Parece que no Brasil políticas públicas são, em lugar de oportunidades de inspiração, chances de transpiração, e muita improvisação, claro.
Não se compreende, assim, como o governo, pretendendo fazer bondades com os empresários e trabalhadores, empreenda uma reforma sem perguntar qual seu impacto sobre a fonte recebedora, que já tem um déficit considerável (bem mais, é verdade, pelo lado dos servidores públicos, do que pelo lado do regime geral, que apresenta um déficit menor, para 23 milhões de aposentados, ganhando em média 700 reais, do que o déficit imenso causado por 1,1 milhão de aposentados privilegiados do serviço público, que ganham em média 5 mil reais; um absurdo evidente).
Creio que o governo está armando uma bomba-relógio fiscal para si mesmo.
A gente se pergunta se é apenas distração, ou descontrole, mesmo.
Parece aquele coiote do Speedy Gonzalez, que monta armadilhas das quais ele próprio é a vitima.
Nosso governo é o coiote do Speedy Gonzales, com todo o respeito pelo próprio, que apenas nos diverte. O governo nos acabrunha, nos envergonha e nos preocupa...
Paulo Roberto de Almeida
Desoneração e reforma
Editorial
O Estado de S.Paulo
02 de junho de 2011
Aplaudido por empresários e até por sindicalistas, o projeto de desoneração da folha de pagamentos é descrito no Ministério da Previdência como uma bomba-relógio. Essa preocupação é bem fundada. Se a desoneração for feita sem um planejamento muito cuidadoso, o déficit previdenciário poderá aumentar de forma desastrosa. Elaborado no Ministério da Fazenda, o projeto foi discutido com dirigentes do setor industrial e com representantes dos trabalhadores, muito antes de qualquer discussão com o pessoal da Previdência.
A Fazenda propõe eliminar em poucos anos a contribuição patronal de 20% sobre a folha de salários. Em contrapartida, seria cobrado um imposto sobre o faturamento. Faltam informações mais precisas sobre como seria distribuído o peso desse tributo. Provavelmente haveria um custo menor para as empresas exportadoras. A maior parte do encargo ficaria para as demais companhias e uma parcela especialmente grande poderia caber às instituições financeiras, segundo comentários divulgados nas últimas semanas.
Essa redistribuição envolve problemas tanto de equidade fiscal quanto de funcionalidade, porque o peso transferido a certos grupos de empresas pode ser economicamente muito danoso. Mesmo sem levar em conta esse ponto, a preocupação revelada por fontes da Previdência é muito séria. A contribuição sobre a folha é hoje estimada em cerca de R$ 95 bilhões anuais. Esse valor poderá encolher em pouco tempo, segundo se calcula, se o financiamento dos benefícios depender do faturamento das empresas. O recolhimento sobre a folha, argumentam os técnicos da Previdência, pode manter-se ou mesmo crescer em fases de estagnação econômica. A receita previdenciária será mais sensível às oscilações da economia se a sua fonte for o valor faturado empresarial. Fontes da Previdência baseiam-se nas estatísticas de arrecadação para fazer essa advertência.
A desoneração da folha envolve, portanto, um problema bem mais amplo do que o pessoal da Fazenda parece haver considerado. A proposta de reduzir o custo trabalhista é muito bem-vinda. Com menores encargos desse tipo, as empresas serão mais competitivas, poderão manter ou ampliar a produção mais facilmente e, como consequência, terão maior facilidade para contratar mão de obra. A desoneração da folha poderá ser um bom primeiro passo para uma série de reformas destinadas a elevar a competitividade. Mas a redução dos encargos sobre os salários é só uma parte do problema.
Usar impostos para financiar a Previdência, total ou parcialmente, pode ser uma solução razoável. Já é usada em outros países. Mas será inútil, do ponto de vista da eficiência econômica, trocar a contribuição sobre a folha por um tributo de outro tipo, se a nova forma de recolhimento resultar num peso muito grande para os contribuintes. Esse resultado será inevitável, se os atuais critérios de concessão de aposentadorias e pensões forem mantidos. Seja qual for a forma de financiamento, o custo da Previdência se tornará sufocante para o setor público e, portanto, para a sociedade. Vários estudos já chamaram a atenção para esse ponto. O último foi divulgado no dia 6 de abril pelo Banco Mundial. Com o aumento do número de idosos, calculam os técnicos do banco, os gastos previdenciários poderão chegar a 22,4% do Produto Interno Bruto em 2050. Em 2005 equivaliam a 10%.
O crescimento econômico e a formalização mais ampla dos trabalhadores poderão atenuar o problema. Não se pode, no entanto, apostar no crescimento contínuo do PIB. Além disso, os ganhos com a formalização tendem a esgotar-se com o tempo. Não haverá solução duradoura sem uma nova reforma estrutural, com mudanças, por exemplo, nos critérios de idade mínima e na forma de vinculação entre o salário mínimo e os benefícios. Pautas para a reforma têm sido apresentadas por economistas de competência reconhecida nessa área, como Fábio Giambiagi, do BNDES. O projeto de desoneração da folha abre uma boa oportunidade para o governo propor uma nova reforma da Previdência. A dos anos 90 já produziu seus efeitos e um passo adiante é indispensável.