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sexta-feira, 22 de maio de 2020

Governo brasileiro pode estar relacionado com invasão paramilitar na Venezuela - Brasil de Fato

 
TENTATIVA DE GOLPE
Governo brasileiro pode estar relacionado com invasão paramilitar na Venezuela
O Brasil de Fato elaborou uma linha do tempo com ações do governo brasileiro que coincidem com planos golpistas
Michele de Mello
Brasil de Fato | Blumenau (SC) |
 21 de Maio de 2020 às 13:47

Brasil de Fato, 21/05/2020

O contrato assinado pelo deputado venezuelano Juan Guaidó com a empresa paramilitar estadunidense Silvercorp para tentar tomar o poder na Venezuela também tinha a previsão de cooperação de autoridades do Brasil. Segundo o documento, os militares dos Estados Unidos envolvidos na Operação Gedeón teriam livre acesso ao território brasileiro em caso de confronto com forças hostis ao novo regime, que seria presidido por Guaidó.
texto detalha que o espaço aéreo, terrestre e marítimo da Colômbia e do Brasil poderiam ser invadidos até mesmo sem consentimento prévio das autoridades de ambos países. 
Questionado pelo Brasil de Fato sobre a relação do governo brasileiro com a operação, o Ministério de Relações Exteriores brasileiro não respondeu até a publicação desta reportagem.

Trecho do contrato entre Guaidó e Silvercorp em que o Brasil é citado / Captura de Tela
No entanto, a citação do Brasil no contrato não é a única evidência que sugere a relação do Estado brasileiro com os planos golpistas da oposição venezuelana. 
Outubro de 2018
Segundo a reportagem da BrasilWire, representantes da Silvercorp teriam visitado o Brasil durante as eleições presidenciais de 2018. O indício seriam publicações nas redes sociais Twitter e Instagram dez dias antes do segundo turno.
Os agentes da Silvercorp teriam feito parte da segurança pessoal do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Setembro de 2019
Nos dias 6 e 7 de setembro do ano passado, o departamento federal de investigação dos Estados Unidos, FBI, ofereceu um treinamento de combate à corrupção e suborno transnacional com agentes do Ministério Público Federal (MPF) e da Corregedoria Geral da União, como revelou reportagem da Agência Pública
As articulações entre o FBI e organismos de segurança brasileiros foram fortalecidas a partir da gestão de Sérgio Moro como ministro de Justiça e Segurança Pública. 
Em seguida, já no dia 11 de setembro de 2019, representantes do Brasil, da Colômbia e dos Estados Unidos junto a outros países do chamado Grupo de Lima (Paraguai, Honduras, Costa Rica, Guatemala, Chile, entre outros) aprovaram a ativação de mecanismos do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR) contra a Venezuela.
Ao total foram 12 países do Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA) que pactuaram sancionar ex e atuais funcionários do governo do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, supostamente envolvidos em crimes de lavagem de dinheiro e narcotráfico. Além de compartilhar informações de inteligência militar e financeira, e também criar uma rede de cooperação jurídica para combater supostos crimes internacionais do gabinete do governo bolivariano.
Outubro de 2019
Pouco mais de um mês depois da ativação do TIAR, no dia 16 de outubro, foi assinado o contrato entre o deputado venezuelano Juan Guaidó, seus assessores JJ Rendón e Sergio Vergara com Jordan Goudreau, CEO da Silvercorp.
O documento teria validade de 495 dias, podendo sofrer um adendo de até 90 dias, e garantia o pagamento de US$ 212 milhões aos militares contratados para, entre outras coisas, sequestrar o presidente Nicolás Maduro e instaurar um governo comandando por uma "Junta Patriótica Restauradora".
Janeiro de 2020
No dia 20 de janeiro deste ano, foi celebrada na Colômbia a III Conferência Ministerial Hemisférica de Luta contra o Terrorismo, com a participação do secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, e de Guaidó, que havia iniciado uma nova viagem internacional em busca de apoio para seus planos desestabilizadores. 
No encontro, também estiveram representantes da Argentina, Bolívia, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, República Dominicana, Panamá, Paraguai, Peru, Santa Lúcia, Israel, México, Uruguai, Venezuela, o Comitê das Nações Unidas contra o Terrorismo e da Interpol.
Desde 2015, durante a gestão do presidente Barack Obama, a Venezuela entrou na lista dos Estados Unidos de países que contribuem com o terrorismo, junto com Cuba, Irã, Iraque, entre outras nações que sofrem sanções econômicas impostas pela Casa Branca.
Nessa Conferência, novamente Guaidó e Pompeo acusaram o governo de Nicolás Maduro de patrocinar grupos considerados terroristas, como a organização política libanesa Hezbollah e a guerrilha Exército de Liberação Nacional (ELN), da Colômbia.
Na declaração final, foi feito um acordo de redobrar esforços para combater as fontes de financiamento do que chamam de terrorismo, a partir da lavagem de dinheiro. Também renovaram o compromisso de fortalecer o controle das fronteiras, formando equipes conjuntas inclusive de investigação e inteligência financeira, a fim de localizar, rastrear, recuperar e apreender os bens de organizações consideradas criminosas em suas jurisdições.

Militares brasileiros participaram como observadores em exercícios conjuntos com forças armadas da Colômbia e dos EUA / Reprodução
Já uma semana depois, no dia 27 de janeiro, a 120 km de Bogotá, na base militar estadunidense de Tolemaida, os exércitos colombiano e estadunidense realizaram exercícios militares conjuntos. As forças armadas brasileiras também estiveram presentes como observadores.
As práticas simulavam uma operação de reforço aéreo entre paraquedistas estadunidenses e militares colombianos.
Não por acaso, uma das primeiras medidas do governo Bolsonaro foi buscar ceder a Base Aeroespacial de Alcântara, no Maranhão, para o Pentágono.
Março de 2020
Desde o início de 2019, Bolsonaro passou a reconhecer o autoproclamado presidente Juan Guaidó como chefe de Estado legítimo da Venezuela. No entanto, a ruptura completa das relações diplomáticas foi anunciada no dia 5 de março de 2020, com o encerramento da missão diplomática brasileira em território venezuelano.
Já no dia 7 de março, o presidente Jair Bolsonaro viajou aos Estados Unidos cumprindo uma agenda que incluiu uma reunião com o chefe da Casa Branca, Donald Trump.
No regresso, além de trazer na sua comitiva 23 pessoas infectadas com a covid-19, Bolsonaro voltou a animar manifestações para o dia 15 de março, que exigiam o fechamento do Congresso Nacional. 
No dia 26 de março, o procurador geral dos Estados Unidos William Barr acusou o presidente Nicolás Maduro e outros 13 cidadãos venezuelanos por supostos crimes de narcotráfico, lavagem de dinheiro e tráfico de armas. A denúncia foi apresentada ao Departamento de Justiça estadunidense e incluiu a oferta de uma recompensa de US$ 10 milhões pela captura do ex-militar venezuelano, Clíver Alcalá Cordones; o presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Diosdado Cabello; Hugo Carvajal, ex-diretor de inteligência da Fanb; e Tarek El Aisami, vice-presidente de Economia da Venezuela.     
Também foi março o mês previsto para o início da Operação Gedeón, de acordo com os documentos confiscados pela Força Armada Nacional Bolivariana (Fanb) e pelo depoimento de um dos mentores do plano, o ex-capitão Cliver Alcalá Cordones.
No entanto, o plano teve de ser adiado para maio, depois que um veículo com 26 fuzis AR-15 – de fabricação estadunidense e sem número de série –, 28 visores noturnos e silenciadores foram encontrados em uma caminhonete na rodovia que liga Barranquilha à Santa Marta, na Colômbia, cerca de 100 km da fronteira com a Venezuela.
Até o momento, 67 pessoas já foram detidas pelas autoridades venezuelanas por participar da conspiração. O Ministério Público do país emitiu acusações formais a 22 pessoas envolvidas, entre elas, dois cidadãos estadunidenses, Airan Berry e Luke Denman, contratados pela Silvercorp e denunciados por terrorismo, conspiração, associação criminosa e tráfico ilícito de armas de guerra.
Além disso, o governo bolivariano denunciou a invasão paramilitar numa sessão do Conselho de Segurança das Nações Unidas, no último dia 20 de maio.
Edição: Vivian Fernandes

sábado, 23 de abril de 2011

O programa nuclear iraniano e o Brasil: um perito responde a questoes

Um alto funcionário do setor nuclear brasileiro revelou-me, no ano passado, o teor de suas respostas a consultas de um pesquisador brasileiro em relações internacionais, consultando-me sobre um ou outro ponto de seu interesse. Desconheço se suas respostas foram publicadas, onde o foram, se eventualmente o foram e quanto disso tornou-se público.
Como o assunto parece ter evoluído, e como o governo brasileiro atual parece ter assumido outras atitudes -- embora os envolvidos, do governo passado, ainda teimem em defender suas posições --, o funcionário em questão autorizou-me a publicar suas respostas, enviadas em confiança.
Creio que elas refletem um conhecimento mais técnico, mas também político, das implicações do envolvimento do governo anterior com o governo iraniano e permitem detectar certas contradições nas posições de analistas (jornalistas, acadêmicos), que continuam a manter ilusões sobre a natureza exata do chamado "acordo iraniano".


A questão do programa nuclear iraniano
Funcionário governamental brasileiro do setor nuclear

1) Quais são os pontos positivos do acordo assinado entre Brasil, Irã e Turquia? E os negativos?
Em primeiro lugar, é preciso que fique bem claro que não se trata de um acordo, como a imprensa vem falando (alguns até falaram de “tratado internacional”, numa incompreensão manifesta do que sejam acordos ou tratados internacionais). Formalmente, se trata de uma simples declaração, como aliás expressamente mencionado no ato assinado pelos três ministros das relações exteriores: “Tendo-se reunido em Teerã em 17 de maio, os mandatários abaixo assinados acordaram a seguinte Declaração”. É surpreendente, assim, que jornalistas e analistas políticos continuem a falar em acordo. Pela sua forma e, sobretudo, pelo seu teor trata-se, pura e simplesmente, de uma espécie de “nota trilateral unilateral”, entendendo-se por isso uma declaração que os três ministros oferecem ao mundo num gesto de boa vontade, que serve mais para enganar os incautos, e todos aqueles propensos a acreditar em tudo o que certos dirigentes proclamam, do que para resolver de fato a questão.
Como ponto positivo, não vejo absolutamente nenhum, pois para isso teria de ter havido progressos em relação aos entendimentos que os países 5+1 vinham mantendo desde muito tempo com o Irã, e até aqui sem qualquer resultado prático. A declaração – que diz claramente que se trata de um “ponto de partida”, mera peça de papel destinada a criar a “oportunidade de começar um processo prospectivo, que criará uma atmosfera positiva, construtiva, não-confrontacional” – representa, num certo sentido, um retrocesso, já que ela remete vagamente a novas etapas de consultas e negociações para o que é um processo já suficientemente mapeado em seus contornos básicos: a necessidade de o Irã submeter o seu programa nuclear, em sua integralidade, aos controles da AIEA. Ora, o pretenso “acordo”, de fato uma declaração puramente retórica, em nenhum momento toca nessa questão crucial.
A declaração apresenta, portanto, diversos pontos negativos; pode-se dizer que ela constitui uma completa e rotunda manifestação de fracasso: o Irã continua a tergiversar em torno de seu programa nuclear, e os dois países que desempenharam esse patético papel de patrocinadores de uma operação “engana-ingênuos” se prestaram a ser manipulados por um regime que vem se colocando, por suas próprias ações, à margem da comunidade internacional. O que é preciso acrescentar, também, é que jornalistas brasileiros não sabem ler declarações, e muito menos interpretá-las.

2) Como tal negociação se insere na política externa do governo Lula?
Falar de negociação seria dar muita relevância ao que constitui, tão simplesmente, mais uma operação de pirotecnia externa de um governo que tem uma necessidade obsessiva de buscar os holofotes da mídia mundial, tão somente para construir uma falsa imagem de líder internacional para o presidente Lula. Como no caso de outras operações do gênero, de tão triste registro nos anais da diplomacia brasileira, se trata de uma cortina de fumaça em torno do nada, pois nenhum resultado concreto foi obtido, a não ser a vaga promessa de troca de combustível por urânio enriquecido, a ser hipoteticamente detalhada em eventuais negociações ulteriores.
Assim ocorreu com outras proezas antecipadas por esse governo – ingresso do Brasil no Conselho de Segurança, integração da América do Sul e conclusão das negociações comerciais multilaterais – que da mesma forma redundaram no mais completo fracasso. É lamentável ver o Brasil democrático dar seu apoio a regimes autoritários na região, como o dos irmãos Castro (aliás, um dos últimos totalitarismos remanescentes no planeta), à ditadura nascente do bufão de Caracas, para nada dizer da inacreditável solidariedade com o personalismo caudilhista de Evo Morales, que expropria investimentos brasileiros na Bolívia e é pelo menos conivente com o envio de toneladas de coca de seu país ao Brasil; sem mencionar Sudão e Coréia do Norte.
De forma geral, este governo está pronto a dar sua aprovação a qualquer gesto gratuito de ofensa aos Estados Unidos por parte dos piores regimes do planeta, por que isto faz parte de sua natureza primária, de sua essência. Não se trata do antiamericanismo “normal” do Itamaraty, que sempre foi naturalmente antiamericano, mas moderadamente; se trata do antiamericanismo exacerbado do PT e de seus patéticos seguidores no Itamaraty. Tem sido assim na região, onde sistematicamente estão sendo criados organismos que excluem expressamente os EUA de qualquer papel significativo na cooperação regional; agora se pretende também estender as mesmas posições no plano universal, em iniciativas de tal dimensão megalomaníaca que não encontram paralelos na história precedente de nossa diplomacia.

3) Por que os EUA se mostraram insatisfeitos com tal acordo? Quais os interesses secundários por de trás?
Os Estados Unidos de Obama, depois de alguma ilusão com a retórica aparentemente amistosa do Itamaraty, se deram conta do verdadeiro sentido da ação diplomática do Brasil. Em primeiro lugar, não cabe falar de “acordo”, como já explicitado acima. A declaração de Teheran, imediatamente saudada pelos seus próprios promotores como uma vitória da diplomacia – e inacreditavelmente acolhida pela imprensa mundial como uma nova era nas relações mundiais de poder, como sendo a da emergência das potências médias – teve seu conteúdo corretamente avaliado pelas principais potências ocidentais, que focaram o que ficou obscurecido no pretenso “acordo”. O essencial do dossiê iraniano se refere ao programa nuclear desse país, que as principais potências garantidoras do TNP suspeitam de ter objetivos militares, questão ainda não suficientemente esclarecida. Mas o fato, corretamente percebido pelos EUA e demais países, é que o pretenso “acordo” de Teheran não toca absolutamente nesses aspectos, e não oferece nenhuma garantia quanto ao que essas potências garantidoras do TNP demandam desde o início: a supervisão integral das atividades de enriquecimento de urânio do Irã pela AIEA, de conformidade com as disposições aplicáveis em casos similares.
Se por “interesses secundários” se entende a preocupação dessas potências com a proliferação nuclear, pode-se dizer que, efetivamente, esses são os interesses por trás das pressões que são feitas desde muitos anos em relação às atividades nucleares do Irã. Conhecendo-se o perfil dos dirigentes políticos iranianos, pode-se dizer que esses interesses, primários, no caso, e essas preocupações são perfeitamente legítimos e justificados.

4) Não é legítimo o enriquecimento de urânio iraniana para fins pacíficos? Existem violações ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear para tamanho receio dos EUA e outros países?
Há uma pressuposição ingênua – aliás comprada pelo seu valor face pelo Brasil e por grande parte da imprensa brasileira – de que o programa iraniano se destina a fins inteiramente pacíficos. Se este é o caso, por que então o país persa se empenha, desde longos anos, num jogo de gato e rato com a AIEA? A violações começam justamente pela indisponibilidade de submeter o conjunto de suas instalações, equipamentos e estoques de material aos controles da AIEA. Não por outra razão o Conselho de Segurança da ONU já aprovou resoluções tendentes a enquadrar o Irã no regime normal de não-proliferação, mas o país se recusa a colaborar com os procedimentos aplicáveis ao caso. Atividades de enriquecimento legítimo não precisam recorrer aos subterfúgios que caracterizam o Irã.

5) Existem de fato duas linhas de política externa diferentes postas em contraposição? A do dá ou desce e a da negociação?
Os termos usados pelo presidente são tão vulgares, e chulos, que não merecem qualquer comentário. A única coisa que poderia ser dita, justamente, é que as potências garantidoras do TNP vêm tentando a via da negociação, até agora sem sucesso, desde o início desse processo. O entendimento primário que o presidente mantém sobre procedimentos de política externa o fazem interpretar o mundo com essa visão maniqueísta, que na verdade apenas revela o antiamericanismo elementar que caracteriza toda a sua diplomacia.

6) A imagem do Estado brasileiro realmente se desgastou com o episódio? A ONU não sinalizou que aprova a iniciativa trilateral?
Não propriamente a do Estado brasileiro, mas certamente a da diplomacia de Lula, crescentemente identificada com o apoio insensato a regimes pouco palatáveis em diversas regiões do globo. O ridículo ativismo bolivariano no caso patético de Honduras – onde rompemos diversas tradições de nossa diplomacia, a começar pelo princípio da não-intervenção – e a inaceitável solidariedade com a ditadura castrista – em face das flagrantes violações aos direitos humanos que ocorrem num dos dois últimos totalitarismos comunistas ainda remanescentes no mundo – são apenas dois exemplos de uma diplomacia deplorável para os padrões profissionais a que estávamos acostumados no Itamaraty. Isso é o resultado do seqüestro do Itamaraty pelos interesses partidários do PT e seus instintos primários, em nítida contradição com os interesses permanentes do Brasil.
Quanto à ONU, ela ainda não se pronunciou formalmente sobre o pretenso “acordo” de Teheran. O que ocorreu foi um apoio inicial do Secretário Geral da ONU, Ban Ki Moon, provavelmente mal assessorado, ao princípio das negociações com o Irã, o que aliás os países vem conduzindo desde o início, contra a manifesta má vontade do regime iraniano.

7) Não se está dando mais importância para os agentes envolvidos do que para o próprio teor do acordo? No que se refere ao conteúdo do documento: ele é eficiente tendo em vista que apenas uma quantidade limitada de urânio será enriquecida na Turquia? E o resto que continua no território iraniano?
Esse é um ponto importante, mas os observadores ainda não parecem ter se dado conta desse aspecto: está sendo mais importância à ação diplomática do Brasil e da Turquia – que são meros intermediários para uma determinada finalidade – do que o conteúdo mesmo do assunto em causa: o programa nuclear do Irã, que resta largamente obscurecido pelas suas manobras diversionistas e obstrucionistas. É inacreditável que a diplomacia brasileira tenha se prestado ao papel de linha auxiliar de um regime que já demonstrou seu nítido desprezo pelos direitos humanos, pelas liberdades democráticas e pelo cumprimento de suas obrigações internacionais.
Quanto à operação em si, é claro que desde a oferta feita em outubro de 2009, o Irã acumulou uma quantidade superior de material nuclear do que aquela que seria supostamente colocada sob a responsabilidade da Turquia, segundo modalidades pouco claras, aliás, o que permitiria ao Irã retroceder nos supostos compromissos assumidos ao abrigo de uma declaração vaga e desprovida de qualquer mecanismo de verificação. Toda a operação, aliás, revela um amadorismo diplomático que não combina absolutamente com as tradições diplomáticas do Brasil.

8) Quais são as perspectivas futuras desta questão geopolítica?
Difícil dizer, nesta fase, mas é evidente que o Irã construiu, para si mesmo, um difícil contencioso com a comunidade internacional que pode ter desdobramentos imprevisíveis nos meses à frente. De imediato, o Irã está encaminhando o Oriente Médio em direção de uma competição nuclear que é notoriamente prejudicial aos objetivos de paz e de segurança internacionais, que devem ser defendidos por todos os países comprometidos com princípios basilares da Carta da ONU. É lamentável que a diplomacia brasileira não esteja atentando para esses aspectos potencialmente desestabilizadores da aventura nuclear iraniana, e que ela continue a emprestar seu apoio a um regime problemático desse ponto de vista.

9) Israel atacou uma embarcação com fins humanitários em alto mar. Como isto se encaixa à discussão? Fala-se que Israel possuem diversas bombas atômicas. Por que também não passa pelas mesmas pressões que o Irã? Caso seja por que não assinou o Tratado de Não-Proliferação, o que ocorreria caso o Irã denunciasse este mesmo Tratado?
O infeliz episódio do ataque israelense a barcos de uma pretensa “flotilha da liberdade” – na verdade, de militantes pró-Hamas, ou manipulados por esse movimento terrorista – não tem nada a ver com o dossiê nuclear iraniano, a não ser muito indiretamente e circunstancialmente. Israel possui, obviamente, uma capacidade nuclear, ainda que seus contornos exatos permaneçam indefinidos. Não foi Israel, contudo, que prometeu obliterar do mapa do Oriente Médio um outro Estado e sim o regime iraniano. A capacitação nuclear israelense tem, nitidamente, propósitos dissuasivos e defensivos, e Israel jamais ameaçou qualquer país vizinho com uma guerra nuclear; apenas alertou que se defenderia por todos os meios disponíveis de um ataque que colocaria em risco sua existência como Estado independente e pacífico. Não sendo signatário do TNP, Israel não tem, formalmente, de cumprir com suas obrigações, às quais se obrigou o Irã (e não vem cumprindo).
O Irã, como qualquer outro Estado soberano da comunidade internacional, tem todo o direito de denunciar e de retirar-se de qualquer tratado a que tenha aposto sua assinatura, inclusive o TNP e seu estatuto de membro da AIEA. A Coréia do Norte fez justamente isso, e se transformou em pária da comunidade internacional. Com o Irã ocorreria provavelmente o mesmo, com o elemento adicional disso servir para deslanchar uma provável corrida armamentista na região, com possíveis desdobramentos nucleares (legais e ilegais), que não contribuiriam em nada para os objetivos de estabilidade e de paz na região e de segurança estratégica, num contexto mais amplo. Todos os Estados responsáveis e os países amantes da paz deveriam estar conscientes desse fato. É lamentável que a atual diplomacia partidária do Brasil não atente para esse lado da questão: ou é muita ingenuidade, ou é má-fé; em ambos os casos, é deplorável do ponto de vista de nossas tradições diplomáticas. Como diplomata profissional, tenho vergonha de nossa atual diplomacia; acho que ela vai deixar uma herança muito negativa nos anos à frente. Será muito difícil reconstruir a confiança nas características impecáveis de nossa diplomacia antes desse governo. Na prática, o PT, com a conivência de alguns chefes do Itamaraty, a colocou ao duplo serviço de seus obscuros interesses partidários e aos de uma ideologia anacrônica.

3 de junho de 2010.