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terça-feira, 17 de novembro de 2015

Não existem falhas de mercado, 2: uma crenca nao provada, mas disseminada - Paulo Roberto de Almeida


Não existem falhas de mercado; se falhas existem, elas são de governo, 2: uma crença não provada, mas disseminada

Paulo Roberto de Almeida
Com meus agradecimentos ao José Matias-Pereira

No primeiro artigo desta série, “Adam Smith vai ao cerrado”, eu me dediquei a comprovar a existência e o funcionamento perfeito da chamada “mão invisível” de Adam Smith – que não é uma “teoria”, como muitos acreditam e afirmam, mas se trata de uma simples constatação de bom senso – por meio de um trecho do romance-macondiano de Arnaldo Barbosa Brandão, Encaixotando Brasília, (Brasília: Verbena, 2012), que descreve, em linguagem colorida e totalmente apropriada ao assunto, como os mercados são capazes de contornar qualquer restrição imposta por governos incautos, criando, a partir do tino empresarial de microempresários improvisados, as mais surpreendentes respostas a essas “falhas de governo”, por meio do oferecimento dos mais insólitos produtos, mas que respondem a uma demanda perfeitamente configurada. Quem não teve a oportunidade de ler esse primeiro artigo, pode fazê-lo aqui: Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2015/11/nao-existem-falhas-de-mercado-se-falhas.html).
Estou lendo agora o excelente manual didático de José Matias-Pereira, Finanças Públicas: A Política Orçamentária no Brasil (3a. ed.; São Paulo: Atlas, 2006), livro que me instruiu perfeitamente bem sobre os arcanos, meandros, labirintos e procedimentos góticos, alguns até kafkianos, da nossa estrutura burocrática que preside à confecção, administração e operacionalização da política orçamentária no Brasil, que recomendo à atenção de todos os interessados nesse árido capítulo de nossas políticas públicas da área econômica, ao lado de um outro manual que também me parece excelente: Fabio Giambigi e Ana Cláudia Alem, Finanças Públicas: Teoria e Prática no Brasil (4a ed.; Rio de Janeiro: Elsevier, 2011).
E o que leio, logo no prefácio à 3a. edição de Matias Pereira? Esta frase que me parece sintomática de toda uma escola de economia – aliás de várias, mas com ênfase nas keynesianas – que me parece mais a invocação de um credo do que uma verdade objetiva e cientificamente provada:
[A] preocupação da teoria das finanças públicas (...) se articula em torno da existência das falhas de mercado que tornam necessária a presença do governo, do estudo das funções do governo, da teoria da tributação e do gasto público. (p. 16)

O autor reconhece imediatamente, na sua Introdução, seu embasamento teórico, mais uma vez um questão de adesão, mais do que de fundamentação lógica:
Destacamos neste livro a importância da teoria keynesiana para o entendimento do estudo de Finanças Públicas... (p. 29)

Pergunto: por que keynesiana? Por que não miseniana, que a precede, ou a da escola austríaca, à qual Ludwig von Mises está ligado? Acredito que se trata, com todo o respeito pelo autor, de um “defeito de fabricação”: nas faculdades brasileiras de economia se estuda exclusivamente a teoria keynesiana, que não precisa disputar com nenhuma outra qualquer espaço intelectual, ou fazer qualquer esforço de fundamentação lógica ou provar sua validade por meio de algum tipo de embasamento empírico.
Esse entendimento é corroborado imediatamente após, ao enfatizar o autor as fontes de sua abordagem das finanças públicas:
O referencial teórico deste livro está apoiado, em grande parte, na teoria das finanças públicas (Musgrave, 1959; Musgrave & Musgrave, 1989), que se articula em torno da existência das falhas de mercado que torna necessária a presença do governo, do estudo das funções do governo, da teoria da tributação e do gasto público, tendo como referência o objetivo-fim do Estado, que é o bem comum. (p. 29; ênfase acrescida PRA; os livros citados são os seguintes: Richard A. Musgrave: The Theory of Public Finance. New York: McGraw-Hill, 1959; R. A. M. e Peggy B. Musgrave: Public Finance in Theory and Practice. 5th. ed.; Singapore: McGraw-Hill, 1989)

Pode-se admitir perfeitamente que as finanças públicas estejam inextricavelmente vinculadas a ações e funções de governo, e a toda uma parafernália a isso inerente, qual seja, a tributação (mais uma prática do que uma teoria, diga-se de passagem), mas não se percebe como e por que as finanças públicas teriam de estar centradas em torno de supostas “falhas de mercado”, que não são exatamente caracterizadas. Pode-se inclusive admitir como razoável que a finalidade maior do Estado é o bem comum, embora existam fundadas dúvidas de que isso seja universal, ou essencialmente inerente ao Estado, ou a todo Estado que se conhece. Mas, admitamos que possa ser verdade, o que não torna necessariamente verdade o fato de as finanças públicas estarem articuladas em torno de supostas falhas de mercado: pode tranquilamente admitir uma suposta ação benfeitora do Estado mesmo na ausência completa de falhas de mercado – teoricamente possível, pelo menos, tanto quanto sua existência, também teoricamente admissível – ou na sua existência independente de qualquer necessidade de “teoria da tributação”.
Não se pode negar, a priori, a inexistência de “falhas de mercado” – embora minha tese, provavelmente principista e preconceituosa seja de que, precisamente, elas não existem – mas por que não admitir, ao mesmo tempo a existência de “falhas de governo”, que me parecem as mais factíveis, possíveis e passíveis de acontecerem? Não existe, contudo, ao longo do livro, uma digressão ou explicação paralela para a possível existência de “falhas de governo”, como existe uma suposição que também me parece principista e preconceituosa de que existem, sim, “falhas de mercado” que necessitam ser corrigidas pelo Estado.
Este ponto não é investigado a fundo, mas simplesmente exposto como uma situação de fato existente, sem que se investiguem as origens, as formas, os tipos e as modalidades de tais “falhas”. Uma primeira suposição transparece através da citação de uma autora brasileira em um livro sobre “planejamento no Brasil”:
... posiciona-se Lafer (1987: 15-16) no sentido de que ‘o planejamento governamental se faz necessário, não para substituir o sistema de preços (...) mas para corrigir-lhe as distorções...’ (p. 69; o livro citado é o Betty Mindlin Lafer, Planejamento no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1987)

Não se sabe, porém, quais seriam essas distorções do sistema de preços, pelo menos aquelas distorções que derivam inteiramente desse “sistema” – o que já me parece uma incongruência em si, pois não existe um sistema, e sim uma relação entre oferta e demanda, que determina um determinado preço de mercado – e não de uma intervenção de governos sobre esses preços de mercado. Parece-me existir aqui uma curiosa tendência a provar a existência de certos desequilíbrios, disfunções, ou “falhas” apenas pela afirmação de sua existência, justamente, não pela comprovação empírica, factual, dessa existência. Para a autora, como para Matias-Pereira, o equilíbrio estático de renda em um nível inferior do de pleno emprego já seria um indicativo dessas “falhas de mercado”.
A fundamentação desse entendimento do jogo econômico se baseia inteiramente na introdução de Keynes à sua Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda (1936), quando este afirma que
‘...os postulados da teoria da teoria clássica se aplicam apenas a um caso especial e não ao caso geral, pois a situação que ela supõe acha-se no limite das possíveis situações de equilíbrio. Ademais, as características desse caso especial não são as da sociedade econômica em que realmente vivemos, de modo que os ensinamentos daquela teoria seria ilusórios e desastrosos se tentássemos aplicar as suas conclusões aos fatos da experiência.’ (Keynes, A teoria geral do emprego, dos juros e da moeda. São Paulo: Atlas, 1982, p. 23; cf. p. 71 de Matias-Pereira)

Registre-se que a maior parte, senão a totalidade dos keynesianos ou dos economistas que lhe eram ou são simpáticos, partem dessa simples afirmação para decretar que a teoria clássica se aplicava apenas a um caso especial e que a teoria proposta por Keynes se conforma numa teoria geral, digno de substituir a primeira. Mas com base em quais evidências práticas Keynes poderia decretar isso? Apenas com base nos desequilíbrios observados no funcionamento das economias capitalistas de mercado a partir do entre guerras, e mais particularmente a partir de 1929-1931? Como poderia o economista britânico concluir que a sua “teoria” era a que se ocuparia de casos “gerais”, ao passo que toda a teoria clássica e neoclássica anterior havia simplesmente se ocupado de um caso “especial”? Mistério dos mistérios...
Procurei no restante do livro uma explicação para a existência das tais “falhas de mercado”, mas confessado não ter encontrado nada que saciasse a minha curiosidade. Não que não existissem afirmações auto-confirmadas desses desequilíbrios que teriam sido “descobertos” por Keynes, como por exemplo esta frase emblemática do pensamento do autor do livro:
É indiscutível (eu sublinho, PRA) a importância da contribuição de Keynes em relação ao papel dos gastos públicos como suplemento ao dispêndio privado. (...) Introduzindo o conceito ex-ante, Keynes enfatizou a diferença entre poupanças e investimento. (...) Dessa forma, quando ocorresse insuficiência de demanda, o governo deveria assumir um papel ativo de complementar os gastos privados... mesmo em obras aparentemente sem lógica imediata, como abrir e fechar buracos... (p. 72)

Registre-se, mais uma vez, que a tal “insuficiência de demanda” já seria, no conceito keynesiano (e no entendimento de Matias-Pereira), uma “falha de mercado”, que o governo, sempre no conceito de que o Estado só pode produzir o bem comum, procuraria corrigir oferecendo sua própria “poupança”. Eu não sei como os keynesianos imaginam de onde o governo vai retirar essa poupança, a menos que eles estejam entendendo gastos inflacionários, derivados de emissões de puro papel, como o equivalente de “perfeições de governo”, o que me parece inteiramente plausível.

O livro de Matias-Pereira é uma preciosidade em termos de análise das finanças públicas e do seu funcionamento no Brasil, não apenas teoricamente, mas de um ponto de vista essencialmente prático. Mas o autor ficou nos devendo uma explicação cabal de por que a teoria das finanças públicas deveria se articular em torno da existência de “falhas de mercado”, se em nenhum momento ele fornece uma descrição adequada da efetividade dessas “falhas” e, mais importante, de suas formas de atuação. Permanece aliás um mistério para mim o fato de que essas falhas, parcamente referidas e nunca explicitadas à exaustão, devam necessariamente estar no centro de uma teoria e uma prática das finanças públicas.
Minha posição, tal como exposta no título desta série, é a de que não existem as tais falhas de mercado, mas isso requer uma explicação mais fundamentada que será feita no terceiro artigo desta série.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 17 de novembro de 2015.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Falhas de mercado, falhas de governo: quais as piores? - Gary Becker

O diagnóstico é muito simples: quaisquer que sejam a magnitude e o impacto real das falhas de mercado -- que existem, não se nega -- as falhas dos burocratas de governo e dos políticos são muito piores (e geralmente maiores) e produzem efeitos bem mais prejudiciais, inclusive com efeitos mais delongados, pois é muito mais difícil, e lento, mudar leis e regulamentos, ao passo que mercados invertem suas tendências muito mais rapidamente, de maneira flexível.
Paulo Roberto de Almeida 



The Great Recession and Government Failure

When comparing the performance of markets to government, markets look pretty darn 





The Wall Street Journal,  September 2. 2011
The origins of the financial crisis and the Great Recession are widely attributed to "market failure." This refers primarily to the bad loans and excessive risks taken on by banks in the quest to expand their profits. The "Chicago School of Economics" came under sustained attacks from the media and the academy for its analysis of the efficacy of competitive markets. Capitalism itself as a way to organize an economy was widely criticized and said to be in need of radical alteration.
Although many banks did perform poorly, government behavior also contributed to and prolonged the crisis. The Federal Reserve kept interest rates artificially low in the years leading up to the crisis. Fannie Mae and Freddie Mac, two quasi-government institutions, used strong backing from influential members of Congress to encourage irresponsible mortgages that required little down payment, as well as low interest rates for households with poor credit and low and erratic incomes. Regulators who could have reined in banks instead became cheerleaders for the banks.
This recession might well have been a deep one even with good government policies, but "government failure" added greatly to its length and severity, including its continuation to the present. In the U.S., these government actions include an almost $1 trillion in federal spending that was supposed to stimulate the economy. Leading government economists, backed up by essentially no evidence, argued that this spending would stimulate the economy by enough to reduce unemployment rates to under 8%.
Such predictions have been so far off the mark as to be embarrassing. Although definitive studies are not yet available about the stimulus package's overall effects on the American economy, most everyone agrees that it was badly designed and executed. What the stimulus did produce is a sizable expansion of the federal deficit and debt.
The misdiagnosis of widespread market failure led congressional leaders, after the 2008 election, to propose radical changes in financial institutions and, more generally, much wider regulation and government control of companies and consumer behavior. They proposed higher taxes on upper-income families and businesses, and extensive controls over executive pay, as they bashed "billionaire" businessmen with private planes and expensive lifestyles. These political leaders wanted to reformulate antitrust policies away from efficiency, slow the movement by the U.S. toward freer trade, add many additional regulations in the medical-care sector, levy big taxes on energy emissions, and cut opportunities to drill for oil and other fossil fuels.
Congress did manage to pass badly designed laws concerning financial markets, consumer protection and medical care. Although regulatory discretion failed leading up to the crisis, Congress nevertheless added to the number and diversity of federal regulations as well as to the discretion of regulators. These laws and the continuing calls for additional regulations and taxes have broadened the uncertainty about the economic environment facing businesses and consumers. This uncertainty decreased the incentives to invest in long-lived producer and consumer goods. Particularly discouraged was the creation of small businesses, which are a major source of new hires.
The expansion of government resulting from the stimulus and other government programs contributed to rising deficits and growing public debt just when the U.S. faced the prospect of big increases in future debt due to built-in commitments to raise government spending on entitlements. Social Security, Medicaid and Medicare already account for about 40% of total federal government spending, and this share will grow rapidly during the next couple of decades unless major reforms are adopted.
A reasonably well-functioning government would try to sharply curtail the expected growth in entitlements, but such reform is not part of the budget deal between Congress and President Obama that led to a higher debt ceiling. Nor, given the looming 2012 elections, is such reform likely to be addressed seriously by the congressional panel set up to produce further reductions in federal spending.
It is a commentary on the extent of government failure that despite the improvements during the past few decades in the mental and physical health of older men and women, no political agreement seems possible on delaying access to Medicare beyond age 65. No means testing (as in Rep. Paul Ryan's budget roadmap) will be introduced to determine eligibility for full Medicare benefits, and most Social Security benefits will continue to start for individuals at age 65 or younger.
In a nutshell, there is little political will to reduce spending on entitlements by limiting them mainly to persons in need.
State and local governments also greatly increased their spending as tax revenues rolled in during the good economic times that preceded the collapse in 2008. This spending included extensive commitments to deferred benefits that could not be easily reduced after the recession hit, especially pensions and health-care benefits to retired government workers.
Unless states like California and Illinois, and cities like Chicago, take drastic steps to reduce their deferred spending, their problems will multiply as this spending grows over time. A few newly elected governors, such as Scott Walker in Wisconsin, have pushed through reforms to curtail the power of unionized state employees. But most other governors have been afraid to take on the unions and their political supporters.
Numerous examples illustrate government failure in other countries as well. Highly publicized are the troubles facing Greece, Portugal, Ireland, Italy and Spain that are mainly due to the growth in spending and debt of their governments prior to the 2008 crisis. Perhaps the governments of these countries, and the banks that bought their debt, expected Germany and other rich members of the European Union to bail them out if they got into trouble. Whatever the explanation, the reckless behavior by these governments will greatly harm businesses and consumers in their countries along with taxpayers of countries coming to their rescue.
The traditional case for private competitive markets goes back to Adam Smith (and even earlier writers). It is mainly based on abundant evidence that most of the time competitive markets work quite well, usually much better than government alternatives. The main reason is not that individuals in the private sector are intrinsically better than government bureaucrats and politicians, but rather that competitive pressures discipline market behavior much more effectively than government actions.
The lesson is that it is crucial to consider whether government regulations and laws are likely to improve rather than worsen the performance of private markets. In an article "Competition and Democracy" published more than 50 years ago, I said "monopoly and other imperfections are at least as important, and perhaps substantially more so, in the political sector as in the marketplace. . . . Does the existence of market imperfections justify government intervention? The answer would be no, if the imperfections in government behavior were greater than those in the market."
The widespread demand after the financial crisis for radical modifications to capitalism typically paid little attention to whether in fact proposed government substitutes would do better, rather than worse, than markets.
Government regulations and laws are obviously essential to any well-functioning economy. Still, when the performance of markets is compared systematically to government alternatives, markets usually come out looking pretty darn good.
Mr. Becker, the 1992 Nobel economics laureate, is professor of economics at the University of Chicago and senior fellow at the Hoover Institution.