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terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Belarus: país onde o ditador prendeu o Papai Noel - Comunidade belarussa no Brasil

 Recebi, de representantes da comunidade belarussa no Brasil, o texto abaixo, que reproduzo fielmente, a despeito do fato de não conhecer seus redatores e de não poder me pronunciar sobre o seu conteúdo.

Este espaço, o blog Diplomatizzando, o meu quilombo de resistência intelectual, se destina justamente a divulgar material inteligente sobre questões relevantes, como é o caso da defesa da democracia e dos direitos humanos na Belarus.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 5 de janeiro de 2021


Belarus: país onde o ditador prendeu o Papai Noel 

 

Há mais de quatro meses, os belarussos protestam contra a fraude eleitoral, a violência policial em relação aos manifestantes pacíficos e a violação generalizada dos direitos humanos pelo governo de Aliaksandr Lukashenka, há 26 anos no poder. 

 

O caso belarusso não é uma procura de integração com o bloco ocidental ou oriental. Belarus não tem conflitos internos e divisão territorial baseada em diferenças de etnia, língua e/ou cultura. A oposição do país não é representada no governo do ditador, não está dividida e não trava batalhas entre si. 

 

Após as eleições presidenciais em 09 de agosto de 2020, a sociedade belarussa, com todas as suas classes, empresários, trabalhadores de fábricas, estudantes, donas de casa, cientistas, médicos, atletas, artistas, aposentados, especialistas em TI, entre outros, ao lado dos belarussos no exterior e políticos de diversas correntes da oposição, se uniu em apenas três reivindicações principais. São elas: renúncia de Lukashenka, libertação de todos os presos políticos e novas eleições presidenciais, dessa vez transparentes.

 

 

Perseguição e violência

 

Mais de 30 mil pessoas foram detidas desde o início das manifestações que continuam sendo diárias. Para 28 de dezembro de 2020, 169 pessoas são consideradas prisioneiras políticas. A Procuradoria-Geral de Belarus instaurou um processo criminal contra a líder da Belarus democrática, Sviatlana Tsikhanouskaya, que, segundo fontes independentes, teria ganhado a eleição presidencial, e o Conselho de Coordenação, criado para promover a transferência pacífica do poder. Sviatlana e os membros do Conselho, refugiados na Lituânia, estão sendo acusados de formação de grupo extremista.  

 

 

As vítimas que jamais voltarão

Ainda no segundo dia dos protestos Aliaksandr Taraikouski foi assassinado pelas forças policiais com tiro no peito. Aliaksandr estava desarmado e não apresentava perigo aos policiais. Depois dos primeiros dias dos protestos, marcados por uma violência policial brutal, dezenas de pessoas encontravam-se desaparecidas. Algumas delas foram encontradas depois nas prisões e nos hospitais, outras foram encontradas mortas, com sinais de tortura. Nenhum inquérito foi aberto. O caso mais recente foi a morte do jovem Raman Bandarenka, que saiu do prédio em que morava para saber por que pessoas não identificadas estavam tirando as fitas vermelhas e brancas, que os moradores tinham amarrado na quadra como símbolo de protesto. Raman foi conduzido à viatura policial e mais tarde faleceu no hospital devido à lesão cerebral grave. O médico e a jornalista que contaram a verdade sobre o caso de Raman estão presos. 

 

 

Detenção dos Papais Noéis

 

Esperando o período de Natal e Ano Novo, o povo belarusso já estava trocando piadas sobre a roupa revolucionária de Papai Noel, tradicionalmente vermelha e branca. E não demorou muito para saber que o Papai Noel foi detido depois de uma festa na praça da cidade de Navapolatsk. Os policiais enxergaram na festa para crianças uma manifestação política. Na capital, Minsk, foram detidos vários Papai Noéis ao mesmo tempo - durante a tradicional corrida dos Papais Noéis que se realiza em várias cidades europeias.  

 

Diplomatas que se posicionaram 

 

O primeiro diplomata belarusso a se posicionar publicamente após as eleições foi Ihar Liaschenya, embaixador de Belarus em Bratislava, servidor com o maior tempo de serviço na qualidade de chefe de missão diplomática. Em sua mensagem de vídeo, Ihar condenou a violência policial e o desrespeito da vontade popular. Posteriormente, pediu demissão. Vladimir Astapenka, embaixador belarusso na Argentina, condenou a fraude eleitoral e pediu demissão por “não poder representar um presidente ilegítimo”. Logo depois, o ex-embaixador foi acusado de desvio de verba pública e atualmente está sendo processado. Só em setembro histórias parecidas aconteceram com, no mínimo, 30 diplomatas belarussos que se manifestaram de alguma forma, mesmo em redes sociais. Foram exonerados embaixadores em Madrid e Riga. Diplomatas que serviam na Bélgica, Letônia, Polônia, Índia, Emirados Árabes e outros países foram chamados a Belarus e posteriormente demitidos. O único diplomata do Ministério a falar indonésio também foi demitido.    

 

Nobel de literatura pede socorro

 

A última integrante do Conselho de Coordenação em liberdade no território belarusso, a Nobel de literatura Sviatlana Aleksievich, chamou jornalistas e embaixadores europeus para socorrê-la depois de ameaças, ligações anônimas e tentativas de arrombar a porta do apartamento dela em Minsk. Certa da possibilidade de sua detenção, Sviatlana pediu ajuda do corpo diplomático. 16 embaixadores europeus passaram dois dias no apartamento dela para evitar que Sviatlana fosse presa. Depois do ocorrido, a Nobel partiu para Alemanha e não pretende voltar até a renúncia de Lukashenka.  

 

Atletas clamam por justiça

 

Os atletas belarussos não ficaram indiferentes aos acontecimentos no país. Depois do ocorrido em agosto, foi criada a União Livre dos Atletas de Belarus. A União promove um abaixo-assinado pelas novas eleições, libertação de presos políticos e abertura de inquéritos contra os responsáveis pela violência policial. No momento, o abaixo-assinado conta com 1.885 assinaturas de atletas, técnicos, jornalistas e funcionários do esporte. Atletas também leiloam seus troféus e itens pessoais em prol das vítimas do regime. Como resultado, vários atletas foram presos, ameaçados, impedidos de treinar ou perderam apoio financeiro do governo. Nesse contexto, o Comitê Olímpico Internacional adotou uma série de medidas contra o Comitê Olímpico Nacional de Belarus. 

 

A beleza que exige sacrifícios 

 

Volha Khizhynkova, ex-assessora de imprensa do clube de futebol Dynamo-Brest e detentora do título Miss Belarus 2008, foi detida ao andar na rua. O policial que testemunhou no julgamento disse que lembrou de Volha participando do protesto porque “ela é bonita”. Inicialmente condenada a 12 dias de prisão, passou 42 dias presa. Como muitos atletas e figuras públicas, Volha foi submetida a tortura física e psicológica, mantida junto com 23 mulheres numa cela com capacidade para seis pessoas. 

 

Lei sobre a cidadania

 

Em 17 de dezembro de 2020, foi aprovada uma nova Lei sobre a cidadania que permite privar as pessoas de cidadania belarussa em casos de acusação de ações criminais como terrorismo, traição do Estado ou conspiração para tomar o poder, entre outras. O direito de retirar a cidadania é concedido ao "presidente" e só se aplica em caso de belarussos naturalizados. 

 

Entrar não pode, sair


Desde o início de agosto, o governo belarusso impede a entrada no país dos próprios cidadãos, a exemplo do arcebispo da Igreja Católica em Belarus Tadevuch Kandrusevitch. O arcebispo foi proibido de entrar em Belarus ao retornar de uma viagem à Polônia, em agosto de 2020, sem explicações, enquanto a lei ainda garantia a entrada dos cidadãos belarussos no país sem limitações. Logo depois das eleições, o arcebispo tinha condenado a violência policial contra manifestantes pacíficos.

 

Por outro lado, a líder da Belarus democrática Sviatlana Tsikhanouskaya foi levada à força para fora de Belarus, a mando do ditador, e não pode voltar para o seu país. Maryia Kalesnikava que trabalhou na campanha eleitoral de Tsikhanouskaia, foi sequestrada pela KGB e levada até a fronteira com a Ucrânia com o intuito de expulsá-la do país, mas ela rasgou o próprio passaporte no posto de controle da fronteira e desde então encontra-se na prisão da KGB (sim, Belarus é único país no mundo onde a KGB ainda existe com esse mesmo nome).

 

Fechamento das fronteiras terrestres

 

A partir de 21 de dezembro de 2020, as fronteiras terrestres de Belarus estão fechadas para saída de cidadãos e estrangeiros residentes por tempo indeterminado. O motivo oficial é a pandemia da COVID-19. O fechamento das fronteiras terrestres preocupa a população que desconfia dos seus verdadeiros motivos. Desde agosto de 2020, a via terrestre é a principal forma de saída do país para aqueles que fogem da perseguição do governo ou buscam uma vida melhor. Os analistas apontam que o fechamento das fronteiras terrestres dificultaria uma possível fuga dos policiais e ex-aliados de Lukashenka. 

 

O impedimento de saída dos cidadãos por via terrestre é uma medida pouco eficaz de controle da COVID-19 no país, pois protegeria, em primeiro lugar, os países terceiros que já possuem medidas próprias. É importante ressaltar que Belarus é um dos poucos países no mundo onde não foram implementadas medidas de proteção contra a COVID-19 por mais de seis meses. Desde o início da pandemia, Lukashenka chamou as medidas de prevenção de psicose mundial, promoveu eventos em massa e aconselhou a tomar vodka, visitar sauna e andar de trator para fortalecer a saúde. 

 

Manifestação no apartamento 

 

Afixar a bandeira histórica belarussa, de cores branca e vermelha, símbolo da resistência ao regime, passou a ser considerado um ato ilícito. As consequências vão de multa à prisão. Um dos casos mais emblemáticos é o de uma senhora de 87 anos, sobrevivente da Segunda Guerra Mundial, julgada por ter colocado a bandeira na sacada do apartamento. O juiz qualificou o ato como manifestação não autorizada. Um morador de Minsk pensou em se prevenir e enviou uma carta à prefeitura solicitando autorização para a manifestação no próprio apartamento por meio de afixação de bandeira na janela. A resposta da prefeitura foi negativa. 

 

Prêmio Sakharov para a Liberdade do Pensamento

 

Em 10 de dezembro de 2020, o Parlamento Europeu homenageou algumas figuras públicas belarussas com o Prêmio Sakharov para a Liberdade do Pensamento. O prêmio é destinado àqueles que dedicam suas vidas à defesa dos direitos humanos e da liberdade. Esse ano, o prêmio foi concedido a Sviatlana Tsikhanouskaia, líder de Belarus democrática, Siarhei Tsikhanouski, seu marido e preso político, Ales Bialiatski, diretor do Centro para a Defesa dos Direitos Humanos Viasna, Siarhei Dyleuski, membro do comitê de greve da Fábrica de Tratores de Minsk, Sviatlana Aleksievitch, prêmio Nobel de literatura, entre outras personalidades de destaque na luta pela democracia e liberdade em Belarus. 

 

Marchas da Sabedoria

 

Os aposentados, tradicionalmente considerados um dos núcleos mais conservadores da sociedade, se juntaram ao protesto pacífico contra a ditadura em Belarus. Semanalmente às segundas-feiras, as vovós e os vovôs se reúnem nos centros urbanos para fazer passeatas, popularmente chamadas de marchas da sabedoria. Uma das figuras de destaque da marcha é uma senhora de 73 anos, ativista Nina Bahinskaia, que tem participado de manifestações a favor da democracia desde 1988 e costura com as próprias mãos as bandeiras que carrega. A saída dos aposentados às ruas foi, também, uma forma de reforçar o protesto pacífico, evitando detenções em massa e violência policial. Supunha-se que os idosos não seriam espancados, nem presos. No entanto, têm surgido casos de utilização de gás lacrimogêneo contra idosos, detenções e julgamentos. Várias pessoas com mais de 60 anos estão presas. 

 

Protesto descentralizado 

 

Diante da violência policial em relação aos manifestantes pacíficos, aumento de detenções e, posteriormente, de torturas na prisão, os protestos mudaram de cara. Em vez de grandes marchas no centro e nos principais bairros das cidades, os manifestantes estão fazendo passeatas pelas quadras onde moram. As marchas descentralizadas, presentes em todos os bairros da capital e em vários bairros de outras cidades, ajudaram a diminuir a concentração dos policiais e as detenções. Porém, são frequentes os relatos de detenções de pedestres, inclusive dos apoiadores do regime, que estavam na rua sem motivação política, acompanhados de crianças pequenas ou animais de estimação.  

 

Posicionamento dos Estados Unidos

 

Em 27 de dezembro, Donald Trump aprovou o orçamento de 2021. Parte desse documento foi a Lei de Democracia, Direitos Humanos e Soberania de Belarus. Com a assinatura do presidente americano, os Estados Unidos deixam de reconhecer Lukashenka como presidente eleito, reconhecem o Conselho de Coordenação como uma instituição legítima de transferência de poder, apelam à realização de novas eleições presidenciais e libertação dos presos políticos, não reconhecem o Estado da União de Belarus e Rússia, poderão apoiar a promoção de democracia, do jornalismo livre e da tecnologia de informação, entre outras medidas.