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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Back to work, again; new books from Paulo Roberto de Almeida

Terei de retomar a escrita pedagógica numa área que pensava já pacificada?

Meu primeiro livro contra o bolsolavismo diplomático se chamou Miséria da Diplomacia (2019), de um total de cinco, até o Apogeu e Demolição da Política Externa (2021). 

Antes teve o Nunca Antes na Diplomacia (2014), sobre o lulopetismo na política externa, seguido de Contra a Corrente: ensaios contrarianistas sobre a política externa (2019).

Será que vou ter de reincidir agora, numa mesma linha de argumentos? 

Sugestões de título para o primeiro de uma nova série?

Não vale “Diplomatices: a doença infantil do Populismo Diplomático”, ainda mais evidente do que algo do tipo “O Que Fazer na Política Externa?”.

Tem também “O Eterno Retorno na Política Externa”, “Diplomacia Prática para Reincidentes” ou ainda “Brazilian Diplomacy for Dummies”.

C’est l’embaras du choix…

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 27/02/2023

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Como chegamos à miséria geopolítica atual? No mundo e no Brasil - Paulo Roberto de Almeida

Como chegamos à miséria geopolítica atual?

Paulo Roberto de Almeida

George W. Bush (2000-2008), o pior presidente que os EUA já tiveram (com exceção de Trump, que é hors concours), carrega a suprema culpa pelas terríveis decisões que impactaram por décadas a atualidade (para trás e para a frente): a guerra do Iraque (o maior desastre da história militar dos EUA, comparável à insana guerra do Vietnã) e o antagonismo contra a Rússia (pela expansão da OTAN no glacis ucraniano) e a China (pela impossível decisão de contenção de sua irresistível ascensão), todas elas derivadas da arrogância e soberba daquele momento unipolar. 
Retrospectivamente, uma história diplomática dos EUA, se for honesta, terá de reconhecer esses tremendos erros de conduta estratégica.
Se ouso acrescentar algo para o Brasil e a sua política externa, seria isto: a decisão de se unir a duas autocracias (Rússia e China) e a uma democracia de baixa qualidade (a Índia, nisso semelhante ao Brasil) para formar o BRIC, a partir de uma simples sugestão de oportunidade de mercado por um economista de banco de investimentos, foi o maior ERRO ESTRATÉGICO da diplomacia brasileira em décadas, talvez historicamente. Venho alertando para esse erro desde 2006, quando o BRIC tomou forma em nível ministerial. 
O futuro confirmará meu julgamento, feito em diversos trabalhos reunidos neste livro,  cujo prefácio segue logo abaixo do índice: 


A grande ilusão do Brics : e o universo paralelo da diplomacia brasileira (2022): https://www.amazon.com.br/grande-ilus%C3%A3o-Brics-diplomacia-brasileira-ebook/dp/B0B3WC59F4

Índice

 

Prefácio: Brics: uma ideia em busca de algum conteúdo

1. O papel dos Brics na economia mundial

O Bric e os Brics 

A Rússia, um “animal menos igual que os outros” 

A China e a Índia  

E o Brasil nesse processo?

 

2. A fascinação exercida pelo Brics nos meios acadêmicos 

Esse obscuro objeto de curiosidade  

O Brasil, como fica no retrato?

Russia e China: do comunismo a um capitalismo especial 

O fascínio é justificado? 

O que os Brics podem oferecer ao mundo? 

 

3. Radiografia do Bric: indagações a partir do Brasil  

    Introdução: a caminho da Briclândia  

Radiografia dos Brics 

Ficha corrida dos personagens 

De onde vieram, para onde vão? 

New kids in the block  

Políticas domésticas 

Políticas econômicas externas 

Impacto dos Brics na economia mundial 

Impacto da economia mundial sobre os Brics  

Consequências geoestratégicas  

O Brasil e os Brics   

Alguma conclusão preventiva?

 

4. A democracia nos Brics  

A democracia é um critério universal?  

Como se situam os Brics do ponto de vista do critério democrático? 

Alguma chance de o critério democrático ser adotado no âmbito dos Brics? 

 

5. Sobre a morte do G8 e a ascensão do Brics   

Sobre um funeral anunciado  

Qualificando o debate   

O que define o G7, e deveria definir também o Brics e o G20

Quais as funções do G7, que deveriam, também, ser cumpridas pelo G20? 

 

6. O Bric e a substituição de hegemonias 

Introdução: por que o Bric e apenas o Bric?   

Bric: uma nova categoria conceitual ou apenas um acrônimo apelativo? 

O Bric na ordem global: um papel relevante, ou apenas uma instância formal?  

O Bric e a economia política da nova ordem mundial: contrastes e confrontos 

Grandezas e misérias da substituição hegemônica: lições da História 

Conclusão: um acrônimo talvez invertido 

 

7. Os Brics na crise econômica mundial de 2008-2009 

Existe um papel para os Brics na crise econômica?  

Os Brics podem sustentar uma recuperação financeira europeia? 

A ascensão dos Brics tornaria o mundo mais multipolar e democrático?

 

8. O futuro econômico do Brics e dos Brics  

Das distinções necessárias 

O Brics representa uma proposta alternativa à ordem mundial do G7? 

O que teriam os Brics a oferecer de melhor para uma nova ordem mundial? 

O futuro econômico do Brics (se existe um...)  

Existe algum legado a ser deixado pelo Brics? 

 

9. O Brasil no Brics: a dialética de uma ambição 

O Brasil e os principais componentes de sua geoeconomia elementar 

Potencial e limitações da economia brasileira no contexto internacional 

A emergência econômica e a presença política internacional do Brasil  

A política externa brasileira e sua atuação no âmbito do Brics 

O que busca o Brasil nos Brics? O que deveria, talvez, buscar?

 

10. O lugar dos Brics na agenda externa do Brasil 

Uma sigla inventada por um economista de finanças 

Um novo animal no cenário diplomático mundial 

Existe um papel para o Brics na atual configuração de poder? 

Vínculos e efeitos futuros: um exercício especulativo 

 

11. Contra as parcerias estratégicas: um relatório de minoria  

Introdução: o que é um relatório de minoria? 

O que é estratégico numa parceria? 

Quando o estratégico vira simplesmente tático 

Parcerias são sempre assimétricas, estrategicamente desiguais  

A experiência brasileira de parcerias: formuladas ex-ante 

A proliferação e o abuso de uma relação não assumida 

 

Posfácio: O Brics depois da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia  


Indicações bibliográficas 

Nota sobre o autor 

 

Prefácio

Brics: uma ideia em busca de algum conteúdo

 

 

Agrupamentos econômicos ou políticos geralmente partem de algum projeto intrínseco à lógica instrumental de seus proponentes originais e tendem a seguir os objetivos precípuos de seus principais países membros. Eles geralmente são constituídos a partir de alguma ruptura de continuidade na ordem normal das coisas, ou seja, no plano diplomático, no seguimento de um evento ou processo transformador das relações de força. Por exemplo, a Grande Guerra de 1914-18, o mais devastador dos conflitos globais até então conhecidos, produziu a Liga das Nações, uma tentativa de conjurar enfrentamentos bélicos daquela magnitude nos anos à frente: o proponente original, contudo, a ela não aderiu, e a primeira entidade multilateral dedicada à manutenção da paz entre os Estados membros se debateu nos projetos militaristas expansionistas dos fascismos do entre guerras, até soçobrar por completo nos estertores da Segunda Guerra Mundial. Para Winston Churchill, os dois conflitos globais foram uma espécie de repetição daquilo que a Europa havia conhecido no século XVII, uma “segunda Guerra de Trinta Anos”. 

A tentativa seguinte começou com um exercício de conformação da ordem econômica do pós-guerra, realizado na reunião de Bretton Woods, em junho de 1944: ela partiu da constatação de que era preciso reconstruir as bases da interdependência econômica destruídas pela crise de 1929 e pela depressão da década seguinte, congregando quase todos os países que estavam então unidos pela ideia das “nações aliadas”, a maior parte em luta contra as potências do eixo nazifascista. A proposta foi relativamente bem-sucedida e resultou na criação do FMI e do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento, ainda que a União Soviética, presente ao encontro, tenha preferido não se juntar às demais economias de mercado que puseram em funcionamento as duas instituições a partir de 1946. 

Imediatamente após a conferência de San Francisco e a abertura dos trabalhos da ONU, seu Comitê Econômico e Social (Ecosoc) aprovou a constituição de comissões econômicas regionais, encarregadas de mapear e informar a nova organização multilateral sobre a situação econômica em cada grande região do planeta, sendo que a mais famosa delas, a Cepal, sob a direção de Raúl Prebisch, não se contentou em apenas coletar dados econômicos sobre os países latino-americanos e do Caribe; com sede em Santiago do Chile, ela logo virou uma verdadeira escola de pensamento econômico, com cursos e programas de estudo sobre os problemas estruturais do continente.

Da mesma forma, a primeira organização de coordenação econômica europeia, a Oece, predecessora, em 1948, da Ocde (1960), foi constituída para administrar o funcionamento do Plano Marshall, e deveria, em princípio, estender-se igualmente aos países da Europa central e oriental ainda ocupados pelo Exército Vermelho. O Secretário de Estado americano proponente da ideia, o próprio George Marshall, respirou aliviado quando Stalin vetou a participação de sua esfera de influência no esquema, pois que não haveria, provavelmente, recursos a serem distribuídos entre todos eles; o programa, coordenado a partir de Paris, ficou então restrito à Europa ocidental.

Nos anos 1950 e no início da década seguinte, os países em desenvolvimento, em grande medida impulsionados pelo Brasil e demais latino-americanos, constataram que os arranjos econômicos feitos no âmbito de Bretton Woods e das reuniões preparatórias em Genebra à conferência da ONU sobre comércio e emprego de Havana, das quais resultaram, preliminarmente, o Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas Aduaneiras (Gatt, 1947), não tinham resolvido o problema básico das diferenças estruturais entre as economias avançadas e as “subdesenvolvidas”, como então eram chamados os países pobres, logo em seguida batizados conjuntamente de “Terceiro Mundo”. Levantou-se, então, um imenso clamor em torno dessa distinção julgada indesejável entre o Norte e o Sul do planeta, do qual resultou a convocação, pelo Ecosoc, da primeira conferência das Nações Unidas sobre comércio e desenvolvimento (Unctad, 1964), da qual resultou não só a criação do G77, o grupo dos países em desenvolvimento, mas um secretariado em Genebra, que passou a organizar reuniões quadrienais, das quais alguns dos resultados foram acordos sobre produtos de base e a criação de um Sistema Geral de Preferências, abolindo, na prática, o princípio da reciprocidade inscrito nos primeiros acordos comerciais, uma das cláusulas básicas do sistema do Gatt.

Quando, no seguimento da denúncia americana da primeira versão de Bretton Woods, feita pelo presidente Nixon em agosto de 1971, se instalou um “não-sistema financeiro mundial”, as principais economias de mercado avançadas estabeleceram um esquema informal de consultas entre elas para tentar conter a volatilidade dos mercados cambiais, o que deu origem ao G5 e, mais adiante, ao G7. Esse agrupamento perdura até hoje, com uma fase de G8 – não exatamente econômica, mas bem mais política –, com a inclusão da Rússia pós-soviética no esquema, situação que perdurou até a invasão da península da Crimeia, amputando-a da Ucrânia, em 2014. 

Paralelamente às reuniões anuais do G7, foi criada uma entidade privada, o Fórum Econômico Mundial, com encontros em Davos, na Suíça, com esse mesmo objetivo primário, de oferecer um espaço de discussões sobre a economia global, mais reunindo líderes de países e empreendedores privados; daquelas tertúlias nos Alpes suíços resultaram algumas boas iniciativas depois incorporadas às agendas de trabalho das principais organizações do multilateralismo econômico, primeiro o Gatt, depois a OMC, mas também as entidades de Bretton Woods, assim como as de várias agências especializadas da ONU; delas também participavam muitas ONGs de todo o mundo, a passo que, num sentido manifestamente oposto aos objetivos de Davos, começou a reunir-se, por breve tempo, o Fórum Social Mundial, um convescote anual das tribos confusas de antiglobalizadores – ou altermundialistas, como proferiam os franceses –, já com clara orientação anticapitalista.

De forma algo similar, no contexto das crises financeiras das economias emergentes, no final dos anos 1990, foi criado, no âmbito do FMI, um Fórum de Estabilidade Global, que, impulsionado por nova crise financeira, desta vez dos países avançados, em 2008, resultou na institucionalização do G20, reunindo as maiores economias do planeta. As reuniões anuais do G20 ingressaram numa repetitiva rotina de trabalho dos dirigentes desses países (incluindo a União Europeia e organizações pertinentes), relativamente satisfatórias no plano das proposições, mas que eram bem menos exitosas no terreno das realizações concretas, dada a diversidade natural de orientações de política econômica (e de postura política) entre seus membros, o que parece natural, uma vez que o G20 carece da unidade de propósitos que caracteriza, por exemplo, a Ocde. Alguns grupos informais, para meio ambiente, por exemplo, ou para outros temas globais, foram sendo instituídos, ao sabor das urgências de cada momento, sem exibir, contudo, o formalismo institucional de grupos estruturados em torno de um tema específico, com objetivos bem determinados. Estes são, grosso modo, os exemplos mais conspícuos – descurando a multiplicidade e a diversidade dos acordos e arranjos regionais ou plurilaterais que congregam interesses setoriais ou regionais, geralmente sob a forma de arranjos de liberalização do comércio ou organizações de escopo político, ou militar, como a Otan, no caso –, de agrupamentos surgidos a partir de um entendimento comum sobre objetivos compartilhados, que podem, ou não, evoluir para formatos institucionais, ou mais refinados, de agregação de valores e dotados de metas claramente definidas. 

Este não parece ser o caso do Bric-Brics, entidade híbrida, no universo dos agrupamentos conhecidos, sem um formato preciso quanto à sua institucionalidade e desprovido de metas objetivamente fixadas de acordo a um entendimento comum sobre seus objetivos básicos, ou seja, os elementos capazes de definir esse agrupamento em sua essência fundamental. Ele parece ter sido mais formado em oposição ao suposto “hegemonismo” do G7 do que em torno de propostas próprias sobre a ordem econômica e política mundial, com base em uma agenda de trabalho formalizada. Mas atenção, e aqui reside uma diferença relevante com respeito a todas as entidades mencionadas acima, ele não resultou de uma necessidade detectada internamente aos integrantes de seu primeiro formato, o Bric, mas se constitui a partir de uma sugestão totalmente alheia ao trabalho diplomático, ou de coordenação econômica entre países postulando objetivos comuns, com uma “inspiração” externa e estranha ao grupo, apenas para “aproveitar” a aproximação feita por um funcionário de uma entidade dedicada a finanças e investimentos, o economista Jim O’Neill, do Goldman Sachs. Por essa razão precisa, sempre o considerei um personagem anômalo, no universo de nossas tradições diplomáticas, mas basicamente em função de uma composição heterogênea, sem um foco preciso no leque dos interesses nacionais do Brasil no plano externo.

 

 

Este livro foi composto a partir de uma seleção de uma dezena, tão somente, de trabalhos, dentre uma lista de mais de duas dúzias de ensaios e artigos que escrevi explicitamente sobre o Brics – à exclusão, portanto, de diversos outros textos que pudessem igualmente abordar secundariamente esse grupo de países reunidos por uma ambição diplomática –, a partir de uma simples proposta econômica, e que se manteve navegando, entre ventos e marés, desde meados da primeira década do século, e que segue existindo mais como ideia do que como realidade. Os primeiros trabalhos nessa categoria foram escritos antes mesmo da constituição formal do grupo e se estenderam por mais de uma década, sobretudo durante a vigência do lulopetismo diplomático. A despeito de algo defasados no tempo, o que se reflete em alguns dados conjunturais, eles revelam uma preocupação fundamental do autor com a coerência da diplomacia brasileira – nem sempre respeitada em todos os governos – e com uma noção muito bem refletida sobre os chamados interesses nacionais – nem sempre bem interpretados por todos os governos –, o que fiz invariavelmente desde minha formação superior, nos campos da sociologia histórica e da economia política. A partir do momento em que passei a exercer-me na carreira de diplomata, nunca deixei de aplicar minhas leituras, minhas pesquisas, as experiências adquiridas em prolongadas estadas no exterior, em todos os regimes políticos e sistemas econômicos imagináveis, com exceção talvez de uma pura tirania ao velho estilo do despotismo oriental, ou o stalinismo do seu período mais sombrio. Percorri muitos países, ao longo de uma vida de estudos e de missões diplomáticas, sempre recolhendo impressões sobre suas formas de organização política e suas modalidades de organização econômica, o que me permitiu escrever centenas de artigos, duas dúzias de livros e incontáveis notas em cadernos, que se transformavam em trabalhos uma vez definido um objeto preciso de análise.

O Bric-Brics foi um desses animais estranhos na paisagem diplomática, ao qual apliquei o meu bisturi analítico, de forma bastante crítica como se poderá constatar pela leitura dos trabalhos selecionados e aqui compilados, o que obviamente se situava contrariamente à postura do Brasil em política externa nos anos do lulopetismo diplomático. Nunca fui de aderir a modismos de ocasião, nem me intimidei com os olhares estranhos que me eram dirigidos cada vez que eu me pronunciava com o meu olhar crítico sobre esse novo animal na paisagem de nossas relações exteriores. Sempre considerei que a atividade diplomática não pode ser dominada por esses princípios que só podem vigorar nas casernas, ou melhor, em situações de combate: a hierarquia e a disciplina. Acredito que um soldado não pode interromper as operações no terreno para ir discutir os fundamentos da paz kantiana com o seu comandante de pelotão, mas um diplomata tem, sim, o dever, de questionar, e de argumentar, sobre cada “novidade” que se apresenta na agenda das relações exteriores do Brasil. 

Como nunca me dobrei ao argumento da autoridade, sempre busquei invocar a autoridade do argumento ao discutir a rationale desse animal bizarro no cenário de nossas atividades, o que não foi bem recebido pelo grupo no poder. Não obstante estar privado de cargos na Secretaria de Estado, durante mais de uma década, continuei analisando criticamente as principais opções de nossas relações exteriores, aliás em todos os governos, desde a era militar até o arremedo de autoritarismo castrense a partir de 2019, o que se refletiu, precisamente, em todos os livros que publiquei desde 1993 (sendo os dois primeiros sobre o Mercosul) e em dezenas de artigos de corte acadêmico redigidos desde o período da ditadura militar. O último artigo desta coletânea, não tem a ver diretamente com a questão do Brics, mas se refere precisamente a essa postura de “minoria” contra certas posições dominantes, que nunca hesitei em proclamar, com base num estudo aprofundado de nossas relações internacionais. 

Esta compilação de artigos e ensaios tem por objetivo, assim, demonstrar na prática como se pode fazer diplomacia – ou, no caso, história diplomática – sem necessariamente rezar a missa pelo credo oficial. Ela demonstra, pelo menos para mim, que o dever do diplomata não é o de se curvar disciplinadamente às inovações que vêm de cima, mas o de questionar, com base num exame detido de cada questão, sua adequação a uma certa concepção do interesse nacional. A radiografia que aqui se faz do Brics tem por objetivo apresentar os dados da questão, examinar o interesse da ideia para o interesse nacional – com o objetivo do desenvolvimento econômico e social sempre em pauta – e de questionar o que deve ser questionado a partir de certos equívocos de posicionamento externo que podem discrepar daquele objetivo. Manterei minha opção de oferecer relatórios de minoria cada vez que a ocasião se apresentar. No momento, a intenção foi a de coletar trabalhos resultando uma década e meia de reflexões sobre o que eu chamei de “grande ilusão” de uma diplomacia paralela, que ainda exerce influência sobre nossas opções externas. 

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 6 de maio de 2022

 

 

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

De volta à questão crucial do BRICS para a diplomacia brasileira- Paulo Roberto de Almeida

 Um artigo que escrevi em junho último e que me parece ainda mais relevante depois da vitória de Lula em 30 de outubro. Tenho um livro sobre a Grande Miragem do BRICS no Kindle da Amazon:


O Brics e o Brasil: quem comanda? 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor (pralmeida@me.com)

Artigo para a revista Crusoé.  

 

A longa marcha do grande hegemon mundial

Em 1947, logo ao início da Guerra Fria, o Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos tomou uma decisão, que guiou a conduta do país nos assuntos internacionais pelo meio século seguinte, e provavelmente até a atualidade: manter uma inquestionável supremacia estratégica em termos militares e geopolíticos, não apenas no confronto com possível adversários (a União Soviética era o único, na ocasião), mas também em relação aos seus próprios aliados. Essa postura foi mantida sob todas as circunstâncias nas décadas seguintes, atravessando desde a fundação da Otan (1949), a adoção da doutrina da destruição mutuamente assegurada (MAD) nos anos 1950, a negociações de acordos de limitação de armas e limitadores da proliferação atômica (TNP, a partir de 1968), e até na implosão do antigo inimigo de 45 anos, a União Soviética. Os Estados Unidos se encontravam então, nos anos 1990, no seu momento unipolar, o hegemonismo levado ao seu extremo, depois da queda do muro de Berlim, da dissolução da URSS em mais de uma dúzia de repúblicas independentes (algumas apenas formalmente) e em consequência da extraordinária demonstração de força foi a primeira guerra do Golfo, em 1991, a expulsão das tropas de Saddam Hussein do Kuwait.

Os americanos tinham obtido um feito extraordinário, no meio daquele longo percurso de supremacista geopolítico: separar a China da União Soviética em termos de um possível cenário estratégico de eventual confrontação global. A visita de Nixon a Mao e a subsequente ascensão da China comunista à cadeira da República da China no Conselho de Segurança consolidaram um panorama de ruptura entre os dois grandes inimigos do capitalismo e das democracias de mercado: a China se tornou uma aliada estratégica, ainda que disfarçada, dos Estados Unidos, contra a União Soviética, contra a qual ela tinha várias diferenças antigas e recentes nos milhares de quilômetros de fronteiras e de terras roubadas em séculos passados. Essa aquisição extremamente significativa no quadro do seu planejamento geoestratégico foi completamente perdida no curso dos mesmos anos 1990, quando os EUA, depois de terem patrocinado a incorporação da China à economia global, passaram a tratá-la como adversária estratégica. Essa inversão de postura motivou uma pequena revolução na política externa e na postura global da China, que passaram a encarar os Estados Unidos, não como uma aliado, num eventual confronto com a confusa Rússia desse período, mas como uma potência hegemônica fixada num objetivo que pode ser classificado como demencial e impossível: conter a irresistível ascensão econômica e política da China, o grande Império do Meio, temporiamente diminuído e humilhado pelas grandes potências ocidentais e pelo Japão, durante o século dos tratados desiguais (desde as guerras do ópio até a conquista do poder pelo PCC, em 1949). 

 

Uma nova longa marcha para o Império do Meio

Esse novo cenário pode ter atuado como motivação principal para que os novos imperadores da China decidissem pela sua incorporação ao exercício começado pouco antes pela Rússia e pelo Brasil no sentido de transformar um mero projeto de “carteira de negócios” de um banco de investimentos, um simples exercício intelectual articulado em torno do acrônimo BRIC, em um grupo diplomático. Deve ter sido, provavelmente, o primeiro grupo, ou bloco de países, que não nasceu em torno de um projeto deliberada e racionalmente articulado pela vontade de seus membros constitutivos, com vistas a objetivos comumente determinados, em função dos interesses nacionais de cada um deles, mas que foi induzido externamente, com baseunicamente em projeções de retornos ampliados a partir de quatro economias então relativamente dinâmicas (Rússia e Brasil degringolaram depois das simulações de crescimento rapidamente desenhadas pelo economista do Goldman Sachs). 

A China já representava, desde o início, mais da metade do peso total do BRIC, em termos de PIB, comércio, finanças, capacidade de investimento, infraestrutura e demais indicadores econômicos. De certo modo ela já podia determinar para que direção caminharia o novo grupo, muito artificial sob todos os demais aspectos políticos, diplomáticos, culturais e, sobretudo, geopolíticos. Ela o fez, quase imediatamente após a conformação oficial do BRIC, na primeira reunião de cúpula dos quatro dirigentes, em Ecaterimburgo, em 2009. Já animando uma reunião anual com países africanos desde alguns anos antes – pois que tinha enormes projetos de investimentos no continente africano –, ela fez com que a África do Sul fosse admitida no bloco desde 2011, e foi assim que ele se converteu em Brics, preservando um acrônimo ainda significativo, mas integrando um país que pouco tinha a ver com o espírito inicial do seu “projetista” de investimentos. De certo modo, esse ingresso era aceitável para o Brasil, pois que a África do Sul já fazia parte do primeiro exercício brasileiro de “diplomacia de grupos” sob o lulopetismo: o IBAS, que desde 2003 já integrava a Índia.

A criação do New Development Bank e do mecanismo de empréstimos contingentes, na cúpula de Fortaleza, em 2014, parecia sinalizar uma maior adequação do Brics aos seus objetivos originais, ou seja, a promoção do crescimento econômico, o reforço de mecanismos de cooperação recíproca voltados para a promoção dos intercâmbios comerciais e financeiros com vistas ao desenvolvimento dos cinco países e sua incorporação de maneira mais ou menos coordenada aos grandes circuitos da economia mundial. Tudo isso começou a ser alterado no próprio ano de 2014, quando da violenta irrupção da Rússia de Putin na Ucrânia oriental e no sequestro e anexação da península da Crimeia à sua soberania. A Rússia passou a sofrer sanções dos países ocidentais, mas os demais membros do grupo permaneceram estranhamente silenciosos em face dessa violação flagrante da Carta da ONU e do próprio direito internacional. 

A China, totalmente empenhada na realização da sua nova Rota da Seda, trilhando caminhos nas antigas satrapias da URSS, começou a reforçar sua cooperação com a Rússia, ao mesmo tempo em que desenvolvia novos caminhos para superar os obstáculos que o ainda insuperável hegemon mundial estava criando para conter sua ascensão agora inevitável. Este é o novo grande jogo estratégico na Ásia, de contornos ainda indefinidos, depois da guerra de agressão de Putin contra a Ucrânia e de uma possível redefinição dos cenários estratégicos que serão traçados entre as potências ocidentais. 

 

A pequena marcha do Brasil no Brics

Não se sabe ainda como a futura diplomacia brasileira – a atual já quase não conta mais – vai reagir ante os recentes “projetos” de incorporação de novos membros ao Brics: Argentina, Irã e vários outros candidatos a um grupo que pode ir além do G7 (mas apenas em números). As propostas vêm sendo articuladas pela China, que convidou uma série de outros países, grandes e pequenos, à reunião virtual de cúpula de 2022. Nenhuma decisão será tomada de imediato, mas tal perspectiva permite retornar ao tema que mais importa para a China neste momento: como articular uma coalizão suficiente de países para se contrapor às manobras dos Estados Unidos de contê-la em sua irresistível ascensão?

Este é o ponto fulcral dos objetivos chineses na atual conformação do Brics, que por acaso também podem contemplar os interesses russos no cenário pós-invasão da Ucrânia a mando de Putin: lograr escapar do isolamento conduzido pelas principais potências ocidentais contra os países que contestam o hegemonismo americano e sua arrogância unilateral. Depois da anunciada “aliança sem limites” entre as duas potências autocráticas da Eurásia, o Brics passa a ser usado para fins diversos daqueles concebidos inicialmente. Depois de demonstrar sua total indiferença à anexação russa da Crimeia, a diplomacia brasileira continuará a demonstrar a mesma indiferença em relação a uma guerra cruel que, claramente, afronta todos os valores e princípios pelos quais sempre se bateu sua política externa e que também afrontam diversas cláusulas constitucionais de relações internacionais? Esse é o quadro que se apresenta ao Brasil, depois de ter patrocinado, como um aprendiz de feiticeiro, uma aventura diplomática que as modestas capacidades de projeção externa do país não estão em condições de controlar para objetivos puramente nacionais de crescimento econômico e desenvolvimento social (que deveriam supostamente ser as molas básicas de suas iniciativas no campo da política externa).

O Brasil de Lula-Amorim e a Rússia de Putin-Lavrov deram a partida a um projeto, aceito imediatamente pela China e pela Índia, por razões próprias a cada um deles. A África do Sul entrou de arrastro, e não conta para outros objetivos que não os da China em relação ao continente africano. O que pretendia o Brasil no BRIC-Brics, na origem, e o que pode ele pretender agora, quando o grupo está sendo claramente manipulado pela China e pela Rússia, em função de interesses exclusivamente nacionais, tanto no plano estratégico, quanto nos seus objetivos táticos? Essa é uma pergunta que não terá resposta imediata, nem pode ter, em virtude da conjuntura eleitoral brasileira, mas que permanece como uma das definições de grande diplomacia a serem equacionadas no futuro de médio prazo.

O fato é que o Brics se tornou um animal muito grande para ser encabrestado por um país de recursos limitados como o Brasil, talvez até pela própria Índia, num cenário que não tem muito a ver com a velha Guerra Fria, nem mesmo com alguma nova, qualquer que seja ela. questão de saber quem manda no Brics está posta: o Brasil saberá responder?

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 418828 junho 20224 p. (9.800 caracteres)

 

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Roberto Campos: sempre presente, ainda necessário - livros de Paulo Roberto de Almeida

 De tuites de: @Frases_RCampos

(12/11/2022)

Finalizado isso, é hora de ler as homenagens ao Roberto. Gosto muito dos livros do @PauloAlmeida53: A Constituição contra o Brasil sobre a CF de 88 e seu teor nada capitalista e O homem que pensou o Brasil, um verdadeiro resumo do que foi Roberto. Destaque para eles.

Há ainda o O homem mais lúcido do Brasil, uma coletânea de frases basicamente. Não gostei muito, vai ser repetitivo pra vocês. Por fim, Roberto tinha uma seção na Folha com o nome da biografia dele, é fácil de achar seus textos. Fim da thread, obrigado aos que leram e lerão.

E tem também esse site com artigos e entrevistas do Roberto Campos: 

https://web.archive.org/web/20090402035554/http://pensadoresbrasileiros.home.comcast.net/~pensadoresbrasileiros/RobertoCampos/


sexta-feira, 19 de agosto de 2022

À la recherche d’un blog perdu : Metapolítica 17 - Paulo Roberto de Almeida

 À la recherche d’un blog perdu : Metapolítica 17

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Notas sobre um blog desaparecido de um ex-chanceler acidental.

 

 

Recentemente, alguém me contactou para perguntar sobre os escritos do patético ex-chanceler acidental, um personagem que era obscuro, antes de ser designado primeiro chanceler do governo do capitão, e que voltou a ficar novamente obscuro, depois de sua demissão em março de 2021, e do qual nunca mais me ocupei, depois de escrever e publicar cinco livros sobre o infeliz ciclo do bolsolavismo diplomático (ver todos os títulos em meu blog Diplomatizzando, a partir do Miséria da Diplomacia, em meados de 2019). 

Para atender à demanda, efetuei uma rápida verificação, colocando o endereço do blog responsável pela sua designação como chanceler: https://www.metapoliticabrasil.com/. A resposta veio rápidaLooks Like This Domain Isn't Connected to a Website Yet!

Ou seja, ele desativou o seu antigo blog do período ascensional e desapareceu com todas as postagens do período de declínio, talvez porque tenha sido chutado pelo capitão e ficou sem qualquer apoio nos antigos setores. Mas muita gente, inclusive eu, deve ter registrado e guardado suas postagens, assim como matérias sobre ele e suas “ideias”. Não sei por que alguém ainda teria curiosidade de retornar ao “mar morto” do período de ativismo do ex-chanceler acidental, mas creio ser uma das pessoas mais habilitadas a fazê-lo, dado que segui a carreira e o besteirol dos dois anos e três meses nos quais ele conseguiu desmantelar a diplomacia do Itamaraty e boa parte da política externa (determinada pelo ex-chefe). Não vou reproduzir as bobagens escritas pelo bizarro personagem, mas vou fazer um relato sintético sobre o período de maiores loucuras que frequentaram a Casa de Rio Branco, de 2019 a 2021.

 

A designação do chanceler acidental e a imensa surpresa em torno do personagem

No dia 22 de setembro de 2018, um até então obscuro diplomata anunciava triunfalmente ao mundo que ele estava a caminho de salvar o Itamaraty, o Brasil e o mundo, por meio de seu novo blog, curiosamente chamado de Metapolítica 17: contra o globalismo, nestes exatos termos: 

Sou Ernesto Araújo. Tenho 28 anos de serviço público e sou também escritor. Quero ajudar o Brasil e o mundo a se libertarem da ideologia globalista. Globalismo é a globalização econômica que passou a ser pilotada pelo marxismo cultural. Essencialmente é um sistema anti-humano e anti-cristão. A fé em Cristo significa, hoje, lutar contra o globalismo, cujo objetivo último é romper a conexão entre Deus e o homem, tornado o homem escravo e Deus irrelevante. O projeto metapolítico significa, essencialmente, abrir-se para a presença de Deus na política e na história. (blog pessoal: Metapolitica 17; iniciado em 22/09/2018)

 

Nem tomei conhecimento, naquele momento, dessa coisa estranha, e apenas fui saber da “novidade” no dia 14 de novembro pela tarde, quando o personagem até então realmente desconhecido pela maioria dos jornalistas foi designado como o novo chanceler, pelo presidente eleito no mês de outubro anterior. Antes de anunciar o seu escolhido, o candidato, depois presidente eleito, afirmou várias vezes que escolheria para o Itamaraty um “diplomata experiente e sem ideologia”. Parece que ele errou nos dois conceitos (ou foi deliberado).  

Mas, eu só soube da escolha do seu nome porque um jornalista amigo me telefonou, na tarde do dia 14 de novembro, para inquirir sobre a obscura figura. Só então soube que ele tinha um blog com aquele nome curioso. Prestei as informações que eram do meu conhecimento ao jornalista ignaro – e todos o eram até aquele momento – e depois passei o resto da noite do dia 14/11 e todo o feriado da República, lendo as postagens inacreditáveis (que até então eram poucas), mas extremamente reveladoras de uma personalidade angustiada com o avanço do marxismo no Brasil e no mundo, com a falta de Deus no Itamaraty e nas cercanias da política, e devidamente equipado, pelo número de doutas citações, a libertar o Brasil, se não o mundo, dos vários e aflitivos demônios ameaçadores.

Mas, sempre atento às novidades “cercando” (e como) a política externa, fiz uma primeira postagem, em meu blog, já no dia 16 de novembro, já refletindo a investigação de alguns jornalistas sobre o que pensava (ou deixava de pensar), o chanceler designado. Sem qualquer comentário de minha parte, transcrevi esta matéria, tal como lida: 

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Futuro chanceler: perto de Trump e longe da China - Lu Aiko Otta (OESP)

Futuro chanceler está perto de Trump e longe da China

Escolhido para chefiar Itamaraty diz que mudança climática é uma trama marxista para favorecer País asiático

Lu Aiko Otta, O Estado de S. Paulo, 16 novembro 2018 | 05h00

Blog Diplomatizzandohttps://diplomatizzando.blogspot.com/2018/11/futuro-chanceler-perto-de-trump-e-longe.html

 

Mas, a confusão em torno da diplomacia bolsolavista já tinha começado antes mesmo da designação do chanceler acidental, que é como eu sempre chamei o patético personagem, apadrinhado por um conhecido e polêmico guru ideológico da nova tropa de aventureiros que chegava ao poder. A confusão se instalou a partir de diversas declarações do presidente eleito sobre temas externos, todas elas rigorosamente ideológicas e denotando uma vontade de romper totalmente com a diplomacia tradicional, não tanto porque tivesse outra para colocar no lugar, mas por pura ignorância crassa. Uma delas eu registrei em postagem do dia 8 de novembro, ao tomar conhecimento de que uma delegação diplomática egípcia a caminho do Brasil tinha cancelado sua viagem, depois que Bolsonaro anunciou que mudaria a embaixada do Brasil de Tel Aviv a Jerusalém:

terça-feira, 6 de novembro de 2018

https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/11/diplomacia-bolsonarista-ainda-nem.html

Diplomacia bolsonarista: ainda nem começou, mas já agita um bocado

Notícias turbulentas: Em reação a Bolsonaro, Egito adia sem data visita oficial do Brasil : https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,em-reacao-a-bolsonaro-egito-adia-sem-data-visita-oficial-do-brasil,70002587188

 

No dia 11 de novembro, ou seja, três dias antes da designação oficial do chanceler acidental, eu registrava uma matéria da Gazeta do Povo revelando, com algum grau de detalhe, como seria a política externa do novo governo: 

domingo, 11 de novembro de 2018

https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/11/como-sera-politica-externa-do-governo.html

Como será a política externa do governo Bolsonaro - Fernando Martins (Gazeta do Povo) - Como será a política externa do governo Bolsonaro

 

Exatamente um dia antes de ser anunciado quem seria o novo chanceler, o embaixador Rubens Barbosa publicava no Estadão, um artigo sobre os desafios diplomáticos do novo governo, já levando em conta tudo o que já se sabia das declarações estapafúrdias do presidente eleito – mas sem que se soubesse que o chanceler seria alguém ainda mais esquizofrênico –, como também registrei em meu blog, mas no mesmo dia, um outro artigo, do jornalista Bernardo de Melo Franco, também se dedicava a especular sobre o futuro, texto que registrei na manhã do dia seguinte, ainda sem ter conhecimento do “chanceler”: 

terça-feira, 13 de novembro de 2018

https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/11/a-politica-externa-do-governo-bolsonaro.html

A política externa do governo Bolsonaro - Rubens Barbosa

 

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/11/desafios-ao-novo-chanceler-bernardo.html

Desafios ao novo chanceler - Bernardo Mello Franco (Globo)

Próximo chanceler terá árduo trabalho, O Globo, 13/11/2018

 

Finalmente, tendo tomado conhecido da designação do chanceler acidental, emiti, no próprio dia 15 de novembro, depois de ler vários de seus petardos iniciais no Metapolítica 17, um pequeno texto que pode ser lido na postagem abaixo resumida: 

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/11/sobre-o-chanceler-designado-paulo.html

Sobre o chanceler designado - Paulo Roberto de Almeida

Minha postura quanto ao chanceler designado

 

Nela eu dizia basicamente o seguinte:

Eu fiquei 13,5 anos completamente afastado de qualquer cargo na SERE durante todo o regime lulopetista, e não pude, assim, acompanhar sua trajetória no período 2003-2016. Apenas recentemente soube que ele era casado com a filha do ex-SG Luiz Filipe de Seixas Corrêa. Não tinha a menor ideia de que ele mantinha uma campanha política militante em favor do candidato vencedor, como transpareceu na imprensa cerca de um mês atrás. (...)

Se ele foi escolhido pelo presidente eleito a exercer a função política de comandar a diplomacia brasileira no próximo governo, só posso desejar-lhe sucesso na função. (...)

Apenas ontem (14/11/2018), e depois da nomeação, tomei conhecimento pela primeira vez de que ele mantém um blog pessoal, para a expressão dessas ideias, o que eu também faço, no Diplomatizzando, mas, no meu caso, geralmente para transcrição de matérias de terceiros, com alguns poucos comentários de minha parte. Não me envolvo, nunca me envolvi, em atividades partidárias, e pretendo assim manter-me invariavelmente à margem desse tipo de opção. Minhas prioridades principais, no presente momento, ou desde sempre, consistem em preservar o Itamaraty e a diplomacia brasileira de quaisquer desvios indesejados, em termos ideológicos ou políticos, que possam ser considerados nefastos para a manutenção de sua alta qualidade intelectual, de sua grande capacidade de trabalho, puramente profissional, e de uma postura isenta no plano político-ideológico. Acredito, como aliás deve ser, que a política externa é determinada pelo chefe de Estado e de governo, como ocorre nos regimes presidencialistas, cabendo ao Itamaraty aconselhá-lo da melhor forma possível visando à defesa estrita dos altos interesses da nação e do Estado.

 

No próprio dia 15, e nos dias seguintes, jornalistas, pesquisadores, observadores, continuaram escrevendo sobre o chanceler designado, com base nas poucas “ideias” reveladas em seu blog ou no artigo “Trump e o Ocidente”, que havia sido publicado um ano antes na revista do IPRI da qual eu era o editor, que depois eu comentei amplamente num dos capítulos de meu primeiro livro do ciclo bolsolavista, Miséria da Diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty (livremente disponível desde junho de 2019). Três dias depois da designação, no dia 18 de novembro, portanto, fiz uma listinha dos artigos (meus e de terceiros) publicados em meu blog, como indicado a seguir, postagem que terminava com estas minhas palavras: “Pode ser que o frenesi em torno do novo chanceler se acalme nas próximas semanas, ou não...” 

1)             Sobre o chanceler designado - Paulo Roberto de Alm...

2)             Globalismo e globalizacao: uma confusao persistent...

3)             Sobre o marxismo cultural - Paulo Roberto de Almei...

4)              Futuro chanceler: perto de Trump e longe da China ...

5)             A política externa do governo Bolsonaro - Rubens B...

6)             Os perigos da guinada radical no Itamaraty - Guilh...

Já prevendo que as semanas seguintes à posse do novo governo seriam confusas e conturbadas, pelo ineditismo esquizofrênico das posições antecipadas por eles mesmos – recusa do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, do Pacto Global das Migrações, da política externa regional, que seria regida em termos ideológicos “direita-esquerda” –, corri para terminar os projetos em curso no IPRI e paralelamente: finalização e lançamento dos dois volumes com a produção do ex-chanceler Celso Lafer em relações internacionais, e publicação do primeiro número da revista 200, produzida por meu colega Carlos Henrique Cardim, mas que acabaria bloqueada pelo novo chanceler antes mesmo da sua posse (um ano depois, eu obtinha o arquivo digital da revista e colocava na plataforma Academia.edu). Foram semanas de muito trabalho no final de novembro e dezembro, e de algum temor.

Nas semanas seguintes, enfastiado com aquelas ideias delirantes, pouco prestei atenção à luta do cruzado contra os perigos do marxismo, tanto que tirei férias no final do ano, viajei, e nem estava em Brasilia para a posse presidencial ou a do “flamante” chanceler, como dizem os hermanos. Soube, por amigos, que seu discurso de posse, no dia 2 de janeiro de 2019, foi um verdadeiro choque de surrealismo para todos os diplomatas ali presentes. No mesmo dia, recebi, por WhatsApp, em Gramado (RS), onde me encontrava, um pedido da nova administração para opinar sobre o Instituto Rio Branco, o que me recusei a fazer, por não ter essa área em minha competência, até então restrita ao Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais (IPRI).

Ao mesmo tempo, chegou-me uma espécie de “instrução” para não aplicar o programa de trabalho que havia sido aprovado pelo Conselho da Funag no mês de dezembro de 2018. Percebi que a coisa iria degringolar no Itamaraty. Aliás, esperava ser demitido logo no primeiro dia do novo “regime”, pois já havia alcunhado o novo dono do poder de fascista, o que não era exatamente um cumprimento. Demorou um pouco, e entendi que ainda estavam buscando um substituto para a direção do IPRI, mas finalmente chegou, no começo de março de 2018, em plena segunda-feira de Carnaval, dia de suposto feriado. No intervalo fiquei fazendo o que sempre faço: ler, refletir, escrever algumas coisas, inclusive mais algumas “pérolas” do chanceler acidental, o tal orgulhoso animador do blog Metapolítica 17 (contra o globalismo, não esquecer). 

O fato é que eu fui “exonerado” do meu cargo de Diretor do IPRI numa “manhã de Carnaval”, no próprio dia em que eu publicava no meu blog um artigo do chanceler acidental, com alguns poucos comentários da minha parte, sem relação com o artigo, apenas relatando meus 13,5 anos de travessia do lulopetismo diplomático: 

segunda-feira, 4 de março de 2019

https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/03/contra-o-consenso-tradicional-na.html

Contra o consenso "tradicional" na politica externa - artigo do chanceler

 

Não vou me estender sobre todas as postagens feitas no blog Diplomatizzando nos primeiros meses de 2019 sobre o asilo de alucinados em que se converteu o Itamaraty, tanto porque, exonerado do IPRI, refugiei-me na Biblioteca do Itamaraty e fiquei preparando meu primeiro livro de 2019, que não tinha nada a ver com o novo governo, mas cuidava apenas do período anterior: Contra a Corrente: ensaios contrarianista sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018 (Appris). Depois resolvi tomar notas para o que seria o primeiro livro do ciclo bolsolavista, o já citado Miséria da Diplomacia (em duas edições, uma de autor, a outra pela Universidade Federal de Roraima, ambas inteiramente livres e disponíveis no meu blog Diplomatizzando). Naquele livro “contrarianista”, aproveitei um texto que tinha escrito no mês de novembro anterior, feito a caminho de Santa Maria (RS), para um seminário, “Por que sou um contrarianista?”, imediatamente publicado no blog, antes da fatídica data de 14 de novembro quando foi anunciado o chanceler acidental, o que apenas reforçou a minha vocação de ser contrarianista. Quando o livro finalmente foi publicado, em meados do primeiro semestre, eu anunciava, na sua última página (247), um novo livro para aquele mesmo ano, como “Obra em preparação: Meio Século de Aventuras Intelectuais: escritos sobre o Brasil e o mundo, 1968-2018”. Esse livro não foi, até aqui, concluído.

 

O que aconteceu com o blog do novo cruzado?

O blog Metapolítica 17, do chanceler acidental, permaneceu ativo durante todo o tempo em que ele infelicitou o Itamaraty e a diplomacia profissional e ajudou o presidente a demolir a política externa relativamente equilibrada do período imediatamente anterior. Assustado com os caminhos adotados por ambos, na defesa de teses indefensáveis, como por exemplo a de que o nazismo seria uma “ideologia de esquerda”, continuei a seguir seus petardos alucinados e alucinantes, eventualmente comentados e “corrigidos” por mim e por jornalistas experientes. Por exemplo, para rebater a tese de que o nazismo seria “de esquerda”, o jornalista experimento Diogo Schelp produziu um artigo arrasador, que reproduzi no Diplomatizando

domingo, 7 de abril de 2019

https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/04/ernesto-araujo-e-o-nazismo-de-esquerda.html

Ernesto Araujo e o nazismo "de esquerda": Diogo Schelp recomenda um livro

Uma recomendação de livro para o chanceler Ernesto Araújo

Diogo Schelp - UOL 07/04/19

https://diogoschelp.blogosfera.uol.com.br/2019/04/06/uma-recomendacao-de-livro-para-o-chanceler-ernesto-araujo/

 

Eu mesmo acabei produzindo um artigo sobre as vinculações entre suas “ideias” em torno da metapolítica e o nacionalismo alemão que tinha desembocado no nazismo: 

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/01/metapolitica-de-wagner-hitler-e-ao.html

Metapolitica: de Wagner a Hitler, e ao chanceler acidental - Paulo Roberto de Almeida

Nas origens da Metapolítica: o romantismo alemão que derivou para o nazismo

 

Depois, escrevi dois outros livros, em plena vigência do bolsolavismo diplomático triunfante, rebatendo a cada vez o festival de absurdos que ocorria, de forma regular, constante e repetidamente, com (na verdade, contra) a política externa e a diplomacia brasileira. Menciono rapidamente esses livros publicados geralmente em formato Kindle ou divulgados livremente, para facilitar e apressar os contra-argumentos às loucuras emanadas dos amadores da diplomacia: O Itamaraty num labirinto de sombras: ensaios de política externa e de diplomacia brasileira (Brasília: Diplomatizzando, 2020; Edição Kindle); Uma certa ideia do Itamaraty: a reconstrução da política externa e a restauração da diplomacia brasileira (Brasília: Diplomatizzando, 2020; plataforma Academia.edu). Neste segundo eu já propunha uma política externa pós-bolsolavista.

O tipo de evento que a Funag andou promovendo nos tempos ideológicos

Fundação Alexandre de Gusmão e o IPRI se converteram num valhacouto de antiglobalistas, negacionistas, fundamentalistas (e nem sei por que os monarquistas foram se meter com aquele bando de malucos), nos eventos, seminários e palestras organizados exclusivamente para a malta dos adoradores do sofista da Virgínia, aquele a quem eu chamava de “Rasputin de Subúrbio”, assim como os aloprados do bolsonarismo com alguma tintura supostamente acadêmica. Cheguei a sentir pena dos alunos do Instituto Rio Branco, de excelente nível, mas assembleia cativa, e necessariamente passiva (mas provavelmente estupefata), com aquelas palestras estrambóticas. Imagino o sofrimento que deve ter sido para eles escutar invectivas contra o multilateralismo, o perigo iminente do comunismo que rondava a política brasileira, assim como os projetos diabólicos do Foro de São Paulo nos seus projetos de implantar o socialismo na América Latina. 

Imaginei que com a derrota de Trump – nunca admitida por Bolsonaro, meses depois da posse de Biden – e antes mesmo da posse do novo presidente americano, o chanceler acidental seria trocado por alguém mais razoável, o que todavia não ocorreu. Cheguei a escrever um pedido de demissão para o chanceler, se ele tivesse coragem de abandonar a cadeira que conspurcar, mas nada ocorreu até o início dos trabalhos legislativos. Minha carta recomendando renúncia, a ele dirigida, foi publicada no blog no final de janeiro de 2021: 

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/01/carta-aberta-um-diplomata-completamente.html

Carta aberta a um diplomata completamente fora do tom

 

Como ele não se resolvia, publiquei meu quarto livro sobre os delírios do chanceler acidental e sua obra destruidora da diplomacia profissional: O Itamaraty Sequestrado: a destruição da diplomacia pelo bolsolavismo2018-2021 (Brasília: Diplomatizzando, 2021; edição Kindle). Poucos dias depois ele era levado a se demitir, por pressão da bancada da Comissão de Relações Exteriores do Senado, mas manteve, durante algum tempo, seus textos no blog Metapolítica 17; como ele já era “carta fora do baralho”, deixei de prestar atenção nos seus petardos malucos, e esses textos últimos, antes da eliminação completa do blog e das postagens eu não gravei, mas espero que alguém o tenha feito, e aqui fica o meu apelo para que essa coleção de alucinações seja completada, quem sabe para o benefício de algum candidato a mestrado ou doutorado em psiquiatria diplomática.

Para finalmente dar por concluído esse ciclo de livros que não deveriam ter sido escritos – pois nada justificou a perda de tempo com tantas bobagens, tendo tanta coisa mais interessante para escrever – condensei meus estudos e reflexões sobre algumas décadas de política externa (grosso modo desde a redemocratização, a partir de 1985) num livro que sintetiza meu pensamento sobre a diplomacia conduzida de Sarney a Bolsonaro: Apogeu e demolição da política externa: itinerários da diplomacia brasileira (Appris, 2021). Creio que com o livro publicado pela LTC em 2012, Relações internacionais e política externa do Brasil: a diplomacia brasileira no contexto da globalização, são minhas duas melhores obras que tratam do meu próprio trabalho em 44 anos de desempenho diplomático.

Quando e exatamente porque o ex-chanceler acidental resolveu deletar de sua vida todas aquelas “saborosas” postagens antiglobalistas, fundamentalistas, raivosas e rançosas, feitas no Metapolítica 17, isso eu não sei, mas as razões não são difíceis de adivinhar: a tropa dos ideólogos da “nova política” soçobrou inteiramente depois que o Itamaraty se entregou, de armas e bagagens, ao Centrão, o que lhe garantiu certa sobrevivência política numa das trajetórias mais infames já conhecidas em toda a história do Brasil, e isso desde que aqui desembarcou, na Bahia mais exatamente, o primeiro governador-geral do Brasil, D. Tomé de Souza: nunca tivemos um dirigente tão medíocre, inepto e doentio, ao ponto da perversidade.

Talvez algum dia alguém escreva a trajetória do ex-chanceler acidental, embora já existam alguns livros sobre a diplomacia bolsonarista. Sobre o personagem, eu organizei um livro, a partir de outros petardos, os de um cronista desconhecido, que recomendo aos que apreciam a galhofa: Ereto da Brocha, Memorial do Sanatório, ou Ernesto e seus dragões no país de Bolsonaro (Brasília: Ombudsman, 2022; disponível na plataforma Academia.edu: https://www.academia.edu/71720946/Memorial_do_Sanatorio_Ereto_da_Brocha_Ombudsman_do_Itamaraty_2021_). 


Paulo Roberto de Almeida

                                                                               Brasília, 4230: 19 agosto 2022, 8 p.