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terça-feira, 19 de março de 2024

As democracias são poucas no mundo, e estão diminuindo - Augusto de Franco

 Augusto de Franco fez uma pequena relação das ditaduras ao redor do mundo, uma conta ainda incompleta, cabendo ainda contar os "hesitantes", que acabam se aliando às grandes autocracias. (PRA)


CAINDO NA REAL

Augusto de Franco, 19/03/2024 E ainda tem gente na academia dizendo que as interpretações sobre a quebra ou erosão das democracias eram catastrofistas e estavam erradas. As democracias liberais viraram cerca de três dezenas de ilhas num mundo coalhado de ditadores e populistas (que compõem um eixo autocrático em ascensão). O EIXO AUTOCRÁTICO Ditador Ahmed, da Etiópia Ditador (treocrata) Akhundzada, do Afeganistão Ditador Al Khalifa, do Barém Ditador Aliuev, do Azerbaijão Ditador al-Mashat do Iêmen Ditador Al-Sisi, do Egito Ditador Assad, da Síria Ditador Berdimuhamedow, do Turcomenistão Ditador Bin Salman, da Arábia Saudita Ditador Canel, de Cuba Ditador Chính, do Vietnam Ditador Itno, do Chade Ditador Kim, da Coréia do Norte Ditador Lourenço, de Angola Ditador Lukashenko, de Belarus Ditador Maduro, da Venezuela Ditador Mayardit, do Sudão do Sul Ditador Mbasogo, da Guiné Equatorial Ditador Mirziyoyev, do Uzbequistão Ditador Nahyan, dos Emirados Árabes Unidos Ditador Ndayishimiye, de Burundi Ditador Ortega, da Nicarágua, Ditador Putin, da Rússia Ditador Rahmon, do Tajiquistão Ditador Sen, do Camboja Ditador Sisoulith, do Laos Ditador Tokayev, do Cazaquistão Ditador Touadera, da República Centro-Africana Ditador Xi, da China Ditador (teocrata) Khamanei, do Irã POPULISTAS QUE ESTÃO SE ALINHANDO (OU TENDEM A SE ALINHAR) AO EIXO AUTOCRÁTICO Populista Bukele, de El Salvador Populista Erdogan, da Turquia Populista Lula, do Brasil Populista Modi, da Índia Populista Obrador, do México Populista Orbán, da Hungria Populista Petro, da Colômbia Populista Ramaphosa, da África do Sul Populista Subianto, da Indonésia Populista Xiomara, de Honduras Populistas Arce e Evo, da Bolívia Ainda estão faltando os ditadores e/ou populistas de Essuatíni, de Brunei, da Guiné, da Jordânia, do Kuwait, da Líbia, de Mali, do Marrocos, de Myanmar, de Oman, da Palestina (Faixa de Gaza), do Catar, da Somália, do Sudão, da Tailândia; e da Albânia, da Argélia, de Bangladesh, do Benin, de Burkina Faso, de Camarões, do Congo, de Djibouti, da República Democrática do Congo, de Fiji, do Gabão, da Guatemala, da Guiné Bissau, do Iraque, da Costa do Marfim, do Quirguistão, do Líbano, de Madagascar, da Malásia, da Mauritânia, de Moçambique, da Nigéria, de Papua Nova Guiné, do Paquistão, da Palestina (WB), das Filipinas, de Ruanda, da Sérvia, de Singapura, da Somalilândia, da Tanzânia, do Togo, da Tunísia, de Uganda, de Zanzibar, do Zimbabue.


segunda-feira, 3 de julho de 2023

Augusto de Franco sobre as democracias e as autocracias

Uma canja. Capítulo 33 do meu novo livro Como as democracias nascem

Augusto de Franco : 

Como Nascem as Democracias

A RAIZ DO REALISMO POLÍTICO

“A teoria de Darwin sobre a sobrevivência do mais forte… [é] um melhor guia para a compreensão da história do que a moralidade pessoal”.

O realista Kissinger (1994), em Diplomacy, interpretando o pensamento de Theodore Roosevelt, o seu admirado “estadista-guerreiro” (1).

O realismo político acabou virando uma vertente de política externa ou internacional. Não nasceu assim, porém. Nasceu como um pensamento antipolítico, para efeitos, na verdade, internos.

Há uma tradição autocrática no pensamento político. É essa tradição que constitui o chamado realismo político. Começa com Platão, passa por Maquiavel, Hobbes, pelo Cardeal Richelieu, por Clausewitz, pelos chamados “políticos do poder”, como Metternich e Bismarck e vários outros até chegar aos realistas modernos como Schmitt, Morgenthau e Carr e aos contemporâneos, como, para citar apenas alguns exemplos, Brzezinski, Genscher, Ross, Kissinger e o novo crush dos autocratas de direita e de esquerda chamado John Mearsheimer. Este capítulo é sobre isso. Mas não vai comentar exaustivamente as ideologias desses autocratas e sim apenas chamar a atenção para alguns padrões antidemocráticos que estão presentes nos seus pensamentos.

Platão

Podemos dizer – sem medo de errar – que o realismo político nasceu com Platão, quer dizer, tem a ver com os fundamentos dos regimes de Esparta, Creta e Siracusa, não com os fundamentos do regime que vigorou em Atenas nos séculos 5 e 4 a.C. Sua raiz é dória, não jônia. E as tentativas de atribuí-lo originalmente a Tucídides são inconsistências inventadas por acadêmicos americanos.

Platão, nas Leis (626a), escreveu que “na realidade, por questões de natureza (φύσις), todas as póleis vivem envolvidas em um estado de guerra velada”. Bem… aí com certeza começou, no plano teórico, o chamado realismo político. O primeiro problema dessa afirmação platônica não é constatar que as póleis (entendidas erroneamente como cidades-Estado) vivem em estado de guerra e sim achar que isso ocorre por algum tipo de deteminação natural, da phýsis, como qualidade ou propriedade constitutiva de todas as coisas ou sua maneira de ser. O segundo problema é não ver que a pólis, numa democracia (onde Platão vivia, embora a ela se contrapusesse), não é a cidade-Estado e sim a koinonia (comunidade) política. Como percebeu Hannah Arendt (1958), em A condição humana, “a pólis não era Atenas e sim os atenienses” (2).

Avancemos agora pouco mais de dois milênios para constatar como os padrões autocráticos se replicam em outras regiões do tempo. Hans Morgenthau (1948), um dos principais teóricos do realismo político, acreditava que “a política, como aliás a sociedade em geral, é governada por leis objetivas que deitam suas raízes na natureza humana”. Eis aí, desnudado, o pressuposto ideológico platônico antipolítico. Natureza humana é uma natureza (não, com perdão do neologismo, uma “socialeza”). Natureza, Deus ou História (tudo assim com maiúsculas) dá no mesmo. É uma instância extra-política determinando a política a despeito da interação propriamente política entre as pessoas. Se há algo infenso à política, determinando a política, não pode haver democracia.

Bastaria dizer isso. Mas partamos de uma definição, quase escolar, de realismo político antes de examinar os pensamentos de alguns realistas políticos.


Realismo político é guerra

Em poucas palavras e simplificando ao máximo (o que não é tão inadequado, pois suas construções intelectuais são simplórias), o realismo político parte da constatação de que, não havendo uma instância normativa no plano internacional (uma autoridade máxima à qual os Estados devam se submeter), cada Estado – sim, todo realismo é um estatismo: o sujeito é sempre o Estado, a sociedade é um dominium do Estado – deve garantir a sua própria segurança, agindo em nome de um interesse nacional.

Em nome desse interesse nacional, definido pelo próprio Estado, cada ator deve lutar para aumentar o seu poder (em geral traduzido como capacidade militar, mas não só), para impor sua vontade a Estados mais fracos. Cada Estado deve então decidir por si mesmo se e quando vai usar sua força para alcançar seus objetivos (ou realizar seus interesses).

A colaboração entre Estados, no limite, leva a abrir flancos perigosos, pois o aliado de hoje pode se tornar o inimigo de amanhã (o que é bem resumido na máxima autocrática: “os aliados lhe enfraquecem, os inimigos lhe fortalecem”).

Como não há democracia no plano internacional, não há lei (quer dizer, império da lei) ou critério ético-político a que um Estado deva se submeter. Logo, a única maneira de garantir a sobrevivência do Estado como entidade é organizar-se para se defender de um possível ataque de outros Estados.

Para garantir a paz (entendida como manutenção da integridade do Estado) é necessário se preparar para a guerra por meio da defesa (e por isso toda defesa é guerra preemptiva). E como o sistema é competitivo, a única maneira de evitar a guerra é alcançar um equilíbrio de forças que desestimule, por medo da retaliação, que um Estado faça guerra contra outro e o destrua.

Bem, trata-se de uma definição quase escolar, mas nem por isso incorreta. Pelo menos deixa claro que falar do realismo é falar de guerra. Não, não é falar de outra coisa. É o óbvio. Mas agora vem uma inferência não tão óbvia: toda guerra é interna. Este é o primeiro ponto a ser entendido. Para entendê-lo, porém, é preciso balançar algumas certezas.

Para começar, guerra não é o conflito. É um modo de regular o conflito. E guerra não é o conflito violento. Pode ser praticada sem violência (física), como guerra fria e como política adversarial (a política como continuação da guerra por outros meios).

Depois é preciso ver que guerra não é destruição de inimigos e sim, pelo contrário, construção e manutenção de inimigos (tanto faz se for a Eurásia ou a Lestásia, para lembrar o 1984 de Orwell).

Em seguida é necessário entender que a guerra não tem como objetivo principal derrotar um país estrangeiro a não ser na medida em que isso puder ser usado para instalar internamente um ‘estado de guerra’ (não adianta derrotar um inimigo externo se não se derrotar os inimigos internos, quer dizer, se a força política que está no poder de Estado não continuar estabelecendo sua supremacia). O objetivo da guerra – para quem a faz (e como dizia Maturana, “a guerra não acontece, nós a fazemos”) – é instalar um estado de guerra que enseje, permita e justifique a ereção de estruturas hierárquicas regidas por modos autocráticos. Ou seja, a guerra é um engendramento para possibilitar uma reorganização do cosmo social. Em outras palavras, para impor uma ordem preconcebida em vez de deixar que diversas ordens emerjam da interação, o que acontece toda vez que tomamos a liberdade como sentido da política (e não a ordem). Este ponto é fundamental, porque a democracia é apenas a política que não tem uma ordem pronta (preconcebida) para colocar no lugar de outra, mesmo que essa ordem seja avaliada como a mais perfeita e justa do universo.

Aqui é preciso entender, para resumir, que não é apenas que autocracias façam guerras: a guerra já é a autocracia. E toda autocracia é sempre uma guerra contra um inimigo interno (ainda que um inimigo externo possa existir objetivamente).

Voltemos agora aos pensadores realistas para corroborar essas primeiras impressões.


Schmitt

O jurista e estudioso político alemão Carl Schmitt, publicou, em 1932, um famoso livro intitulado O conceito do político, que provocou grande controvérsia sobre um suposto militarismo ou belicismo presente nas suas concepções. Sua posição foi encarada como realista, pelo fato de ele admitir (mesmo sem desejar, ou propor) que a guerra é o pressuposto sempre presente como possibilidade real em qualquer relação política. De qualquer modo, não há como negar que, para conceituar o político, Schmitt insiste demais nas noções de guerra e de inimigo, deixando de tratar, com a mesma atenção – e isso não pode ser por acaso –, dos conceitos de paz e de amigo.

Não cabe aqui entrar na controvérsia nos termos em que ela foi colocada. Talvez seja necessário dizer apenas que, para Carl Schmitt, “a diferença especificamente política… é a diferença entre amigo e inimigo”. Ainda que ele tente fazer uma distinção entre inimicus em seu sentido lato (o concorrente comercial, “o adversário particular que odiamos por sentimentos de antipatia”) e hostis (o inimigo público, o combatente que usa armas para destruir meu contexto vital, enfim, o inimigo político), parece claro que Schmitt não via diferença de natureza entre guerra e política. Tanto é assim que ele afirma que “a guerra, enquanto o meio político mais extremo, revela a possibilidade subjacente a toda concepção política, desta distinção entre amigo e inimigo” (3). Quer dizer que, para ele, conquanto seja um “meio extremo”, a guerra é um meio político. Do contrário ele deveria ter afirmado que a política pode levar à guerra, deixando de ser o que é (mudando, portanto, sua natureza) e não que a guerra é um meio político, pois que, assim, ao fazer guerra, ainda estamos fazendo política.


Pode-se perceber em Carl Schmitt um viés realista da chamada realpolitik. Contrapondo-se ao idealismo, o realismo político é uma política baseada no “equilíbrio do poder”, na linha do pensamento e da prática do Cardeal Richelieu – com sua “razão de Estado” (“raison d’état”) colocada acima de qualquer princípio moral – e dos chamados “políticos do poder”, como os já citados Metternich, Bismarck e, mais recentemente, Kissinger (1994), segundo a qual – e ele escreveu isso interpretando o pensamento do presidente Theodore Roosevelt, o seu admirado “estadista-guerreiro” – “a teoria de Darwin sobre a sobrevivência do mais forte… [é] um melhor guia para a compreensão da história do que a moralidade pessoal” (4).

O ponto da discussão é o seguinte: se pode haver guerra como meio político, então devemos ser realistas o suficiente para praticar a política como quem conta com tal possibilidade (e se prepara para isso, o que acaba, quase sempre, sendo a mesma coisa que praticar a política como “arte da guerra”). Ao proceder desse modo, separando os amigos políticos dos inimigos políticos (os que podem nos combater), cristalizamos aquela relação de inimizade que pode levar à guerra (e que, de qualquer modo, leva à prática da política como uma “arte da guerra”).

O problema é que isso não vale apenas para a relação entre Estados soberanos, mas acaba deslizando – inevitavelmente – para todas as relações políticas (Richelieu usava a “lógica” da tal “razão de Estado” para manter o seu poder internamente e não apenas nas relações internacionais da França). Amigo, então, passa a ser todo aquele que está de acordo com nosso projeto e inimigo todo aquele que discorda do nosso projeto. Ora, se quero afirmar o meu projeto, então devo derrotar ou destruir (na verdade, incapacitar) aqueles que podem inviabilizar a sua realização e isso deve ser feito, inclusive, preventivamente, antes que eles (os outros, os inimigos) consigam inviabilizar meu projeto ou substituí-lo pelos projetos deles. Preempção.

Há uma linha divisória muito fina entre derrotar e destruir o projeto do outro e derrotar e destruir o outro como ator político, quer dizer, como alguém que pode apresentar um projeto diferente (que não é o meu). Assim, basta alguém não estar de acordo com meu projeto (político), para poder ser classificado como inimigo (político), pelo menos em potencial.

Esse ponto de vista, portanto, não cogita muito da possibilidade de transformar o inimigo político em amigo político, convencendo-o, ganhando-o para o nosso projeto ou adotando outro projeto, um terceiro projeto, que contemple ambos os projetos (o nosso e o dele). O realismo indica que isso não ocorrerá, pelo simples fato de ele (o outro), para usar o pensamento de Carl Schmitt, não ser um eu-mesmo – o que significa, paradoxalmente, convenhamos, uma construção ideal do inimigo, aquele que deve ser desconstituído como ser político enquanto ameaçar a realização do meu projeto. Não podendo ser destruído de pronto, tal inimigo, pelo menos, deverá ficar em seu canto, respeitando meu espaço, caso contrário será destruído mais tarde ou a qualquer momento: a isso se chama “equilíbrio de poder”. Configura-se assim uma situação de luta permanente, levando a uma política adversarial ou geradora de inimizade. Porque o outro, em vez de ser considerado como um possível parceiro, um aliado ou colaborador, é visto, antes de qualquer coisa, como um potencial inimigo.

Na verdade, o inimigo como construção ideal passa a ser uma peça funcional do nosso esquema de poder, quer dizer, da nossa política (ou antipolítica). Sem o inimigo, desconstitui-se a realpolitik e o tipo de poder que ela visa sustentar, em geral baseado na necessidade de preservação de uma determinada ordem que precisa ser mantida contra o perigo representado pelo inimigo. É para manter essa ordem que se instaura então, internamente, o “estado de guerra” que consiste em uma preparação para a guerra externa (que pode vir ou não, pouco importa) mas sempre em nome da paz (pois que só alguém preparado para a guerra pode manter a paz). E o mais grave é que esse “estado de guerra” interna pode se referir tanto ao âmbito de um país diante de outros países, como ao de uma organização em conflito real ou potencial com outras organizações, como, por exemplo, ao de um governo confrontado por partidos de oposição. O raciocínio, como se vê, é uma perversão, mas o fato de ele ser aceito tão amplamente indica que as tendências de autocratização da democracia ainda estão na ofensiva em relação às tendências de democratização da democracia.

Toda política que admite a guerra como um de seus meios acaba sendo uma política adversarial, baseada na luta constante para destruir o inimigo ou para manter o “equilíbrio de forças” (e deve-se notar que, aqui, a política já começa a se constituir sob o signo da força e não do poder – uma distinção tão cara à Johanna Arendt). Para a realpolitik, a única realidade política – inexorável – é a da interação de forças e, assim, o único critério político deve ser o da correlação de forças. Devo, sempre, fazer tudo o que for possível para alterar a correlação de forças a favor do meu projeto (ou a meu favor, quando se trata de um projeto pessoal, de uma agenda própria – como, aliás, sempre acontece). A política passa a ser uma luta constante para atingir tal objetivo, quando não deveria ser; ou seja, como escreveu Michelangelo Bovero (1988) em Ética e política: entre maquiavelismo e kantismo, a política não deveria ser luta e sim impedir a luta: não combater por si próprio, mas resolver e superar o conflito antagônico e impedir que volte a surgir (5).

Não são apenas as teorias políticas que estão, em sua maioria, contaminadas pela visão perversa do clausewitzianismo invertido (a fórmule-inverse de Clausewitz-Lenin). A chamada sabedoria política tradicional também se baseia, totalmente, nas regras da luta política como “arte da guerra” ou na prática da ‘política como uma continuação da guerra por outros meios’, pois parece claro que, na maioria dos casos, essa sabedoria não se refere à guerra propriamente dita, aquela em que ocorre a violência física: aqui estamos tratando do ânimo adversarial, que tanto está por trás da guerra quanto da política adversarial ou competitiva.


De Hobbes a Clausewitz

Thomas Hobbes (1651) – que era autocrático, mas não desprovido de inteligência – já havia percebido que “a guerra não consiste apenas na batalha ou no ato de lutar, mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalha é suficientemente conhecida… [já que] a natureza da guerra não consiste na luta real, mas na conhecida disposição para tal…” (6).

Conquanto acumule uma grande dose de sabedoria, a tradição política é autocrática, não democrática. Essa sabedoria dos grandes chefes e articuladores políticos, tão admirada pelos políticos tradicionais e pelas almas impressionáveis, tem pouco a ver com a democracia.

Sabedoria não significa democracia nem constitui um requisito para a boa prática democrática. A democracia não é uma tradição: é um acaso; é um erro no script da Matrix, uma falha no software dos sistemas autocráticos.

O conjunto dos ensinamentos oriundos da sabedoria política tradicional induz a um comportamento que gera inimizade e que, consequentemente, exige a prática da política como “arte da guerra”. Tudo está baseado, no fundo, em vencer o adversário, desarmar seu projeto político, ou seja: desorganizar suas forças e, sobretudo, impedir que se reúnam os meios necessários à sua existência como ator político.

Do ponto de vista da democracia – não há como negar – isso tudo é uma perversão. Se existe uma ética da política e essa ética é – ou só pode ser – a democratização, então o recurso da guerra (no sentido da prática da política como “arte da guerra”) deve ser visto como violador dessa ética e, assim, como o comportamento a ser evitado.

Em política, a guerra (quer dizer, a política pervertida como “arte da guerra”) não acontece em função da existência objetiva do inimigo, mas em função de nossas opções de encarar o outro como inimigo e de tentar destruí-lo (mas, na verdade, mantê-lo como impotente para nos destruir). Tais opções só são feitas se estivermos montando ou mantendo um sistema autocrático de poder, que exige o inimigo para a sua ereção ou para o seu funcionamento como tal (quer dizer, como um sistema não-democrático de organização e resolução de conflitos).

Clausewitz (1832) tinha razão, segundo certo ponto de vista, quando dizia que a guerra é uma continuação da política por outros meios: se ficar claro que essa continuação não é mais política e que a política capaz de ter tal continuação é uma política praticada como “arte da guerra”. A chamada “fórmula inversa” (a ‘política como continuação da guerra por outros meios’) é que é perversa, pois a guerra não pode levar à política a menos que queiramos estabelecer a impossibilidade da democracia. Políticas que conduzem à guerra são autocráticas. Coletividades que praticam a democracia não guerreiam entre si (na exata medida em que a praticam).

Há um fundamento hobbesiano na visão da política como continuação da guerra por outros meios. No famoso capítulo XIII do Leviatã, Hobbes (1651) decreta que “os homens não tiram prazer algum da companhia uns dos outros (e sim, pelo contrário, um enorme desprazer), quando não existe um poder capaz de intimidar a todos”. É claro que ele não está falando apenas de política, mas também revelando os pressupostos antropológico-sociais que condicionam sua maneira de ver a política. Segundo ele, “na natureza do homem encontramos três causas principais de discórdia. Primeiro, a competição; segundo, a desconfiança; e terceiro, a glória” – ou seja, essas manifestações de egoísmo não seriam culturais, não emanariam da forma como a sociedade se organiza, mas intrínsecas. Essa inclinação “genética” para o mal explicaria por que, “durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de mantê-los todos em temor respeitoso, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens. Pois a guerra não consiste apenas na batalha ou no ato de lutar, mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalha é suficientemente conhecida… [já que] a natureza da guerra não consiste na luta real, mas na conhecida disposição para tal, durante todo o tempo em que não há garantia do contrário. Todo tempo restante é de paz” (7).

Mas, segundo Hobbes, “tudo aquilo que se infere de um tempo de guerra, em que todo homem é inimigo de todo homem, infere-se também do tempo durante o qual os homens vivem sem outra segurança senão a que lhes pode ser oferecida pela sua própria força e pela sua própria invenção. Em uma tal condição [de falta de um poder que domestique ou apazigue os homens]… não há sociedade; e o que é pior do que tudo, um medo contínuo e perigo de morte violenta. E a vida do homem é solitária, miserável, sórdida, brutal e curta” (8).

O mesmo fundamento hobbesiano para a visão da política como continuação da guerra por outros meios – ao assumir que não pode haver sociedade (civil) sem Estado – conspira contra os pressupostos da democracia.

Enfim, a luta política como “arte da guerra”, cria a guerra e obstrui a democracia. Lembrando novamente do que disse certa vez Maturana, a guerra não acontece: nós a fazemos (9). E como a fazemos? Ora, praticando a “arte” de operar as relações sociais com base no critério amigo x inimigo. Toda vez que fazemos isso estamos, caso se possa falar assim, armando ou fazendo guerra. Não necessariamente a guerra tradicional, “quente” e declarada, entre países ou grupos dentro de um país, a guerra com derramamento de sangue, mas também aquelas formas de guerra “fria” e não instalada: a “guerra sem derramamento de sangue” (como Mao definia a política), a “guerra sem mortes” (como George Orwell definia o esporte competitivo), a paz dos impérios (lato sensu, quer dizer, a paz estabelecida pelo domínio) e a paz como preparação para a guerra, o “estado de guerra” (interno) instalado em função da guerra (externa) ou de sua ameaça (ou, ainda, da avaliação, subjetiva, da sua possibilidade); enfim, a prática da política como “arte da guerra” que compreende: os modos de regulação de conflitos em que a produção permanente de vencedores e vencidos gera inimizade política, os padrões de organização compatíveis com esses modos de regulação de conflitos e o clima adversarial que se instala consequentemente nos coletivos humanos que os praticam.

Para captar os conceitos (na verdade os preconceitos) fundantes é ocioso passear pelos demais realistas. Aí acima estão os principais fundamentos do realismo político e por que eles são incompatíveis com os fundamentos da democracia (um modo pazeante – não-guerreante – de regulação de conflitos). Mas é preciso dizer algo a mais para chegar à conclusões aplicáveis aos tempos que correm.

O que aprendemos sobre o realismo político

São três os principais aprendizados decorrentes da análise democrática do realismo político:

1 – O realismo político é uma ideologia.

2 – O realismo político é um culto ao Estado.

3 – O contrário do realismo político é a democracia.


Examinemos cada um desses aprendizados.

O credo realista. O realismo é uma ideologia que se escuda em uma suposta ciência (às vezes chamada de geopolítica) para não se reconhecer como tal (como uma ideologia). Da constatação de que o mundo está assim, ele passa de contrabando a ideia que o mundo é assim. Como disse John Mearsheimer, respondendo a um jornalista do New Yorker que lhe perguntava se não devemos pensar em tentar criar um mundo onde nem os EUA nem a Rússia se comportem de maneira intervencionista: “Não é assim que o mundo funciona” (10).

As crenças em que se baseia a ideologia realista são, basicamente, as seguintes: a) o ser humano é inerentemente (ou por natureza) competitivo; b) as pessoas sempre fazem escolhas tentando maximizar a satisfação de seus próprios interesses ou preferências (ao fim e ao cabo egotistas); c) sem líderes destacados não é possível mobilizar e organizar a ação coletiva; e d) nada pode funcionar sem hierarquia. Infelizmente extravasa o escopo deste capítulo mostrar que essas crenças estão presentes no subsolo das concepções realistas da política. Mas talvez nem seja tão necessário fazer isso (para os propósitos do presente escrito): estes são fundamentos hobbesianos ou decorrentes do hobbesianismo, como o darwinismo social.

O culto ao Estado. O protótipo de qualquer hierarquia (stricto sensu, como poder sacerdotal) é o Estado (e sua forma histórica inaugural, que é o Estado-Templo mesopotâmico).

O realismo é um culto ao Estado. Poder é poder de Estado (degenerado como força). Os Estados são os únicos atores que contam. Para quem adota o realismo político (como uma espécie de religião laica, pois é isso que ele é) não faz nenhum sentido continuar defendendo a democracia. A democracia não se baseia nos interesses dos Estados e sim nos desejos das pessoas. Desejos? Pessoas? Tudo isso é irrelevante para a realpolitik, para a política do poder (como exercício ou ameaça do exercício da força – o que é, a rigor, uma antipolítica).

Não existe a sociedade como forma de agenciamento autônoma. Como já foi dito anteriormente, a sociedade é um dominium do Estado (na acepção feudal mesmo do termo).

Continua...

quarta-feira, 10 de junho de 2020

Pandemia: fascismo ou democracia? - Francis Fukuyama (Foreign Affairs)

Quando não se sabe bem como analisar, o que dizer de um fenômeno novo no cenário mundial, buscam-se analogias históricas com eventos ou processos passados, que geralmente são enganosos ou equivocados, e não servem para muita coisa, a não ser para encher páginas de um artigo para uma revista prestigiosa como a Foreign Affairs (que fará 100 anos em 2022).
Não partilho muito dessa análise de Fukuyama, a não ser a constatação óbvia de que os países que fizeram melhor no enfrentamento da pandemia foram aqueles que dispunham, ou dispõem de Estados melhor organizados, dotados de convergência de propósitos e de lideranças eficientes e sobretudo inteligentes.
Nas palavras de Fukuyama (e ele desenvolve depois essas ideias tanto para democracias, quanto oara Estados autoritários), estes são os dois casos “ideal-típicos”, se ouso dizer, de sucesso ou fracasso no enfrentamento da pandemia, embora os desenvolvimentos ulteriores, em termos de fascismo ou reforço da democracia sejam muito confusos:

The factors responsible for successful pandemic responses have been state capacity, social trust, and leadership. Countries with all three—a competent state apparatus, a government that citizens trust and listen to, and effective leaders—have performed impressively, limiting the damage they have suffered. Countries with dysfunctional states, polarized societies, or poor leadership have done badly, leaving their citizens and economies exposed and vulnerable. 

O Brasil, infelzmente, assim como os EUA, estão do “lado errado”, mas não acredito que as coisas se desenvolvam desse modo maniqueísta.

Paulo Roberto de Almeida
PS: Grato, uma vez mais, a meu colega e amigo Pedro Luiz Rodrigues pelo constante aprovisionamento em material de qualidade, para minha leitura diária.

The Pandemic and Political Order
It Takes a State
Francis Fukuyama
Foreign Affairs, July-August 2020

Major crises have major consequences, usually unforeseen. The Great Depression spurred isolationism, nationalism, fascism, and World War II—but also led to the New Deal, the rise of the United States as a global superpower, and eventually decolonization. The 9/11attacks produced two failed American interventions, the rise of Iran, and new forms of Islamic radicalism. The 2008 financial crisis generated a surge in antiestablishment populism that replaced leaders across the globe. Future historians will trace comparably large effects to the current coronavirus pandemic; the challenge is figuring them out ahead of time.
It is already clear why some countries have done better than others in dealing with the crisis so far, and there is every reason to think those trends will continue. It is not a matter of regime type. Some democracies have performed well, but others have not, and the same is true for autocracies. The factors responsible for successful pandemic responses have been state capacity, social trust, and leadership. Countries with all three—a competent state apparatus, a government that citizens trust and listen to, and effective leaders—have performed impressively, limiting the damage they have suffered. Countries with dysfunctional states, polarized societies, or poor leadership have done badly, leaving their citizens and economies exposed and vulnerable. 
The more that is learned about COVID-19, the disease caused by the novel coronavirus, the more it seems the crisis will be protracted, measured in years rather than quarters. The virus appears less deadly than feared, but very contagious and often transmitted asymptomatically. Ebola is highly lethal but hard to catch; victims die quickly, before they can pass it on.COVID-19 is the opposite, which means that people tend not to take it as seriously as they should, and so it has, and will continue to, spread widely across the globe, causing vast numbers of deaths. There will be no moment when countries will be able to declare victory over the disease; rather, economies will open up slowly and tentatively, with progress slowed by subsequent waves of infections. Hopes for a V-shaped recovery appear wildly optimistic. More likely is an L with a long tail curving upward or a series of Ws. The world economy will not go back to anything like its pre-COVID state anytime soon. 
Economically, a protracted crisis will mean more business failures and devastation for industries such as shopping malls, retail chains, and travel. Levels of market concentration in the U.S. economy had been rising steadily for decades, and the pandemic will push the trend still further. Only large companies with deep pockets will be able to ride out the storm, with the technology giants gaining most of all, as digital interactions become ever more important.
The political consequences could be even more significant. Populations can be summoned to heroic acts of collective self-sacrifice for a while, but not forever. A lingering epidemic combined with deep job losses, a prolonged recession, and an unprecedented debt burden will inevitably create tensions that turn into a political backlash—but against whom is as yet unclear.
The global distribution of power will continue to shift eastward, since East Asia has done better at managing the situation than Europe or the United States. Even though the pandemic originated in China and Beijing initially covered it up and allowed it to spread, China will benefit from the crisis, at least in relative terms. As it happened, other governments at first performed poorly and tried to cover it up, too, more visibly and with even deadlier consequences for their citizens. And at least Beijing has been able to regain control of the situation and is moving on to the next challenge, getting its economy back up to speed quickly and sustainably.
The United States, in contrast, has bungled its response badly and seen its prestige slip enormously. The country has vast potential state capacity and had built an impressive track record over previous epidemiological crises, but its current highly polarized society and incompetent leader blocked the state from functioning effectively. The president stoked division rather than promoting unity, politicized the distribution of aid, pushed responsibility onto governors for making key decisions while encouraging protests against them for protecting public health, and attacked international institutions rather than galvanizing them. The world can watch TV, too, and has stood by in amazement, with China quick to make the comparison clear.
Over the years to come, the pandemic could lead to the United States’ relative decline, the continued erosion of the liberal international order, and a resurgence of fascism around the globe. It could also lead to a rebirth of liberal democracy, a system that has confounded skeptics many times, showing remarkable powers of resilience and renewal. Elements of both visions will emerge, in different places. Unfortunately, unless current trends change dramatically, the general forecast is gloomy.

RISING FASCISM?

Pessimistic outcomes are easy to imagine. Nationalism, isolationism, xenophobia, and attacks on the liberal world order have been increasing for years, and that trend will only be accelerated by the pandemic. Governments in Hungary and the Philippines have used the crisis to give themselves emergency powers, moving them still further away from democracy. Many other countries, including China, El Salvador, and Uganda, have taken similar measures. Barriers to the movement of people have appeared everywhere, including within the heart of Europe; rather than cooperate constructively for their common benefit, countries have turned inward, bickered with one another, and made their rivals political scapegoats for their own failures.
The rise of nationalism will increase the possibility of international conflict. Leaders may see fights with foreigners as useful domestic political distractions, or they may be tempted by the weakness or preoccupation of their opponents and take advantage of the pandemic to destabilize favorite targets or create new facts on the ground. Still, given the continued stabilizing force of nuclear weapons and the common challenges facing all major players, international turbulence is less likely than domestic turbulence.
Poor countries with crowded cities and weak public health systems will be hit hard. Not just social distancing but even simple hygiene such as hand washing is extremely difficult in countries where many citizens have no regular access to clean water. And governments have often made matters worse rather than better—whether by design, by inciting communal tensions and undermining social cohesion, or by simple incompetence. India, for example, increased its vulnerability by declaring a sudden nationwide shutdown without thinking through the consequences for the tens of millions of migrant laborers who crowd into every large city. Many went to their rural homes, spreading the disease throughout the country; once the government reversed its position and began to restrict movement, a large number found themselves trapped in cities without work, shelter, or care.
Displacement caused by climate change was already a slow-moving crisis brewing in the global South. The pandemic will compound its effects, bringing large populations in developing countries ever closer to the edge of subsistence. And the crisis has crushed the hopes of hundreds of millions of people in poor countries who have been the beneficiaries of two decades of sustained economic growth. Popular outrage will grow, and dashing citizens’ rising expectations is ultimately a classic recipe for revolution. The desperate will seek to migrate, demagogic leaders will exploit the situation to seize power, corrupt politicians will take the opportunity to steal what they can, and many governments will clamp down or collapse. A new wave of attempted migration from the global South to the North, meanwhile, would be met with even less sympathy and more resistance this time around, since migrants could be accused more credibly now of bringing disease and chaos.
Finally, the appearances of so-called black swans are by definition unpredictable but increasingly likely the further out one looks. Past pandemics have fostered apocalyptic visions, cults, and new religions growing up around the extreme anxieties caused by prolonged hardship. Fascism, in fact, could be seen as one such cult, emerging from the violence and dislocation engendered by World War I and its aftermath. Conspiracy theories used to flourish in places such as the Middle East, where ordinary people were disempowered and felt they lacked agency. Today, they have spread widely throughout rich countries, as well, thanks in part to a fractured media environment caused by the Internet and social media, and sustained suffering is likely to provide rich material for populist demagogues to exploit.

OR RESILIENT DEMOCRACY?

Nevertheless, just as the Great Depression not only produced fascism but also reinvigorated liberal democracy, so the pandemic may produce some positive political outcomes, too. It has often taken just such a huge external shock to break sclerotic political systems out of their stasis and create the conditions for long-overdue structural reform, and that pattern is likely to play out again, at least in some places.
The practical realities of handling the pandemic favor professionalism and expertise; demagoguery and incompetence are readily exposed.This should ultimately create a beneficial selection effect, rewarding politicians and governments that do well and penalizing those that do poorly. Brazil’s Jair Bolsonaro, who has steadily hollowed out his country’s democratic institutions in recent years, tried to bluff his way through the crisis and is now floundering and presiding over a health disaster. Russia’s Vladimir Putin tried to play down the importance of the pandemic at first, then claimed that Russia had it under control, and will have to change his tune yet again as COVID-19 spreads throughout the country. Putin’s legitimacy was already weakening before the crisis, and that process may have accelerated.
The pandemic has shone a bright light on existing institutions everywhere, revealing their inadequacies and weaknesses. The gap between the rich and the poor, both people and countries, has been deepened by the crisis and will increase further during a prolonged economic stagnation. But along with the problems, the crisis has also revealed government’s ability to provide solutions, drawing on collective resources in the process. A lingering sense of “alone together” could boost social solidarity and drive the development of more generous social protections down the road, just as the common national sufferings of World War I and the Depression stimulated the growth of welfare states in the 1920s and 1930s.

FRANCIS FUKUYAMA is Olivier Nomellini Senior Fellow at the Freeman Spogli Institute for International Studies at Stanford University and the author of Identity: The Demand for Dignity and the Politics of Resentment.

Para acessar íntegra:

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Democracia e Politica Externa: consideracoes sobre o caso brasileiro - Paulo Roberto de Almeida


Democracia e Política Externa: considerações sobre o caso brasileiro

Paulo Roberto de Almeida
Para participação em mesa redonda sobre o tema no IV Simpósio Internacional de Ciências Sociais: Ciências Sociais e Democracia Hoje: controvérsias, paradoxos e alternativas (dias 11, 12 e 13 de novembro, no auditório da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás, em Goiânia).

(Atenção: draft paper, not yet finished, not to be cited)
 
1. Democracia e política externa: considerações iniciais
A temática é bastante específica: democracia e política externa, no sentido estrito do tema. Em outros termos, não se trata de examinar conexões entre regimes políticos e as relações interestatais no sistema internacional, nem de saber como este funciona no plano de sua organização política em função de critérios mais ou menos democráticos, isto é, representação eleita, debates de tipo parlamentar, controle e responsabilização dos poderes, etc. O objetivo é o de considerar como países membros da comunidade internacional refletem, ou não, princípios ou valores democráticos em sua política externa, uma das mais importantes políticas públicas de qualquer Estado contemporâneo. Ao empreender este tipo de exercício, seria natural dedicar maior atenção ao caso do Brasil, tanto no plano histórico quanto no atual governo, com ênfase nas difíceis e ambíguas relações que o seu partido hegemônico, o PT, mantém com o princípio democrático, a começar pelas relações entre Estado e partido, uma relação clássica no campo do marxismo-leninismo, corrente à qual o PT estaria ideologicamente associado, como uma variante anacrônica do neobolchevismo.
Uma pergunta inicial, dentro da temática proposta, poderia ser assim formulada: pode um país que se pretende democrático apoiar ditaduras reconhecidas? Registre-se que não se está falando, neste caso, das relações diplomáticas interestatais, que países de diferentes regimes políticos mantém entre si, desde que respeitados padrões mínimos de comportamento, que estão basicamente expressos na Convenção de Viena de 1961 sobre Relações Diplomáticas e, de modo mais amplo, na Carta ONU (1945). Trata-se de apoio político, financeiro e até moral, que um país pretensamente democrático possa conceder a regimes que nitidamente não se pautam pelos mesmos valores e princípios.
É o caso do Brasil atual, sem qualquer hipocrisia na afirmação: o governo do PT apoia ditaduras reconhecidas, e parece não ver nenhum problema nisso. Para ser mais concreto ainda: o governo do PT tem um caso de amor explícito com Cuba, derivado, provavelmente, de coisas não reveladas e não sabidas pela maior parte dos simples mortais, que somos nós. Ele também tem manifestas simpatias por outras ditaduras, mas o seu caso de amor com Cuba é mais longo, mais durável, mais consistente, simbolizado inclusive nos milhões de dólares transferidos para a mais longeva ditadura do continente e uma das mais antigas do planeta, só superada pela da família Kim, da infeliz Coreia do Norte. Mas, como o tema proposto é o da democracia e suas conexões com a política externa, cabem considerações iniciais sobre essa relação altamente ambígua, tanto no plano metodológico ou conceitual, quanto do ponto de vista da prática, antes de se ilustrar essas conexões com exemplos retirados de nossa própria experiência.
Política externa é universal, existe em todos os tipos de regime, das mais variadas cores e sabores. Existe nas tiranias impecáveis, nos despotismos mais cruéis, e também, claro, nas democracias de mercado, que são aqueles que realizam uma melhor aproximação entre os objetivos da política externa e os valores desses regimes, ou seja, uma maior compatibilidade entre meios e fins. Nos demais regimes, a política externa pode ser convergente ou não com os princípios do direito internacional contemporâneo – que são, por definição democráticos, pelo menos tendencialmente –, mas ela não precisa espelhar perfeitamente as características internas, ou domésticas, do sistema político (que pode ser “perfeitamente” antidemocrático). Até as menores tribos de caçadores e coletores da floresta possuem uma política externa – que é a forma de se relacionar com as tribos vizinhas, pela guerra ou em relativa concórdia – sem necessariamente exibirem qualquer sistema político digno desse nome, ou formalizado em regras impessoais, como costuma ocorrer nas comunidades mais complexas.
Não pretendo traçar um roteiro sistemático, sequer científico das relações ambíguas, contraditórias, frustrantes, que mantêm os dois termos da mesa redonda: democracia e política externa. O próprio subtítulo deste simpósio internacional aponta para a difícil interface entre as ciências sociais – no âmbito das quais se situa o estudo da política externa – e a democracia: controvérsias, paradoxos e alternativas. Os dois primeiros termos podem ser compreendidos em suas próprias definições formais, e são incontroversos, tão claras são as controvérsias e os paradoxos dos regimes democráticos em sua natural complexidade e variedade. Mas o terceiro termo me parece mais dúbio: eu não vejo alternativas à democracia, nenhuma alternativa, mas é evidente que subsiste, se manifesta, ou existe simplesmente, uma imensa decalagem entre os sistemas políticos realmente existentes, que se auto-intitulam “democracias”, e sua efetividade concreta, para ficar num outro termo controverso.
Quase todos os países do mundo, quase todos membros da ONU, pretendem ser democracias, até a China comunista, ou a Coreia do Norte. Mas é claro que a qualidade democrática de alguns regimes deixa muito a desejar, e não apenas aqueles que são ditaduras de fato – como os já citados – mas também grandes democracias de baixa qualidade, como parece ser o caso do Brasil, ou da Índia, para ficar nos exemplos mais conhecidos. Levando em conta essas defasagens de fato entre intenção e realidade, e mais precisamente entre a retórica democrática e a prática da política externa, o que poderia ser dito da relação sutil entre os dois elementos dessa equação ambígua?
Poder-se-ia parafrasear Clausewitz e dizer que a política externa representa a continuidade da política interna por outras vias ou por outros meios, mas esse tipo de argumento é bastante frágil, tanto em sua acepção puramente formal – ou seja, enquanto correspondência, ou reflexo, da política doméstica nas relações exteriores do país – quanto no entendimento de que a política externa deva refletir exatamente o caráter do Estado e o agenciamento de forças políticas que nele se estabelecem (de maneira temporária, nas democracias, de forma mais ou menos permanente, nas ditaduras). Na verdade, não há uma perfeita correspondência entre essas duas políticas, que podem se desenvolver de forma independente uma da outra, por canais e procedimentos próprios, como tampouco há, na forma e no conteúdo, uma “osmose”, ou imbricação estrutural, entre, de um lado, o “caráter” da política externa, e a “natureza” do regime político, no nosso caso, um regime formalmente democrático, dotado de instituições republicanas mais ou menos “clássicas”, ou comuns aos sistemas presidencialistas desse tipo.
A ONU é, tal como expresso em sua própria estrutura institucional, uma total contradição entre o princípio da representação democrática e a realidade da supremacia oligárquica, fenômenos contraditórios refletidos na composição e nos processos decisórios da Assembleia Geral de um lado e do Conselho de Segurança de outro. Já discuti essa questão em meu capítulo sobre os artigos 18 e 19 da Carta da ONU, ao qual remeto para não ter de me estender novamente sobre essas questões aqui: “Artigos 18 e 19”, in Leonardo Nemer Caldeira Brant (org.) Comentário à Carta das Nações Unidas (Belo Horizonte: Cedin, 2008, p. 323-346).
Para que a discussão não se perca em considerações da caráter puramente abstrato, ou em argumentos muito vagos quanto a elementos concretos desse complexo relacionamento que se pretende examinar, o restante deste texto se concentrará num exame do caso brasileiro em perspectiva histórica, ou seja, cobrindo tanto os períodos autoritários, ou ditatoriais, quanto as fases democráticas, eventualmente interrompidas ou aparentemente consolidadas, como pode ser o caso desde 1985.

2. Democracia e política externa na história do Brasil: o Império
(...)

Ler a íntegra neste link: https://www.academia.edu/s/956b56c726
 (em revisão, não acabado)

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

O crepusculo da democracia na AL: homenageando um regime totalitario

Crepúsculo é pouco. A democracia simplesmente desapareceu na reunião da Celac em Havana. E com ela, a vergonha, ou um mínimo sentido de pudor, da parte de TODOS os dirigentes ali presentes.
Transcrevo do blog de Orlando Tambosi. 
Paulo Roberto de Almeida 
2014, um ano sombrio para a democracia na América Latina.
O infamante encontro de dirigentes latino-americanos em Cuba - Dilma na linha de frente, inaugurando obra com dinheiro do contribuinte brasileiro - mostra o pouco apreço que têm pela democracia e pelo Estado de Direito e as liberdades em geral. A propósito, um bom artigo de Yesenia Álvarez, presidente do Instituto Político para a Liberdade (Peru):
Los inicios del 2014 son sombríos para la democracia en la región. Que Cuba, la dictadura más longeva del continente, sea la anfitriona de los 33 países de la Comunidad de Estados Latinoamericanos y Caribeños (Celac), nos alerta del poco o nulo compromiso que nuestros gobiernos tienen con los principios democráticos, el Estado de derecho y las libertades.
La hipocresía internacional viene desde enero del 2013, cuando Raúl Castro fue aplaudido e investido como presidente de la Celac por gobernantes que se jactan de ser demócratas. ¿Cómo es posible que Cuba sea elegida, siendo una dictadura, para presidir una organización que supuestamente ha sido creada para defender y proteger el orden democrático y los derechos humanos? ¿Cómo Cuba puede ser anfitriona de una cita que evaluará el seguimiento a declaraciones inspiradas en construir sociedades justas, democráticas y libres?
Cuba viola constantemente todos los principios democráticos. Los Castro se han perpetuado en el poder por más de cincuenta años con un sistema de partido y pensamiento único, sin elecciones libres, sin libertad de expresión y con un férreo aparato represivo de persecución política a los opositores. Sin embargo, desde la constitución de la Celac ningún gobierno latinoamericano ha protestado por la incorporación y permanencia de la dictadura cubana en el organismo.
Y el cinismo de la Celac no tiene límites: en su “Declaración especial sobre la defensa de la democracia” se acordó una cláusula que obliga a sus miembros a adoptar acciones concretas cuando exista una amenaza de alteración del orden democrático. Allí mismo expresa que se buscará el pronunciamiento de la comunidad latinoamericana y caribeña, y que contribuirán a la restitución del proceso político institucional democrático y del Estado de derecho a la brevedad posible.
Es una burla perversa de este esperpento de organismo continental, pues pone a una dictadura a custodiar que no se altere el orden democrático de la región. De ser Celac una organización seria y consecuente, el primer país en el que debe tomar medidas concretas para restituir el proceso político institucional democrático a la brevedad posible debe ser en Cuba. Según su “Declaración especial sobre la defensa de la democracia”, los 33 gobernantes deberían estar buscando el pronunciamiento de la comunidad latinoamericana y caribeña para sancionar al gobierno de Cuba y pedir que haya una restitución del orden democrático.
Por el contrario, la infamia de este organismo continúa. Cuando se reunieron sus miembros en La Habana a fines de enero, nadie pareció exigir que Cuba se sujete a los compromisos democráticos. Además, resultó desconcertante la asistencia de los secretarios generales de la ONU y de la OEA, situación desalentadora si tan destacados representantes internacionales ni siquiera se reunieron con la disidencia, que viene siendo amordazada, amenazada y arrestada por organizar pacíficamente un foro democrático paralelo a la cumbre de la Celac.
Vergonzosamente, los gobiernos latinoamericanos empiezan el 2014 reverenciando a una dictadura y dándole la espalda a la democracia, vaciándola de contenido, haciendo de ella cualquier cosa, transgrediendo la dignidad de un pueblo víctima de unos tiranos. Es hoy, sin duda, uno de esos momentos en que es impostergable la expresión de solidaridad de los ciudadanos demócratas de la región frente a la venia y complicidad de nuestros gobernantes con una tiranía. (El Cato).