Em matéria publicada em 14 de abril de 2014, nos jornais "Correio Braziliense" e "Estado de Minas", o professor Marcos Troyjo da Universidade Columbia, aponta erros estratégicos do Brasil em sua política externa para a África.
Estratégia do Brasil de investir em negócios na África não vinga - Economia - Estado de Minas
Rosana HesselParticipação da África nas exportações brasileiras cresceu menos de meio ponto percentual em nove anos |
A principal bandeira da política internacional do governo petista, o comércio Sul-Sul, tendo como uma de suas plataformas a ampliação da aliança com os países africanos, está caindo por terra. Especialistas têm cada vez mais considerado essa estratégia equivocada diante dos números mais recentes. Isso porque ela não incrementou o comércio brasileiro com a África como se esperava e ainda afastou o Brasil dos principais mercados globais, como Europa e Estados Unidos.
Depois de uma década de investidas, viagens oficiais e a intensão de perdoar quase US$ 900 milhões de dívidas de 12 países, a participação dos africanos nas exportações nacionais praticamente não sofreu alteração em uma década. Passou de 4,39%, em 2004, para 4,79% até março deste ano, conforme dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic).
Mesmo com todas as investidas no continente da outra margem do Oceano Atlântico, criando 34 embaixadas por lá desde 2003, os governos Lula e Dilma não conseguiram desenvolver o mercado como destino dos produtos industrializados brasileiros. Assim como o comércio do Brasil com o Mercosul e a América Latina dá sinais de enfraquecimento, o intercâmbio brasileiro com a África tem sido historicamente desfavorável.
As empresas brasileiras ainda têm dificuldade para investir na África. Um dos maiores investimentos brasileiros no continente, feito pela Vale na mina de Simandou, na República da Guiné, pode ir para o vinagre porque o governo daquele país sinaliza que vai suspender a licença de exploração da companhia, que possui uma joint venture com a israelense
BSGR. O comércio também é capenga. Desde 2012, os embarques nacionais acumulam quedas depois de uma leve recuperação do tombo de 14,53% em 2009, ano em que país registrou o único superávit desde 1997.
O rombo recorde da balança bilateral ocorreu no ano passado, quando a diferença entre as importações e as exportações brasileiras com os países africanos chegou a US$ 6,359 bilhões. Neste ano, o déficit acumulado de janeiro a março já soma US$ 897 milhões e a expectativa é que ele deverá superar o do ano passado. “Os produtos brasileiros não possuem competitividade e não conseguem concorrer com a qualidade dos produtos europeus, muito menos com o preço dos produtos asiáticos”, reconhece o economista da Confederação Nacional da Indústria (CNI) Flávio Castelo Branco.
Mesmo assim, na avaliação do diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI, Carlos Abijaodi, a África é estratégica para a indústria brasileira. “O Brasil precisa diversificar seus mercados para não se tornar dependente de poucos países vulneráveis a mudanças políticas e econômicas. Os investimentos na África devem ser estimulados, pois o continente ainda é pouco explorado pelas empresas brasileiras", diz ele.
ERRO DE LEITURA O professor da Universidade Columbia, em Nova York, Marcos Troyjo, lamenta o fato de a estratégia Sul-Sul ter mais componentes políticos do que econômicos. “A cooperação Sul-Sul respondeu muito mais aos anseios ideológicos do que ao real interesse econômico do Brasil. A complementariedade entre a economia do Brasil e outras do Sul é baixa. Houve, também, erro de leitura do cenário global por parte do Brasil. Acreditou-se na ascensão automática dos emergentes e o declínio permanente de EUA, Europa e Japão”, destaca Troyjo, especialista em relações internacionais e diretor do BRIC-Lab da instituição nova-iorquina.
Para ele, a estratégia de prioridade no nível Sul-Sul foi equivocada por parte do Brasil, especialmente nos discursos sobre um mundo equânime usando Mercosul, União das Nações Sul-Americanas (Unasul) ou a Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), teve poucos resultados econômicos. “Em vez de promover reformas microeconômicas internas e estabelecer robustas agências de negócios nas cidades globais da América do Norte, Europa ou Ásia, os estrategistas brasileiros julgaram de maior impacto para suas ambições multilaterais abrir postos diplomáticos em cidades como Baku, Belmopan, Basse-Terre, Castries, Conacri, Cotonou, Cartum, Gaborone, Malabo, Nouakchott e Uagadugu. Isso angariou simpatia e votos na Organização Mundial do Comércio (OMC) e outros fóruns, mas pouco fluxo de comércio”, resume.
No entanto, esse apoio teve custos, como o perdão de 80% da dívida de 12 países que possuem um débito de US$ 897,5 milhões com o Brasil. Essa iniciativa foi anunciada pela presidente Dilma Rousseff durante uma de suas visitas ao continente, no ano passado, e pelo menos cinco desses países tiveram a renegociação aprovada no Senado Federal.