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sexta-feira, 6 de outubro de 2023

O Haiti, uma vez mais: crises recorrentes devem servir de alerta - Ricardo Seitenfus (Brasil de Fato)

O Haiti é um Estado falido, em todos os planos. Acontece...

O Haiti, uma vez mais: crises recorrentes devem servir de alerta

O espoucar de foguetes à notícia da adoção da Resolução deve ser temperado pois o mais difícil está por vir

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
  

Após meses de tergiversações o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou, por treze votos favoráveis e duas abstenções (China e Rússia), no início desta semana, uma Resolução autorizando o envio de uma missão multinacional de apoio à segurança no Haiti.

Apesar do ruído da grande imprensa internacional, dos políticos e dos diplomatas, a decisão não constitui novidade alguma pois o Haiti se tornou, para sua infelicidade, desde o início dos anos 1990, um dos principais clientes do Conselho de Segurança. Desde então nada menos de dez « Missões » da ONU foram enviadas ao país. Com distintos propósitos e instrumentos de ação.

A existência de um « rosário missioneiro » como no caso haitiano, indica e tende a comprovar que o aporte destas missões foi nulo. Mal pensadas e conduzidas, seus reiterados fracassos levam à necessidade de retornar periodicamente ao Caribe. Exatamente o que estáo correndo atualmente.

O teor da Resolução indica que a missão reunirá componentes policial e militar de países voluntários. Seu financiamento idem. Se trata de uma original e pouco comum missão « não-onusiana ». Embora autorizada pelo Conselho de Segurança, a responsabilidade será de um grupo de países, ainda indefinidos, capitaneados pelo Quênia.

Paralelamente há indicação sobre a necessidade de um acerto político entre os haitianos. Para tanto o Conselho de Segurança confia nos esforços diplomáticos e de mediação da Comunidade do Caribe  (Caricom), da qual o Haiti é membro.

Sempre é aconselhável observar e analisar o conteúdo, o contexto e a semântica das Resoluções do Conselho de Segurança. Todavia um texto é o que ele diz e também o que ele cala. Neste sentido há silêncios que falam por si. O mais importante deles é a subjacente crítica à ação da Missão das Nações Unidas para Estabilização no Haiti (Minustah) (2004-2017) cujo braço armado foi permanentemente comandado por generais brasileiros.os sucessivos governos brasileiros, o fato é que sob nosso comando, militares à serviço da Minustah e sob a bandeira das Nações Unidas, levaram ao Haiti, pela primeira vez em outubro de 2010, o vírus da cólera que infectou 800 mil pessoas e vitimou 30 mil, sobretudo camponeses da região rizícola de Artibonite, na região central do Haiti. Ainda hoje, a epidemia provoca mortes.

A máquina política, diplomática, burocrática, militar e jurídica das Nações Unidas tentou acobertar o escândalo. A presente Resolução do Conselho de Segurança ao aprovar uma missão « nao-onusiana » condena a todos, inclusive o poderoso Departamento de Operações de Paz.

Um segundo silêncio diz respeito à Organização dos Estados Americanos. Sequer mencionada, a OEA paga tributo à atuação pífia de seu Secretário Geral e aos equívocos decorrentes de seu alinhamento automático à posições equivocadas e frontalmente contrárias ao seu protagonismo em crises anteriores.

O espoucar de foguetes à notícia da adoção da Resolução deve ser temperado pois o mais difícil está por vir : fazer transitar seus propósitos para o terreno dos fatos. As recorrentes crises haitianas devem servir de alerta. Não é por acaso que o país recebeu a alcunha de « cemitério de projetos ». Considero que a antiga « Pérola das Antilhas » como o país das ilusões e inocências perdidas. Aconselho à todos cautela, prudência e caldo de galinha.

Ricardo Seitenfus foi Representante da OEA no Haiti (2009-2011) e autor de Haiti: dilemas e fracassos
internacionais
 e A ONU e epidemia de cólera no Haiti.

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Governo brasileiro pode estar relacionado com invasão paramilitar na Venezuela - Brasil de Fato

 
TENTATIVA DE GOLPE
Governo brasileiro pode estar relacionado com invasão paramilitar na Venezuela
O Brasil de Fato elaborou uma linha do tempo com ações do governo brasileiro que coincidem com planos golpistas
Michele de Mello
Brasil de Fato | Blumenau (SC) |
 21 de Maio de 2020 às 13:47

Brasil de Fato, 21/05/2020

O contrato assinado pelo deputado venezuelano Juan Guaidó com a empresa paramilitar estadunidense Silvercorp para tentar tomar o poder na Venezuela também tinha a previsão de cooperação de autoridades do Brasil. Segundo o documento, os militares dos Estados Unidos envolvidos na Operação Gedeón teriam livre acesso ao território brasileiro em caso de confronto com forças hostis ao novo regime, que seria presidido por Guaidó.
texto detalha que o espaço aéreo, terrestre e marítimo da Colômbia e do Brasil poderiam ser invadidos até mesmo sem consentimento prévio das autoridades de ambos países. 
Questionado pelo Brasil de Fato sobre a relação do governo brasileiro com a operação, o Ministério de Relações Exteriores brasileiro não respondeu até a publicação desta reportagem.

Trecho do contrato entre Guaidó e Silvercorp em que o Brasil é citado / Captura de Tela
No entanto, a citação do Brasil no contrato não é a única evidência que sugere a relação do Estado brasileiro com os planos golpistas da oposição venezuelana. 
Outubro de 2018
Segundo a reportagem da BrasilWire, representantes da Silvercorp teriam visitado o Brasil durante as eleições presidenciais de 2018. O indício seriam publicações nas redes sociais Twitter e Instagram dez dias antes do segundo turno.
Os agentes da Silvercorp teriam feito parte da segurança pessoal do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Setembro de 2019
Nos dias 6 e 7 de setembro do ano passado, o departamento federal de investigação dos Estados Unidos, FBI, ofereceu um treinamento de combate à corrupção e suborno transnacional com agentes do Ministério Público Federal (MPF) e da Corregedoria Geral da União, como revelou reportagem da Agência Pública
As articulações entre o FBI e organismos de segurança brasileiros foram fortalecidas a partir da gestão de Sérgio Moro como ministro de Justiça e Segurança Pública. 
Em seguida, já no dia 11 de setembro de 2019, representantes do Brasil, da Colômbia e dos Estados Unidos junto a outros países do chamado Grupo de Lima (Paraguai, Honduras, Costa Rica, Guatemala, Chile, entre outros) aprovaram a ativação de mecanismos do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR) contra a Venezuela.
Ao total foram 12 países do Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA) que pactuaram sancionar ex e atuais funcionários do governo do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, supostamente envolvidos em crimes de lavagem de dinheiro e narcotráfico. Além de compartilhar informações de inteligência militar e financeira, e também criar uma rede de cooperação jurídica para combater supostos crimes internacionais do gabinete do governo bolivariano.
Outubro de 2019
Pouco mais de um mês depois da ativação do TIAR, no dia 16 de outubro, foi assinado o contrato entre o deputado venezuelano Juan Guaidó, seus assessores JJ Rendón e Sergio Vergara com Jordan Goudreau, CEO da Silvercorp.
O documento teria validade de 495 dias, podendo sofrer um adendo de até 90 dias, e garantia o pagamento de US$ 212 milhões aos militares contratados para, entre outras coisas, sequestrar o presidente Nicolás Maduro e instaurar um governo comandando por uma "Junta Patriótica Restauradora".
Janeiro de 2020
No dia 20 de janeiro deste ano, foi celebrada na Colômbia a III Conferência Ministerial Hemisférica de Luta contra o Terrorismo, com a participação do secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, e de Guaidó, que havia iniciado uma nova viagem internacional em busca de apoio para seus planos desestabilizadores. 
No encontro, também estiveram representantes da Argentina, Bolívia, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, República Dominicana, Panamá, Paraguai, Peru, Santa Lúcia, Israel, México, Uruguai, Venezuela, o Comitê das Nações Unidas contra o Terrorismo e da Interpol.
Desde 2015, durante a gestão do presidente Barack Obama, a Venezuela entrou na lista dos Estados Unidos de países que contribuem com o terrorismo, junto com Cuba, Irã, Iraque, entre outras nações que sofrem sanções econômicas impostas pela Casa Branca.
Nessa Conferência, novamente Guaidó e Pompeo acusaram o governo de Nicolás Maduro de patrocinar grupos considerados terroristas, como a organização política libanesa Hezbollah e a guerrilha Exército de Liberação Nacional (ELN), da Colômbia.
Na declaração final, foi feito um acordo de redobrar esforços para combater as fontes de financiamento do que chamam de terrorismo, a partir da lavagem de dinheiro. Também renovaram o compromisso de fortalecer o controle das fronteiras, formando equipes conjuntas inclusive de investigação e inteligência financeira, a fim de localizar, rastrear, recuperar e apreender os bens de organizações consideradas criminosas em suas jurisdições.

Militares brasileiros participaram como observadores em exercícios conjuntos com forças armadas da Colômbia e dos EUA / Reprodução
Já uma semana depois, no dia 27 de janeiro, a 120 km de Bogotá, na base militar estadunidense de Tolemaida, os exércitos colombiano e estadunidense realizaram exercícios militares conjuntos. As forças armadas brasileiras também estiveram presentes como observadores.
As práticas simulavam uma operação de reforço aéreo entre paraquedistas estadunidenses e militares colombianos.
Não por acaso, uma das primeiras medidas do governo Bolsonaro foi buscar ceder a Base Aeroespacial de Alcântara, no Maranhão, para o Pentágono.
Março de 2020
Desde o início de 2019, Bolsonaro passou a reconhecer o autoproclamado presidente Juan Guaidó como chefe de Estado legítimo da Venezuela. No entanto, a ruptura completa das relações diplomáticas foi anunciada no dia 5 de março de 2020, com o encerramento da missão diplomática brasileira em território venezuelano.
Já no dia 7 de março, o presidente Jair Bolsonaro viajou aos Estados Unidos cumprindo uma agenda que incluiu uma reunião com o chefe da Casa Branca, Donald Trump.
No regresso, além de trazer na sua comitiva 23 pessoas infectadas com a covid-19, Bolsonaro voltou a animar manifestações para o dia 15 de março, que exigiam o fechamento do Congresso Nacional. 
No dia 26 de março, o procurador geral dos Estados Unidos William Barr acusou o presidente Nicolás Maduro e outros 13 cidadãos venezuelanos por supostos crimes de narcotráfico, lavagem de dinheiro e tráfico de armas. A denúncia foi apresentada ao Departamento de Justiça estadunidense e incluiu a oferta de uma recompensa de US$ 10 milhões pela captura do ex-militar venezuelano, Clíver Alcalá Cordones; o presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Diosdado Cabello; Hugo Carvajal, ex-diretor de inteligência da Fanb; e Tarek El Aisami, vice-presidente de Economia da Venezuela.     
Também foi março o mês previsto para o início da Operação Gedeón, de acordo com os documentos confiscados pela Força Armada Nacional Bolivariana (Fanb) e pelo depoimento de um dos mentores do plano, o ex-capitão Cliver Alcalá Cordones.
No entanto, o plano teve de ser adiado para maio, depois que um veículo com 26 fuzis AR-15 – de fabricação estadunidense e sem número de série –, 28 visores noturnos e silenciadores foram encontrados em uma caminhonete na rodovia que liga Barranquilha à Santa Marta, na Colômbia, cerca de 100 km da fronteira com a Venezuela.
Até o momento, 67 pessoas já foram detidas pelas autoridades venezuelanas por participar da conspiração. O Ministério Público do país emitiu acusações formais a 22 pessoas envolvidas, entre elas, dois cidadãos estadunidenses, Airan Berry e Luke Denman, contratados pela Silvercorp e denunciados por terrorismo, conspiração, associação criminosa e tráfico ilícito de armas de guerra.
Além disso, o governo bolivariano denunciou a invasão paramilitar numa sessão do Conselho de Segurança das Nações Unidas, no último dia 20 de maio.
Edição: Vivian Fernandes

segunda-feira, 13 de julho de 2015

A deseducacao brasileira nas maos de energumenos, como o reitor da UFRJ: pobre universidade, coitada da educacao brasileira

O lema que este blog tenta seguir é o de postar coisas inteligentes para suscitar debates inteligentes sobre coisas importantes para o nosso país. De vez em quando a gente se sente motivado a também postar coisas idiotas apenas para mostrar o que vai errado em nosso país, e continuar mantendo um debate inteligente sobre coisas importantes.
Algumas vezes, a gente se sente compelido a postar coisas completamente idiotas, debiloides, e nefastas, apenas como demonstração de como assuntos importantes como a educação vêm sofrendo nas mãos, e nos pés de energúmenos e aloprados, como podem ser alguns petistas particularmente idiotas.
Acredito que seja o caso deste reitor. Raras vezes na história da universidade brasileira -- mais foi o caso recentemente com o Zé do MST sendo eleito como reitor da UnB -- pessoas tão desqualificadas para o cargo se alçaram a postos de tamanha responsabilidade, o que apenas indica como o MEC, e o governo, são perfeitamente idiotas e nefastos em matéria educacional.
Como eu sempre digo, se quisermos melhorar a educação brasileira seria preciso começar por simplesmente fechar o MEC, e começar outras carreiras de professores, num esquema totalmente distinto ao que temos atualmente, e ainda assim vai demorar décadas para eliminar os últimos resquícios do freireanismo idiota nas faculdades de educação.
Não concordo com UMA SÓ PALAVRA de tudo o que vai transcrito nessa entrevista do jornal idiota Brasil De Fato com o reitor da UFRJ, mas transcrevo-a por inteiro, apenas como registro de como conseguimos descer tão baixo na escala da indigência subinteliquitual e da mistificação administrativa. O cara consegue errar em praticamente tudo o que disse.
Realmente, vai ser difícil consertar o país, com energúmenos como esse à frente de universidades.
Paulo Roberto de Almeida

“Grandes grupos econômicos estão ditando a formação de crianças e jovens brasileiros”

Em entrevista exclusiva, novo reitor da UFRJ, Roberto Leher, aponta os impactos da lógica mercantilizada sobre a educação brasileira e aponta que como grupos financeiros tentam dominar a educação pública. 
Brasil De Fato, 01/07/2015
Por Luiz Felipe Abulquerque
De São Paulo (SP)

Um grande negócio. É assim que o novo reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Leher, enxerga o novo momento da educação brasileira.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o professor titular da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRJ traça um panorama do atual estágio da educação no Brasil, e as conclusões não são nada animadoras.
Para Leher, que tomará posse nesta sexta-feira (3), os recentes processos de fusões entre grandes grupos educacionais, como Kroton e Anhanguera, e a criação de movimentos como o Todos pela Educação representam a síntese deste processo.
No primeiro caso, ocorre uma inversão de valores, em que o primordial não é mais a educação em si, mas a busca de lucros exorbitantes por meio de fundos de investimentos. No segundo, a defesa de um projeto de educação básica em que a classe dominante define forma e conteúdo do processo formativo de crianças e jovens brasileiros.
O movimento Todos Pela Educação é uma articulação entre grandes grupos econômicos como bancos (Itaú), empreiteiras, setores do agronegócio e da mineração (Vale) e os meios de comunicação que procuram ditar os rumos da educação no Brasil.
Para o professor, o movimento se organiza numa espécie de Partido da classe dominante, ao pensarem um projeto de educação para o país, organizarem frações de classe em torno desta proposta e criar estratégias de difusão de seu projeto para a sociedade.
“Os setores dominantes se organizaram para definiram como as crianças e jovens brasileiros serão formados. E fazem isso como uma política de classe, atuam como classe que tem objetivos claros, um projeto, concepções clara de formação, de modo a converter o conjunto das crianças e dos jovens em capital humano”, observa o professor.
Confira a entrevista:

Brasil de Fato - Muitos setores denunciam a atual mercantilização da educação brasileira. O que está acontecendo neste setor?
Roberto Leher - De fato há mudanças no que diz respeito a mercantilização da educação, diferente do que acontecia até 2006 no Brasil. Os novos organizadores dessa mercantilização são organizações de natureza financeira, particularmente os chamados fundos de investimento.
Como o próprio nome diz, os fundos de investimentos são fundos constituído por vários investidores, grande parte estrangeiro, como fundos de pensão, trabalhadores da GM, bancos, etc, que apostam num determinado fundo, e esse fundo vai fazer negócios em diversos países.
 
Crédito: Reprodução 
Em geral, os fundos fazem fusões, como é o caso da Sadia e Perdigão no Brasil. Mas é o mesmo grupo que também adquiri faculdades e organizações educacionais com o objetivo de constituir monopólios.
Esse processo levou a Kroton e a Anhanguera - fundo Advent e Pátria - a constituírem, no Brasil, a maior empresa educacional do mundo, um conglomerado que hoje já possui mais de 1,2 milhão de estudantes, mais do que todas as universidades federais juntas.
O que muda com essa nova forma de mercantilização da educação?
O negócio do investidor não é propriamente a educação, é o fundo. Ele investiu no fundo e quer resposta do fundo, que cria mecanismos para que os lucros dos setores que eles estão fazendo as aquisições e fusões sejam lucros exorbitantes. É isso que valoriza o fundo.
A racionalidade com que é organizada as universidades sob controle dos fundos é uma racionalidade das finanças. São gestores de finanças, não são administrados educacionais. São operadores do mercado financeiro que estão controlando as organizações educacionais.
Toda parte educacional responde uma lógica dos grupos econômicos, e por isso eles fazem articulações com editoras, com softwares, hardwares, computadores, tablets; é um conglomerado que vai redefinindo a formação de milhões de jovens.
No caso do Brasil, cinco fundos têm atualmente cerca de 40% das matrículas da educação superior brasileira, e três fundos têm quase 60% da educação à distância no Brasil.
Quais os interesses dessas grandes corporações para além do econômico?
A principal iniciativa dos setores dominantes na educação básica brasileira é uma coalizão de grupos econômicos chamado Todos pela Educação, organizado pelo setor financeiro, agronegócio, mineral, meios de comunicação, que defendem um projeto de educação de classe, obviamente interpretando os anseios dos setores dominantes para o conjunto da sociedade brasileira.
Em outras palavras, os setores dominantes se organizaram para definiram como as crianças e jovens brasileiros serão formados. E fazem isso como uma política de classe, atuam como classe que tem objetivos claros, um projeto, concepções clara de formação, de modo a converter o conjunto das crianças e dos jovens em capital humano.
Em última instância, é com isso que eles estão preocupados: em como fazer com que a juventude seja educada na perspectiva de serem um fator da produção. Essa é a racionalidade geral, e isso tem várias mediações pedagógicas.
A aparência é de que estão preocupados com a alfabetização, com a escolarização, com o aprendizado, etc. E de fato estão, mas dentro dessa matriz de classe, no sentido de educar a juventude para o que seria esse novo espírito do capitalismo, de modo que não vislumbrem outra maneira de vida que não aquela em que serão mercadorias, apenas força de trabalho.
De que maneira eles interferem nas políticas educacionais do Estado?
Como sociedade civil, os setores dominantes buscam interferir nas políticas de Estado. O Todos pela Educação conseguiu difundir a sua proposta educativa para o Estado, inicialmente por meio do Plano Nacional de Educação (PNE) - que aliás foi homenageado com o nome Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, em referência ao movimento. Com isso definiram em grandes linhas o que seria o PNE que está vigente.
Articulam por meio de leis, mas também da adesão de secretários municipais e estaduais às suas metas, aos seus objetivos. Articulam com o Estado, que cria programas, como o programa de ações articuladas, em que a prefeitura, quando apresenta um projeto para o desenvolvimento da educação municipal, tem que implicitamente aderir às metas do movimento Todos pela Educação.
Temos um complexo muito sofisticado que interage as frações burguesas dominantes, as políticas de Estado e os meios operativos do Estado para viabilizar esta agenda educacional.
Mas como se dá isso na prática?
Quando um município faz um programa de educação para a sua região, ele já deve estar organizado com base no princípio de que existe uma idade certa para educação, que os conteúdos não devem se referenciar nos conhecimentos, mas sim no que eles chamam de competências, que o professor não deve escapar deste currículo mínimo que eles estão desenvolvendo por meio de uma coerção da avaliação.
A escola que não consegue bons índices no Idep [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] é penalizada, desmoralizada, sai nos jornais, e isso cria um constrangimento que chega ao cotidiano da sala de aula, e as prefeituras pressionadas por esses índices acabam sucumbidos às fórmulas que o capital oferece. A mais importante delas é comprar sistemas de ensino, apostilas, que são fornecidos pelas próprias corporações.
O professor está em sala de aula, recebe apostilas, exames padronizadas que foram feitos pela corporação, e na prática, ao invés do professor desenvolver um papel intelectual, criador, ele tem que ser muito mais um aplicador das cartilhas, um entregador de conhecimento, e isso obviamente esvazia o papel do professor que tem consequências diretas com o processo de formação.
A formação esperada do educador não é uma formação enquanto intelectual, mas sim como alguém que sabe desenvolver técnicas para aplicar aquelas pacotes que as corporações preparam.
E há resistências a isso?
Existe um complexo de situações onde as resistências, as tensões são muito grandes, o que traz infelicidade aos professores e aos estudantes, mas tudo isso é muito difuso. As resistências acontecem na forma de lutas sindicais, quando fazem greve criticando a chamada “meritocracia”, os sistemas de avaliação.
Aparecem aqui e ali, mas é forçoso reconhecer que existe um complexo de controle sobre as escolas que restringem muito a margem de manobra dos trabalhadores da educação para desenvolverem um projeto pedagógico autônomo e crítico.
Essa situação é agravada quando a própria direção da escola, que deveria pensar como a escola se auto governa, vem sendo ressignificada como um papel de gestão. O diretor e os coordenadores são pensados como gestores na lógica de uma empresa, que deve cumprir metas, fiscalizar o cumprimento delas e tentar atingir essas metas de todas as formas.
Temos uma mudança de referências quando a própria equipe de coordenação da escola se torna uma equipe de gestores. No documento Pátria Educadora há uma possibilidade de punição dos professores que não cumprirem as metas.
Por sinal, o Pátria Educadora é um dos programas carro chefe do governo federal. Como você avalia este documento?
Não casualmente, esse documento foi elaborado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), atualmente dirigido pelo ministro Mangabeira Unger. Ele parte de um diagnóstico de que o modelo de desenvolvimento baseado em commodities se esgotou com a crise mundial, com seus preços despencando depois daquele período de ouro entre 2004 e 2009.
 
Crédito: Antônio Cruz/Agência Brasil 
Com a desvalorização dessas commodities, Mangabeira chama atenção para o fato de que o Brasil deveria buscar outra forma de inserção na economia mundial que não fosse apenas de commodities.
E a minha hipótese é que eles estão sinalizando nesse documento que o Brasil deveria ser uma espécie de plataforma de exportação, assim como já existe na fronteira norte do México, em alguns países asiáticos - o modelo chinês foi isso nos anos 90, de ser um local em que a força de trabalho é muito explorada, recebe um treinamento específico que permite uma exploração muito grande, e esses países entram em circuitos de produção industrial de maneira subalterna, explorando o que seriam sua vantagens comparativas: baixo custo de energia, da força de trabalho, baixa regulamentação ambiental, e isso daria vantagens competitivas novamente ao país.
O drama é que a concepção do Pátria Educadora tem como correspondência a ideia de que a formação da maior parte da força de trabalho no Brasil deve ser por um trabalho mais simples, e isso tem consequências pedagógicas muito grande.
Se é para formar para o trabalho simples, a maior parte das escolas podem ser instituições estruturadas para a formação de um trabalho de menor complexidade, que seria desdobrados em processos de formação técnica de cursos de curta duração, cujo exemplo mais conhecido é o Pronatec, em que grande parte dos cursos são aligeirados para a formação de uma força de trabalho simples - tanto aquela que já estará inserida no mercado quanto aquela que constitui o que podemos denominar de um exército industrial de reserva.
O documento Pátria Educadora altera a racionalidade da organização da escola quando vislumbra escolas que vão formar forças de trabalho de menor complexidade. É importante destacar que no documento encontramos uma formulação muito perigosa de enormes consequências para o futuro da educação brasileira, que é a referência que o Mangabeira faz da adoção de um modelo tipo SUS (Sistema Único de Saúde).
O que é isso?
O modelo SUS teve como objetivo assegurar o direito ao atendimento à saúde de maneira universal, e isso poderia ser feito tanto pelo órgãos públicos quanto pelas entidades privadas.
Quando Mangabeira reivindica o modelo SUS, claramente está sinalizando que a formação do conjunto da classe trabalhadora deveria ser feita em nome de uma suposta democratização, realizada tanto pelas instituições públicas quanto pelas organizações privadas.
Isso é congruente com o PNE aprovado em 2014, ao estabelecer que a verba pública é aquela utilizada nas instituições públicas, mas também em todas as parcerias público-privadas, como o FIES, PROUNI, Ciências Sem Fronteira, PRONATEC, Pronacampo, sistema S, tudo isso entra como recurso público.
 
Ministro Mangabeira Unger | Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil 
A rigor, estamos diante de uma política que pode indiferenciar as instituições públicas e privadas em detrimento do público, já que as corporações também se acercam da educação básica.
Em setembro acontecerá o 2° Encontro Nacional dos Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (Enera), em Brasília. Como o Enera se insere nesta conjuntura?
Tenho uma expectativa muito positiva em relação ao segundo Enera. No primeiro Enera tivemos a constituição de outra perspectiva pedagógica para a educação brasileira, que foi a Educação do Campo, uma conceituação do que seria uma educação pública voltada para o campo, mas com um horizonte de formação humana que ultrapassa o campo.
Foi certamente uma proposta que promoveu sínteses brilhantes entre uma perspectiva crítica que vem do campo marxista, da ideia da escola unitária, do trabalho, ao compreender que o trabalho deveria ser um elemento simbólico, imaginativo, capaz de nos constituir como seres humanos, e que portanto a escola é o lugar da cultura, da arte, da ciência, da tecnologia, e não uma instituição livresca. É uma instituição que tem interação com o mundo, com a vida, com os processos de trabalho, com a produção real da cultura em diversos espaços, como pensar no que significa a agricultura no Brasil.
Foi uma proposta pedagógica que promoveu sínteses incorporando pensamento critico marxista, tradição latino-americana de educação popular, particularmente com Paulo Freire, e criou bases para um pensamento pedagógico socialista.
O segundo Enera, a meu ver, está desafiado pela conjuntura a fazer um balanço do que foi essa mercantilização e de como o capital está tentando se apropriar do conjunto da educação básica.
Ao fazer essa reflexão, certamente o Enera vai ajudar a criar bases para uma perspectiva de educação pública unitária capaz de contrapor a educação frente à lógica de movimentos empresariais como o Todos pela Educação.
Pode haver incorporações de elementos novos na nossa reflexão sobre a pedagogia socialista que respondam desafios da ofensiva do capital, mas sobretudo respondam os anseios que estão pulsando em todo o país em torno da educação pública.
Como as últimas greves na educação?
Podemos problematizar a fragmentação das lutas pela educação, o fato de que muitas vezes são lutas econômicas e corporativas, que estão vinculadas as políticas municipais e estaduais, mas não tenho dúvidas de que essas lutas que estão pulsando no país estão enfrentando aspectos dessa pedagogia do capital, criticando a meritocracia, a racionalidade das competências e dos sistemas centralizados de avaliação, o uso de cartilhas.
Temos críticas reais a essa lógica de controle que o capital está buscando sobre a educação básica, mas precisamos sistematizar isso com outros fundamentos pedagógicos, e aprofundando a experiência que foi construída a partir do primeiro Enera.
No segundo Enera acredito que novas dimensões para essa pedagogia socialista vão ser esboçados, e não como o resultado de um processo em que os especialistas de educação do MST vão se reunir e pensar o que seria essa agenda.
Ao contrário, como resultado de uma articulação de movimentos que estão fazendo educação pública e estão buscando uma educação criativa, que estão fazendo as lutas de resistências com as greves, mobilizações, com a participação de estudantes.
Esta riqueza de produções que estão em circulação nas lutas em defesa da educação pública que podem criar uma sistematização maior. Creia condições para que possamos ampliar esta aliança entre experiências da luta urbana com as que vieram do campo, produzindo novas sínteses e novas possibilidades para que a classe trabalhadora tenha sua própria agenda para o futuro da educação pública.
É um processo longo e exigirá um esforço organizativo e intelectual de enorme envergadura. Temos que ter uma produção pedagógica mais sistematizadas, mais profunda, para criarmos a base desse pensamento pedagógico crítico, que assegure uma formação integral, mas uma educação que recusa a divisão dos seres humanos em dois grupos: um que pensa e mando, outro que executa e obedece.
Essas bases para uma proposta socialista estão sendo gestadas nas lutas, mas com o ENERA podemos ganhar um momento de qualidade no terreno da elaboração, articulação e organização em defesa desse projeto de novo tipo.