Três decisões conscientes, em três momentos de meu itinerário acadêmico-profissional
Paulo Roberto de Almeida
Nos anos de chumbo da ditadura militar, a decisão de resistir ao arbítrio até onde foi possível, sob risco de prisão e tortura: sair num autoexílio para a Europa, sem dinheiro e sem destino certo; quase um ano vagando até encontrar condições de trabalhar e de retomar os estudos de graduação, interrompidos no meio do segundo ano de Ciências Sociais da USP, curso que tivera seus principais professores aposentados compulsoriamente pelo AI-5.
No momento do entusiasmo e adesão oportunista ao início do reinado lulopetista, a decisão de continuar expressando minha avaliação sincera, de caráter objetivamente acadêmico, sobre os equívocos da “nova política externa”, autocongratulatória, em torno dos duvidosos postulados da chamada “diplomacia Sul-Sul” e do apoio efetivo às mais execráveis ditaduras (desde que fossem de “esquerda”), o que resultou em veto formal para dirigir o mestrado em diplomacia do Instituto Rio Branco, seguido de um ostracismo de longos anos para qualquer cargo na Secretaria de Estado das Relações Exteriores durante todo o reinado dos companheiros.
Ao final do governo de transição, depois do impeachment de 2016, e na vitória dos novos bárbaros, a decisão de continuar expressando minha opinião sobre os desvios na postura diplomática, que recém se anunciavam, os mais bizarros e de fato esquizofrênicos, numa Era dos Absurdos jamais vista no Itamaraty, o que resultou na exoneração do único cargo obtido depois de 13,5 anos de travessia do deserto, o de Diretor do IPRI da Funag, mas também no assédio moral e financeiro, acarretando grandes perdas funcionais e materiais, que se estenderam desde o início do reinado dos novos bárbaros e indefinidamente.
Três decisões, em três momentos completamente diferentes da vida do país, mas que tiveram uma mesma resposta, reafirmada e conscientemente adotada: a resistência contra o arbítrio da ditadura, contra o sectarismo dos companheiros e contra a estupidez dos novos bárbaros, da qual nunca me arrependi, e à qual retornaria sem hesitação, caso as situações fossem as mesmas (o que, no terceiro momento, ainda é o caso).
Resistência é o conceito genérico, mas o que sempre esteve na origem da postura foi basicamente uma questão de caráter: a honestidade intelectual, a que me leva a necessidade de colocar a defesa do livre arbítrio contra o arbítrio dos poderosos.
Nunca se tratou apenas de adesão a um contrarianismo sem princípios, mas de recusa do adesismo oportunista, de escolha do ceticismo sadio contra conveniências de um momento, de uma postura de independência de pensamento e da liberdade de expressão, de uma postura de preferência por remar contra a corrente da manada, ainda que com custos a pagar pela atitude anarquista ao estilo “ni Dieu, ni Maître”.
Faria igual, se as mesmas circunstâncias se apresentassem novamente, o que nunca deixei de fazer, como explicitamente afirmado e reafirmado desde meu quilombo de resistência intelectual, o blog Diplomatizzando (nos dois episódios do período mais recente), assim como por meio de muitos escritos com “nom de plume” durante a ditadura militar, que serão resgatados oportunamente, mas também por vários outros escritos anônimos e “terceirizados” em tempos não convencionais.
Como diriam alguns, a luta continua, sem cessar, pois não há dignidade em trair a sua própria consciência. Liberdade de consciência e de expressão não são apenas cláusulas de declarações eventualmente relembradas no papel, mas decisões de moto próprio, a serem implementadas concretamente. Desde que as ações sigam as palavras, obviamente…
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 11/10/2021