos princípios econômicos, que não são mais os da austeridade dos ajustes necessários, mas tampouco são os da irresponsabilidade habitual de populistas distributivistas, mesmo se os socialistas voltaram ao poder.
Portugal parece ter encontrado um equilíbrio entre a estabilidade macroeconômica e a busca de opções realizáveis dentro das limitações econômicas do país, que ainda é uma pequena economia, muito dependente da UE. 
No caso do Brasil não temos a UE, e nem o Mercosul poderia lhe ser comparado. Só temos nós mesmos. Pois eu imaginei que tudo poderia ser diferente, mas infelizmente acho que não vai ser.
Em todo caso, deixo aqui a minha fórmula realista de ajustes e equilíbrios, que não é um remédio milagroso, pois vai demorar anos e anos de lenta e dura recuperação.
Acho que não vai dar, mas deixo aqui minhas sugestões.
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 9 de julho de 2018


A divisão do país e a transição da nação: tarefas do próximo governo

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: análise da conjuntura; finalidade: recomendações de postura]

Introdução
Quaisquer que sejam a análise conjuntural e o diagnóstico prescritivo que se façam sobre os problemas atuais e futuros do Brasil, bem como sobre as maneiras de resolver determinados impasses em torno das medidas a serem adotadas para superá-los, com vistas a retomar um processo de crescimento sustentado, impossível não partir da constatação de que o país se encontra hoje bastante dividido politicamente e fragmentado por correntes opostas de opinião quanto às tarefas à frente da nação, ou até mesmo quanto à forma de se fazer esse diagnóstico. Esse é, justamente, o resultado de anos e anos de incitação à divisão do país, um discurso monotemático bastante conhecido, que insistiu, desde sempre, em dividir a nação entre o povo e as elites, entre “nós” e “eles” (ou seja, eles e nós mesmos), entre uma suposta maneira correta de se fazer “justiça social”, por definição virtuosa, e uma alegada via “neoliberal” de ajuste austero e socialmente injusto.
Não é necessário qualquer explicitação detalhada quanto aos principais atores responsáveis por esse tipo de discurso, e seus efeitos notoriamente deletérios no aprofundamento dessa divisão política, que ameaça contaminar o debate político nesta fase eleitoral, e nas semanas e meses seguintes. Agora, qualquer que seja o governo que assuma o comando do Estado a partir de 1ro de janeiro de 2019, terá de começar, já desde o início da transição que começa ao término do segundo turno de outubro deste ano, a tarefa de reconstrução das bases da governança, a começar pela formação de um governo minimamente representativo das forças que se uniram para chegar à vitória no prélio definidor. Digo minimamente porque imagino que uma solução de melhor conveniência política seja uma composição entre os eleitos, ou seja, representativos do voto popular, e certo número de tecnocratas basicamente comprometidos com o processo de reformas já em curso, portanto necessárias, e outras que serão indispensáveis à continuidade dos ajustes programados.
A primeira tarefa do futuro chefe de Estado e comandante da nação será a de expor claramente à sociedade os terríveis problemas econômicos que a nação enfrenta e enfrentará nos próximos anos, sem nada esconder, sem nada mudar no conteúdo do que deve ser esclarecido à população para que ela tenha plena consciência da terrível situação que a nova administração herda para administrar. A função de um comandante da nação não deve ser a de apaziguar seus supostos apoiadores no Congresso, com os quais ele terá de trabalhar, mas isso apenas depois que ele se dirigir em primeiro lugar à população para informá-la do que deve e precisa ser feito para enfrentar o terrível legado recebido. Cabe o máximo de realismo nessa primeira mensagem, tão pronto anunciado o resultado oficial da votação. O discurso à nação é o primeiro ato da governança que se iniciará em 1ro de janeiro de 2019.

A primeira mensagem: a união da nação
O Brasil não pode mais continuar dividido entre, de um lado, os mentirosos que nos legaram a terrível situação presente – supostamente de esquerda, ou associados a ela – e que pretendem novamente se impor pela mentira e pela fraude sobre o que efetivamente ocorreu nos anos de populismo econômico, e de outro, os saudosistas de um regime militar – supostamente de direita – que não tem a menor chance de voltar. Esse passado de divisões artificiais não mais serve à nação no presente, e não pode ser a base da difícil reconstrução que temos no presente e no futuro previsível. Não existe um orçamento de esquerda ou de direita, assim como não existe um maná dos céus que derrame continuamente recursos supostamente coletivos para gastos públicos contínuos. 
A nação, de uma vez por todas, precisa aprender a viver dentro dos seus meios. A fratura entre os brasileiros de uma ou outra opinião não nasce apenas dessa divisão artificial de direita e esquerda, inclusive porque a maioria da população não se define em torno de conceitos abstratos. A divisão é claramente impulsionada por aqueles que pretendem continuar pregando conquistas impossíveis, os patrocinadores do populismo econômico e da demagogia política, formulando promessas fáceis, e mentirosas, de que existe um protetor natural de todos os pobres, que se chamaria Estado brasileiro. Esse Estado que tira dois quintos de toda a riqueza produzida por empresários e trabalhadores é precisamente o Estado que prolonga e mantém a pobreza dos mais humildes, ao mesmo tempo em que distribui fartamente subsídios e vantagens aos mais ricos. Isso precisa parar, e com isso deve cessar a divisão artificial entre pobres e ricos, e essa noção viciosa e viciada de que os interesses de ambos divergem entre si, numa “luta de classes” que só serve aos interesses dos mesmos divisionistas que infelicitaram a nação.
 Todos os brasileiros precisam tomar consciência de que o governo informará precisamente, de forma totalmente transparente, quais são as despesas obrigatórias, às quais não se pode constitucionalmente evadir, e quais são os recursos que nos restam para um debate aberto sobre as prioridades de gastos de livre arbítrio. Não se poderá atender a todos os reclamos ao mesmo tempo, mas as razões das escolhas básicas serão apresentadas com clareza ao mesmo tempo à população e ao Congresso. 

A primeira medida: o governo ainda será de transição
Não se deve eludir ou elidir a verdade. O Brasil tem um longo e penoso caminho de reconstrução pela frente, tantas são as deformações e os vícios acumulados ao longo dos anos. Já estamos em transição há muito tempo, primeiro da relativa estabilidade dos anos 2000, com crescimento moderado impulsionado pela demanda chinesa, para uma fase de crescimento irresponsável do final daquela década e que se prolongou durante toda a primeira metade da presente década, que nos precipitou na terrível recessão que enfrentamos há pelo menos três anos. A transição dos últimos dois anos, depois do final do governo irresponsável que produziu a maior crise de nossa história, não foi suficiente para recompor as bases de um novo ciclo de crescimento com distribuição de renda. Nem o fará sem a adoção de medidas duras de correção das deformações acumuladas.
Não há porque prometer um correção rápida dos imensos problemas que figuram na agenda da nação, e a melhor forma de ser honesto com a nação é dizer de modo claro quais são, quantos são, quão difíceis são esses problemas, se a presente geração quiser entregar aos nossos filhos e netos um país melhor do que o recebido neste momento, uma economia destroçada pela irresponsabilidade fiscal, a saúde, a educação e a aposentadoria futura ameaçadas de insolvência pura e simples.
Insistir sobre a transição é também uma maneira de preparar a nação para as comemorações do seu segundo centenário da independência, quando, infelizmente, a renda média da população será igual, talvez até mesmo inferior, à que a nação exibia dez anos antes, dada a gravidade da crise que nos foi legada, a maior recessão de toda a história econômica do país. O que o governo pretende fazer, até 2022, é uma completa inversão das tendências seguidas nas últimas décadas, de maneira a podermos iniciar um terceiro século de vida independente em bases sensivelmente diferentes daquelas que foram as nossas até o presente momento.

Uma certa concepção do Estado: ao menor custo para a sociedade
Pela primeira vez em nossa história bissecular, os custos do ajuste incidirão não sobre a sociedade, mas sobre o próprio Estado, que avultou de modo exagerado, a ponto de engolir um volume de recursos incompatível com a capacidade da cidadania de gerar riquezas na proporção exigida pelo ogro famélico no qual converteu-se esse Estado. O Brasil não tem produtividade para registrar uma carga fiscal típica de país rico, exibindo ao mesmo tempo uma renda per capita cinco ou seis vezes inferior à dos países ricos. Essa carga fiscal precisa diminuir, sobretudo sobre os produtores e investidores, do contrário estaremos matando a galinha de ouro que mantém esse Estado vorazmente predatório. Isso tem de acabar, e o Brasil precisa voltar a ser um país normal, daí que o esforço de austeridade incidirá em primeiro lugar sobre o próprio Estado.
O governo passará a trabalhar com um número reduzido de ministérios, voltando tanto quanto possível ao formato e à estrutura administrativa existente na transferência da capital para Brasília. O presidente tem a obrigação de reunir-se com cada um de seus ministros, e deve poder discutir com eles todos os aspectos das políticas setoriais que ele tem de levar a cabo. Isso só é possível com um ministério enxuto, o que significa uma redução real das agências públicas, não apenas pequenos ajustes no organograma.
O governo vai propor ao parlamento a redução do número de deputados numa mais estrita proporcionalidade na Câmara, assim como o corte de um terço no número de senadores. Também vai sugerir ao parlamento a redução do número de juízes da Suprema Corte para nove, como foi tradicionalmente no Brasil republicano. O sistema eleitoral será revisto, para um modelo distrital misto, com o fim do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral, como maneira de reduzir naturalmente o número anormalmente elevado de agremiações politicas. A Justiça do Trabalho, em suas várias instâncias, criadora de conflitos ao contrário do que habitualmente se crê, não pode continuar a trabalhar nos moldes atuais, quando ela tipicamente gasta o dobro do valor médio dos contenciosos com o seu próprio funcionamento. Algo precisa ser feito a esse respeito, uma vez que a própria instituição representa uma anomalia no cenário internacional, já que poucos países, se algum, exibe essa pletora de cortes trabalhistas. 

Um programa de tarefas baseado em cinco princípios claros
O programa completo de governo será detalhado oportunamente, em torno de cinco grandes capítulos de ação, cujo sumário breve pode ser anunciado da seguinte maneira: 
1) Macroeconomia estável
A volatilidade, que obsta ao planejamento microeconômico e ao investimento produtivo, não é o resultado de capitais especulativos ou da ganância dos financistas, e sim a consequência de mudanças intempestivas nas políticas de governo, macroeconômicas ou setoriais, daí a necessidade de proclamar regras claras – como aquelas existentes no tripé econômico do governo que implementou o Plano Real – e de ater-se a elas com o compromisso da continuidade. Equilíbrio fiscal, juros de referência o mais próximo possível do nível de equilíbrio dos mercados financeiros, um regime de flutuação cambial acompanhando a dinâmica dos intercâmbios externos, estrito controle do endividamento público de maneira a incluir o serviço da dívida no limite, ou pouco abaixo, das disponibilidades orçamentárias e redução das metas de inflação a patamares existentes na maioria dos países. 

2) Microeconomia competitiva
Liberdade de mercados é a coisa mais simples de se conceber: inexistência de carteis e monopólios estatais ou privados, eliminação ou redução das barreiras à entrada de competidores em todas as áreas de interesse público relevante, fim das corporações de ofício ou concessões em regime de reserva de mercado (interna, setorial ou passível de abertura a concorrentes estrangeiros). O principio é válido para praticamente todas as áreas de oferta de bens universais, ou seja, de consumo indistinto, mas também pode ser aplicado a serviços públicos de interesse geral, que podem ser adequados para funcionar em bases semelhantes ou similares às dos mercados. Abertura econômica e liberalização comercial são dois instrumentos essenciais nessa vertente.

3) Governança eficiente e transparente
Uma reforma política e administrativa, nos três poderes e em cada um dos níveis da federação, e em suas agências especializadas, impõe-se como condição incontornável ao trabalho de redução do tamanho, do peso, dos custos de manutenção do Estado hoje extrator e predador. Reformas nos códigos do Judiciário e modernização de suas práticas também são essenciais para diminuir os custos de transação e o terrível ônus para os particulares das delongas inaceitáveis nos prazos de solução de litígios. Certos  “direitos adquiridos” terão de ser revistos, pois eles correspondem, na maior parte dos casos, a “espertezas” contrabandeadas para dentro do Estado por interesses corporativos em prol da criação e manutenção de privilégios inaceitáveis a qualquer título, aliás em grande medida defendidos com disfarces de duvidosa legalidade. Cabe rever, também, o princípio da estabilidade funcional no serviço público, pois ele só se justifica em restrito número de casos, sendo o Brasil notoriamente tolerante com abusos nesse terreno. Isso vale, igualmente, para certos dispositivos constitucionais que prolongam privilégios não justificados pela natureza dos serviços oferecidos pelo Estado.

4) Alta qualidade dos recursos humanos
O principal obstáculo a um crescimento mais vigoroso dos índices notoriamente medíocres da produtividade total de fatores, especialmente a do trabalho, é o espetáculo deprimente da baixíssima qualidade da educação brasileira, em todos os níveis, o que está a exigir não uma simples reforma, mas uma verdadeira revolução nessa área. Não se trata de processo linear ou limitado no tempo, pois as correções a serem feitas nessa área necessitam prolongar-se por mais de uma geração para produzirem resultados minimamente satisfatórios. Metodologias e padrões já testados numa ampla gama de países, em estudos coordenados por uma instituição como a OCDE, oferecem diversas sugestões de mudança, a serem conduzidas por força-tarefa nacional, com mandato a ser exercido por largo tempo.

5) Abertura ao comércio internacional e aos investimentos estrangeiros
Se existe um item na política econômica externa que deve passar à frente de quaisquer outros temas da agenda diplomática são esses dois, felizmente podendo ser guiados por relatórios pragmáticos já disponíveis para consulta e ação: o Fazendo Negócios, do Banco Mundial, o Relatório Global de Competitividade, do Fórum Econômico Mundial, e o Liberdade Econômica no Mundo, do Fraser Institute, fornecem dezenas de recomendações absolutamente transparentes a esse respeito.
A política externa será basicamente uma política econômica externa, em esforço coadjuvante ao processo de ajustes e reformas na economia. O foco da diplomacia estará, assim, centrado na inserção global da economia brasileira, de maneira a elevar os níveis notoriamente baixos de participação nos intercâmbios de bens e serviços e de competitividade externa da oferta nacional. Maior abertura aos investimentos diretos estrangeiros, inclusive em áreas ditas “estratégicas”, assim como a redução da proteção tarifária e não tarifaria terão o efeito de aumentar a produtividade geral da economia.

Paulo Roberto de Almeida
Lisboa, em voo Lisboa-Brasília, 2 de julho de 2018

  

Golpes, revolucoes e movimentos armados no Brasil - Paulo Roberto de Almeida

O texto abaixo é uma primeira versão de um comentário geral sobre movimentos armados no Brasil, tanto de esquerda quanto de direita, seja sob a forma de revoluções, insurreições militares, guerras civis, golpes militares e guerrilhas. Numa versão diminuída e adaptada, ele serviu como posfácio a este livro de Hugo Studart: Borboletas e Lobisomens: vidas, sonhos e mortes dos guerrilheiros do Araguaia, que está sendo lançado no próximo dia 17, no restaurante Carpe Diem.
Meu texto é muito sociológico, para ser atraente, e eu o tinha elaborado apenas para ser usado sem caracterização de autoria pessoal, mas ainda assim, o autor e o editor quiseram colocá-lo no livro, como posfácio, o que só me deixa lisonjeado. Alerto, no entanto, que toda a parte histórica das duas primeiras páginas foi severamente reduzida, com cortes em parágrafos sucessivos.
Ainda não conferi a versão final, que já deve ter sido impressa.
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 9/07/2018


Uma tragédia brasileira: 
a loucura insurrecional do PCdoB

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: comentários sobre uma aventura irresponsável; finalidade: colaboração a livro de Hugo Studart, sobre a guerrilha do Araguaia]

Grandes revoluções sociais são fenômenos extremamente raros na história das nações. Ainda bem: elas provocam destruições enormes, uma grande mortandade de civis inocentes, perdas materiais significativas e muito raramente transformam para melhor as sociedades nas quais ocorrem. Geralmente necessitam processos adicionais de ajustes, eventualmente também dolorosos, para produzir efeitos sistêmicos de alguma forma “benéficos” (se algum) no itinerário social, político ou econômico das nações onde ocorrem. Elas geralmente “devoram” os seus “filhos”, consumindo, literalmente, lideranças inteiras de “revolucionários” improvisados, e muitos de seus líderes desaparecem na voragem de seus combates de campo, insurreições urbanas, golpes de palácio e o que mais houver.
Se percorrermos rapidamente a história da humanidade, veremos que tais revoluções sociais, as que merecem verdadeiramente essa designação, são poucas, muito poucas: a partir da era moderna, quando o mundo conheceu a primeira onda de globalização, nos descobrimentos, podemos identificar um número extremamente reduzido de revoluções sociais que entram realmente nessa categoria: (1) as guerras de religião do século XVI, que redundaram na paz de Westfália e no estabelecimento do princípio da soberania nacional, base do Estados-nação, e até hoje vigente nas relações internacionais; (2) a revolução inglesa do século XVII, que decapitou um rei e que transformou brevemente a monarquia numa república parlamentar, mas abriu o caminho para uma segunda revolução, a “Gloriosa”, desta vez pacífica, que “importou” uma nova dinastia para a Inglaterra (aliás até hoje no poder) e, mais importante, introduziu o princípio do “rei reina mas não governa”, depois que a Magna Carta (1215) tinha inaugurado dois outros princípios extremamente relevantes para as modernas democracias, o de que “ninguém está acima da lei, nem mesmo o rei” e o de que este necessita do prévio consentimento dos governados, súditos ou cidadãos, para impor novos tributos ou aumentar os existentes (no taxation without representation), o que constitui a mais nobre função dos parlamentos; (3) a revolução americana da independência, no século XVIII, que apoiou-se nesses dois princípios e no Bill of Rights da Revolução Gloriosa, para fazer renascer um regime republicano, depois de séculos de “esquecimento” (após que um Cesar decidiu inaugurar um império sobre uma República senatorial já em crise na antiga Roma), e que se constituiu na mais pujante e estável democracia dos tempos modernos; (4) a revolução francesa, que lhe segue poucos anos depois, reproduzindo o espírito da Declaração de 1776 na sua Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, mas que logo decaiu num regime de Terror, até que um “primeiro cônsul” resolvesse reinaugurar um novo império, e que ao lado dos atrasos involuntários para o desenvolvimento do capitalismo na França, trouxe alguns códigos úteis para os Estados modernos; (5) a insurreição Taiping, no Império Qing, entre 1851 e 1864, uma das mais sangrentas da história, com dezenas de milhões de mortos; (6) a revolução russa de fevereiro de 1917, que abateu uma monarquia absoluta sob o peso das revoltas dos soldados e da fome dos camponeses, e que prometia instaurar um regime parlamentar moderno, antes que o putsch bolchevista de outubro (ou novembro) do mesmo ano fechasse a Constituinte, decretasse a extinção de todos os partidos e começasse uma das mais longas ditaduras contemporâneas, e que também conheceu sua fase de Terror, aliás mais de uma, sob Lênin, sob Trotsky e, sobretudo, sob Stalin; (7) a revolução camponesa na China republicana, combinada a uma guerra de resistência contra a invasão japonesa e uma outra guerra civil tendo de um lado o Exército Vermelho de Mao Tsé-tung, prometendo terras para os camponeses pobres, mas que redundou numa das maiores mortandades de toda a história humana, quando o delírio maoísta deu início a um desastroso “grande salto para a frente”, que produziu 30 a 40 milhões de mortos, antes que a sua revolução “cultural” abatesse mais alguns poucos milhões; e finalmente, (8) a revolução iraniana de 1979, que fez renascer um regime teocrático radical, onde antes só existia uma monarquia corrupta e repressiva, mas modernizadora, que não conseguiu corresponder aos anseios de uma vasta maioria de súditos tomados pela mensagem religiosa de um dos últimos líderes carismáticos da era contemporânea.
Como se percebe, são relativamente raras as verdadeiras revoluções sociais, e por um motivo muito simples: revoluções não são feitas, elas acontecem, sem que se possa prever antecipadamente a sua ocorrência e desenvolvimentos. Muito mais frequentes e numerosos são os golpes de Estado, as quarteladas militares, o assalto planejado ao poder, ao estilo do putsch leninista, as insurreições urbanas, geralmente caóticas, ou revoltas rurais esparsas em campos atrasados, e outros tantos exemplos de mudanças de governo e de ascensão de novas elites políticas, que geralmente ocorrem quando o antigo regime tenta justamente se reformar, como evidenciou genialmente Tocqueville no seu livro de 1848, O Antigo Regime e a Revolução. Essas tomadas de poder, pela via da violência, se tornaram tão frequentes num determinado momento – como nas experiências leninista de 1917 e mussoliniana de 1922 – que um escritor italiano, bom observador desses movimentos, Curzio Malaparte, escreveu um manual, Técnica do Golpe de Estado, dois anos antes do triste exemplo hitlerista de 1933, de inauguração de uma tirania absoluta pela via “legal” das eleições, bem antes que Hugo Chávez inaugurasse o seu ciclo de “consultas populares” para a construção de uma “ditadura plebiscitária”.
E o Brasil nisso tudo? Tivemos muitos golpes de Estado, é verdade, várias quarteladas, algumas guerras civis embrionárias – nas regências, como a revolução farroupilha no Sul, a revolta da Armada, ao início do regime republicano, e a “guerra paulista” quando do governo provisório de Vargas – mas nenhuma revolução social digna desse nome. Talvez a campanha abolicionista desejada por Nabuco – que deveria ter sido seguida de reforma agrária e de uma “revolução educacional”, mas que não o foi, nem por uma, nem por outra, depois da abolição da escravidão, em 1888 – merecesse o epíteto de grande movimento social mobilizador. Revoluções “liberais” – em Minas Gerais, em meados do século XIX – ou as diversas revoluções em Pernambuco – autonomista em 1817, republicana e federalista em 1824, nacionalista e “pré-socialista” em 1848 – não se qualificam como verdadeiras revoluções sociais, ao mesmo título que aqueles exemplos da história. Em geral, como a própria Inconfidência mineira antes da independência, foram movimentos conduzidos por elites esclarecidas, raramente processos emergindo de massas oprimidas, como algumas revoltas escravas ou de populações periféricas, todas extremamente marginais do ponto de vista social e político. Até praticamente o final do Império, o Brasil, rural e atrasado, não tinha grandes massas urbanas organizadas, como passou a ter com a imigração e a indústria.
O que mais tivemos foram intervenções das Forças Armadas por ocasiões de crises de governos republicanos, aliás na própria inauguração desse novo regime, para encerrar uma monarquia já decadente. Também tivemos pequenas ou grandes tragédias ao longo do primeiro século republicano: o milenarismo de Canudos, equivocadamente interpretado como uma revolta monárquica contra a República, como a revolta da Armada pouco antes, o Contestado nos limites do Paraná e Santa Catarina, e diversas revoltas de tenentes para “liquidar” a república “carcomida”. Nessa categoria entra a “Coluna Prestes”, supostamente um prelúdio à Grande Marcha do Exército Vermelho de Mao Tsé-tung, mas que serviu para criar um mito, o do “Cavaleiro da Esperança”, caoticamente aproveitado pela Internacional Comunista para teleguiar, de Moscou, um putsch, a “intentona” de novembro de 1935, que constitui, certamente, a primeira grande tragédia do comunismo no Brasil.
Essa tentativa de assalto ao poder, comandada por um punhado de trapalhões, como amplamente demonstrado por William Waack em seu livro Camaradas, vacinou definitivamente as Forças Armadas contra uma das mais poderosas ideologias do século XX, junto com o fascismo, e fez do anticomunismo a doutrina oficial, praticamente permanente, do Estado brasileiro, condenando de antemão ao fracasso qualquer nova aventura nessa direção. Essa disposição ficou patente logo em seguida à intentona, materializada na Lei de Segurança Nacional, nos tribunais militares de repressão aos “maus elementos” nas hostes castrenses e, sobretudo, na dura repressão a todos os dissidentes da nova ditadura, o Estado Novo de novembro de 1937, pela polícia política comandada pelo Sr. Filinto Muller, um egresso das colunas tenentistas dos anos 1920.
Os revolucionários dos anos 1960 talvez tenham se esquecido desse precedente, que aliás não era objeto de tantas comemorações oficiais até que a inauguração de um novo, e longo, ciclo militar transformasse o mês de novembro, ao lado, obviamente, do 31 de março, num marco obrigatório dos pronunciamentos político-militares do novo regime. Aqueles que optaram, desde o início do período autoritário, pelo caminho da “resistência armada” ao “governo golpista”, à “ditadura militar”, ao “regime servil ao imperialismo” o fizeram por sua própria conta e risco, numa completa inconsciência sobre as condições reais do “movimento popular” e o suposto apoio que teriam das “massas trabalhadoras”, operárias e camponesas, às suas aventuras guerrilheiras. Eles “cutucaram onça com vara curta”, como se diz na linguagem popular, e aprenderam duramente que o Estado brasileiro não era um simples títere do imperialismo americano, ou um mero “tigre de papel”, como talvez repetissem os adeptos do “maoísmo” no movimento comunista brasileiro. 
Justamente, uma das maiores tragédias da história política recente brasileira, junto com os episódios de guerrilha urbana rapidamente desbaratados pelas forças da repressão, é constituída pela aventura maoísta nas selvas do Araguaia, a maior loucura militar do PCdoB, que deve ser continuamente desvendada, denunciada e relembrada, uma vez que ela levou muitos jovens idealistas a uma morte estúpida naquelas distantes matas amazônicas. Antes dela, e na impossibilidade de reprodução no Brasil de uma nova insurreição ao estilo castrista da Sierra Maestra, alguns dirigentes comunistas, seguidos por muitos jovens revolucionários improvisados das grandes metrópoles, se lançaram na aventura da guerrilha urbana, sem muita estratégia e quase nenhuma tática, a não ser os canhestros assaltos a bancos, ataques a quarteis, alguns sequestros de diplomatas e de aviões, e uns poucos deploráveis assassinatos de pessoas, rapidamente aproveitados pelo regime militar para apegar-lhes o rótulo de “terrorismo”, e com isso justificar o endurecimento prévio do regime, pela via do AI-5. A guerrilha urbana e alguns poucos focos esparsos foram expedita e duramente reprimidos pelas forças da repressão, tomadas de surpresa no início do processo, mas rapidamente organizadas sob comando militar e muitos apoios em setores das elites econômicas.
Bem mais complicado foi o episódio amazônico, a segunda vez na história das Forças Armadas, depois de Canudos, que elas tiveram de organizar expedições sucessivas de suas tropas para debelar focos reduzidos de “combatentes inimigos”, fracamente armados, mas que aparentavam representar um grande perigo para o regime republicano. Ambos episódios foram tragédias sociais, mas pode-se considerar aquele primeiro apenas o fruto de equívocos de interpretação de uma república “jacobina”, enfrentando o que seria a sua “Vendeia”, segundo as leituras francesas de um Euclides da Cunha. O segundo não: foi uma tragédia evitável, e cabe aqui responsabilizar direta e totalmente a direção irresponsável do PCdoB pelo imenso crime perpetrado contra um punhado de militantes idealistas, imaginando participar de um grande empreendimento de resgate social, e justiceiro, do pobre povo do interior, numa reprodução quixotesca do que teria sido a “guerra camponesa” de Mao Tsé-tung, então no auge do um prestígio inteiramente indevido, pela “revolução cultural” que ele tinha deslanchado para livrar-se de adversários no Partido Comunista Chinês. 
O PCdoB ainda não foi levado aos tribunais da história pelo crime cometido não apenas contra os pobres camponeses da região, mas sobretudo contra os seus próprios militantes enganados por uma direção dogmática, míope, absolutamente delirante em seus projetos de reproduzir a marcha de uma já mistificada “revolução camponesa” ao estilo chinês. Acresce que jamais fizeram um estudo aprofundado sobre uma região desprovida de condições mínimas de sobrevivência para os simples rurícolas, no estado normal de penúria que sempre foi a norma naquelas paragens, ainda mais para jovens urbanos de classe média, completamente desacostumados às durezas da agricultura de subsistência, extremamente primitiva, que caracterizava o imenso hinterland do Brasil. Não contente em enganar aqueles jovens, a direção do PCdoB ainda deixou-os entregues à própria sorte, totalmente desprovidos de meios para enfrentar as forças organizadas do Exército brasileiro, que ainda tatearam duas vezes, antes de se lançarem no trágico desfecho final, feito de violência excessiva e muitas ilegalidades, e mesmo crimes, perpetrados em nome do Estado. 
Sem dúvida que, como no caso do enfrentamento contra a guerrilha urbana, as forças de repressão cometeram crimes horríveis – torturas, assassinatos, eliminação de alvos escolhidos, desaparecimento de cadáveres –, o que se reproduziu em outra escala, e estilo, nas selvas do Araguaia. O crime maior, porém, de natureza política, de âmbito militar, e de dimensões históricas, foi cometido por aqueles dirigentes comunistas, de quase todos os movimentos de resistência armada, que resolveram travar uma “guerra” contra um inimigo que eles julgavam frágil, podendo ser abatido por alguns golpes “certeiros”, que apressariam a revolta das “massas trabalhadoras” e a derrocada de uma ditadura supostamente acuada pela crise econômica e pelas “contradições” de um regime capitalista periférico, submetido às “pressões imperialistas”. Quando se lê, hoje, os poucos manifestos, documentos programáticos e outros boletins “táticos” produzidos pelos dirigentes desses movimentos armados, impossível não ficar estupefato ante o imenso festival de equívocos políticos, de monumentais erros estratégicos, de total inconsciência social e de inconsistência intrínseca nessas peças de puro delírio sectário, que ainda assim ganhavam adeptos entre jovens revoltados contra a ditadura militar. 
Ao PCdoB, tanto quanto às Forças Armadas, e talvez até mais do que a essas, devem ser imputados a responsabilidade material e a condenação política da História, pela tragédia que foi a guerrilha do Araguaia, um delírio tão grande dos seus dirigentes, que nem mesmo os supostos aliados do PCC pretenderam sequer dar algum sinal de apoio concreto ao aventureirismo, a não ser algumas poucas emissões radiofônicas a partir da China e, logo depois, da Albânia. Esse julgamento ainda não foi feito, pelo menos não em toda a sua extensão, pois o PCdoB continua existindo como o legatário de uma aventura alucinante, pouco conhecida pela maioria da população, mas em relação à qual ele ainda pretende classificar como exemplo de “resistência popular” contra a “ditadura militar”, quando tudo não passou de uma tragédia dispensável e de um equívoco lamentável. 
O tribunal da História ainda aguarda o PCdoB: seu delírio político-militar não pode ficar impune, não pode continuar a ser mistificado ou permanecer desconhecido do grande público. Este livro, magnificamente construído segundo as melhores técnicas da história oral, e que adota o rigor metodológico dos grandes manuais da historiografia, focaliza cada etapa dessa tragédia brasileira, segue o itinerário individual de cada um dos embrenhados na selva, dialoga com seus familiares e amigos dos enviados a um desterro involuntário, além de, sobretudo, desvendar o comportamento indigno e a ação irresponsável dos dirigentes do PCdoB. Essa insanidade dos que montaram uma aventura de antemão condenada ao fracasso, mas que depois se escafederam nos desvãos desse drama patética, permanecia até hoje desprovida de uma avaliação independente, agora amplamente realizada por esta obra de pesquisa original. O PCdoB ainda não conheceu o seu tribunal da história: este livro, além de ser um relato intelectualmente honesto, tão objetivo quanto permitem os documentos remanescentes e os depoimentos disponíveis, sobre o delírio amazônico do (ainda hoje) único partido maoísta do Brasil, constitui, igualmente, uma vibrante peça de acusação, absolutamente necessária, para que esse processo possa ser feito. Vale ler, refleti sobre os seus dados, retirar as consequências e meditar sobre o futuro da política no Brasil. 

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 24-25 de março de 2018
Revisto em 12 de maio de 2018.

domingo, 8 de julho de 2018

A luta armada no Brasil: depoimento de um quase combatente - Paulo Roberto de Almeida

Um ano antes de escrever um texto de apenas 15 páginas sobre a experiência da luta armada no Brasil – registrada no trabalho 2595 (2014), finalmente postado nas plataformas Academia.edu e Research Gate, e aqui repercutida (faço o sumário ao final) – eu já tinha feito, em 2013, um depoimento pessoal que permaneceu inédito até agora, mas que finalmente resolvi "liberar" para divulgação pública, cujo registro é este aqui: 

2470. “A luta armada no Brasil: depoimento de um quase combatente”, Hartford, 8 Março 2013, 22 p. Testemunho sobre o tema, e meu envolvimento pessoal no período. Serviu de base ao trabalho 2595 (2014), mas em formato menor. Divulgado na plataforma Academia.edu (8/07/2018; link: http://www.academia.edu/37006010/A_luta_armada_no_Brasil_depoimento_de_um_quase_combatente). Relação de Publicados n. 1095.

Reproduzo aqui apenas o início deste trabalho: 


A luta armada no Brasil: depoimento de um quase combatente

Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor universitário.

Sumário: 
O Brasil dos anos 1960: breve recapitulação histórica
Os anos 1970: do Brasil para o mundo
A luta armada e os derrotados vingativos: uma reflexão pessoal
Uma última análise subjetiva da questão da luta armada


A luta armada representou, no contexto das crises políticas vividas pelo Brasil nas décadas de 60 e 70 do século passado, uma conjuntura especial e um fenômeno específico, embora bastante grave, do ponto de vista do nosso destino futuro enquanto nação, que a maior parte da população desejava democrática e inserida numa economia de mercado. A despeito de ter sido relativamente circunscrita no tempo, com uma duração total inferior a dez anos, a luta armada deixou, entretanto, consequências permanentes, ou residuais, na história política nacional, que devem ser devidamente avaliadas, se a sociedade brasileira pretende, realmente, superar os traumas individuais e coletivos causados pelos tristes episódios daquele período.
Cabe registrar, inicialmente, que esses efeitos continuados da luta armada no Brasil se situam inteiramente no campo dos partidos e movimentos ditos de esquerda, que não parecem ainda ter se desligado de suas antigas crenças, bem como dos traumas e obsessões do passado, uma vez que os outros grandes contendores daquele fenômeno, as Forças Armadas, encontram-se totalmente inseridos no ambiente de reconciliação democrática e de construção de uma institucionalidade totalmente comprometida com os objetivos de paz, prosperidade e de normalidade política desejados pelo povo brasileiro. Isto me parece bem evidente na movimentação atual do governo e dos partidos de esquerda – que aliás, hoje em dia, são uma coisa só – em torno da chamada Comissão da Verdade e seu trabalho que me parece enviesado e muito longe de buscar ou estabelecer a verdade, parecendo bem mais um movimento vingativo contra os que derrotaram os promotores da luta armada naquele passado hoje distante.
Pretendo, neste curto depoimento pessoal, oferecer minha avaliação do passado remoto, como testemunha e ator secundário que fui dos dramas vinculados à luta armada, e efetuar, depois, um proposta sensata quanto aos desafios do presente. Espero ser bastante objetivo e imparcial na minha exposição de certos fatos, bem como muito realista quanto à maneira de interpretar esses fatos e de tirar deles consequências para os dias que correm. Trata-se de uma contribuição totalmente desinteressada focada em fatos, menos que em argumentos de cunho político – ao esclarecimento dos mais jovens e alguns menos jovens, mas que não passaram por essas vicissitudes, sobre aquela fase da vida brasileira, que justamente buscamos superar para o bom entendimento nacional.

 (...)



O trabalho do 2014 que aproveitou largos trechos do anterior, mas com menos desenvolvimentos em questões pessoais, tinha sido postado de maneira fragmentada naquela oportunidade, como segue: 

O regime militar e a oposição armada:
um retrospecto histórico, por um observador engajado

Paulo Roberto de Almeida (2014)

Sumário:
1. Antecedentes e contexto do golpe militar de 1964
2. A reação dos perdedores: resistência política e luta armada
4. A derrota da luta armada e suas consequências: uma história a ser escrita
5. O que foi a luta armada no Brasil: uma interpretação pessoal
6. Quando a luta armada se desenvolveu no Brasil?
7. Onde a luta armada se desenvolveu no Brasil?
8. Como a luta armada se desenvolveu?
9. Por que houve luta armada no Brasil?
10. Uma avaliação pessoal da luta armada e suas consequências atuais


Diplomacia e academia: testemunho pessoal - Paulo Roberto de Almeida

Carreira Diplomática e Carreira Acadêmica:
vidas paralelas ou linhas que não se tocam?

Paulo Roberto de Almeida

No início de setembro de 2011, mais exatamente no dia 9, recebi, pela segunda vez (a meu pedido), correspondência, acompanhada de um questionário, de um acadêmico interessado na carreira diplomática, que reproduzo abaixo, pois ele (omito seu nome, por simples resguardo de privacidade) tece considerações extremamente interessantes sobre essas duas vertentes da atividade profissional que sempre estiveram no centro de minhas ocupações da idade adulta (ou seja, desde quando deixei de ser simplesmente um “estudante” e fui ao “mercado” para trabalhar e sobreviver, embora eu tivesse trabalhado sempre, desde a infância). 
O questionário parece ter sido dirigido exclusivamente a mim, mas acredito que ele poderia se aplicar também a diversos outros colegas da carreira. Imaginando que minhas respostas possam, igualmente, interessar tanto colegas de carreira como diversos outros acadêmicos eventualmente interessados na profissão diplomática, tomo a liberdade (esperando que isso não vá contrariar meu ”interrogador”) de postar minhas respostas publicamente. O título deste trabalho é anódino, obviamente, e apenas reproduz um informação de fato, que é o paralelo entre duas carreiras. O subtítulo é meu, e remete, no primeiro trecho, à famosa obra de Plutarco – que traçava vidas paralelas de diversos imperadores romanos (mas longe de mim insinuar qualquer semelhança conceitual entre um caso e outro) – e, no segundo, ao conceito matemático de paralelas, que caminham eternamente em direção ao infinito, sem necessariamente apresentar divergência irremediável, mas tampouco tendendo a uma hipotética junção futura.
Em que sentido este subtítulo expressa meu pensamento sobre essas duas carreiras? Provavelmente nada, já que subtítulos são feitos para informar ou para provocar (embora esta função, nos livros publicados nos EUA, caiba aos títulos accrocheursou appealings). No meu caso, nem para uma coisa, nem outra, apenas para colocar uma pergunta, uma dúvida, mas não ainda uma resposta. As respostas virão abaixo, sistematicamente, embora essa questão envolva tantas outras interações, e variáveis analíticas, que respostas tópicas provavelmente não bastarão para esgotar um debate que reputo importante e cativante, numa perspectiva puramente pessoal, dado meu interesse e envolvimento nessas duas vertentes, mas também objetivamente, como fonte possível de reflexões em torno de dois polos da vida profissional – a acadêmica e a diplomática, ou seja, de servidor de Estado – que conformam, junto com o polo propriamente empresarial, isto é, na vida privada (como empregador ou assalariado), as três grandes interfaces de atuação de qualquer indivíduo, em qualquer tempo e lugar (tirante a carreira de eremita, que imagino não existir como carreira, e sim como opção puramente pessoal e bem mais teórica do que prática). 
Dito isto, vejamos as perguntas do correspondente, e minhas respostas:

1. Sua área de especialização acadêmica afetou sua escolha ou opções de trabalho no Itamaraty? Você acredita que tenha sido um fator essencial para algum posto específico?
PRA: Sim, tremendamente. O fato de eu vir das humanidades, mais especificamente das ciências sociais, fez-me dirigir, naturalmente, para aquelas áreas que tinham a ver com meus objetos de estudo, contrariamente a possíveis orientações, no Itamaraty, para Administração, Cerimonial, ou Comunicações, por exemplo, se por acaso meus estudos e preferências pessoais tivessem me feito inclinar por essas áreas, para as quais confesso não manter sequer curiosidade ou gosto. Minhas opções sempre penderam para questões econômicas e políticas de desenvolvimento nacional, de cooperação internacional, que estão no âmago, podemos dizer, do trabalho substantivo em diplomacia, qual seja, a negociação de acordos e esquemas internacionais, no mais das vezes multilaterais, mas também bilaterais, que tem a ver com organização econômica e social dos países, seu desenvolvimento econômico e suas relações pacíficas. Venho das ciências sociais, e mais especificamente da sociologia histórica, mas com interesse pelo desenvolvimento econômico e político.

2. A intenção de se fazer um mestrado / doutorado (MSc-MA / PhD) no exterior é viável no contexto da carreira diplomática, especialmente num momento inicial da mesma (os primeiros dez anos de casa, p. ex.)? E na UnB, quando a lotação for BSB?
PRA: Pode-se tentar, ou deve-se tentar, embora a carreira seja extremamente absorvente quanto a horários, viagens, obrigações, totalmente fora do expediente e ocupando fins de semana inclusive. O diplomata não tem, ou não deveria ter, um expediente corriqueiro, como se faz numa empresa ao “bater o ponto”. Por isso mesmo, estudos acadêmicos, em paralelo ou concorrentemente com a profissão, são extremamente difíceis no desempenho normal das funções, embora não seja excluída essa possibilidade. Teoricamente sempre se pode estudar de noite, ou perseguir seus objetivos em horários parcialmente coincidentes com o desempenho normal de funções na carreira, em Brasília ou no exterior, mas isso depende muito das circunstâncias e possibilidades de cada posto ou função. 

3. Há alguma “parceria” entre alguma escola internacional e o Instituto Rio Branco, no que tange ao aperfeiçoamento do corpo diplomático?
PRA: Possivelmente existe, e sempre existe cooperação entre academias diplomáticas por meio de convênios abertos, mas sua implementação depende muito da vontade das chefias de “liberar” diplomatas para se dedicar a atividades acadêmicas, e depende muito, também, da orientação política de cada chefia. O IRBr já fez muito disso e ainda faz, mas desde 2003, a cooperação e o intercâmbio têm sido basicamente empreendidos no contexto Sul-Sul, quando não exclusivamente.

4. Há alguma incentivo por parte do Itamaraty, como flexibilização de horários ou reestruturação da carga horária?
PRA: Pode haver, mas isso depende muito de uma negociação caso a caso.

5. Há alguma forma de “lotação especial ou provisória” em razão de admissão em um programa de pós-graduação no exterior?
PRA: Não. O diplomata não pode partir da hipótese de que a Administração vai removê-lo para Boston ou NY, e liberá-lo de obrigações diplomáticas, apenas pelo fato de ter sido aceito em Harvard ou Columbia. Isso simplesmente seria uma imposição pessoal sobre o interesse do serviço. Pode haver alguma acomodação a posteriori, mediante consulta e exame do caso, mas não existe possibilidade uma carreira acadêmica, exterior ao serviço, determinar a mobilidade e atribuições do funcionário. 

6. Considerando sua experiência pessoal, você acredita que tenha sido mais recompensador ingressar no Itamaraty um pouco mais maduro, mas já tendo completado um doutorado (algo que não seria tão simples se sua opção fosse inversa)?
PRA: Foi certamente mais interessante ingressar no Itamaraty mais maduro, embora sempre se “perdem” alguns anos na progressão etária, digamos assim, mas eu ingressei com o mestrado completo, e o doutoramento em curso (terminado apenas depois de estar em meu segundo posto, e isto por decisão pessoal).

7. Por último, especulo se no futuro próximo, cogita-se postergar a aposentadoria compulsória dos servidores públicos (inclusive diplomatas)? 
PRA: Se a Constituição determina aposentadoria aos 70, essa deveria ser a idade limite de fato para os diplomatas; de direito é, mas de fato se dá cinco anos antes, com adaptações caso a caso. No futuro, certamente haverá postergação geral da idade limite.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 9/10/2011

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Correspondência original:

From: Rxxxxxxx Bxxxxxxx <xxxxxxxxxxx@yahoo.com.br>
Subject: Reenviando email com dúvidas sobre carreira diplomática e acadêmica
Date: 9 de setembro de 2011 18:45:40 BRT
To: Paulo Almeida <xxxxxxxxxxx@me.com>

Caro P.R. de Almeida, 
envio novamente o email com algumas dúvidas sobre carreira diplomática e acadêmica. 
Imagino que você receba muitas dúvidas e afins. Portanto, sublinho que não há urgência nos meus questionamentos, mas acredito ser um tópico interessante para vários futuros diplomatas. 

Abaixo segue,
Att.
Rxxxxxxx Bxxxxxxx

Primeiramente gostaria de lhe cumprimentar pela excelente iniciativa de organizar FAQs sobre a carreira diplomática. Muitos dos tópicos são esclarecedores e foram uma ótima orientação sobre diversas dúvidas sobre o Itamaraty.

Escrevo para indagar sobre a relação entre carreira acadêmica e carreira diplomática. Pelo que consegui investigar, constatei que embora a carreira diplomática não impeça que se tenha uma vida paralela na academia, não é simples conciliar ambas. 

Certamente o Itamaraty valoriza uma preparação acadêmica. A própria atividade diplomática já exige algum conhecimento teórico e preparação intelectual diferenciada. No entanto, não parece claro o benefício em termos de longo-prazo de se aperfeiçoar academicamente. Conforme conversei com outros diplomatas, em boa medida os indivíduos acabam tendo uma carreira acadêmica quase que apartada da vida diplomática. Ou seja, me parece que os motivos preponderantes são mais de ordem intelectual/pessoal do que de benefícios profissionais. 

Tomando-se em consideração que a maioria das universidades e centros de ensino, em especial nos Estados Unidos, oferece apenas programas full-time , torna-se extremamente árdua manter qualquer perspectiva de ser possível cursar uma pós-graduação no exterior, ainda que seja na área de Relações Internacionais ou Ciência Política, que, em princípio, seria uma boa forma de manter-se atualizado e academicamente ativo. Por outro lado, vejo que algumas instituições oferecem programas part-time para profissionais da área, valorizando os profissionais e destacando o que a experiência pode trazer para a sala de aula de aula. Dentre os programas que abrem essa possibilidade estão da London School of Economics and Political Science – LSE e do Center for Global Affairs – da NYU.

Caso haja uma possibilidade concreta de estudar em um bom MA/MSc ou PhD,  seria mais adequado colocar esse projeto como prioridade em relação ao Inst. Rio Branco, visto que talvez seja parcial ou completamente inviável algo do gênero após ingressar no Itamaraty ? Seria a situação do ex-chanceler Amorim, que, salvo engano meu, estudou na LSE em nível de pós-graduação e teve que abandonar seu curso antes de o completar ou defender sua dissertação/tese.

De certa forma, parece que é um tradeoff clássico : ingressar mais tarde na carreira(pelo menos 4-6 anos depois) ou ingressar mais cedo e deixar a vida acadêmica como um “hobby” (sem maiores preocupações com pós-graduação).  

Assim sendo, minhas perguntas seriam as seguintes:

1.         Sua área de especialização acadêmica afetou sua escolha ou opções de trabalho no Itamaraty ? Você acredita que tenha sido um fator essencial para algum posto específico ?
2.         A intenção de se fazer um mestrado / doutorado (MSc-MA / PhD) no exterior é viável no contexto da carreira diplomática, especialmente num momento inicial da mesma (os primeiros dez anos de casa, p. ex.) ? E na UnB, quando a lotação for BSB ?
3.         Há alguma “parceria” entre alguma escola internacional e o Inst. Rio Branco, no que tange ao aperfeiçoamento dos corpo diplomática ?
4.         Há alguma incentivo por parte do Itamaraty, como flexibilização de horários ou reestruturação da carga horária ?
5.         Há alguma forma de “lotação especial ou provisória” em razão de admissão em um programa de pós-graduação no exterior ?
6.         Considerando sua experiência pessoal, você acredita que tenha sido mais recompensador ingressar no Itamaraty um pouco mais maduro, mas já tendo completado um doutorado (algo que não seria tão simples se sua opção fosse inversa) ?
7.         Por último, especulo se no futuro próximo, cogita-se postergar a aposentadoria compulsória dos servidores públicos (inclusive diplomatas)? 

Quero dizer, em alguns casos parece problemático o fato do Itamaraty perder indivíduos que teriam condições de contribuir por mais alguns anos (embora sempre haja o risco de perpetuar uma “gerontocracia”). Assim, seria uma boa forma de evitar que haja um custo tão grande de se ingressar na carreira mais tarde. 

Desde já agradeço pela gentileza de usar seu tempo e paciência para os aspirantes à carreira diplomática.

Atenciosamente,
Rxxxxxx Bxxxxxxx