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terça-feira, 18 de agosto de 2020

Crise, transição, oportunidade - Marcilio Marques Moreira

Crise, transição, oportunidade 
Marcilio Marques Moreira
Rio de Janeiro, agosto de 2020.

As crises sanitária e econômica escancararam o legado insepulto de duas manchas de nossa história: a escravidão e o patrimonialismo, isto é, a captura de políticas públicas de interesse geral, por grupos que privilegiam interesses próprios. Esse desequilíbrio acentua-se, ainda, pelo federalismo crescentemente assimétrico e incompleto da estrutura patrimonial do Estado brasileiro, apesar da sua solidez institucional.
São fatores que contribuem para alimentar brutal desigualdade, não só em termos de renda, se não também de acesso à infraestrutura que as modernas sociedades costumam oferecer aos cidadãos: saneamento, educação, saúde, segurança e transporte público.
O Brasil, apesar dos incompreensíveis desgoverno, falta de rumo e de empatia das autoridades que deveriam orientar, pelo exemplo e conduta inspiradora, as veredas a seguir, tanto nas áreas da saúde pública, quanto da economia, saiu-se melhor no enfrentamento à COVID-19, do que inicialmente temido: colapso do sistema hospitalar, fome generalizada, desemprego empurrando milhões de pessoas à pobreza absoluta. Mas deixou muito a desejar – a realidade de mais de 100 mil óbitos, em larga escala devidos à ineficaz coordenação entre os setores responsáveis – não nos deixa calar.
O SUS, embora mal gerido e há décadas saqueado por elementos sem escrúpulo, exerceu papel crítico, dada a resiliência e a dedicação de médicos, enfermeiros e assistentes - homens e mulheres que, mesmo correndo o risco de contaminação, lutaram bravamente. O programa econômico, por sua vez, assegurou renda emergencial de 600 reais por mês, ou mais, a milhões de cidadãos e famílias, apesar da frágil situação fiscal da União, Estados e Municípios. O montante repassado, até aos “invisíveis”, representou considerável alívio e, superando pessimismo às vezes doentio, permitiu a manutenção de um mínimo de emprego e consumo, contribuindo para a sobrevivência de inúmeros empreendimentos, formais alguns, informais a maioria, e o sustento de milhões que, sem essa ajuda sofreriam mais ainda.
Levantamento do IBRE/FGV, divulgado recentemente, mostra que, ao contrário do esperado, a pobreza absoluta (US $1,9 mensais) caiu em junho deste ano a 3,3% da população, comparado com os 4,2% em maio, o que levou também ao aumento da taxa de poupança. Outra pesquisa, esta do IBGE, revelou que o número de maio já fora o melhor desde a década dos 80, só igualado em maio de 2014, às vésperas da brutal recessão que se seguiu. Enfrentamos, agora, o que parece ser incipiente reversão da pandemia. Estamos mais perto de período de transição, sempre semeado de incertezas e, portanto, de difícil navegação. O novo, para nascer, exige esforço consistente e esperança de um futuro melhor, além de comedimento na formulação de demandas legítimas, naturais em períodos de crise, mas inviáveis no caminho íngreme da recuperação. O velho, por sua vez, sejam cinzas da crise ou problemas estruturais por ela evidenciados, exige abordagem racional e alvo consensuado, além de bússola de como lá chegar. Estamos iniciando período em que a cautela é essencial. Imperdoável seria retrocesso, volta ao velho, tergiversação quanto ao caminho a trilhar.
Para viabilizar tal objetivo, será crucial construir ideia clara da obra a realizar e do fio condutor a perseguir. O Brasil do Amanhã exige Ética do Futuro, conduzida com rigor e perseverança, virtudes cívicas capazes de aquecer a esperança e evitar ilusões de efêmera viabilidade.
Para transformar a crise em preciosa oportunidade de consertar crassos erros passados e ainda captar as transformações positivas que o mundo está vivenciando hoje, e prevendo para o amanhã, há que preparar, com senso de urgência, mas sem precipitação, melhoras prioritárias na saúde, educação, desigualdade, pobreza, saneamento, transporte público, cultura, e sustentabilidade ambiental. Há de ser esforço denodado para superar polarização política “desruptiva”, recuperar saúde fiscal, e o respeito internacional, condições sine qua non da capacidade estratégica e operacional do Estado. Temos de nos dedicar aos setores em situação mais grave, o que além de aportes fiscais, exige mais bem focada alocação das verbas orçamentárias, eficaz gestão e repúdio radical a qualquer forma de desperdício e corrupção.
É indispensável resistir a pressões descabidas e a tentações fora da realidade que, no passado, se revelaram contraproducentes. A fragilidade fiscal é de natureza quase inédita e não permite gastos exagerados. Não deve, entretanto, desviar-nos de prioridades que não podem mais ser ignoradas. Refiro-me ao combate à pobreza, que pressupõe trocar, por respeito e empatia, o prevalecente preconceito contra a pobreza, a informalidade e as favelas. Estas foram construídas pelos pobres por falta de opções e representam, hoje, significativo patrimônio acumulado. Na pandemia, demonstraram insuspeita resiliência e capacidade de mobilização, que lhes pouparam desastre ainda maior. Felizmente, encontraram eco em inesperado surto de solidariedade e filantropia, boa novidade reveladora do surgimento, entre nós, de uma cultura de doação, inclusive por parte de grupos e famílias de maior potencial patrimonial. Não faz mais sentido querer erradicá-las, urge reinventá-las.
É chegado o momento de nos preocuparmos com o período de transição. Não será possível eternizar a concessão de benefícios extraordinários e a flexibilização de controles fiscais, indispensáveis em ocasiões de crise, mas incompatíveis com restrições orçamentárias incontornáveis em momentos de busca de retorno à normalidade. É da essência, retomar a trajetória das reformas estruturais e de medidas regulatórias infraconstitucionais, que nos assegurem ambiente de negócio atrativo e atividade econômica retomada, inclusive, com segurança jurídica. Não podemos tergiversar nessa busca inadiável, mesmo sabendo que o caminho não será fácil, as medidas a tomar, complexas e os resultados, incertos.
Em artigo no início deste ano, o casal de professores do MIT e ganhadores conjuntos do prêmio Nobel de Economia no ano passado, Abhijit Banerjee e Esther Duflo, autores do aclamado livro, também de 2019, Uma Boa Economia para Tempos Difíceis, concluíram que inexistindo uma poção mágica para acelerar o desenvolvimento, o melhor é logo “enfocar diretamente aquilo que o crescimento é suposto melhorar, o bem estar dos pobres” 
De fato, é imperioso redesenhar nosso sistema de proteção social, constituído por conjunto de programas dispersos e mal focados. Há que concentrá-los em um programa só, mais focado nos mais pobres e nas crianças de 0 a 6 anos. Ao mesmo tempo, há que eliminar amplo painel de subsídios e benefícios capturados em favor dos mais aquinhoados, o que liberará recursos para cobrir os custos de novo sistema, mais justo, que teria como chave a agregação de muitos e dispersas formas de proteção social em torno de renda básica universal. É desafio instigante, a ser implementado gradualmente, tanto em cobertura, foco e montante. É importante dissociar, por sua vez, a iniciativa de pressões corporativas e ambições eleitorais, quer dos que a propõem, quer dos que a criticam. O tema vem sendo estudado em muitos países e instituições independentes, sem conotações ideológicas, de esquerda, centro ou direita. Muito  embora possa vir a ter consequências eleitorais, tal sistema não se resume, nem se justifica por elas. É, sim, consistente passo em direção ao Bem Comum, como tem sido crescentemente defendido aqui e no exterior por reconhecidos conhecedores das melhores práticas de construção de políticas públicas de proteção social.
O que importa neste momento de definição de rumos a trilhar é não desperdiçar a preciosa oportunidade de criar um Brasil renovado, como legítimo legado das cruéis crises que castigaram o povo. Ele, merece um país mais justo e generoso, menos cruel e medíocre, que saiba compatibilizar o nacional com o universal, os valores tradicionais com os inovadores, enfim o Brasil com que todos sonhamos.
Rio de Janeiro, agosto de 2020.

segunda-feira, 2 de março de 2020

Nouriel Roubini prevê a derrota de Trump (essa é a manchete mais importante...)

Essa matéria exagera um pouco, e mente em algumas outras previsões. Muitos outros economistas previram a crise de 2008, a começar por Roberto Schiller, prêmio Nobel (depois), que já tinha apontado a bolha imobiliária desde 2005. A matéria tampouco diz que Roubini previu  DEZ das últimas DUAS crises.
Que a Bolsa caia, está correto. Ela tinha subido muito nos últimos meses e anos, numa dessas repetições da "exuberância irracional", que também já tinha sido apontada por Alan Grenspan (presidente do Fed) desde 2006.
Não sei se teremos um desastre ainda maior do que em 2008: é possível, mas também as coisas nunca se passam como prevêem os economistas da Dismal Science. 
Por outro lado, considero sua previsão de DERROTA do Trump muito MAIS IMPORTANTE do que qualquer crise internacional ou americana. Vou apostar no Roubini no meu próximo lance de mercado. Se ele errar, vou cobrar...
Na verdade, eu preferia que o Trump fosse derrotado por ser um ignorante econômico, um idiota político, um xenófobo, misógino, racista, antiglobalista, não pelo CODIV-19. Na verdade, Roubini, um judeu iraniano, prevê que Trump será derrotado não tanto pelo virus, mas pelo aumento do preço do petróleo, que decorreria de uma guerra dos EUA contra o Irã, por mudança de regime, o que eu não acredito (os generais do Pentágono não vão se meter nesse loucura só por causa das obsessões do Trump).
Mas, se o corona virus derrotar o Trump, vou escrever uma crônica em homenagem à epidemia; aliás, historiadores econômicos dizem que a Peste Negra, ao eliminar 1/4, 25% da população europeia, serviu para impulsionar tremendamente a inovação e a produtividade...
Há males que veem para o bem. Viva o corona virus (mas só se o Trump perder...)
Paulo Roberto de Almeida

PS.: Transcreverei o original completo da entrevista na postagem sequencial.


Economista que previu crise de 2008 prevê desastre ainda maior em 2020

O economista Nouriel Roubini previu corretamente a crise financeira de 2008. Agora, ele acredita que o mercado de ações cairá de 30 a 40% por causa do coronavírus. E que Trump perderá a reeleição


Para economista Nouriel Roubini, que previu crise global de 2008, se não houver ajuste fiscal, país será rebaixado e real entrará em queda livre: “O Brasil não está fadado a uma crise. Existe um caminho, embora seja difícil e exija coragem política de quem quer que esteja no poder. Para as coisas se estabilizarem, é necessário um ajuste fiscal, não há escapatória”
Para economista Nouriel Roubini, que previu crise global de 2008, se não houver ajuste fiscal, país será rebaixado e real entrará em queda livre: “O Brasil não está fadado a uma crise. Existe um caminho, embora seja difícil e exija coragem política de quem quer que esteja no poder. Para as coisas se estabilizarem, é necessário um ajuste fiscal, não há escapatória” (Foto: Roberta Namour)

Carta Maior - Nouriel Roubini é um dos economistas mais importantes e enigmáticos do mundo. Ele previu corretamente o estouro da bolha imobiliária nos EUA, além da crise financeira de 2008, juntamente com as implicações de medidas de austeridade para a Grécia, carregada de dívidas. Roubini é famoso por seus prognósticos ousados, e agora, ele tem novos: ele acredita que o coronavírus levará a um desastre econômico global e que o presidente dos EUA, Donald Trump, como resultado, não será reeleito.
Qual a gravidade do surto de coronavírus para a China e para a economia global?
Essa crise é muito mais grave para a China e para o resto do mundo do que os investidores esperavam por quatro razões: primeiro, não é uma epidemia limitada à China, mas uma pandemia global. Segundo, está longe de terminar. Isso tem consequências enormes, mas os políticos não percebem isso.
Como assim?
Basta olhar para o seu continente. A Europa tem medo de fechar suas fronteiras, o que é um grande erro. Em 2016, em resposta à crise dos refugiados, o Acordo de Schengen foi efetivamente suspenso, mas esta crise é ainda pior. As fronteiras italianas deveriam ser fechadas o mais rápido possível. A situação é muito pior do que a chegada de 1 milhão de refugiados à Europa.
Quais são as duas outras razões?
Todo mundo acredita que será uma recessão em forma de V, mas as pessoas não sabem do que estão falando. Eles preferem acreditar em milagres. É uma conta simples: se a economia chinesa encolher 2% no primeiro trimestre, será necessário um crescimento de 8% nos três últimos trimestres para atingir a taxa de crescimento anual de 6%, que todos esperavam antes do vírus eclodir. Se o crescimento for de apenas 6% a partir do segundo trimestre, que é um cenário mais realista, veremos a economia chinesa crescendo apenas entre 2,5 e 4% durante o ano como um todo. Essa taxa significaria essencialmente uma recessão para a China e um choque para o mundo.
E seu último ponto?
Todo mundo pensa que os formuladores de políticas reagirão rapidamente, mas isso também está errado. Os mercados estão completamente iludidos. Veja a política fiscal: você pode tomar ações fiscais apenas em alguns países, como a Alemanha, porque outros, como a Itália, não têm margem de manobra. Mas, mesmo que você faça algo, o processo político exige muita conversa e negociação. Isso leva de seis a nove meses, o que é um tempo excessivamente longo. A verdade é que: a Europa precisaria de estímulo fiscal mesmo sem a crise da coronavírus. A Itália já estava à beira de uma recessão, assim como a Alemanha. Mas os políticos alemães nem sequer estão pensando em estímulo, apesar de o país estar tão exposto à China. A resposta política é uma piada - os políticos estão frequentemente atrasados. Essa crise transbordará e resultará em um desastre.
Que papel os bancos centrais devem desempenhar?
O Banco Central Europeu e o Banco do Japão já estão em território negativo. É claro que eles poderiam reduzir ainda mais as taxas de depósitos a prazo para estimular empréstimos, mas isso não ajudaria os mercados por mais do que uma semana. Essa crise é um choque de oferta que você não pode combater com política monetária ou fiscal.
O que ajudará?
A solução precisa ser médica. As medidas monetárias e fiscais não ajudam quando você não tem segurança de alimentos e água. Se o choque levar a uma recessão global, você terá uma crise financeira, porque os níveis de endividamento aumentaram e o mercado imobiliário dos EUA está passando por uma bolha, como em 2007. Até agora, ainda não se tornou uma bomba-relógio porque temos crescido. Isso acabou agora.
Essa crise mudará a opinião do povo chinês sobre seu governo?
Os empresários me dizem que as coisas na China são muito piores do que o governo está relatando oficialmente. Um amigo meu em Xangai está trancado em sua casa há semanas. Não espero uma revolução, mas o governo precisará de um bode expiatório.
Por exemplo?
Já existiam teorias da conspiração sobre interferências estrangeiras quando se tratou da gripe suína, da gripe aviária e do levante de Hong Kong. Suponho que a China começará a conflitar com Taiwan, Hong Kong ou mesmo com o Vietnã. Eles vão reprimir os manifestantes em Hong Kong ou enviar combatentes pelo espaço aéreo de Taiwan para provocar as forças armadas dos EUA. Só seria necessário um acidente no Estreito de Formosa e você veria uma ação militar. Não uma guerra quente entre a China e os EUA, mas alguma forma de ação. Isto é o que querem pessoas no governo dos EUA, como o secretário de Estado Mike Pompeo ou o vice-presidente Mike Pence. É a mentalidade de muitas pessoas em Washington.
Esta crise é obviamente um retrocesso para a globalização. Você acha que políticos como Trump, que querem que suas empresas abandonem a produção no exterior, serão beneficiados?
Ele tentará colher benefícios dessa crise, com certeza. Mas tudo mudará quando o coronavírus chegar aos EUA. Você não pode construir um muro no céu. Olha, eu moro na cidade de Nova York e as pessoas têm ido muito pouco a restaurantes, cinemas ou teatros, mesmo que ninguém tenha sido infectado pelo vírus até agora. Se vier, estamos completamente fodidos.
Um cenário de pavor perfeito para Trump?
De maneira alguma. Ele perderá a eleição, com certeza.
Essa é uma previsão ousada. O que faz você ter tanta certeza?
Porque existe um risco significativo de uma guerra entre os EUA e o Irã. O governo dos EUA quer uma mudança de regime e bombardeará os iranianos. Mas os iranianos estão acostumados a sofrer, acredite, sou judeu iraniano e os conheço! E os iranianos também querem mudança de regime nos EUA. As tensões elevarão os preços do petróleo e levarão inevitavelmente à derrota de Trump nas eleições.
O que faz você ter tanta certeza?
Isso sempre acontece na história. Ford perdeu para Carter após o choque do petróleo em 1973, Carter perdeu para Reagan devido à segunda crise do petróleo em 1979 e Bush perdeu para Clinton após a invasão do Kuwait. O campo democrata é fraco, mas Trump está morto. Cite-me sobre isso!
É necessária uma guerra contra o Irã para vencer Trump?
Com certeza, e vale a pena. Mais quatro anos de Trump significa guerra econômica!
O que os investidores devem fazer para se preparar para o impacto?
Minha expectativa é que as ações globais acumulem perdas entre 30 e 40% este ano. Meu conselho é: deixe seu dinheiro líquido ou em títulos públicos seguros, como nos bunds alemães [títulos do governo alemão]. Eles têm taxas negativas, mas e daí? Isso significa apenas que os preços vão subir e subir - você pode ganhar muito dinheiro dessa maneira. E se eu estiver errado e as ações subirem 10%, também estará tudo bem. Você precisa proteger seu dinheiro contra um craque, o que é mais importante. Esse é o meu lema: "Melhor prevenir do que remediar!"
*Publicado originalmente em 'Spiegel Internacional' | Tradução de César Locatelli

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

OTAN aos 70 anos: crise, falta de confiança - Nicholas Burn (Belfer Center, Harvard)

NATO at Seventy: An Alliance in Crisis

The Summit of NATO Leaders will take place in London on Wednesday, December 4. NATO Heads of State and Government will discuss how to adapt the world’s oldest and most successful military alliance to current and emerging security challenges.  
In our report, “NATO at Seventy: An Alliance in Crisis,” published this past February, Ambassador Doug Lute and I note that the single greatest threat is the absence of strong, principled American presidential leadership for the first time in NATO's history.

We highlight 10 major challenges that the alliance faces and offer recommendations for how to strengthen NATO:
Challenges from Within NATO
  • Reviving American Leadership of the Alliance   
  • Restoring European Defense Strength   
  • Upholding NATO’s Democratic Values  
  • Streamlining NATO Decision-Making
Challenges from Beyond NATO’s Borders
  • Containing Putin’s Russia  
  • Ending the Afghan War  
  • Refocusing NATO Partnerships  
  • Maintaining an Open Door to Future Members  
Challenges on the Horizon
  • Winning the Technology Battle in the Digital Age   
  • Competing with China  
http://links.hks-belfercenter.mkt4851.com/ctt?kn=10&ms=MjI1MTc1MjES1&r=MzQxMTk0NDYyMjAS1&b=0&j=MTY0MDEzNzI5NgS2&mt=1&rt=0
Please read this report for greater detail on NATO's challenges and opportunities ahead.
Sincerely,
Nick Burns and Doug Lute

domingo, 29 de setembro de 2019

Itamaraty em tempos de crise - Paulo Vieira (Revista Poder)

Glamurama, 29.09.2019  /  9:00

Mudanças no Itamaraty feitas por Ernesto Araújo fazem do trabalho dos diplomatas brasileiros uma constante gestão de crise

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Ernesto Araújo || Créditos: Ilustração David Nefussi
Por Paulo Vieira para a Revista PODER
Em agosto, um programa humorístico da principal rede de televisão pública alemã chamou Jair Bolsonaro de “boçal de Ipanema” e o “vestiu” com o monoquíni asa-delta usado por Borat, o personagem de total incorreção política criado pelo comediante britânico Sacha Baron Cohen. Também inseriu o brasileiro num clipe com cenas de queimadas e devastação florestal. Fazer pilhéria do extremismo ambiental do presidente já havia se tornado comum nos meios de comunicação europeus, mas a maior paulada não veio em chave cômica. O semanário The Economist, bíblia centenária do liberalismo, exibiu o contorno do Brasil perfeitamente desenhado no toco de uma árvore recém-cortada. Era a ilustração para a capa da reportagem sobre as mazelas que o país inflige à Amazônia.
Tudo isso aconteceu muito antes de irromper o conflito com Emmanuel Macron, com direito a flexão do verbo “mentir” e o endosso de Bolsonaro a um comentário desairoso sobre a mulher do mandatário francês no Facebook. No fim do mês, na reunião do G7 na França que Macron hospedou, o Brasil dependia de um aceno de Donald Trump para não ser considerado algo próximo de um pária mundial, um país acéfalo e quase inimputável pelo fogo que decidiu deixar arder na Amazônia.
Dos novos rumos que o Brasil de 2019 tomou, a diplomacia é uma área particularmente exposta. Embaixadores e diplomatas tornaram-se, com o perdão do trocadilho, bombeiros, numa tentativa bastante quixotesca de minorar danos nas relações com os líderes de países que Bolsonaro escolhe para bater boca – Alemanha, Noruega, Argentina, França, Venezuela, Chile, o viés é de alta. Desde a aparição solitária do presidente e séquito num bandejão durante o Fórum Econômico de Davos, em janeiro, é muito difícil para esses profissionais entenderem algo bastante trivial: o próprio trabalho. Não ajudou em nada terem se tornado objeto da desconfiança cada vez maior dos próprios chefes, fruto da reorganização interna levada a cabo pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Ao assumir a chancelaria, ele subverteu a tradicional hierarquia do Itamaraty, fazendo com que diplomatas de alto escalão tivessem de responder a superiores mais novos e inexperientes – espelhando, dessa maneira, sua própria ascensão. Araújo jamais serviu como embaixador brasileiro no exterior.
Ele ainda suprimiu secretarias e diversos departamentos, na linha da “racionalização da máquina pública” indicada pelo governo federal. E, mais problemático, tentou introjetar no dia a dia da casa sua visão antiglobalista, conservadora, temente a Deus e, principalmente, a Donald Trump.
PROFETA DO CAOS
A diplomacia brasileira já andava confusa antes da crise ambiental, mas talvez seja injusto apor apenas a Araújo o epíteto de profeta do caos. “O Itamaraty vive uma crise muito profunda. Ernesto Araújo é o sexto ministro em oito anos. A crise não começa, mas se agrava com ele, e uma das razões é sua fragilidade no trato com os colegas”, disse a PODER Maurício Santoro, professor de relações internacionais da Uerj. “Além disso, há nesse governo uma desconfiança generalizada em relação aos especialistas. Nunca vi tantos jovens diplomatas falando em deixar a carreira. É um baque muito forte.” Alguns movimentos do chanceler tiveram bastante impacto no aumento da tensão interna. Na Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), voltada para a difusão cultural, o veto à publicação de um texto de Rubens Ricupero, ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos e ex-ministro da Fazenda no governo Itamar Franco, foi visto com perplexidade. Ricupero escreveu uma peça circunscrita à figura de Alexandre de Gusmão. Era, afinal, um prefácio à biografia desse patrono da diplomacia nacional. O biógrafo, o diplomata Synesio Goes Filho, viu “censura” e “obscurantismo” no veto, enquanto o ministério alegou que a aprovação dada ao livro não contemplava um prefácio.
Seja como for, o pragmatismo que rege a atividade diplomática se voltou para dentro e passou a valer para a economia doméstica do Itamaraty. Um funcionário lotado no hemisfério norte revelou a PODER que as pessoas agora têm “bastante medo de se posicionar” e que há um “cuidado maior” nas conversas entre chefes e subordinados, já que a “informação tem circulado e funcionários têm sido prejudicados”.
Também houve expurgos. O diplomata Paulo Roberto de Almeida perdeu seu posto de comando do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri), da Funag, por, segundo ele, abrir espaço em seu blog pessoal para críticas de Fernando Henrique Cardoso e Rubens Ricupero à política externa brasileira – curiosamente Araújo também mereceu espaço no blog. Crítico feroz da agenda petista no Itamaraty, Almeida vê na escolha do ministro um processo anormal. “Desde a diplomacia do Império, tornam-se chanceleres pessoas normalmente muito mais qualificadas. Araújo era um personagem obscuro, jamais participou dos debates políticos, conformou-se perfeitamente aos tempos lulopetistas. É um diplomata sem capacidade própria, que construiu uma personalidade olavista artificialmente”, diz Almeida, fazendo referência a Olavo de Carvalho, o guru que esteve por trás da indicação do chanceler. Araújo chamou atenção no círculo presidencial ao publicar o texto “Trump e o Ocidente” na edição do segundo semestre de 2017 dos “Cadernos de Política Exterior” do Ipri – na época presidido por Almeida –, em que faz a apologia de um certo “Deus de Trump”. “O presidente Donald Trump propõe uma visão do Ocidente não baseada no capitalismo e na democracia liberal, mas na recuperação do passado simbólico, da história e da cultura das nações ocidentais. Em seu centro, está não uma doutrina econômica e política, mas o anseio por Deus, o Deus que age na história”, escreveu.
Sacralizar Trump não tem impedido o chanceler de manter contatos com o ídolo. Embora tenha sido esnobado na primeira visita oficial de Bolsonaro a seu homólogo americano – foi preterido no Salão Oval pelo deputado federal e candidato a embaixador brasileiro nos Estados Unidos, Eduardo Bolsonaro –, o chanceler teve 30 minutos com Trump depois que este voltou da reunião do G7. Estava novamente em companhia do 03, que, segundo relatos, portava-se como seu chefe. Eduardo tuitou que “a tradição da diplomacia brasileira (Barão do Rio Branco) é a boa relação c/ EUA” e que “esta visita marca uma nova fase nesta relação e dá um recado p/ mundo: os EUA não apoiarão qualquer investida contra nossa soberania”. A Amazônia ficou de fora na tuitagem de Trump sobre o encontro: preferiu celebrar a ampliação pelo Brasil da cota isenta de taxa de importação de etanol, combustível que o Brasil é grande produtor e, até onde se sabe, está bem longe da dependência externa.

terça-feira, 30 de julho de 2019

Itaipu Binacional: revisão acordo abre crise no Paraguai (OESP)

O chanceler paraguaio acaba de renunciar ao posto, e o presidente corre risco de sofrer processo no Parlamento, que julga lesivo ao Paraguai a revisão do acordo sobre Itaipu Binacional com o Brasil.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 30 de julho de 2019


Acordo sobre Itaipu abre crise no Paraguai
O Estado de S. Paulo, 27/07/2019

Críticas. Oposição diz que termos do pacto assinado por representantes do presidente Mario Abdo Benítez são ‘extorsivos’, afetariam o preço da energia pago pelos paraguaios e ameaça abrir processo de impeachment por mau desempenho das funções presidenciais.

O acordo firmado entre Brasil e Paraguai para a exploração da energia gerada pela usina hidrelétrica de Itaipu criou uma crise para o presidente Mario Abdo Benítez. O Partido Liberal, principal da oposição paraguaia, criticou os termos assinados, que seriam “extorsivos e degradantes”, e planeja abrir um “julgamento por mau desempenho das funções presidenciais” contra Abdo Benítez.

A mudança nos termos do acordo para a exploração da energia da usina hidrelétrica, compartilhada pelos dois países, estava sendo negociada desde março, mas apenas em maio Brasil e Paraguai chegaram a um acordo. A oposição diz que as novas condições impostas aumentariam o preço que os paraguaios pagam pela energia.

O presidente do Partido Liberal, Efraín Alegre, disse ontem em entrevista que o acordo, assinado no último dia 24 de maio, deve ser “rejeitado de maneira categórica por atentar contra os direitos do Paraguai em Itaipu”.

Além disso, Alegre criticou Abdo Benítez pela demora em divulgar o acordo, só revelado ao público após a renúncia do presidente da Administração Nacional de Eletricidade (Ande), Pedro Ferreira, que teria entregado o cargo por discordar dos termos do acordo.

A renúncia de Ferreira foi aceita na quinta-feira pelo presidente paraguaio, que indicou para substituí-lo o ex-ministro da Fazenda Alcides Jiménez. Segundo o novo presidente da Ande, o acordo não lesa a soberania nacional nem afetará as tarifas de energia no país, como afirmam a oposição e alguns veículos da imprensa.

O ex-chanceler do Paraguai Miguel Abdón Saguier, também do Partido Liberal, afirmou que a Constituição obriga o presidente a submeter o acordo à avaliação do Congresso. “Ele vai incorrer em mau desempenho das suas funções”, disse Saguier, abrindo caminho para um possível processo de impeachment.

Axel Benítez, assessor técnico do Partido Liberal, explicou à agência EFE que o acordo representará um aumento do custo da energia para os paraguaios. Segundo ele, o documento estabelece dois tipos de energia diferentes, a “garantida” e a “excedente”, e prevê que o Paraguai receba maior quantidade da primeira, de custo mais elevado.

Transparência. Os termos do atual acordo foram estabelecidos em 2009, quando o então presidente do Paraguai, Fernando Lugo, negociou com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva condições que permitiram ao Paraguai receber US$ 360 milhões ao ano por negociar a energia excedente de Itaipu com o Brasil. Antes, o montante era de US$ 120 milhões.

Ontem, Fernando Lugo, que atualmente ocupa uma cadeira no Senado pelo partido de oposição Frente Guasú, disse que não é aconselhável se apressar quando se fala de impeachment de Abdo Benítez por mau desempenho das funções.

Lugo, que foi destituído em um julgamento político relâmpago em 2012, expressou cautela. “Muitas vezes nos apressamos. Deve haver muitos condimentos para um julgamento político e uma discussão muito mais ampla em todos os partidos políticos que fazem parte do Congresso Nacional”, disse o senador.

O embaixador paraguaio em Brasília, Hugo Saguier, que colocou sua assinatura no acordo, esclareceu que não houve “nenhuma renúncia de soberania” do Paraguai em relação ao Brasil.

O documento foi assinado sem que nenhuma autoridade tivesse informado à opinião pública, o que fez com que parte da oposição denunciasse que o governo paraguaio estaria fazendo concessões ao Brasil.

Impasse. Saguier reconheceu que a questão não foi resolvida em nível técnico e disse que, por esse motivo, os representantes diplomáticos dos dois países se reuniram novamente. “Mas isso não representará nenhum aumento de tarifa de energia elétrica para os paraguaios”, garantiu o embaixador.

O impasse entre as empresas de energia do Brasil e do Paraguai, Eletrobrás e Ande, existe por conta da diferença no preço que cada uma paga pela energia de Itaipu. Essa questão tem sido objeto de tensão entre os dois países porque, enquanto a Eletrobrás contrata toda a potência de que vai necessitar, dos 75 milhões de megawatts-hora (MWh) que Itaipu produz anualmente, a Ande contrata praticamente a metade do que vai consumir.

No entanto, sempre que precisa de mais energia, o Paraguai usa essa chamada energia adicional, que é bem mais barata, o que desagrada ao Brasil. Essa diferença impacta no preço diferenciado, muito menor, pago pelos paraguaios pela energia de Itaipu, em relação aos brasileiros. Em 2018, o Brasil pagou, em média, US$ 38,72 por megawatt-hora (MWh), enquanto o Paraguai pagou, em média, US$ 24,60.

“(O acordo) deve ser discutido e depois rejeitado pelo Congresso por ser extorsivo e degradante” 
Efraín Alegre, PRESIDENTE DO PARTIDO LIBERAL, PRINCIPAL DA OPOSIÇÃO NO PARAGUAI

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Paraguai decide deixar "sem efeito" acordo com Brasil sobre Itaipu


O ministro das Relações Exteriores do Paraguai, Luis Alberto Castiglioni, anunciou na noite desse domingo (28/07/2019) a decisão do governo de Mario Abdo Benítez de “deixar sem efeito o acordo bilateral” com o Brasil de contratação de energia da represa de Itaipu, documento que estabelecia um cronograma de compra até 2022. São informações do Estadão.
Embora a assinatura do acordo tenha acontecido em maio, os paraguaios só souberam de sua existência na semana passada. O ex-titular da estatal paraguaia Administração Nacional de Energia (Ande) Pedro Ferreira renunciou na semana passada após vazamento do conteúdo da ata que tinha solicitado em fevereiro a intervenção do ministério para solucionar uma crise de contratação entre a Ande e a brasileira Eletrobras.
O governo paraguaio também pedirá ao Brasil uma convocação das Altas Partes Contratantes para que o acordo volte a ser tratado na esfera técnica e não na diplomática, como ocorreu nesta ocasião por desavenças entre ambas as partes.
“Decidimos solicitar ao Brasil a convocação das Altas Partes no transcurso desta semana que se inicia, quando solicitaremos a anulação – deixar sem efeito – o acordo bilateral e, ao mesmo tempo, que volte às instâncias eminentemente técnicas, onde sempre se tem decidido e tratado”, disse o chanceler em entrevista coletiva.
Mais sobre o assunto
  • Rafaela Felicciano/Metrópoles
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  • Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Castiglioni adiantou que já se comunicou com seu colega brasileiro Ernesto Araújo para informá-lo sobre a decisão do Paraguai de convocar a reunião e afirmou que ele aceitou “com muito gosto”.
Déficit na comunicação
Com esta decisão, o governo paraguaio, segundo o chanceler, espera que “no transcurso desta semana tudo isto seja resolvido”, depois da repercussão causada entre a oposição paraguaia e parte dos cidadãos, após o acordo chegar ao conhecimento da opinião pública.
Sobre este ponto, Castiglioni reconheceu que houve “um déficit na comunicação e na informação” e que isso provocou “grande desinformação e manipulação por parte de setores interessados”.
Apesar disso, ele afirmou que houve comunicação prévia desses encontros entre os representantes da Ande e da Eletrobras, assim como dos encontros posteriores entre diplomatas.
Tratado de Itaipu
Brasil e Paraguai assinaram em 24 de maio uma ata que estabelecia um cronograma de compra de energia de Itaipu até 2022, um ano antes que ambas as partes tenham de negociar o Anexo C do Tratado de Itaipu, de 1973.
Os dois países estabelecem no início de cada ano a sua contratação de energia da usina geradora de Itaipu, mas este ano o acordo de compra não pôde ser fechado no âmbito técnico e teve de recorrer à esfera diplomática, já que o Brasil solicitou ao Paraguai que cumprisse com o tratado e estabelecesse seu cronograma de compra adequado a seu consumo.
A oposição paraguaia criticou o documento ao considerá-lo uma entrega de soberania energética para o governo brasileiro de Jair Bolsonaro (PSL) e ameaçou o presidente Abdo Benítez com a abertura de um procedimento de impeachment, acusando-o de “vendedor da pátria”.

sexta-feira, 8 de março de 2019

A crise na (e da) macroeconomia - Andre Lara Resende

André Lara Resende escreve sobre a crise da macroeconomia

Por André Lara Resende | Para o Valor, 7/03/2019
A crise da macroeconomia

A teoria macroeconômica está em crise. A realidade, sobretudo a partir da crise financeira de 2008 nos países desenvolvidos, mostrou-se flagrantemente incompatível com a teoria convencionalmente aceita. O arcabouço conceitual que sustenta as políticas macroeconômicas está prestes a ruir. O questionamento da ortodoxia começou com alguns focos de inconformismo na academia. Só depois de muita resistência e controvérsia, extravasou os limites das escolas. Embora ainda não tenha chegado ao Brasil, sempre a reboque, nos países desenvolvidos, sobretudo nos Estados Unidos, já está na política e na mídia.
A nova macroeconomia que começa a ser delineada é capaz de explicar fenômenos incompatíveis com o antigo paradigma. É o caso, por exemplo, da renitente inflação abaixo das metas nas economias avançadas, mesmo depois de um inusitado aumento da base monetária. Permite compreender como é possível que a economia japonesa carregue uma dívida pública acima de 200% do PIB, com juros próximos de zero, sem qualquer dificuldade para o seu refinanciamento. Ajuda a explicar o rápido crescimento da economia chinesa, liderado por um extraordinário nível de investimento público e com alto endividamento. Em relação à economia brasileira, dá uma resposta à pergunta que, há mais de duas décadas, causa perplexidade: como explicar que o país seja incapaz de crescer de forma sustentada e continue estagnado, sem ganhos de produtividade, há mais de três décadas?
Em artigo recente, "Consenso e Contrassenso: Dívida, Déficit e Previdência", que circula como texto para discussão do Iepe/Casa das Garças (http://iepecdg.com.br/wp-content/uploads/2019/02/Consensoecontrasenso.docx...pdf), procuro ligar alguns pontos que podem vir a consolidar um novo paradigma macroeconômico. Como foi escrito com o objetivo de embasar a argumentação na literatura econômica, pode exigir do leitor conhecimentos específicos e ser mais técnico do que seria desejável. Por isso volto ao tema, de forma menos técnica, para dar ideia desse novo arcabouço macroeconômico e de suas implicações para a realidade brasileira. As conclusões são surpreendentes, muitas vezes contraintuitivas, irão provocar controvérsia e correm risco de ser politicamente mal interpretadas.
Não tenho a intenção, nem seria possível, responder às inúmeras dúvidas e perguntas que irão, inevitavelmente, assolar o leitor. Ao fazer um resumo esquemático das teses que compõem as bases de um novo paradigma macroeconômico, pretendo apenas estimular o leitor a refletir e a procurar se informar sobre a verdadeira revolução que está em curso na macroeconomia. É da mais alta relevância para compreender as razões da estagnação da economia brasileira. Na literatura econômica fala-se numa armadilha da renda média, constituída por forças que impediriam, uma vez superado o subdesenvolvimento, que se chegue finalmente ao Primeiro Mundo. Há razões para crer que não se trata de uma armadilha objetiva, mas sim conceitual.
Pilares de um novo paradigma
O primeiro pilar do novo paradigma macroeconômico, a sua pedra angular, é a compreensão de que moeda fiduciária contemporânea é essencialmente uma unidade de conta. Assim como o litro é uma unidade de volume, a moeda é uma unidade de valor. O valor total da moeda na economia é o placar da riqueza nacional. Como todo placar, a moeda acompanha a evolução da atividade econômica e da riqueza. No jargão da economia, diz-se que a moeda é endógena, criada e destruída à medida que a atividade econômica e a riqueza financeira se expandem ou se contraem. A moeda é essencialmente uma unidade de referência para a contabilização de ativos e passivos. Sua expansão ou contração é consequência, e não causa, do nível da atividade econômica. Esta é a tese que defendo no meu livro "Juros, Moeda e Ortodoxia", de 2017.
Moeda e impostos são indissociáveis. A moeda é um título de dívida do Estado que serve para cancelar dívidas tributárias. Como todos os agentes na economia têm ativos e passivos com o Estado, a moeda se transforma na unidade de contabilização de todos os demais ativos e passivos na economia. A aceitação da moeda decorre do fato de que ela pode ser usada para quitar impostos.
O segundo pilar é um corolário do primeiro: dado que a moeda é uma unidade de conta, um índice oficial de ativos e passivos, o governo que a emite não tem restrição financeira. O Estado nacional que controla a sua moeda não tem necessidade de levantar fundos para se financiar, pois ao efetuar pagamentos, automática e obrigatoriamente, cria moeda, assim como ao receber pagamentos, também de maneira automática e obrigatória, destrói moeda. Como não precisa respeitar uma restrição financeira, a única razão macroeconômica para o governo cobrar impostos é reduzir a despesa do setor privado e abrir espaço para os seus gastos, sem pressionar a capacidade de oferta da economia. O governo não tem restrição financeira, mas é obrigado a respeitar a restrição da realidade, sob pena de pressionar a capacidade instalada, provocar desequilíbrios internos e externos e criar pressões inflacionárias.
O terceiro pilar é a constatação de que o Banco Central fixa a taxa de juros básica da economia, que determina o custo da dívida pública. Desde os anos 1990, sabe-se que os bancos centrais não controlam a quantidade de moeda, nenhum dos chamados "agregados monetários", mas sim a taxa de juros. O principal instrumento de que dispõe o Banco Central para o controle da demanda agregada é a taxa básica de juros.
O quarto pilar é a constatação de que uma taxa de juros da dívida inferior à taxa de crescimento da economia tem duas implicações importantes. A primeira é que a relação dívida/PIB irá decrescer a partir do momento em que o déficit primário - aquele que exclui os juros da dívida - for eliminado, sem necessidade de qualquer aumento da carga tributária. Portanto, se a taxa de juros, controlada pelo Banco Central, for fixada sempre abaixo da taxa de crescimento, a dívida pública irá decrescer, sem custo fiscal, a partir do momento em que o déficit primário for eliminado. Este é um resultado trivial e mais robusto do que parece, pois independe do nível atingido pela relação dívida/PIB, da magnitude dos déficits e da extensão do período em que há déficits. A segunda implicação, tecnicamente mais sofisticada, é que será possível aumentar o bem-estar de todos em relação ao equilíbrio competitivo através do endividamento público. Em termos técnicos, diz-se que o equilíbrio competitivo não é eficiente no sentido de Pareto.
Sobre esses quatro pilares, acrescenta-se o que foi aprendido sobre a inflação nas últimas três décadas. Ao contrário do que se acreditou por muito tempo, a moeda não provoca inflação. Inflação é essencialmente questão de expectativas, porque expectativas de inflação provocam inflação. As expectativas se formam das maneiras mais diversas, dependem das circunstâncias, e os economistas não têm ideias precisas sobre como são formadas. A pressão excessiva da demanda agregada sobre a capacidade instalada cria expectativas de inflação, mas não é condição necessária para a existência de expectativas inflacionárias. Alguns preços, como salários, câmbio e taxas de juros, funcionam como sinalizadores para a formação das expectativas. Se o banco central tiver credibilidade, as metas anunciadas para a inflação também serão um sinalizador importante. Uma vez ancoradas, as expectativas são muito estáveis. A inflação tende a ficar onde sempre esteve. Por isso é tão difícil, como sempre se soube, reduzir uma inflação que está acima da desejada. Depois da grande crise financeira de 2008, ficou claro que é igualmente difícil elevar uma inflação abaixo da desejada.
Novas ideias, antigas raízes
Embora grande parte das teses do novo paradigma contradigam o consenso econômico-financeiro, elas não são novas. Têm raízes em ideias esquecidas, submersas pela força das ideias estabelecidas e insistentemente repetidas. A tese de que a moeda é essencialmente uma unidade de conta, cuja aceitação deriva da possibilidade de usá-la para pagar impostos, é de 1905. Foi originalmente formulada pelo economista alemão Georg F. Knapp, no livro "The State Theory of Money". Ficou conhecida como "cartalismo" e foi retomada recentemente pelos proponentes da chamada moderna teoria monetária, MMT em inglês.
Já a tese de que o governo que emite a sua própria moeda não tem restrição financeira, portanto não precisa equilibrar receitas e despesas, é de 1943. Seu autor, Abba Lerner, foi um economista que, como Clarice Lispector, nasceu na Bessarábia, estudou na Inglaterra e deu contribuições de grande relevância para os mais diversos campos da teoria econômica. No ensaio "Functional Finance and the Federal Debt", Lerner enuncia os princípios que devem guiar o governo no desenho da política fiscal. Segundo ele, os déficits fiscais podem e devem sempre ser usados para garantir o pleno emprego e estimular o crescimento.
A primeira prescrição de Lerner, a sua "primeira lei das finanças funcionais", é macroeconômica: o governo deve sempre usar a política fiscal para manter a economia no pleno emprego e estimular o crescimento. A única preocupação em relação à aplicação dessa prescrição deve ser com os limites da capacidade de oferta da economia, que não podem ser ultrapassados, sob pena de provocar desequilíbrios internos e externos e criar pressões inflacionárias. A segunda prescrição, ou a segunda "lei das finanças funcionais", é microeconômica: os impostos e os gastos do governo devem ser avaliados segundo uma análise objetiva de custos e benefícios, nunca sob o prisma financeiro.
Todo banqueiro central com alguma experiência prática na condução da política monetária sabe que o banco central controla efetivamente a taxa de juros básica da economia. Os mais atualizados sabem ainda que, desde que não haja pressão sobre a capacidade de oferta, é possível criar qualquer quantidade de moeda remunerada sem provocar inflação. Trata-se de um poder tão extraordinário, que convém a todos, para evitar pressões políticas espúrias, continuar a sustentar a ficção de que o banco central deve controlar, e que efetivamente controla, a quantidade de moeda.
Já o fato de que o governo - que emite a sua própria moeda - não está submetido a qualquer restrição financeira, é bem menos compreendido. Talvez porque seja profundamente contraintuitivo, dado que todo e qualquer outro agente, as empresas, as famílias, os governos estaduais e municipais, estão obrigados a respeitar o equilíbrio entre receitas e despesas, sob pena de se tornar inadimplentes.
Quando se compreende a proposição que a moeda é um índice da riqueza na economia, que sua expansão não provoca inflação e o seu corolário, que governo que a emite não tem restrição financeira, há uma mudança de Gestalt.
A compreensão da lógica da especificidade dos governos que emitem sua moeda provoca uma sensação de epifania, que subverte todo o raciocínio macroeconômico convencional. Toda mudança de percepção que desconstrói princípios estabelecidos é inicialmente perturbadora, mas uma vez incorporada, abre as portas para o avanço do conhecimento. Como observou o Prêmio Nobel de Física, gênio inconteste, Richard Feynman, num artigo de 1955, "O Valor da Ciência", o conhecimento pode tanto ser a chave do paraíso, como a dos portões do inferno. É fundamental que essa mudança de percepção seja corretamente interpretada para a formulação de políticas. Assim como Ivan Karamazov concluiu que se Deus não existe, tudo é permitido, de forma menos angustiada e mais afoita, não faltarão políticos para concluir que se o governo não tem restrição financeira, tudo é permitido.
Do ponto de vista macroeconômico, se o governo gastar mais do que retira da economia via impostos, estará aumentando a demanda agregada. Quando a economia estiver perto do pleno emprego, corre o risco de causar desequilíbrios e provocar pressões inflacionárias. Do ponto de vista microeconômico, a política fiscal tem impactos alocativos e redistributivos importantes. Embora o governo não esteja sempre obrigado a equilibrar receitas e despesas, a composição de suas despesas e de suas receitas, a forma como o governo conduz a política fiscal, é da mais alta importância para o bom funcionamento da economia e o bem-estar da sociedade. A preocupação dos formuladores de políticas públicas não deve ser o de viabilizar o financiamento dos gastos, mas sim a qualidade, tanto das despesas como das receitas do governo. A decisão de como tributar e gastar não deve levar em consideração o equilíbrio entre receitas e despesas, mas sim o objetivo de aumentar a produtividade e equidade. Por isso, é fundamental não confundir a inexistência de restrição financeira com a supressão da noção de custo de oportunidade. O governo continua obrigado a avaliar custos e benefícios microeconômicos de seus gastos. Um governo que equilibra o seu orçamento, mas gasta mal e tributa muito, é incomparavelmente mais prejudicial do que um governo deficitário, mas que gasta bem e tributa de forma eficiente e equânime, sobretudo quando a economia está aquém do pleno emprego.
É possível argumentar que seria melhor não desmontar a ficção de que os gastos públicos são financiados pelos impostos, pelo "o seu, o meu, o nosso dinheiro", para criar uma resistência da sociedade às pressões espúrias por gastos públicos. Afinal, pressões políticas, populistas e demagógicas, por mais gastos nunca hão de faltar. O problema é que quando se adota um raciocínio torto, ainda que com a melhor das intenções, chega-se a conclusões necessariamente equivocadas.
Uma armadilha brasileira
Desde o início dos anos 1990, a taxa real de juros foi sempre muito superior à taxa de crescimento da economia. Só entre 2007 e 2014 a taxa real de juros ficou apenas ligeiramente acima da taxa de crescimento. A partir de 2015, quando a economia entrou na mais grave recessão de sua história, com queda acumulada em três anos de quase 10% da renda per capita, a taxa real de juros voltou a ser muito mais alta do que a taxa de crescimento. A economia cresceu apenas 1,1% ao ano em 2017 e 2018. Hoje, com a renda per capita ainda 5% abaixo do nível de 2014, com o desemprego acima de 12% e grande capacidade ociosa, a taxa real de juros ainda é mais do dobro da taxa de crescimento. Como não poderia deixar de ser, a relação dívida/PIB tem crescido e se aproxima de níveis considerados insustentáveis pelo consenso macro-financeiro.
O diagnóstico não depende do arcabouço macroeconômico adotado, é claro e irrefutável: as contas públicas estão em desequilíbrio crescente e a relação dívida/PIB vai continuar a crescer e superar os 100% em poucos anos. Já o desenho das políticas a serem adotadas para sair da situação em que nos encontramos é completamente diferente caso se adote a visão macroeconômica convencional ou um novo paradigma. O velho consenso exige o corte a despesas, a venda de ativos estatais, a reforma da Previdência e o aumento dos impostos, para reverter o déficit público e estabilizar a relação dívida/PIB. É o roteiro do governo Bolsonaro sob a liderança do ministro Paulo Guedes. A partir de um novo paradigma, compreende-se que o equívoco vem de longe.
A inflação brasileira tem origem na pressão excessiva sobre a capacidade instalada, durante as três décadas de 1950 a 1980 de esforço desenvolvimentista. Foi agravada pelo choque do petróleo na primeira metade da década de 1970, quando adquiriu uma dinâmica própria, alimentada pela indexação e pelas expectativas desancoradas. Altas taxas de inflação crônica têm uma forte inércia, não podem ser revertidas apenas através do controle da demanda agregada, com objetivo de provocar desemprego e capacidade ociosa. Para quebrar a inércia é preciso um mecanismo de coordenação das expectativas. No Plano Real, esse mecanismo foi a URV, uma unidade de conta sem existência física, corrigida diariamente pela inflação corrente. A URV foi uma unidade de conta oficial virtual, com poder aquisitivo estável, uma moeda plena na acepção Cartalista, que viabilizou estabilização da inflação brasileira. Quando a URV foi introduzida, a economia não crescia, havia desemprego e capacidade ociosa. A causa da inflação não era mais o gasto público nem o excesso de demanda. Quando se compreende que o governo emissor não tem restrição financeira, fica claro que não havia necessidade de equilibrar as contas públicas para garantir a estabilidade da moeda. A criação do Fundo de Estabilização Social e posteriormente a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, apenas satisfizeram as exigências do consenso macroeconômico e financeiro da época.
Como se acreditava na necessidade de equilíbrio financeiro do governo, para garantir a consolidação da estabilização, a carga tributária foi sistematicamente elevada. Chegou a 36% da renda, comparável às das mais altas entre as economias desenvolvidas. Durante os governos do PT, opção demagógica pelo aumento dos gastos com pessoal e por grandes obras, turbinadas pela corrupção e sem qualquer avaliação de custo e benefícios, combinada com a ortodoxia do Banco Central, aprofundou o desequilíbrio das contas públicas. O quadro foi agravado pela rápida queda do crescimento demográfico e do aumento da expectativa de vida, que tornou a Previdência crescentemente deficitária.
Uma vez feita a transição da URV para o Real, teria sido necessário manter uma âncora coordenadora das expectativas. Retrospectivamente, o correto teria sido adotar um regime de metas inflacionárias, para balizar as expectativas, que só veio a ser adotado no segundo governo FHC. A opção à época foi por dispensar um mecanismo coordenador das expectativas e confiar nas políticas monetária e fiscal contracionistas. Optou-se por combinar uma política de altíssimas taxas de juros com a austeridade fiscal. O resultado foram mais de duas décadas de crescimento desprezível, colapso dos investimentos públicos, uma infraestrutura subdimensionada e anacrônica, Estados e municípios estrangulados, incapazes de prover os serviços básicos de segurança, saneamento, saúde e educação. Mas como não vale a pena chorar sobre o leite derramado, passemos a políticas a serem adotadas para sair da armadilha em que nos encontramos, com base no novo arcabouço conceitual macroeconômico.
Reformas voltadas para o futuro
Comecemos pela questão que ocupa as manchetes, a reforma da Previdência. Sim, é preciso uma reforma da Previdência, não porque ela seja deficitária, mas porque ela é corporativista e injusta e porque o aumento da expectativa de vida exige a revisão da idade mínima. O déficit do sistema previdenciário, como todo déficit público, não precisa ser eliminado se a taxa de juros for inferior à taxa de crescimento. Como estamos com alto desemprego, significativamente abaixo da plena utilização da capacidade instalada e com expectativas de inflação ancoradas, o objetivo primordial das "reformas" deve ser estimular o investimento e a produtividade.
Em paralelo à reforma da Previdência, deve-se fazer uma profunda reforma fiscal segundo os preceitos das finanças funcionais de Abba Lerner. O objetivo da reforma tributária não deve ser maximizar a arrecadação, mas sim o de simplificar, desburocratizar, reduzir o custo de cumprir as obrigações tributárias, para estimular os investimentos e facilitar a inciativa privada. Enquanto não houver pressão excessiva sobre a oferta e sinais de desequilíbrio externo, a carga tributária deve ser significativamente menor.
A taxa básica de juros deveria ser reduzida, acompanhada do anúncio de que, a partir de agora, seria sempre fixada abaixo da taxa nominal de crescimento da renda. Simultaneamente, deveria-se promover a modernização do sistema monetário, substituindo as LFTs e as chamadas Operações Compromissadas, que hoje representam metade da dívida pública, por depósitos remunerados no Banco Central. Adicionalmente, seria dado acesso direto ao público, não apenas aos bancos comerciais, às reservas remuneradas no Banco Central. A modernização do sistema, com redução de custos e grandes ganhos de eficiência no sistema de pagamentos, passaria ainda pela criação de uma moeda digital do Banco Central, que abriria o caminho para um governo digital e desburocratizado.
Para garantir a eficiência dos investimentos e o ganho de produtividade, deveria-se promover uma abertura comercial programada para integrar definitivamente a economia brasileira na economia mundial. O prazo de transição para a completa abertura comercial deveria ser pré-anunciado e de no máximo cinco anos.
Por fim, mas não menos importante, seria fundamental criar mecanismos eficientes, idealmente através da contratação de agências privadas independentes, para avaliação de custos e benefícios dos gastos públicos em todas as esferas do setor público. A política fiscal é da mais alta relevância para o bom funcionamento da economia e para o bem-estar da sociedade. Compreender que o governo não tem restrição financeira não implica compactuar com um Estado inchado, ineficiente e patrimonialista, que perde de vista os interesses do país. Ao contrário, redobra a responsabilidade e a exigência de mecanismos de controle e avaliação sobre a qualidade, os custos e os benefícios, dos serviços e dos investimentos públicos.
Estas linhas gerais de políticas, sugeridas pelo novo paradigma macroeconômico, correm o risco de desagradar a gregos e troianos. Não se encaixam, nem no populismo estatista da esquerda, nem no dogmatismo fiscalista da direita. Como observou, de maneira premonitória, Abba Lerner, em seu ensaio de 1943, os princípios das Finanças Funcionais são igualmente aplicáveis numa sociedade comunista, como numa sociedade fascista, como numa sociedade capitalista democrática. A diferença é que se os defensores do capitalismo democrático não os compreenderem e adotarem, não terão chance contra aqueles que vieram a adotá-los. No primeiro ensaio de "Juros, Moeda e Ortodoxia", sustento que, durante o século XX, o liberalismo econômico perdeu a batalha pelos corações e pelas mentes dos brasileiros. Embora a história tenha mostrado que seus defensores, desde Eugênio Gudin, estavam certos sobre os riscos do capitalismo de Estado, do corporativismo, do patrimonialismo e do fechamento da economia à competição, foram derrotados porque adotaram um dogmatismo monetário quantitativista equivocado. Tentaram combater a inflação promovendo um aperto da liquidez. O resultado foi sempre o mesmo: recessão, desemprego e crise bancária. Expulsos do comando da economia pela reação da sociedade, seus defensores recolhiam-se para lamentar a demagogia dos políticos e a irracionalidade da população. Quase sete décadas depois de Gudin, os liberais voltam a comandar a economia. O apego a um fiscalismo dogmático e a um quantitativismo anacrônico pode levá-los, mais uma vez, a voltar para casa mais cedo do que se imagina.
André Lara Resende é economista