A vitória de Joe Biden é uma boa notícia para o Brasil?
Meu artigo publicado na FSP deste sábado, na seção "Tendências / Debates", um formato que eu DETESTO, por sempre implicar um maniqueísmo nas posições que não combina com a vida real. Quem respondeu SIM, foi o embaixador Rubens Ricupero (neste link: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/11/a-vitoria-de-joe-biden-e-uma-boa-noticia-para-o-brasil-sim.shtml).
Em todo caso, eu só tinha essa opção, que me foi dada pela FSP: NÃO, quando eu acho obviamente o contrário. Era isso, ou não colaboraria.
Bem, encontrei uma maneira de transmitir o meu pensamento de outra maneira. Confiram (neste link ou abaixo: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/11/a-vitoria-de-joe-biden-e-uma-boa-noticia-para-o-brasil-nao.shtml):
A vitória de Joe Biden é uma boa notícia para o Brasil? Não, Péssima (para o Brasil de Bolsonaro)
Folha de S. Paulo, 14/11/202, p. A-3
Como no caso de qualquer outra política governamental, a política externa também apresenta aspectos positivos ou negativos, segundo o lado que se examine. A vitória de Joe Biden na eleição de 2020 trouxe certo alívio no resto do mundo, mas representa, ao que parece, uma péssima notícia para o Brasil. Não para todo o Brasil, pois muitos, entre estes majoritariamente os diplomatas, aspiravam por esse resultado, cansados do que eles consideram ser uma diplomacia especialmente servil, não exatamente aos Estados Unidos, mas a Trump, especificamente. Mas também existem os que lamentam a não reeleição de Trump. Esse é o Brasil de Bolsonaro, para quem tal derrota significa a perda de um “grande amigo”, um dos poucos interlocutores com os quais ele mantinha a ilusão de uma grande “aliança”. O “outro Brasil”, integrado por grande parte da opinião pública mais informada, apostava nesse fracasso, como forma de imprimir outra direção a certas políticas do atual governo, em especial a diplomacia.
Bolsonaro deixa de contar com um “aliado” na condução de sua política externa, assim como de várias outras, também. Talvez ele tenha de se desfazer do chanceler acidental e do ministro do meio ambiente; terá de mudar orientações seguidas até aqui, ideológicas em sua maior parte, que se contrapõem a setores da opinião pública nacional – em especial, os homens de negócios – ou até a membros do seu próprio governo.
A vitória de Biden é péssima, pois, para o Brasil de Bolsonaro. Mas ela talvez possa não ser boa também para o “outro Brasil”. Os Democratas, por exemplo, estarão ainda menos propensos do que os Republicanos de Trump – que reverteram ao protecionismo – para fazer um acordo comercial bilateral, aliás já rejeitado por comissão da Câmara de Representantes que eles dominam. Eles também tenderão a adotar uma postura de “controle” em matéria de meio ambiente e de direitos humanos, e podem até querer “punir” o Brasil não só pela destruição aparentemente patrocinada por Bolsonaro na Amazônia – intensas queimadas, desmatamento, desprezo pelos direitos dos indígenas –, mas também pelo reiterado apoio dado por ele a Trump, inclusive durante a tentativa de judicialização do processo de apuração. Os Democratas tampouco serão mais compreensivos no caso da disputa com a China, estimulada por Trump, mas que é igualmente partilhada por Joe Biden: a questão do 5G está aberta. Eles podem retroceder tanto no apoio ao ingresso do Brasil na OCDE, quanto no status de “aliado extra-OTAN”, o que poderia afetar pretensões dos militares brasileiros. Em diversos outros temas de interesse de Bolsonaro, as posturas de Biden passam a divergir das orientações dadas aos diplomatas brasileiros, constrangidos a obedecer às instruções do chanceler, que concorda mais com seu colega Mike Pompeo do que com o próprio corpo profissional do Itamaraty.
Mas, ocupados com tantos problemas causados por Trump nos quatro anos de desmantelamento de tudo o que os americanos criaram desde Bretton Woods, os Democratas podem não dar nenhuma atenção ao Brasil e à América Latina. Isso é mau? Não exatamente: talvez a melhor coisa de uma nova “negligência benigna” por parte do governo dos EUA, seja justamente deixar o Brasil em paz com os seus próprios problemas. Provavelmente, ninguém vai nos pedir para participar da construção de uma nova ordem mundial...
[Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 3784, 31 de outubro, 5 de novembro de 2020; revisão: 11/11/2020