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sábado, 21 de maio de 2022

Aperfeiçoando o subdesenvolvimento do Brasil: nosso parlamentarismo deformado - Paulo Roberto de Almeida

Aperfeiçoando o subdesenvolvimento do Brasil: nosso parlamentarismo deformado

Paulo Roberto de Almeida

O Brasil vive um parlamentarismo fake: os caciques eleitorais comandam a política e a economia, isto é, o orçamento. Mas não se ocupam do lado da oferta na economia, nem dos investimentos produtivos: eles estão ali apenas para gastar, de preferência com eles mesmos. 

É uma nova modalidade do velho patrimonialismo, uma das características básicas da formação política brasileira: desta vez ele penetra o coração mesmo da governança, o processo de definição do orçamento, sem que os “comandantes” desse parlamentarismo fake tenham qualquer responsabilidade quanto à fase anterior do processo, que seria a base produtiva que deve estar na origem da criação de riquezas sobre as quais devem incidir as receitas estatais. 

O que seria apenas um desvio conjuntural da política brasileira — em vista da total incapacidade do chefe do executivo de administrar qualquer coisa e da decisão de entregar todo o processo decisório aos abutres da política— pode estar se convertendo numa nova característica da “governança” nacional, na qual a estrutura já deformada da proporcionalidade na representação se converte na base decisória essencial da política, transformando o chamado “presidencialismo de coalizão” num semi-presidencialismo de corrupção permanente. A inépcia do atual presidente conseguiu consolidar uma forma perversa de falso parlamentarismo, no qual o comando do orçamento só existe à jusante, na gastança, não à montante, isto é, na definição de bases sustentáveis para a produção de riquezas.

O Brasil pode estar criando uma forma especialmente cruel de subdesenvolvimento: a esterilização do crescimento sustentado pela extração continua das receitas do Estado, como se os abutres da política já tivessem organizado a forma de se refestelarem com o fígado do Prometeu acorrentado que é o próprio país. A nação vai agonizar assim até quando?

Até que o Brasil se converta num sistema parlamentar racional — o que exigiria uma reforma realista dos sistemas eleitoral e partidário — vamos ter de conviver com os piores “ismos” da politica: fisiologismo, nepotismo, prebendalismo, distributivismo sem consistência na produtividade, patrimonialismo extensivo, tributarismo exacerbado, extrativismo gangsterista do estamento político (uma classe em si e para si), enfim, todas as modalidades de aparelhamento corrupto dos mecanismos de governança, para finalidades de enriquecimento pessoal, sem qualquer responsabilidade quanto aos meios de produção de riqueza. 

É a quase perfeição do moto perpétuo de um sistema econômico falido por indução da política corruptora: o coroamento de nosso subdesenvolvimento autoinduzido.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 21/05/2022

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Sobre nossa miséria política atual - Paulo Roberto de Almeida

Sobre nossa miséria política atual

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

 

 

O Brasil tem muitas mazelas, um supermercado inteiro de deficiências políticas, econômicas, sociais, culturais, que foram sendo construídas ao longo dos últimos 200 anos por elites predadoras que não só continuaram o legado de atraso de 300 anos de colonização extratora (tráfico, escravidão, privilégios aristocráticos de fachada, conservadorismo reacionário antirreformista e anticientífico, patrimonialismo renitente, corporativismo, cartorialismo), mas que também acrescentaram novos fatores de atraso deliberadamente buscado: não educação, não reforma agrária, nacionalismo rastaquera, protecionismo comercial, intervencionismo estatal exacerbado, patrimonialismo reformado, corporativismo burocrático, etc.

Gostaria apenas de destacar um pequeno grande fator de nossa perda total de sentido no domínio das políticas públicas, que é a ausência completa de concepção nacional de planejamento para o desenvolvimento da nação de forma integrada e o domínio nocivo dessas políticas por um estamento parlamentar preocupado apenas com o seu enriquecimento pessoal via emendas paroquiais que destroem deliberadamente a noção de um orçamento nacional.

Neste caso, não creio que a origem do problema esteja na horripilante fragmentação partidária que infelicita o sistema político brasileiro (e que também é um problema maior), e sim o absoluto desprezo desses parlamentares por qualquer coisa que se aproxime do conceito de política pública racional: eles são uma matilha de devoradores de nacos cada vez maiores do orçamento público pela vias das muitas emendas obrigatórias ou dirigidas que constituem uma forma legal de roubar o erário, sob a forma das emendas individuais, das “de bancada” (ou seja partidárias, e todos se locupletam) e, agora, as “emendas do relator”, que constituem um assalto ilegal, imoral e amoral, pois que secretas e pouco transparentes, ao orçamento geral. Esta foi a tragédia construída nos últimos anos.

No estágio atual de nossa desgovernança figura justamente o estamento parlamentar, uma categoria que constitui uma “classe em si” e que foi contaminada pela constitucionalização das emendas compulsórias e “incontigenciáveis”, um “presente de grego” que nos foi legado por aquele gênio do mal chamado Eduardo Cunha, o corrupto que, sozinho, valia meio PT. Esse supercorrupto construiu ainda, ao lado da excrescência que já era o Fundo Partidário — um outro assalto ao orçamento público por entidades de direito privado que são os partidos, e muitos existem e são criados apenas por causa desse “fundo” —, o Fundo Eleitoral, outro assalto indecoroso aos recursos públicos pelo Estamento Político e pela pletora de partidos. 

Esse Fundo Eleitoral dispensa o estamento político de fazer caixa dois e de ficar implorando recursos aos seus capitalistas e financiadores corporativos e representou em parte a consequência involuntária da proibição empresarial de financiamento empresarial de campanhas políticas, um preconceito idiota contra o “poder econômico”, que sempre existirá, de uma forma ou de outra.

Em conclusão: todo o nosso sistema político-partidário-eleitoral e todo o processo orçamentário atuais estão eivados de deformações, assim como o sistema tributário, que se tornou um monstro irreformável e incorrigível por distorções acumuladas ao longo dos anos, aliás desde o infame “pacote de abril” dos tempos da ditadura militar (Geisel, 1977) e ainda acrescentadas pela “Constituição Contra o Brasil” (título de um livro meu, d’après Roberto Campos) de 1988.

O Brasil é um gigante acorrentado por si mesmo, uma espécie de Gulliver capturado pelos parlamentares liliputianos e condenado a ficar eternamente deitado, não em berço esplêndido, mas na praia de nossas desesperanças. 

Quase 80 anos depois do livro (aliás medíocre de Stefan Zweig), somos um “país sem futuro”, tema talvez de um novo “clássico revisitado” que pretendo escrever em 2022. 

Termino, perguntando aos nobres colegas Bolivar Lamounier e Everardo Maciel se concordariam com minha análise pessimista do quadro político-partidário e do caos financeiro-orçamentário que nos transformaram em verdadeiro Prometeu acorrentado.

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4010, 5 novembro 2021, 2 p.