O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador autocracias. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador autocracias. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 3 de julho de 2023

Augusto de Franco sobre as democracias e as autocracias

Uma canja. Capítulo 33 do meu novo livro Como as democracias nascem

Augusto de Franco : 

Como Nascem as Democracias

A RAIZ DO REALISMO POLÍTICO

“A teoria de Darwin sobre a sobrevivência do mais forte… [é] um melhor guia para a compreensão da história do que a moralidade pessoal”.

O realista Kissinger (1994), em Diplomacy, interpretando o pensamento de Theodore Roosevelt, o seu admirado “estadista-guerreiro” (1).

O realismo político acabou virando uma vertente de política externa ou internacional. Não nasceu assim, porém. Nasceu como um pensamento antipolítico, para efeitos, na verdade, internos.

Há uma tradição autocrática no pensamento político. É essa tradição que constitui o chamado realismo político. Começa com Platão, passa por Maquiavel, Hobbes, pelo Cardeal Richelieu, por Clausewitz, pelos chamados “políticos do poder”, como Metternich e Bismarck e vários outros até chegar aos realistas modernos como Schmitt, Morgenthau e Carr e aos contemporâneos, como, para citar apenas alguns exemplos, Brzezinski, Genscher, Ross, Kissinger e o novo crush dos autocratas de direita e de esquerda chamado John Mearsheimer. Este capítulo é sobre isso. Mas não vai comentar exaustivamente as ideologias desses autocratas e sim apenas chamar a atenção para alguns padrões antidemocráticos que estão presentes nos seus pensamentos.

Platão

Podemos dizer – sem medo de errar – que o realismo político nasceu com Platão, quer dizer, tem a ver com os fundamentos dos regimes de Esparta, Creta e Siracusa, não com os fundamentos do regime que vigorou em Atenas nos séculos 5 e 4 a.C. Sua raiz é dória, não jônia. E as tentativas de atribuí-lo originalmente a Tucídides são inconsistências inventadas por acadêmicos americanos.

Platão, nas Leis (626a), escreveu que “na realidade, por questões de natureza (φύσις), todas as póleis vivem envolvidas em um estado de guerra velada”. Bem… aí com certeza começou, no plano teórico, o chamado realismo político. O primeiro problema dessa afirmação platônica não é constatar que as póleis (entendidas erroneamente como cidades-Estado) vivem em estado de guerra e sim achar que isso ocorre por algum tipo de deteminação natural, da phýsis, como qualidade ou propriedade constitutiva de todas as coisas ou sua maneira de ser. O segundo problema é não ver que a pólis, numa democracia (onde Platão vivia, embora a ela se contrapusesse), não é a cidade-Estado e sim a koinonia (comunidade) política. Como percebeu Hannah Arendt (1958), em A condição humana, “a pólis não era Atenas e sim os atenienses” (2).

Avancemos agora pouco mais de dois milênios para constatar como os padrões autocráticos se replicam em outras regiões do tempo. Hans Morgenthau (1948), um dos principais teóricos do realismo político, acreditava que “a política, como aliás a sociedade em geral, é governada por leis objetivas que deitam suas raízes na natureza humana”. Eis aí, desnudado, o pressuposto ideológico platônico antipolítico. Natureza humana é uma natureza (não, com perdão do neologismo, uma “socialeza”). Natureza, Deus ou História (tudo assim com maiúsculas) dá no mesmo. É uma instância extra-política determinando a política a despeito da interação propriamente política entre as pessoas. Se há algo infenso à política, determinando a política, não pode haver democracia.

Bastaria dizer isso. Mas partamos de uma definição, quase escolar, de realismo político antes de examinar os pensamentos de alguns realistas políticos.


Realismo político é guerra

Em poucas palavras e simplificando ao máximo (o que não é tão inadequado, pois suas construções intelectuais são simplórias), o realismo político parte da constatação de que, não havendo uma instância normativa no plano internacional (uma autoridade máxima à qual os Estados devam se submeter), cada Estado – sim, todo realismo é um estatismo: o sujeito é sempre o Estado, a sociedade é um dominium do Estado – deve garantir a sua própria segurança, agindo em nome de um interesse nacional.

Em nome desse interesse nacional, definido pelo próprio Estado, cada ator deve lutar para aumentar o seu poder (em geral traduzido como capacidade militar, mas não só), para impor sua vontade a Estados mais fracos. Cada Estado deve então decidir por si mesmo se e quando vai usar sua força para alcançar seus objetivos (ou realizar seus interesses).

A colaboração entre Estados, no limite, leva a abrir flancos perigosos, pois o aliado de hoje pode se tornar o inimigo de amanhã (o que é bem resumido na máxima autocrática: “os aliados lhe enfraquecem, os inimigos lhe fortalecem”).

Como não há democracia no plano internacional, não há lei (quer dizer, império da lei) ou critério ético-político a que um Estado deva se submeter. Logo, a única maneira de garantir a sobrevivência do Estado como entidade é organizar-se para se defender de um possível ataque de outros Estados.

Para garantir a paz (entendida como manutenção da integridade do Estado) é necessário se preparar para a guerra por meio da defesa (e por isso toda defesa é guerra preemptiva). E como o sistema é competitivo, a única maneira de evitar a guerra é alcançar um equilíbrio de forças que desestimule, por medo da retaliação, que um Estado faça guerra contra outro e o destrua.

Bem, trata-se de uma definição quase escolar, mas nem por isso incorreta. Pelo menos deixa claro que falar do realismo é falar de guerra. Não, não é falar de outra coisa. É o óbvio. Mas agora vem uma inferência não tão óbvia: toda guerra é interna. Este é o primeiro ponto a ser entendido. Para entendê-lo, porém, é preciso balançar algumas certezas.

Para começar, guerra não é o conflito. É um modo de regular o conflito. E guerra não é o conflito violento. Pode ser praticada sem violência (física), como guerra fria e como política adversarial (a política como continuação da guerra por outros meios).

Depois é preciso ver que guerra não é destruição de inimigos e sim, pelo contrário, construção e manutenção de inimigos (tanto faz se for a Eurásia ou a Lestásia, para lembrar o 1984 de Orwell).

Em seguida é necessário entender que a guerra não tem como objetivo principal derrotar um país estrangeiro a não ser na medida em que isso puder ser usado para instalar internamente um ‘estado de guerra’ (não adianta derrotar um inimigo externo se não se derrotar os inimigos internos, quer dizer, se a força política que está no poder de Estado não continuar estabelecendo sua supremacia). O objetivo da guerra – para quem a faz (e como dizia Maturana, “a guerra não acontece, nós a fazemos”) – é instalar um estado de guerra que enseje, permita e justifique a ereção de estruturas hierárquicas regidas por modos autocráticos. Ou seja, a guerra é um engendramento para possibilitar uma reorganização do cosmo social. Em outras palavras, para impor uma ordem preconcebida em vez de deixar que diversas ordens emerjam da interação, o que acontece toda vez que tomamos a liberdade como sentido da política (e não a ordem). Este ponto é fundamental, porque a democracia é apenas a política que não tem uma ordem pronta (preconcebida) para colocar no lugar de outra, mesmo que essa ordem seja avaliada como a mais perfeita e justa do universo.

Aqui é preciso entender, para resumir, que não é apenas que autocracias façam guerras: a guerra já é a autocracia. E toda autocracia é sempre uma guerra contra um inimigo interno (ainda que um inimigo externo possa existir objetivamente).

Voltemos agora aos pensadores realistas para corroborar essas primeiras impressões.


Schmitt

O jurista e estudioso político alemão Carl Schmitt, publicou, em 1932, um famoso livro intitulado O conceito do político, que provocou grande controvérsia sobre um suposto militarismo ou belicismo presente nas suas concepções. Sua posição foi encarada como realista, pelo fato de ele admitir (mesmo sem desejar, ou propor) que a guerra é o pressuposto sempre presente como possibilidade real em qualquer relação política. De qualquer modo, não há como negar que, para conceituar o político, Schmitt insiste demais nas noções de guerra e de inimigo, deixando de tratar, com a mesma atenção – e isso não pode ser por acaso –, dos conceitos de paz e de amigo.

Não cabe aqui entrar na controvérsia nos termos em que ela foi colocada. Talvez seja necessário dizer apenas que, para Carl Schmitt, “a diferença especificamente política… é a diferença entre amigo e inimigo”. Ainda que ele tente fazer uma distinção entre inimicus em seu sentido lato (o concorrente comercial, “o adversário particular que odiamos por sentimentos de antipatia”) e hostis (o inimigo público, o combatente que usa armas para destruir meu contexto vital, enfim, o inimigo político), parece claro que Schmitt não via diferença de natureza entre guerra e política. Tanto é assim que ele afirma que “a guerra, enquanto o meio político mais extremo, revela a possibilidade subjacente a toda concepção política, desta distinção entre amigo e inimigo” (3). Quer dizer que, para ele, conquanto seja um “meio extremo”, a guerra é um meio político. Do contrário ele deveria ter afirmado que a política pode levar à guerra, deixando de ser o que é (mudando, portanto, sua natureza) e não que a guerra é um meio político, pois que, assim, ao fazer guerra, ainda estamos fazendo política.


Pode-se perceber em Carl Schmitt um viés realista da chamada realpolitik. Contrapondo-se ao idealismo, o realismo político é uma política baseada no “equilíbrio do poder”, na linha do pensamento e da prática do Cardeal Richelieu – com sua “razão de Estado” (“raison d’état”) colocada acima de qualquer princípio moral – e dos chamados “políticos do poder”, como os já citados Metternich, Bismarck e, mais recentemente, Kissinger (1994), segundo a qual – e ele escreveu isso interpretando o pensamento do presidente Theodore Roosevelt, o seu admirado “estadista-guerreiro” – “a teoria de Darwin sobre a sobrevivência do mais forte… [é] um melhor guia para a compreensão da história do que a moralidade pessoal” (4).

O ponto da discussão é o seguinte: se pode haver guerra como meio político, então devemos ser realistas o suficiente para praticar a política como quem conta com tal possibilidade (e se prepara para isso, o que acaba, quase sempre, sendo a mesma coisa que praticar a política como “arte da guerra”). Ao proceder desse modo, separando os amigos políticos dos inimigos políticos (os que podem nos combater), cristalizamos aquela relação de inimizade que pode levar à guerra (e que, de qualquer modo, leva à prática da política como uma “arte da guerra”).

O problema é que isso não vale apenas para a relação entre Estados soberanos, mas acaba deslizando – inevitavelmente – para todas as relações políticas (Richelieu usava a “lógica” da tal “razão de Estado” para manter o seu poder internamente e não apenas nas relações internacionais da França). Amigo, então, passa a ser todo aquele que está de acordo com nosso projeto e inimigo todo aquele que discorda do nosso projeto. Ora, se quero afirmar o meu projeto, então devo derrotar ou destruir (na verdade, incapacitar) aqueles que podem inviabilizar a sua realização e isso deve ser feito, inclusive, preventivamente, antes que eles (os outros, os inimigos) consigam inviabilizar meu projeto ou substituí-lo pelos projetos deles. Preempção.

Há uma linha divisória muito fina entre derrotar e destruir o projeto do outro e derrotar e destruir o outro como ator político, quer dizer, como alguém que pode apresentar um projeto diferente (que não é o meu). Assim, basta alguém não estar de acordo com meu projeto (político), para poder ser classificado como inimigo (político), pelo menos em potencial.

Esse ponto de vista, portanto, não cogita muito da possibilidade de transformar o inimigo político em amigo político, convencendo-o, ganhando-o para o nosso projeto ou adotando outro projeto, um terceiro projeto, que contemple ambos os projetos (o nosso e o dele). O realismo indica que isso não ocorrerá, pelo simples fato de ele (o outro), para usar o pensamento de Carl Schmitt, não ser um eu-mesmo – o que significa, paradoxalmente, convenhamos, uma construção ideal do inimigo, aquele que deve ser desconstituído como ser político enquanto ameaçar a realização do meu projeto. Não podendo ser destruído de pronto, tal inimigo, pelo menos, deverá ficar em seu canto, respeitando meu espaço, caso contrário será destruído mais tarde ou a qualquer momento: a isso se chama “equilíbrio de poder”. Configura-se assim uma situação de luta permanente, levando a uma política adversarial ou geradora de inimizade. Porque o outro, em vez de ser considerado como um possível parceiro, um aliado ou colaborador, é visto, antes de qualquer coisa, como um potencial inimigo.

Na verdade, o inimigo como construção ideal passa a ser uma peça funcional do nosso esquema de poder, quer dizer, da nossa política (ou antipolítica). Sem o inimigo, desconstitui-se a realpolitik e o tipo de poder que ela visa sustentar, em geral baseado na necessidade de preservação de uma determinada ordem que precisa ser mantida contra o perigo representado pelo inimigo. É para manter essa ordem que se instaura então, internamente, o “estado de guerra” que consiste em uma preparação para a guerra externa (que pode vir ou não, pouco importa) mas sempre em nome da paz (pois que só alguém preparado para a guerra pode manter a paz). E o mais grave é que esse “estado de guerra” interna pode se referir tanto ao âmbito de um país diante de outros países, como ao de uma organização em conflito real ou potencial com outras organizações, como, por exemplo, ao de um governo confrontado por partidos de oposição. O raciocínio, como se vê, é uma perversão, mas o fato de ele ser aceito tão amplamente indica que as tendências de autocratização da democracia ainda estão na ofensiva em relação às tendências de democratização da democracia.

Toda política que admite a guerra como um de seus meios acaba sendo uma política adversarial, baseada na luta constante para destruir o inimigo ou para manter o “equilíbrio de forças” (e deve-se notar que, aqui, a política já começa a se constituir sob o signo da força e não do poder – uma distinção tão cara à Johanna Arendt). Para a realpolitik, a única realidade política – inexorável – é a da interação de forças e, assim, o único critério político deve ser o da correlação de forças. Devo, sempre, fazer tudo o que for possível para alterar a correlação de forças a favor do meu projeto (ou a meu favor, quando se trata de um projeto pessoal, de uma agenda própria – como, aliás, sempre acontece). A política passa a ser uma luta constante para atingir tal objetivo, quando não deveria ser; ou seja, como escreveu Michelangelo Bovero (1988) em Ética e política: entre maquiavelismo e kantismo, a política não deveria ser luta e sim impedir a luta: não combater por si próprio, mas resolver e superar o conflito antagônico e impedir que volte a surgir (5).

Não são apenas as teorias políticas que estão, em sua maioria, contaminadas pela visão perversa do clausewitzianismo invertido (a fórmule-inverse de Clausewitz-Lenin). A chamada sabedoria política tradicional também se baseia, totalmente, nas regras da luta política como “arte da guerra” ou na prática da ‘política como uma continuação da guerra por outros meios’, pois parece claro que, na maioria dos casos, essa sabedoria não se refere à guerra propriamente dita, aquela em que ocorre a violência física: aqui estamos tratando do ânimo adversarial, que tanto está por trás da guerra quanto da política adversarial ou competitiva.


De Hobbes a Clausewitz

Thomas Hobbes (1651) – que era autocrático, mas não desprovido de inteligência – já havia percebido que “a guerra não consiste apenas na batalha ou no ato de lutar, mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalha é suficientemente conhecida… [já que] a natureza da guerra não consiste na luta real, mas na conhecida disposição para tal…” (6).

Conquanto acumule uma grande dose de sabedoria, a tradição política é autocrática, não democrática. Essa sabedoria dos grandes chefes e articuladores políticos, tão admirada pelos políticos tradicionais e pelas almas impressionáveis, tem pouco a ver com a democracia.

Sabedoria não significa democracia nem constitui um requisito para a boa prática democrática. A democracia não é uma tradição: é um acaso; é um erro no script da Matrix, uma falha no software dos sistemas autocráticos.

O conjunto dos ensinamentos oriundos da sabedoria política tradicional induz a um comportamento que gera inimizade e que, consequentemente, exige a prática da política como “arte da guerra”. Tudo está baseado, no fundo, em vencer o adversário, desarmar seu projeto político, ou seja: desorganizar suas forças e, sobretudo, impedir que se reúnam os meios necessários à sua existência como ator político.

Do ponto de vista da democracia – não há como negar – isso tudo é uma perversão. Se existe uma ética da política e essa ética é – ou só pode ser – a democratização, então o recurso da guerra (no sentido da prática da política como “arte da guerra”) deve ser visto como violador dessa ética e, assim, como o comportamento a ser evitado.

Em política, a guerra (quer dizer, a política pervertida como “arte da guerra”) não acontece em função da existência objetiva do inimigo, mas em função de nossas opções de encarar o outro como inimigo e de tentar destruí-lo (mas, na verdade, mantê-lo como impotente para nos destruir). Tais opções só são feitas se estivermos montando ou mantendo um sistema autocrático de poder, que exige o inimigo para a sua ereção ou para o seu funcionamento como tal (quer dizer, como um sistema não-democrático de organização e resolução de conflitos).

Clausewitz (1832) tinha razão, segundo certo ponto de vista, quando dizia que a guerra é uma continuação da política por outros meios: se ficar claro que essa continuação não é mais política e que a política capaz de ter tal continuação é uma política praticada como “arte da guerra”. A chamada “fórmula inversa” (a ‘política como continuação da guerra por outros meios’) é que é perversa, pois a guerra não pode levar à política a menos que queiramos estabelecer a impossibilidade da democracia. Políticas que conduzem à guerra são autocráticas. Coletividades que praticam a democracia não guerreiam entre si (na exata medida em que a praticam).

Há um fundamento hobbesiano na visão da política como continuação da guerra por outros meios. No famoso capítulo XIII do Leviatã, Hobbes (1651) decreta que “os homens não tiram prazer algum da companhia uns dos outros (e sim, pelo contrário, um enorme desprazer), quando não existe um poder capaz de intimidar a todos”. É claro que ele não está falando apenas de política, mas também revelando os pressupostos antropológico-sociais que condicionam sua maneira de ver a política. Segundo ele, “na natureza do homem encontramos três causas principais de discórdia. Primeiro, a competição; segundo, a desconfiança; e terceiro, a glória” – ou seja, essas manifestações de egoísmo não seriam culturais, não emanariam da forma como a sociedade se organiza, mas intrínsecas. Essa inclinação “genética” para o mal explicaria por que, “durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de mantê-los todos em temor respeitoso, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens. Pois a guerra não consiste apenas na batalha ou no ato de lutar, mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalha é suficientemente conhecida… [já que] a natureza da guerra não consiste na luta real, mas na conhecida disposição para tal, durante todo o tempo em que não há garantia do contrário. Todo tempo restante é de paz” (7).

Mas, segundo Hobbes, “tudo aquilo que se infere de um tempo de guerra, em que todo homem é inimigo de todo homem, infere-se também do tempo durante o qual os homens vivem sem outra segurança senão a que lhes pode ser oferecida pela sua própria força e pela sua própria invenção. Em uma tal condição [de falta de um poder que domestique ou apazigue os homens]… não há sociedade; e o que é pior do que tudo, um medo contínuo e perigo de morte violenta. E a vida do homem é solitária, miserável, sórdida, brutal e curta” (8).

O mesmo fundamento hobbesiano para a visão da política como continuação da guerra por outros meios – ao assumir que não pode haver sociedade (civil) sem Estado – conspira contra os pressupostos da democracia.

Enfim, a luta política como “arte da guerra”, cria a guerra e obstrui a democracia. Lembrando novamente do que disse certa vez Maturana, a guerra não acontece: nós a fazemos (9). E como a fazemos? Ora, praticando a “arte” de operar as relações sociais com base no critério amigo x inimigo. Toda vez que fazemos isso estamos, caso se possa falar assim, armando ou fazendo guerra. Não necessariamente a guerra tradicional, “quente” e declarada, entre países ou grupos dentro de um país, a guerra com derramamento de sangue, mas também aquelas formas de guerra “fria” e não instalada: a “guerra sem derramamento de sangue” (como Mao definia a política), a “guerra sem mortes” (como George Orwell definia o esporte competitivo), a paz dos impérios (lato sensu, quer dizer, a paz estabelecida pelo domínio) e a paz como preparação para a guerra, o “estado de guerra” (interno) instalado em função da guerra (externa) ou de sua ameaça (ou, ainda, da avaliação, subjetiva, da sua possibilidade); enfim, a prática da política como “arte da guerra” que compreende: os modos de regulação de conflitos em que a produção permanente de vencedores e vencidos gera inimizade política, os padrões de organização compatíveis com esses modos de regulação de conflitos e o clima adversarial que se instala consequentemente nos coletivos humanos que os praticam.

Para captar os conceitos (na verdade os preconceitos) fundantes é ocioso passear pelos demais realistas. Aí acima estão os principais fundamentos do realismo político e por que eles são incompatíveis com os fundamentos da democracia (um modo pazeante – não-guerreante – de regulação de conflitos). Mas é preciso dizer algo a mais para chegar à conclusões aplicáveis aos tempos que correm.

O que aprendemos sobre o realismo político

São três os principais aprendizados decorrentes da análise democrática do realismo político:

1 – O realismo político é uma ideologia.

2 – O realismo político é um culto ao Estado.

3 – O contrário do realismo político é a democracia.


Examinemos cada um desses aprendizados.

O credo realista. O realismo é uma ideologia que se escuda em uma suposta ciência (às vezes chamada de geopolítica) para não se reconhecer como tal (como uma ideologia). Da constatação de que o mundo está assim, ele passa de contrabando a ideia que o mundo é assim. Como disse John Mearsheimer, respondendo a um jornalista do New Yorker que lhe perguntava se não devemos pensar em tentar criar um mundo onde nem os EUA nem a Rússia se comportem de maneira intervencionista: “Não é assim que o mundo funciona” (10).

As crenças em que se baseia a ideologia realista são, basicamente, as seguintes: a) o ser humano é inerentemente (ou por natureza) competitivo; b) as pessoas sempre fazem escolhas tentando maximizar a satisfação de seus próprios interesses ou preferências (ao fim e ao cabo egotistas); c) sem líderes destacados não é possível mobilizar e organizar a ação coletiva; e d) nada pode funcionar sem hierarquia. Infelizmente extravasa o escopo deste capítulo mostrar que essas crenças estão presentes no subsolo das concepções realistas da política. Mas talvez nem seja tão necessário fazer isso (para os propósitos do presente escrito): estes são fundamentos hobbesianos ou decorrentes do hobbesianismo, como o darwinismo social.

O culto ao Estado. O protótipo de qualquer hierarquia (stricto sensu, como poder sacerdotal) é o Estado (e sua forma histórica inaugural, que é o Estado-Templo mesopotâmico).

O realismo é um culto ao Estado. Poder é poder de Estado (degenerado como força). Os Estados são os únicos atores que contam. Para quem adota o realismo político (como uma espécie de religião laica, pois é isso que ele é) não faz nenhum sentido continuar defendendo a democracia. A democracia não se baseia nos interesses dos Estados e sim nos desejos das pessoas. Desejos? Pessoas? Tudo isso é irrelevante para a realpolitik, para a política do poder (como exercício ou ameaça do exercício da força – o que é, a rigor, uma antipolítica).

Não existe a sociedade como forma de agenciamento autônoma. Como já foi dito anteriormente, a sociedade é um dominium do Estado (na acepção feudal mesmo do termo).

Continua...

domingo, 23 de abril de 2023

A Guerra Perpétua’, segundo Putin, ou o projeto de uma ‘nova ordem mundial’, como vontade e como representação - Paulo Roberto de Almeida

 Um trabalho que ainda não havia sido divulgado publicamente: 

4354. “‘A Guerra Perpétua’, segundo Putin, ou o projeto de uma ‘nova ordem mundial’, como vontade e como representação”, Brasília, 7 abril 2023, 3 p. Publicado em versão reduzida na revista Crusoé (14/04/2023; link: https://oantagonista.uol.com.br/mundo/paulo-roberto-de-almeida-na-crusoe-guerra-perpetua-de-putin/). Relação de Publicados n. 1504. 



‘A Guerra Perpétua’, segundo Putin, ou o projeto de uma ‘nova ordem mundial’, como vontade e como representação

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com


 

Kant era um idealista-realista, como se sabe: numa aparente resposta a uma proposta anterior do Abade Saint Pierre (Projet de paix perpétuelle, de 1713), que já pretendia uma liga de estados e uma corte internacional, ele estabeleceu, em 1795, que a paz perpétua (uma coisa “para si”) dependeria da existência, de maneira geral e irrestrita, de regimes constitucionais (a “coisa em si”), da liberdade de pensamento e do respeito à autonomia das federações. As monarquias absolutistas, então realmente existentes no final do século XVIII, assim como a própria “vontade” de Napoleão, com sua tentativa de “paz imperial” de âmbito europeu no início do século XIX, demonstraram amplamente que a “paz perpétua” não estava sequer próxima de ser concebida, menos ainda realizada.

Não obstante, o Congresso de Viena de 1815, depois que o imperador francês foi finalmente derrotado em Waterloo — foi a primeira e última vez que tropas russas andaram por Paris —, tentou o que parecia ser uma “ordem mundial”, ainda que oligárquica, já que a anterior, a paz de Westfalia (1648), não tinha confirmado suas grandes expectativas. A “ordem quase mundial” de Viena, seja com Santa Aliança ou regimes constitucionais, manteve o continente europeu mais ou menos em paz, durante praticamente um século, mesmo com uma primeira guerra da Crimeia no meio do caminho.

Uma nova tentativa de “ordem mundial”, a da Liga das Nações, concertada nas negociações de paz de Paris, no imediato seguimento da Grande Guerra (1914-1918), de natureza igualmente oligárquica, tampouco foi capaz de controlar a “vontade” de novas potências expansionistas, empenhadas em aumentar sua “representação” na cartografia da geopolítica então existente: o projeto mussolinista de um novo império romano, a brutal imposição do Lebensraum hitlerista e da “solução final” ao “problema” judeu, e o esforço dos fascistas japoneses de superar o colonialismo europeu na Ásia Pacífico pelo seu próprio império brutal, sobretudo na China. A despeito de um tratado para evitar novos conflitos militares pela via da arbitragem e mediação – o Pacto Briand-Kellog de 1928 –, não foi possível evitar a invasão da Manchúria pelo Japão em 1931, e depois a tentativa de conquista do resto da China, em 1937, a invasão da Etiópia (o único país africano independente e membro da Liga das Nações) pela Itália fascista em 1935, assim como a anexação da Áustria e da Tchecoslováquia por Hitler em 1938, seguida da invasão da Polônia por Hitler em 1939, num acerto com Stalin de esquartejamento do país, o que deu início à mais terrível guerra global de toda a humanidade. Stalin aproveitou, em 1940, para abocanhar os três países bálticos em 1940 – independentes desde 1919 –, assim como para tentar reincorporar a Finlândia ao antigo espaço do império czarista, ampliado enormemente na nova ordem bolchevique; a Finlândia resistiu, e permaneceu neutra pelos 80 anos seguintes.

Mas, um século antes do início das complexas negociações entre as potências aliadas em torno de uma “nova ordem mundial”, em Dumbarton Oaks, em Bretton Woods, em Ialta e em San Francisco, um jovem filósofo alemão, Arthur Schopenhauer, empreendeu de corrigir o idealismo transcendental de Kant ao propor uma nova interpretação do mundo: a “coisa em si” já não seria mais a encarnação da razão pura, mas o resultado da vontade humana, como princípio fundamental da natureza, uma força cega, incontrolável que move o mundo. Ora, ninguém encarna melhor, atualmente, essa vontade cega de dominar o mundo do que o neoczar russo, Vladimir Putin, embora sua “representação do mundo” corresponda bem mais a uma “guerra perpétua” do que propriamente a um projeto consensual de paz durável. 

Putin está muito distante, mais exatamente do lado oposto, ao de Kant, cujo projeto de paz perpétua proclamava, entre outros requisitos, que “nenhum Estado independente, pequeno ou grande, pode ser adquirido por um outro Estado por herança, troca, compra ou doação”, ou ainda, que “nenhum Estado deve imiscuir-se com emprego de força na constituição e no governo de um outro Estado” (2008, p. 15 e 18). Para Kant, a constituição civil nos Estados deve ser republicana, isto é, constitucional. Para Putin, isso é mero detalhe, com o qual ele não está nem um pouco preocupado. A “representação” que ele concebe para cada Estado deve ser uma que se amolde à vontade dos mais poderosos dentre eles, em total contradição com o federalismo de Estados livres de Kant, regidos pelo Direito internacional. 

Cada nova ordem internacional só foi estabelecida ao cabo de terríveis guerras entre poderes adversários, seja a guerra de Trinta Anos que precedeu à paz de Westfália, as guerras napoleônicas que resultaram no Congresso de Viena, a Grande Guerra que abriu o caminho à frustrada Liga das Nações, assim como o sistema onusiano, após a segunda guerra de Trinta Anos. O chanceler russo Lavrov acaba de anunciar, o que é certamente a “vontade” de Putin, que a paz na Ucrânia só se dará com uma “nova ordem mundial”. O que o neoczar russo propõe, portanto, é uma “guerra perpétua”, até que a sua “representação” dessa “nova ordem”, uma paz imperial, venha a realizar-se como uma coisa em si e para si (com uma pequena ajuda de seu amigo Xi Jinping). Nenhum deles entrou em detalhes sobre como seria instalado ou como funcionaria essa nova ordem, diferente da atual, que emergiu desde Bretton Woods, na parte econômica, em 1944, e que se prolongou nas conferências de Ialta e de Potsdam, em 1945, que conformaram uma nova ordem oligárquica, baseada no direito absoluto de veto sobre qualquer decisão do Conselho de Segurança das Nações Unidas, por parte das cinco grandes potências garantidoras da paz e da segurança internacional, depois de derrotarem os regimes fascistas que provocaram a maior mortandade já vista na história.

A humanidade não tem necessidade de uma nova paz imperial, baseada na coerção de Estados menores, e sim do pleno cumprimento dos dispositivos da Carta da ONU, assim como do respeito às normas mais elementares do Direito Internacional, princípios e valores que vêm sendo acatados pela diplomacia brasileira desde o século XIX, e mais enfaticamente durante todo o século XX, a partir do Barão do Rio Branco, de Rui Barbosa, de Oswaldo Aranha, de Afonso Arinos e de San Tiago Dantas, entre outros próceres de nossa política externa. Essa arquitetura da diplomacia brasileira começou a ruir em 2014, quando a presidente Dilma disse que não iria se pronunciar sobre a invasão da Crimeia, por se tratar de um “assunto interno” à Ucrânia, como se a anexação de parte do território de um Estado soberano pudesse ser assim classificada. Ela parece perto de ruir mais um pouco, atualmente.

Já não estamos mais no idealismo racionalista de um Kant, ou na vontade metafísica de Schopenhauer, e sim na expressão mais crua do despotismo oriental de um Putin e de um Xi Jinping. Se a atual administração diplomática do Brasil pensa que uma nova ordem mundial pode ser criada com base nesse tipo de arranjo, mais conforme à violência primária dos impérios do que ao federalismo dos povos livres e no princípio da hospitalidade universal do mestre de Konigsberg, isto significa que estaríamos aderindo a concepções que já tinham ficado caducas desde o Aufklärung, o Iluminismo do século XVIII. Um tremendo retrocesso!

 

Referências bibliográficas

Projet pour rendre la paix perpétuelle en Europe, par l’abbé Castel de Saint-Pierre. Utrecht: A. Schouten, 1713; disponível na coleção Gallica, da Biblioteca Nacional da França: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k105087z.

Immanuel Kant. Zum ewigen Frieden. Ein philosophischer Entwurf (A Paz Perpétua: Um Projeto Filosófico). Leipzig: Insel Verlag, 1795; resumo das principais ideias: https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Paz_Perpetua:_Um_Projeto_Filosofico.

_________ . À paz perpétua. Porto Alegre: LPM, 2008; tradução e prefácio de Marco Zingano.


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4354: 7 abril 2023, 3 p. Relação de Publicados n. 1504. 


quarta-feira, 10 de junho de 2020

Pandemia: fascismo ou democracia? - Francis Fukuyama (Foreign Affairs)

Quando não se sabe bem como analisar, o que dizer de um fenômeno novo no cenário mundial, buscam-se analogias históricas com eventos ou processos passados, que geralmente são enganosos ou equivocados, e não servem para muita coisa, a não ser para encher páginas de um artigo para uma revista prestigiosa como a Foreign Affairs (que fará 100 anos em 2022).
Não partilho muito dessa análise de Fukuyama, a não ser a constatação óbvia de que os países que fizeram melhor no enfrentamento da pandemia foram aqueles que dispunham, ou dispõem de Estados melhor organizados, dotados de convergência de propósitos e de lideranças eficientes e sobretudo inteligentes.
Nas palavras de Fukuyama (e ele desenvolve depois essas ideias tanto para democracias, quanto oara Estados autoritários), estes são os dois casos “ideal-típicos”, se ouso dizer, de sucesso ou fracasso no enfrentamento da pandemia, embora os desenvolvimentos ulteriores, em termos de fascismo ou reforço da democracia sejam muito confusos:

The factors responsible for successful pandemic responses have been state capacity, social trust, and leadership. Countries with all three—a competent state apparatus, a government that citizens trust and listen to, and effective leaders—have performed impressively, limiting the damage they have suffered. Countries with dysfunctional states, polarized societies, or poor leadership have done badly, leaving their citizens and economies exposed and vulnerable. 

O Brasil, infelzmente, assim como os EUA, estão do “lado errado”, mas não acredito que as coisas se desenvolvam desse modo maniqueísta.

Paulo Roberto de Almeida
PS: Grato, uma vez mais, a meu colega e amigo Pedro Luiz Rodrigues pelo constante aprovisionamento em material de qualidade, para minha leitura diária.

The Pandemic and Political Order
It Takes a State
Francis Fukuyama
Foreign Affairs, July-August 2020

Major crises have major consequences, usually unforeseen. The Great Depression spurred isolationism, nationalism, fascism, and World War II—but also led to the New Deal, the rise of the United States as a global superpower, and eventually decolonization. The 9/11attacks produced two failed American interventions, the rise of Iran, and new forms of Islamic radicalism. The 2008 financial crisis generated a surge in antiestablishment populism that replaced leaders across the globe. Future historians will trace comparably large effects to the current coronavirus pandemic; the challenge is figuring them out ahead of time.
It is already clear why some countries have done better than others in dealing with the crisis so far, and there is every reason to think those trends will continue. It is not a matter of regime type. Some democracies have performed well, but others have not, and the same is true for autocracies. The factors responsible for successful pandemic responses have been state capacity, social trust, and leadership. Countries with all three—a competent state apparatus, a government that citizens trust and listen to, and effective leaders—have performed impressively, limiting the damage they have suffered. Countries with dysfunctional states, polarized societies, or poor leadership have done badly, leaving their citizens and economies exposed and vulnerable. 
The more that is learned about COVID-19, the disease caused by the novel coronavirus, the more it seems the crisis will be protracted, measured in years rather than quarters. The virus appears less deadly than feared, but very contagious and often transmitted asymptomatically. Ebola is highly lethal but hard to catch; victims die quickly, before they can pass it on.COVID-19 is the opposite, which means that people tend not to take it as seriously as they should, and so it has, and will continue to, spread widely across the globe, causing vast numbers of deaths. There will be no moment when countries will be able to declare victory over the disease; rather, economies will open up slowly and tentatively, with progress slowed by subsequent waves of infections. Hopes for a V-shaped recovery appear wildly optimistic. More likely is an L with a long tail curving upward or a series of Ws. The world economy will not go back to anything like its pre-COVID state anytime soon. 
Economically, a protracted crisis will mean more business failures and devastation for industries such as shopping malls, retail chains, and travel. Levels of market concentration in the U.S. economy had been rising steadily for decades, and the pandemic will push the trend still further. Only large companies with deep pockets will be able to ride out the storm, with the technology giants gaining most of all, as digital interactions become ever more important.
The political consequences could be even more significant. Populations can be summoned to heroic acts of collective self-sacrifice for a while, but not forever. A lingering epidemic combined with deep job losses, a prolonged recession, and an unprecedented debt burden will inevitably create tensions that turn into a political backlash—but against whom is as yet unclear.
The global distribution of power will continue to shift eastward, since East Asia has done better at managing the situation than Europe or the United States. Even though the pandemic originated in China and Beijing initially covered it up and allowed it to spread, China will benefit from the crisis, at least in relative terms. As it happened, other governments at first performed poorly and tried to cover it up, too, more visibly and with even deadlier consequences for their citizens. And at least Beijing has been able to regain control of the situation and is moving on to the next challenge, getting its economy back up to speed quickly and sustainably.
The United States, in contrast, has bungled its response badly and seen its prestige slip enormously. The country has vast potential state capacity and had built an impressive track record over previous epidemiological crises, but its current highly polarized society and incompetent leader blocked the state from functioning effectively. The president stoked division rather than promoting unity, politicized the distribution of aid, pushed responsibility onto governors for making key decisions while encouraging protests against them for protecting public health, and attacked international institutions rather than galvanizing them. The world can watch TV, too, and has stood by in amazement, with China quick to make the comparison clear.
Over the years to come, the pandemic could lead to the United States’ relative decline, the continued erosion of the liberal international order, and a resurgence of fascism around the globe. It could also lead to a rebirth of liberal democracy, a system that has confounded skeptics many times, showing remarkable powers of resilience and renewal. Elements of both visions will emerge, in different places. Unfortunately, unless current trends change dramatically, the general forecast is gloomy.

RISING FASCISM?

Pessimistic outcomes are easy to imagine. Nationalism, isolationism, xenophobia, and attacks on the liberal world order have been increasing for years, and that trend will only be accelerated by the pandemic. Governments in Hungary and the Philippines have used the crisis to give themselves emergency powers, moving them still further away from democracy. Many other countries, including China, El Salvador, and Uganda, have taken similar measures. Barriers to the movement of people have appeared everywhere, including within the heart of Europe; rather than cooperate constructively for their common benefit, countries have turned inward, bickered with one another, and made their rivals political scapegoats for their own failures.
The rise of nationalism will increase the possibility of international conflict. Leaders may see fights with foreigners as useful domestic political distractions, or they may be tempted by the weakness or preoccupation of their opponents and take advantage of the pandemic to destabilize favorite targets or create new facts on the ground. Still, given the continued stabilizing force of nuclear weapons and the common challenges facing all major players, international turbulence is less likely than domestic turbulence.
Poor countries with crowded cities and weak public health systems will be hit hard. Not just social distancing but even simple hygiene such as hand washing is extremely difficult in countries where many citizens have no regular access to clean water. And governments have often made matters worse rather than better—whether by design, by inciting communal tensions and undermining social cohesion, or by simple incompetence. India, for example, increased its vulnerability by declaring a sudden nationwide shutdown without thinking through the consequences for the tens of millions of migrant laborers who crowd into every large city. Many went to their rural homes, spreading the disease throughout the country; once the government reversed its position and began to restrict movement, a large number found themselves trapped in cities without work, shelter, or care.
Displacement caused by climate change was already a slow-moving crisis brewing in the global South. The pandemic will compound its effects, bringing large populations in developing countries ever closer to the edge of subsistence. And the crisis has crushed the hopes of hundreds of millions of people in poor countries who have been the beneficiaries of two decades of sustained economic growth. Popular outrage will grow, and dashing citizens’ rising expectations is ultimately a classic recipe for revolution. The desperate will seek to migrate, demagogic leaders will exploit the situation to seize power, corrupt politicians will take the opportunity to steal what they can, and many governments will clamp down or collapse. A new wave of attempted migration from the global South to the North, meanwhile, would be met with even less sympathy and more resistance this time around, since migrants could be accused more credibly now of bringing disease and chaos.
Finally, the appearances of so-called black swans are by definition unpredictable but increasingly likely the further out one looks. Past pandemics have fostered apocalyptic visions, cults, and new religions growing up around the extreme anxieties caused by prolonged hardship. Fascism, in fact, could be seen as one such cult, emerging from the violence and dislocation engendered by World War I and its aftermath. Conspiracy theories used to flourish in places such as the Middle East, where ordinary people were disempowered and felt they lacked agency. Today, they have spread widely throughout rich countries, as well, thanks in part to a fractured media environment caused by the Internet and social media, and sustained suffering is likely to provide rich material for populist demagogues to exploit.

OR RESILIENT DEMOCRACY?

Nevertheless, just as the Great Depression not only produced fascism but also reinvigorated liberal democracy, so the pandemic may produce some positive political outcomes, too. It has often taken just such a huge external shock to break sclerotic political systems out of their stasis and create the conditions for long-overdue structural reform, and that pattern is likely to play out again, at least in some places.
The practical realities of handling the pandemic favor professionalism and expertise; demagoguery and incompetence are readily exposed.This should ultimately create a beneficial selection effect, rewarding politicians and governments that do well and penalizing those that do poorly. Brazil’s Jair Bolsonaro, who has steadily hollowed out his country’s democratic institutions in recent years, tried to bluff his way through the crisis and is now floundering and presiding over a health disaster. Russia’s Vladimir Putin tried to play down the importance of the pandemic at first, then claimed that Russia had it under control, and will have to change his tune yet again as COVID-19 spreads throughout the country. Putin’s legitimacy was already weakening before the crisis, and that process may have accelerated.
The pandemic has shone a bright light on existing institutions everywhere, revealing their inadequacies and weaknesses. The gap between the rich and the poor, both people and countries, has been deepened by the crisis and will increase further during a prolonged economic stagnation. But along with the problems, the crisis has also revealed government’s ability to provide solutions, drawing on collective resources in the process. A lingering sense of “alone together” could boost social solidarity and drive the development of more generous social protections down the road, just as the common national sufferings of World War I and the Depression stimulated the growth of welfare states in the 1920s and 1930s.

FRANCIS FUKUYAMA is Olivier Nomellini Senior Fellow at the Freeman Spogli Institute for International Studies at Stanford University and the author of Identity: The Demand for Dignity and the Politics of Resentment.

Para acessar íntegra:

terça-feira, 30 de julho de 2019

O verão dos autocratas no hemisfério norte - Washington Post

 Parece que os autocratas perderam a vergonha de reprimir..
The Washington Post, 202, July 30, 2019
  
with Mariana Alfaro
THE BIG IDEA: Huge protests in capitals around the world are among the most important and underplayed stories of this summer, but pro-democracy movements on three continents are at risk of being squelched as surveillance states grow more adept at controlling the technologies that helped people liberate themselves during the Arab Spring at the start of the decade.
In Moscow, as an estimated 1,400 demonstrators were arrested outside City Hall on Saturday, Russian authorities stormed a TV studio belonging to opposition figure Alexei Navalny so they could shut down a live stream of the protests on YouTube. Thousands took to the streets, risking prison time, because opposition candidates have been blocked from appearing on the ballot in upcoming municipal elections. The violent crackdown, led by a close ally of Vladimir Putin, came a week after more than 22,000 people protested in downtown Moscow, chanting, “Russia will be free.”

In Hong Kong, police arrested at least 60 people on Saturday and Sunday, the eighth consecutive weekend of protests, the most detained in a single weekend since the start of the upheaval. The Beijing-backed government is using facial-recognition software to targetdemonstrators. Pro-democracy activists are responding by wearing surgical masks and using laser pointers to foil the technology. My colleague on the island, Shibani Mahtani, reports that they’re also deleting all the Chinese-made apps on their phones, even for e-commerce shopping sites, in a quest to stay ahead of Big Brother. They’re installing virtual private networks on their phones and downloading secure messaging apps such as Telegram. Young activists in Hong Kong who came of age in a digital world are trying to go as analog as possible so they can limit their footprint on the grid, but they’re learning how hard it’s becoming. They buy single-ride subway tickets, forgo credit cards, take no more selfies and buy pay-as-you-go SIM cards.
Chinese authorities responded by allegedly launching a massive cyberattack against the servers for Telegram hours before protesters planned a major occupation of Hong Kong’s streets last month. The company said it was hit by a powerful distributed denial of service (DDoS) attack, which filled servers with junk requests, that originated from the mainland. Hong Kong police officers also arrested a coordinator of a Telegram group with thousands of people at his home. A court in Moscow banned Russians from using Telegram last year after the company declined to provide encryption keys to the state security agency, and Iran also blocked the app after it was used to organize protests to draw attention to economic hardships.

In Sudan, the military council that took control after overthrowing Omar Hassan al-Bashir in April decided to shut down all public access to the Internet in a ploy to quell continuing street protests. Sudan is one of at least 22 African countries where the government has ordered a shutdown of the Internet at some point in the past five years. The list also includes Ethiopia, Uganda and Zimbabwe. The previous regime ordered telecom companies to block access to social media from December through April, but it wasn’t enough to stop word-of-mouth organizing.
There has been significant bloodshed since the president was deposed after three decades in power. Sudanese security forces fired yesterday on student demonstrators in a central province, killing at least five people, organizers told the AP. On June 3, pro-democracy activists say that security forces killed at least 128 of their people – the state prosecutor says it was 87 – while dispersing a protest camp in front of the military’s headquarters in the capital of Khartoum. Organizers say they pulled 40 bodies from the Nile River that were slain as part of a crackdown.
Hundreds of thousands of people turned out on June 30 to show that they would not be deterred. “Protesters rubbed the leaves of nearby neem trees onto their faces to get relief from the tear gas,” my colleague Max Bearak reported from Khartoum. “Sunday’s protests were organized almost entirely without Internet service. Graffiti announcements blanket many of the city’s walls, and small groups have walked through neighborhoods with megaphones to spread the word.
The Sudanese Professionals Association – which helped coordinate Monday’s student activism – organized months of protests leading to the overthrow of the former president, but leaders now worry that the generals won’t follow through on a promised transition to civilian rule. That’s why they continue to mobilize. The protest leaders are scheduled to meet today with the leaders of the military to discuss a power-sharing agreement. There was a tentative accord this month, but several holdups remain. Among them, according to the AP, is whether military commanders should be immune from prosecution for violence against protesters.

-- In this brave new world, there are constant games of cat-and-mouse between people who yearn for more freedom and those who seek to keep control. In Indonesia, to quell protests in Jakarta after the president was reelected this spring, the communication minister curtailed access to social media after six people were killed and hundreds injured. The restrictions limited the sharing of videos and photos over Instagram and WhatsApp.
Iran has been blocking public access to sites such as Twitter, Facebook and YouTube since activists used them to organize mass protests and document a crackdown after a disputed election in 2009. Young people who hunger for a taste of the outside world go to great lengths to bypass state censors, downloading VPNs. Notably, though, leaders of the regime – such as the foreign minister – use sites like Twitter to share the party line. And while pro-government accounts have proliferated, the AP noted from Tehran last week that YouTube remains largely off-limits because it’s hard to download and view videos while using the workarounds.

-- Strongmen fear social networks because they continue to be such a potent organizing tool. More than a quarter-million people assembled on June 23 in Prague’s Letna Park to call for the resignation of Prime Minister Andrej Babis, who they believe subverted the independence of the judiciary by appointing a new justice minister who is unlikely to bring charges against him in a fraud case involving the misuse of European Union subsidies meant for small businesses. (Babis denies wrongdoing and retains a strong grip on power.)
This was the largest mass protest in the Czech capital since the 1989 Velvet Revolution allowed dissident Vaclav Havel to become president. It grew out of a Facebook group called A Million Moments for Democracy, which launched on the anniversary of that famous protest. Over the past year and a half, thanks to social media, the campaign has led to protests in more than 300 cities and villages.

-- After Kazakhstan held an election on June 9, police arrested thousands of protesters who believed the regime falsified the results.“Since independence in 1991, Kazakhstan had been ruled by its communist-era leader Nursultan Nazarbayev, who had handpicked candidate Kassym-Jomart Tokayev — and declared him the winner. As protests continued despite mass arrests, Kazakhstan’s urban areas were blanketed by police forces, at times visibly outnumbering the civilian population,” writes National Defense University’s Erica Marat. “Both sides of that equation — the mass dissent and the police repression — reached new levels in Kazakhstan. With a new leader, the nation is entering a volatile phase of police-public dynamics, one in other hybrid regimes like Russia or Ukraine under President Viktor Yanukovych.
Here’s the issue: Hybrid regimes — those that are partly democratic, partly authoritarian — have more protests and more brutal suppression than those that are fully one or the other,” she explained. “These nations have a coercive apparatus that is intact and functional — but also a civil society whose members strive to be active political players. Unlike in fully democratic nations, those individuals and organizations have no real opportunities to collaborate with the government. When elections aren’t truly competitive, protesting is one their few options. But the more anti-government collective action is organized, the more brutal state response is likely to be.”
-- There have been scores of other newsworthy protests this summer from Algeria to Zimbabwewith recent activity in Guatemala, Pakistanand Bahrain. What modest gains there have been often seem fragile.

-- Democracy has been in a recession the past few years, and the world now stands at a plastic juncture. If the 20th century was the American Century, will the 21st century be the Autocrats Century?
-- In Hong Kong, China would much rather use technology than troops to put down the protests. But the regime's patience appears to be thinning. Top officials in Beijing called on Monday for punishing the “radicals” involved in the turmoil. “China maintains a military presence in Hong Kong, and China’s Defense Ministry suggested last week that it was open to using troops to quell the unrest, saying the protests were ‘intolerable,’” Mahtani and Anna Fifield report. “Signs of China’s influence over Hong Kong abound. The Hong Kong and Chinese flags flew at half-staff above government offices Monday in mourning for Li Peng, the former Chinese premier known as ‘the Butcher of Beijing’ for his role in the bloody Tiananmen Square crackdown in 1989.”