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sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Sobre nossa miséria política atual - Paulo Roberto de Almeida

Sobre nossa miséria política atual

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

 

 

O Brasil tem muitas mazelas, um supermercado inteiro de deficiências políticas, econômicas, sociais, culturais, que foram sendo construídas ao longo dos últimos 200 anos por elites predadoras que não só continuaram o legado de atraso de 300 anos de colonização extratora (tráfico, escravidão, privilégios aristocráticos de fachada, conservadorismo reacionário antirreformista e anticientífico, patrimonialismo renitente, corporativismo, cartorialismo), mas que também acrescentaram novos fatores de atraso deliberadamente buscado: não educação, não reforma agrária, nacionalismo rastaquera, protecionismo comercial, intervencionismo estatal exacerbado, patrimonialismo reformado, corporativismo burocrático, etc.

Gostaria apenas de destacar um pequeno grande fator de nossa perda total de sentido no domínio das políticas públicas, que é a ausência completa de concepção nacional de planejamento para o desenvolvimento da nação de forma integrada e o domínio nocivo dessas políticas por um estamento parlamentar preocupado apenas com o seu enriquecimento pessoal via emendas paroquiais que destroem deliberadamente a noção de um orçamento nacional.

Neste caso, não creio que a origem do problema esteja na horripilante fragmentação partidária que infelicita o sistema político brasileiro (e que também é um problema maior), e sim o absoluto desprezo desses parlamentares por qualquer coisa que se aproxime do conceito de política pública racional: eles são uma matilha de devoradores de nacos cada vez maiores do orçamento público pela vias das muitas emendas obrigatórias ou dirigidas que constituem uma forma legal de roubar o erário, sob a forma das emendas individuais, das “de bancada” (ou seja partidárias, e todos se locupletam) e, agora, as “emendas do relator”, que constituem um assalto ilegal, imoral e amoral, pois que secretas e pouco transparentes, ao orçamento geral. Esta foi a tragédia construída nos últimos anos.

No estágio atual de nossa desgovernança figura justamente o estamento parlamentar, uma categoria que constitui uma “classe em si” e que foi contaminada pela constitucionalização das emendas compulsórias e “incontigenciáveis”, um “presente de grego” que nos foi legado por aquele gênio do mal chamado Eduardo Cunha, o corrupto que, sozinho, valia meio PT. Esse supercorrupto construiu ainda, ao lado da excrescência que já era o Fundo Partidário — um outro assalto ao orçamento público por entidades de direito privado que são os partidos, e muitos existem e são criados apenas por causa desse “fundo” —, o Fundo Eleitoral, outro assalto indecoroso aos recursos públicos pelo Estamento Político e pela pletora de partidos. 

Esse Fundo Eleitoral dispensa o estamento político de fazer caixa dois e de ficar implorando recursos aos seus capitalistas e financiadores corporativos e representou em parte a consequência involuntária da proibição empresarial de financiamento empresarial de campanhas políticas, um preconceito idiota contra o “poder econômico”, que sempre existirá, de uma forma ou de outra.

Em conclusão: todo o nosso sistema político-partidário-eleitoral e todo o processo orçamentário atuais estão eivados de deformações, assim como o sistema tributário, que se tornou um monstro irreformável e incorrigível por distorções acumuladas ao longo dos anos, aliás desde o infame “pacote de abril” dos tempos da ditadura militar (Geisel, 1977) e ainda acrescentadas pela “Constituição Contra o Brasil” (título de um livro meu, d’après Roberto Campos) de 1988.

O Brasil é um gigante acorrentado por si mesmo, uma espécie de Gulliver capturado pelos parlamentares liliputianos e condenado a ficar eternamente deitado, não em berço esplêndido, mas na praia de nossas desesperanças. 

Quase 80 anos depois do livro (aliás medíocre de Stefan Zweig), somos um “país sem futuro”, tema talvez de um novo “clássico revisitado” que pretendo escrever em 2022. 

Termino, perguntando aos nobres colegas Bolivar Lamounier e Everardo Maciel se concordariam com minha análise pessimista do quadro político-partidário e do caos financeiro-orçamentário que nos transformaram em verdadeiro Prometeu acorrentado.

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4010, 5 novembro 2021, 2 p.