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segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Raizes do colapso brasileiro, um texto de 2006 - Paulo Roberto de Almeida

Um texto de 2006, que na verdade atendia a um pedido de jornalista para comentar o livro de Jared Diamond, sobre o colapso de civilizações, para oferecer comentários à obra e aplicá-la ao caso brasileiro. A despeito dos dez anos decorridos, creio que o diagnóstico e as prescrições se mantêm quase integralmente.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 11/01/2016


Raízes do Colapso

Paulo Roberto de Almeida
Doutor em Ciências Sociais. Diplomata.
Respostas a perguntas colocadas por jornalista
do jornal do agronegócio Raízes (São Paulo, SP).


Perguntas e respostas, tendo como referência o livro:
Jared Diamond
Colapso: como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso
2ª edição; Rio de Janeiro: Record, 2005.

1) Gostaria de contextualizar o livro de Jared Diamond, para o empresário do agronegócio entender porque este livro é nossa referência aqui e por que o senhor foi chamado a analisá-lo. Em sua opinião, o que esta obra trouxe de novo e por que se tornou tão comentada? Por que ela chamou a sua atenção especificamente?

PRA: Eu já conheço a obra desse autor americano, um cientista-pesquisador da área da biologia evolutiva, desde muitos anos, como editor da revista de divulgação científica Discover, da qual eu tinha assinatura nos anos 1980. Mais recentemente li o seu primeiro best-seller Armas, Germes e Aço (ainda na primeira versão americana), que aprecio particularmente, ainda que eu possa criticar a ênfase talvez excessiva nos fatores ambientais, e menos naqueles sócio-culturais ou econômicos, que explicam como as sociedades humanas evoluíram de maneira diferenciada ao longo dos últimos dez mil anos. Trata-se, em todo caso, de uma pesquisa original, de amplo escopo explicativo, trazendo uma macro-história ecológica global da humanidade, nesse percurso muitas vezes milenar que conduziu algumas sociedades à abundância e à liderança tecnológica e outras ao atraso relativo ou mesmo à miséria temporária. Um livro brilhante, sem dúvida, mesmo descontando a já referida ênfase no meio ambiente, em detrimento dos fatores moldados pelo próprio homem.
Era natural, assim, que eu me interesse por este novo livro, sobretudo contendo um título tão accrocheur, como diriam os franceses, ou appealing, no dizer dos americanos. Sempre somos fascinados pelos desastres, pelos fracassos, tanto quanto pelo sucesso e pela prosperidade. Este livro trata do “lado errado” das sociedades, que deveria ser estudado tanto quanto os motivos de sucesso, pois aprendemos mais pelos erros do que pelos acertos. Como se diz, a vitória tem muitos pais, o fracasso tem uma só mãe, quando não é órfã, ou solitária. Casos de insucesso nos negócios, de fracasso completo nos empreendimentos deveriam ser estudados nos cursos de administração, de forma tão detalhada, ou talvez até mais, do que os casos de executivos brilhantes ou de grandes realizações no mundo dos negócios, pois é pelos fracassos que podemos medir nossas chances de sucesso futuro, ou evitar os erros mais comuns.
Como eu acho que o Brasil configura, nos últimos anos, um notório caso de “fracasso” econômico, com um baixo crescimento cumulativo há praticamente duas décadas, fui buscar no livro alguns motivos de reflexão que poderiam me dar algumas luzes sobre as razões do nosso insucesso no crescimento econômico e na inclusão social.

2) O que o senhor destacaria como principais pontos do livro?

PRA: No plano metodológico, a visão macro-histórica já destacada, pois ela permite ver o mundo evoluindo no longo prazo, a trajetória das civilizações, que reproduzem certo ciclo de vida. Ainda no plano metodológico, a perspectiva comparada, que permite ver como algumas sociedades enfrentam problemas de modo criativo, enquanto outras não conseguem superar problemas prosaicos, como pode ser o do simples equilíbrio ecológico, ou da subsistência em meios materiais, que deveria ser objeto de simples planejamento elementar.
No plano substantivo, o livro fornece um amplo painel sobre diferentes caminhos de sociedades do passado e algumas do presente, mostrando, finalmente, que nada é muito novo na trajetória do homem e que os mesmos problemas sempre se colocam de forma recorrente, ainda que os meios técnicos e as paisagens se tenham alterado por vezes de maneira fundamental ou radical, desde a antiguidade, ou na era dos descobrimentos, e em nossa própria época.

3) Que paralelos podemos estabelecer entre a realidade brasileira e os exemplos bem-sucedidos e catastróficos descritos por Diamond?

PRA: O Brasil, como economia ou sociedade, não está exatamente apontando para algum colapso iminente, ainda que “pequenos colapsos” possam ocorrer, talvez nas contas públicas, como resultado dos crescentes déficits previdenciários, ou no terreno dos investimentos em infra-estrutura, onde obras importantes deixaram de ser feitas nos últimos anos por insuficiência orçamentária ou, mais exatamente, por incapacidade administrativa. Mas, o Brasil não está na iminência de uma grande catástrofe como as descritas no livro de Diamond, problemas de tal monta que acabam desestruturando toda a sociedade de forma irremediável. Nossos problemas são de natureza cumulativa, basicamente de organização, mais do que falta de meios ou de inteligência.
O que chama a atenção na experiência brasileira dos últimos vinte anos ou, praticamente, no último quarto de século, é a incapacidade do país de crescer de modo sustentável, primeiro pela aceleração inflacionária e pelo descontrole econômico ocorrido nos anos 1980 e na primeira metade dos 90, depois pela ausência de poupança e de investimentos produtivos, justamente. O que mais chama a atenção, de fato, é a nossa própria cegueira, mais exatamente da classe política, em continuar aprovando aumento de gastos públicos, não para fins produtivos, mas para alimentação dos “meios” tão simplesmente, em total descompasso com o crescimento da economia ou com a disponibilidade de recursos. A classe política tem demonstrado uma brutal insensibilidade para os efeitos cumulativos do baixo crescimento, do acúmulo de despesas obrigatórias sob responsabilidade do próprio Estado, do tributarismo e do regulacionismo excessivos, que na verdade “empurram” milhares de pessoas e de pequenas e médias empresas para o lado informal da economia, não porque elas ali queiram estar, mas porque não podem fazer de outro modo, em vista dos constrangimentos que teriam nos planos fiscal, tributário, regulatório. se desejassem, por acaso, ascender ao plano da formalidade e da plena legalidade.
Nossas pequenas “grandes” catástrofes estão nessa miríade de regulamentos burocráticos, de obrigações legais e, sobretudo, de regimes tributários que tornam a vida do empreendedor um inferno digno de Dante.

4) O Brasil está destinado ao fracasso ou há caminhos que indicam uma luz no fim do túnel? Ou ainda: que saídas temos para reverter nosso "colapso"?

PRA: O Brasil, certamente, não está, a priori, condenado ao colapso. Emprego este conceito num sentido bem mais metafórico do que real. Mas, o Brasil está, sim, condenado ao baixo crescimento, a uma quase estagnação do crescimento per capita, a uma deterioração sensível e contínua das instituições públicas, a uma erosão continuada da qualidade de sua educação, tudo isso ao mesmo tempo e cumulativamente, a persistirem os mesmos sintomas que indicam baixo crescimento da produtividade, desrespeito à lei, carga fiscal muito elevada, pesadas barreiras à entrada para novos negócios, corrupção generalizada no setor público, caixa 2 no setor privado – geralmente mantido mais em função do excesso de tributos de origem estatal do que por “necessidades” da própria empresa – e uma pesada herança do burocratismo de outras eras que ainda não foi extirpado de nossa cultura. Todos esses fatores podem não levar, exatamente, ao fracasso do Brasil, enquanto sociedade ou economia, mas indicam, sim, uma incapacidade desta nação de se adaptar ao mundo dinâmico da globalização contemporânea e podem, ao contrário, levar uma indefinição persistente quanto às reformas necessárias para superar esse tipo de impasse.
No campo das reformas, eu indicaria um conjunto de tarefas que nos permitiriam superar os problemas apontados, mas confesso desde já que sou totalmente pessimista quanto à capacidade dos governos – quaisquer que sejam eles – e da própria sociedade de aprová-las e implementá-las. Essas reformas, sinteticamente expostas, seriam as seguintes:
1. Reforma política, a começar pela Constituição: seria útil uma “limpeza” nas excrescências indevidas da CF, deixando-a apenas com os princípios gerais, remetendo todo o resto para legislação complementar e regulatória. Em vista dos seus custos para o País e os cidadãos (que pouco sabem do nível real de despesas), seria conveniente operar uma diminuição drástica dos corpos legislativos em seus vários níveis (federal, estadual e municipal). No campo da reforma eleitoral, introduzir a proporcionalidade mista, com voto distrital em nível local e alguma representação por listas no plano nacional, preservando o caráter nacional dos partidos.

2. Reforma administrativa com diminuição do número de ministérios, e atribuições de funções a diversas agências reguladoras. Retomada da privatização das empresas estatais que ainda existem e que são fontes de ineficiências e corrupção. Fim geral da estabilidade no serviço público, salvo para algumas carreiras de Estado (estritamente definidas).

3. Reforma econômica ampla, com diminuição da carga tributária e redução das despesas do Estado; severo aperto fiscal nos criadores de despesas “inimputáveis”, que são os legislativos e o judiciário. Reformas microeconômicas de molde a criar um ambiente favorável ao investimento produtivo e ao lucro e para diminuir a sonegação e a evasão fiscal.

4. Reforma trabalhista radical, no sentido da flexibilização da legislação laboral, dando maior espaço às negociações diretas entre as partes. Extinção da Justiça do Trabalho, ela mesma uma das fontes de criação e sustentação de conflitos. Eliminação do imposto sindical, que alimenta organizações de papel, de comportamento rentista.

5. Reforma educacional completa, com retirada do terceiro ciclo da responsabilidade do Estado e concessão de completa autonomia às universidades públicas (mantendo-se a transferência de recursos para fins de pesquisa e projetos específicos). Concentração dos recursos públicos nos dois primeiros níveis e no ensino técnico-profissional, cuja valorização passa pelo treinamento e qualificação adequados dos professores e a introdução de sistemas de remuneração por mérito e rendimento (diretamente aferidos pelos resultados dos alunos).

6. Prosseguimento da abertura econômica e da liberalização comercial; acolhimento do investimento estrangeiro e adesão a regimes proprietários mais avançados.

5) Se é possível escolher entre o fracasso ou sucesso, como observa Diamond, temos exemplos acertados do Brasil em direção ao sucesso?

PRA: Certamente. O Brasil é uma sociedade extremamente maleável, receptiva a quaisquer inovações que possam ocorrer no resto do mundo, capaz de adaptar e incrementar bens, serviços, modas ou quaisquer outras coisas que surgem nos mais diferentes quadrantes do globo, geralmente melhorando o próprio original. Começamos que somos uma verdadeira sociedade multirracial, o que é uma qualidade e um atributo extremamente positivos no plano interno, ainda que isso possa não ser ainda devidamente valorizado em outros países. Nossa proverbial tolerância e acolhimento da chamada “alteridade” também é um valor que devemos preservar e ampliar.
No quadro dos países em desenvolvimento, fomos uma das sociedades mais bem sucedidas na construção de um sistema produtivo industrial e agrícola de excelente qualidade geral. Nosso establishment científico também rivaliza, em qualidade intrínseca, com os melhores do mundo, faltando apenas maiores investimentos na pesquisa para levá-la a patamares ainda superiores de descoberta e inventividade. Temos sérios problemas quanto à transposição do conhecimento científico para o plano de suas aplicações tecnológicas, mas poderemos melhorar esse aspecto também, uma vez que as condições técnicas parecem já estar dadas para tanto.
Destruímos muito nossa natureza no passado e, de certa forma, continuamos ainda a dilapidar nossos recursos naturais, mas a sociedade já se conscientizou dos problemas e parece pronta para inverter o ritmo e a direção da “insustentabilidade” que estava sendo criada. Mais um pouco e teremos estabelecido um padrão de convivência com os recursos da biodiversidade que nos colocará no caminho do desenvolvimento dito “sustentável” (com toda a carga de “politicamente correto” que esse conceito possa ter).
De certa forma, a maior parte do establishment científico, dos técnicos de alta formação, dos formadores de opinião, dos pesquisadores sociais em políticas públicas e, certamente, muitos quadros governamentais, todos esses personagens da nossa vida social e governamental têm perfeita consciência dos problemas brasileiros, da origem de nossos problemas macroeconômicos, setoriais, das deficiências educacionais, enfim, dos “males de origem”, e já traçaram diagnósticos corretos e até “manuais de correção” dos problemas detectados. Os obstáculos parecem situar-se muito mais no plano político-institucional, do que no âmbito da própria sociedade civil, que poderia estar disposta a enfrentar um programa de reformas, desde que bem explicadas e justificadas como necessárias, para retomar antigos patamares de crescimento e de desenvolvimento econômico e social.

6) Quais as principais lições a serem tiradas desta obra, tendo em vista a situação do país?

PRA: A principal lição é a de que a persistência no erro é o caminho mais rápido para a decadência, a estagnação e, possivelmente, o colapso. Antes do Brasil, outras sociedades declinaram durante décadas, senão séculos: nos três séculos que se seguem ao Iluminismo europeu e à emergência de sociedades avançadas e conquistadoras na Europa, a China constituiu um desses exemplos de notável declínio, mais até do que econômico ou tecnológico, propriamente civilizacional. No século XX, tanto a Grã-Bretanha “imperial” e a Argentina “periférica” passaram por décadas de lento mas constante declínio econômico, industrial e, para esta última, até político, processo que neste caso não está totalmente revertido. Em todos esses casos de retrocesso ou de estagnação, o que primeiro experimenta disfuncionalidades são as próprias instituições públicas, que deixam de operar em condições de racionalidade aceitável, passando a acumular problemas operacionais e algumas vezes até conceituais que impedem essas sociedades de conduzir as reformas necessárias para reverter o declínio (que é sempre relativo, no começo, antes de converter-se em absoluto).
Deve-se dizer que a maior parte dos exemplos citados por Jared Diamond se refere a desequilíbrios das sociedades estudadas com o seu próprio meio ambiente natural ou social e geográfico, o que não é absolutamente o nosso caso. O Brasil tem, mais precisamente, disfuncionalidades institucionais, de natureza essencialmente política, que inviabilizam atualmente a continuidade de um processo de reformas que de certa forma foi conduzido com sucesso no decorrer dos anos 1990 – estabilização macroeconômica, por exemplo, ou privatizações e criação de agências regulatórias – mas que encontra muitas resistências para ser levado adiante naquilo que se refere ao espectro de contratos sociais – reforma trabalhista, por exemplo – ou naquilo que se refere ao controle dos gastos públicos – aqui envolvendo toda a classe política, nos três níveis da federação –, além de diversas outras reformas que tocam nos famosos “direitos adquiridos” (como a questão previdenciária).
Se não estamos (ainda?) em desequilíbrio com o nosso meio ambiente, estamos há muito em desequilíbrio com as contas públicas e com a qualidade (deplorável) da educação pública. Esses problemas graves precisam ser revertidos urgentemente.

7) - Esteja à vontade para acrescentar outras informações e comentários.

PRA: Tenho absoluta consciência de que existe uma enorme distância entre a amplitude dos problemas brasileiros, tal como detectados de modo breve nos parágrafos acima, e as modestas possibilidades de seu encaminhamento satisfatório por meio de um processo de reformas racionais e totalmente voltadas para os fins desejados: a retomada do crescimento em bases sustentáveis, socialmente inclusivo, com transformação produtiva e inserção na economia internacional.
Ao não acreditar que isso seja possível no futuro previsível, só posso antecipar que o Brasil continuará a “patinar” no baixo crescimento e na deterioração ainda maior de suas instituições públicas – entre elas os diversos legislativos, o próprio Judiciário, as polícias, as universidades e as escolas, de modo geral –, com o irremediável comprometimento da qualidade de vida de nossos filhos e netos, que certamente terão de enfrentar um problema fiscal ainda maior do que o que temos hoje. Em vista dos bloqueios persistentes existentes na sociedade brasileira – que não devem ser confundidos com alguns exemplos de “inconsciência societal”, tal como detectados no livro de Jared Diamond – minhas previsões são moderadamente pessimistas, para não dizer virtualmente “declinistas”. Meu maior desejo, sinceramente, é o de ser desmentido pelos fatos e pelos processos futuros.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 7 de agosto de 2006

domingo, 3 de outubro de 2010

Dia de eleicoes no Brasil: tentando uma sintese

Passamos por mais uma etapa da construção democrática no Brasil, ao termos mais essas eleições gerais.
Se ouso resumir o sentido geral da era Lula, num diagnóstico puramente pessoal e subjetivo, diria que passamos na verdade por uma fase de desconstrução democrática, de deterioração geral das instituições públicas e de mediocridade intelectual.
Pode ser que continue a desconstrução, pode ser que continue a mediocridade, tudo pode acontecer.
Espero que o Brasil melhore, mas tenho dúvidas.
Minha impressão é a de que vamos continuar no itinerário de decadência democrática pelo futuro previsível.
O que mais surpreende, espanta, estarrece é a opinião média de pessoas que eu julgava inteligentes e razoáveis. A desinformação e a falta de lógica são proverbiais.
Estou falando de reitores, por exemplo.
Isto também faz parte da era da mediocridade.
Paulo Roberto de Almeida
(Paris, 3.10.2010)