E sem pagar direitos autorais.
No final do ano passado, o jornalista encarregado da revista da Federação das Indústrias do Estado de Sergipe (FIES), solicitou-me uma entrevista sobre temas da atualidade econômica brasileira. Indiquei minha preferência por uma entrevista por escrito, ou seja, e-mail, pois sei que essas gravações e transcrições nem sempre são confiáveis.
Não obstante o cuidado e o envio de uma versão editada, com pedido de fotos, tenho certeza de que ainda assim a matéria saiu com algumas imperfeições de edição, trechos suprimidos e cortes sem sentido.
Por exemplo, numa pergunta sobre os padrões de crescimento do Brasil, cortaram toda a primeira parte da frase, que diz isto: "
Esse
padrão de crescimento inclusivo foi obtido, na verdade, à custa do aumento
constante da carga tributária, por um lado, e favorecido pela bonança do
crescimento da economia mundial no período 2002-2008 e, durante todo esses anos
e até hoje, pela excepcional demanda da China e de alguns outros emergentes
pelos nossos produtos de exportação (na verdade, sobretudo primários, que
alcançaram picos de valorização jamais vistos nas últimas décadas dos mercados
mundiais)".
Em todo caso, dou aqui a indicação para a versão publicada e transcrevo no seguimento o meu arquivo, que acredito estar mais completo e mais correto sobre o que eu pretendia dizer (e disse, mas nem todos os empresários sergipanos poderão ler na íntegra essa entrevista).
Minha proposta de fronda empresarial me parece ser a única maneira de o Brasil romper não apenas o marasmo econômico atual, mas também a vergonha de seu sistema político, mas não tenho nenhuma ilusão de que tal processo venha a ocorrer no Brasil any time soon, ou ever...
Fica a proposta e sobretudo minhas ideias sobre a conjuntura de relativo declínio econômico, para não mencionar outros motivos de frustração com a nossa situação de erosão moral da atualidade.
Paulo Roberto de Almeida
Política econômica e política
externa do Brasil
Entrevista para a revista da
Federação das Indústrias do Estado de Sergipe
Paulo Roberto de Almeida
Diplomata de carreira,
Professor de Economia Política no
Centro Universitário de Brasília (Uniceub).
Respostas a questões colocadas por:
Núcleo de Informações Econômicas – NIE, FIES
Publicado, com fotos do entrevistado e sob a chamada
de capa de título
“O Brasil enfrenta a possibilidade real de estacionar
no baixo crescimento”,
1) Qual análise o senhor faz
sobre a atual Política Externa brasileira?
PRA: A política externa
brasileira atual apresenta uma combinação de duas grandes vertentes
fundamentais: de um lado, as posturas políticas do partido no poder, o PT; de
outro, as posições tradicionais da diplomacia profissional brasileira. Em
determinados temas – como nos casos das negociações comerciais multilaterais, as
questões de paz e segurança no sistema global, as relações bilaterais, em geral
– predominam as posições historicamente conhecidas da diplomacia brasileira; em
outros, em contrapartida, se destacam mais claramente as posições políticas do
PT, como nos exemplos a seguir: relações Sul-Sul; apoio a regimes
progressistas, ou de esquerda, da região e de outros continentes; visão mais
política do que comercial do processo de integração; aliança com grandes
parceiros não hegemônicos; menor ênfase nos direitos humanos e na democracia.
A atual política externa
herdou alguns traços, mas não todos, da diplomacia presidencial extremamente
ativa do presidente Lula, que se lançou em diversas iniciativas no plano
externo, trazendo aumento da presença brasileira no exterior, certo prestígio
para si próprio e para o Brasil, embora com alguns sucessos e vários fracassos
nesses empreendimentos. Dos três grandes temas prioritários de sua presidência,
nenhum deles logrou sucesso ou resultados concretos, não necessariamente por
deficiências do instrumento diplomático, mas talvez por inconsistência dos
objetivos proclamados em relação aos meios efetivamente disponíveis. Foram
eles: a conquista de uma cadeira permanente para o Brasil no Conselho de
Segurança da ONU, um tema que não parece perto de encontrar qualquer tipo de
solução, em vista dos bloqueios existentes para uma reforma da Carta e a
aceitação, por todos os parceiros – mas em especial os cinco membros permanentes
– de uma modalidade de ampliação desse órgão central no processo decisório
multilateral; a conclusão bem sucedida da rodada Doha de negociações comerciais
multilaterais da OMC, que tampouco parece encaminhar-se para um acordo
factível, tendo em vista a distância entre as pretensões dos diversos
protagonistas, seja como demandantes de maior abertura comercial nos mercados
visados, seja como desmantelamento de protecionismos setoriais ainda muito
fortes; finalmente, o reforço e a ampliação do Mercosul, tema que, na verdade,
caminhou no sentido inverso, o do aumento das salvaguardas e restrições
comerciais dentro do bloco, especialmente a partir da Argentina, e uma diluição
das normas comerciais mais importantes do bloco para acomodar o ingresso de
novos parceiros (Venezuela, Equador e Bolívia) que não se mostram dispostos a
adotar a política comercial comum.
Independente dessas
frustrações relativas, o Brasil logrou constituir novos foros de interesse do
partido no poder, como o IBAS (com África do Sul e Índia) e o Brics (com os
mesmos, mais China e Rússia), além da constituição de grupos regionais
exclusivos (como a Unasul), supostamente feitos para evitar a presença dos
Estados Unidos nas deliberações regionais.
2) Haveria riscos e lacunas
no nosso atual modelo de desenvolvimento capazes de impactar negativamente um
maior dinamismo futuro da economia?
PRA: Se algum “modelo”
existe na atual política econômica brasileira – o que é altamente duvidoso –
ele é uma combinação de velhas receitas estatizantes, dirigistas e
protecionistas, que parecem remeter o Brasil de volta a etapas históricas
ultrapassadas de seu itinerário de desenvolvimento, como nos anos 1960 a 1980,
quando o Estado representava uma parte considerável do PIB, comandava muitas
empresas estatais, várias monopólicos (como continua a ser, de fato, a
Petrobras) e intervinha, de modo muito pronunciado, nos planos empresariais de
companhias privadas. O Estado continua a comandar parte substancial do mercado
de créditos, pratica várias formas de subsídios e incentivos para setores
considerados estratégicos e pretende insular a indústria das pressões
competitivas externas, introduzindo diversas medidas protecionistas que estão
fadadas ao fracasso ou vão, justamente, comprometer a competitividade futura de
diversos setores da economia brasileira.
O Brasil possui dois
enormes problemas estruturais, para poder empreender um processo de crescimento
sustentado de sua economia: ganhos de produtividade, por um lado, o que é
dificultado pela ausência de investimentos em infraestrutura, um ambiente
regulatório hostil aos negócios privados, e uma oferta insuficiente, e
notoriamente deficiente, de capital humano, fruto de décadas de negligência com
o sistema educacional, em todos os níveis, mas especialmente no básico e no
técnico-profissional; alavancas de competitividade, por outro lado, o que seria
dado por uma tributação menos extorsiva e altamente burocratizada, pela
existência de enormes barreiras à entrada de novos competidores, pelo
protecionismo renitente e diversos outros fatores macro e microeconômicos que
dificultam a vida das empresas.
Ou seja, não existe um
modelo de desenvolvimento que se empenhe na resolução desses problemas
estruturais e o governo parece ter abandonado completamente a ideia de reformas
ambiciosas (nos planos da educação, do emprego, da estrutura fiscal, da
privatização e do próprio Estado), em troca de pequenas medidas setoriais e
improvisadas, que tornam o ambiente de negócios ainda mais imprevisível e
sujeito aos humores dos governantes. As medidas nunca são universais ou
horizontais, apenas setoriais, limitadas, temporárias, sem qualquer visão de
longo prazo.
Um modelo de
desenvolvimento credível deveria partir de pelo menos cinco premissas
indispensáveis: 1) um ambiente macroeconômico estável e favorável aos negócios
(com contas públicas ajustadas, juros baixos, inflação moderada, câmbio de
mercado, confiança na estabilidade das regras, maior poupança e investimento);
2) uma microeconomia competitiva, aberta aos negócios, sem todos esses carteis
que se traduzem em altos preços para empresas e consumidores; 3) governança de
qualidade, com justiça célere, legislação moderna, com menor arbítrio do Estado
na seleção de setores favorecido; 4) alta qualidade dos recursos humanos, não o
atual sistema que envergonha o Brasil nos exames mundiais de avaliação do
desempenho dos estudantes; 5) abertura ao comércio internacional e aos
investimentos diretos estrangeiros, não as reações protecionistas e a paranoia
do domínio estrangeiro que prevalece ainda nos espíritos e nas decisões dos
governantes.
3) Na última década, o Brasil
cresceu com um padrão de crescimento inclusivo que foi muito importante para o
desenvolvimento de um robusto mercado consumidor. No entanto, precisaremos
fazer escolhas para continuarmos com esse padrão. Na sua visão qual será o
principal desafio?
PRA: Esse padrão de
crescimento inclusivo foi obtido, na verdade, à custa do aumento constante da
carga tributária, por um lado, e favorecido pela bonança do crescimento da economia
mundial no período 2002-2008 e, durante todo esses anos e até hoje, pela
excepcional demanda da China e de alguns outros emergentes pelos nossos
produtos de exportação (na verdade, sobretudo primários, que alcançaram picos
de valorização jamais vistos nas últimas décadas dos mercados mundiais). Em
outros termos, o Brasil distribuiu, por um lado, o estoque de riqueza acumulado
em outros setores da sociedade – com cargas fiscais proporcionalmente mais
altas sobre a classe média e os empresários – e os ganhos advindos de uma
demanda externa sobre os quais o governo e o Brasil não foram em nada
responsáveis. Numa segunda fase, ocorreu também um extraordinário impulso dado
pelo governo – e estímulos concomitantes dados ao setor financeiro privado – ao
crédito ao consumidor, uma alavanca que é notoriamente insuficiente na ausência
de impulsos correspondentes do lado da oferta, ou seja, do investimento
produtivo. Com uma proporção de consumo-poupança claramente negativa – na faixa
de 83-17% –, o Brasil carece de maiores estímulos à poupança e ao investimento
privados, que só podem vir se o governo, o Estado, deixar de ser um despoupador
líquido, que absorve quase dois quintos da riqueza produzida pela sociedade,
para investir uma fração mínima dessa carga fiscal claramente extorsiva.
A primeira tarefa da
classe empresarial seria a de conter a voracidade tributária do Estado, seu
caráter nitidamente predatório sobre a riqueza social, e contribuir para a
discussão de um novo pacto social que não seja demagogicamente distributivista,
como ocorre hoje, mas que seja orientado para o investimento – basicamente
privado – e para a criação de empregos, não para a montagem de programas
assistencialistas, que até podem custar pouco no plano das despesas, mas que representam
enorme impacto no mercado de trabalho e no plano da psicologia social. O Brasil
está criando um Estado assistencialista claramente negativo do ponto de vista
de suas perspectivas futuras de crescimento sustentável e de desenvolvimento
social, pois esse Estado passará a absorver frações crescentes da riqueza
social, tornando a atividade empresarial ainda mais difícil do que já é
atualmente nas condições de tributação extorsiva e de um governo que faz
caridade com o chapéu alheio, ou seja, o do setor privado.
4) Com a reeleição de Obama
seria viável ao Brasil assinar um contrato de livre comércio com os EUA?
PRA: Isso não depende de
Obama, ainda que ele possa propor algo do gênero ao governo brasileiro; a
competência constitucional para negociar acordos comerciais, no sistema
americano, pertence ao Congresso, que delega poderes para tal ao Executivo, mas
sob condições estritas de reciprocidade e de ganhos reais de acesso a mercados.
Nas condições atuais – que não tem exatamente a ver com a crise econômica, mas
sim com atitudes políticas e postura de abertura – eu não vejo nenhuma disposição
real, de uma parte ou de outra, para o início de tal tipo de negociações,
notoriamente delicadas e difíceis em se tratando de dois grandes países cujas
economias são bem mais baseadas nos respectivos mercados internos do que no
comércio exterior. Mais recentemente, o que se tem observado, sobretudo no
Brasil, são posturas bem mais protecionistas do que de abertura comercial, o
que torna qualquer exercício nessa área altamente aleatório.
Não se deve esquecer,
tampouco, que foi exatamente a atual maioria governante no Brasil, o governo do
PT, que se esforçou para implodir a Alca, o projeto americano de uma área
hemisférica de livre comércio, sob a alegação ridícula de que se tratava bem
mais de um projeto de “anexação” (dixit Lula) do que de integração comercial.
Como consequência dessa sabotagem deliberada, os EUA assinaram diversos acordos
bilaterais de livre comércio com parceiros deste hemisfério (Chile, Colômbia,
Peru, toda a América central e todo o Caribe) e com diversos outros países em
outros continentes, ficando de fora, justamente, os membros do Mercosul e os
ditos “bolivarianos”. Ou seja, não foram os EUA que não quiseram fazer livre
comércio, foi o Brasil que se recusou a sequer considerar a hipótese. Não creio
que a disposição tenha mudado significativamente nos últimos tempos.
Em resumo, enquanto os
países da vasta bacia do Pacífico asiático (incluindo aqui alguns parceiros
latino-americanos dessa costa) se dispõem a constituir uma ampla rede de
integração produtiva, de livre fluxo de comércio, investimentos, tecnologia
nessa grande região – que deve desbancar a preeminência que teve o Atlântico
norte nos últimos cinco séculos – vários latino-americanos, entre eles o Brasil
e a Argentina, se retraem em comportamentos protecionistas incompatíveis com o
processo de globalização e com os requerimentos de uma economia moderna.
5) Esta em processo de
construção um gigantesco bloco comercial na Ásia. O Brasil e o Mercosul
poderiam se encaixar nesse bloco?
PRA: Dificilmente, a
julgar pelo que se assiste como posturas comerciais e de políticas industriais
não só do Mercosul, mas do Brasil e sobretudo da Argentina. A medidas adotadas
recentemente vão exatamente na direção contrária do que seria indicado e até
mesmo necessário para a plena inserção do Brasil nos fluxos dinâmicos da
economia mundial, isoladamente ou no contexto do Mercosul. Alguns países
latino-americanos, a exemplo do Chile, do Peru, da Colômbia ou do México, já se
preparam para participar dessa nova onda, ao firmar uma “Aliança do Pacífico”
que tem como objetivos, justamente, não apenas liberalizar o comércio
reciprocamente, mas também negociar conjuntamente sua inclusão nessa vasta rede
de negócios, de geometria variável, que mobiliza quase todos os parceiros da
bacia do Pacífico, e mesmo da Oceania e do Índico. Existem diferentes esquemas
de negociações de zonas de comércio preferencial, de acordos de livre comércio,
de simples esquemas de facilitação de negócios ou até de constituição de
joint-ventures setoriais, destinados a explorar as sinergias que poderão unir
economias tão grandes quanto a dos EUA, do China, do Japão e da Índia, outras
médias, como Indonésia e Austrália, com outras menores, como os sócios da
Asean, a Coreia do Sul, Taiwan, Cingapura, Hong Kong, e outras ainda.
Pelas medidas adotadas no
período recente, bem como pela disposição “mental” dos atuais dirigentes
brasileiros, vejo como praticamente inviável qualquer ideia ou projeto de
associação mais estreita do Brasil e do Mercosul a esse mundo dinâmico em
construção. O insulamento industrial, o protecionismo comercial, o dirigismo e
o extremo intervencionismo estatal, tal como vemos praticados atualmente no
Brasil e na Argentina, são totalmente contrários aos requerimentos de um
esforço desse tipo, como o que se vê na região da Ásia Pacífico.
6) Durante a década de 1970,
testemunhamos um dirigismo estatal na economia e a década seguinte foi
considera a "década perdida". Comparativamente, como o senhor avalia
aquele período e o atual?
PRA: Se formos examinar as
políticas adotadas antes e agora, bem como os discursos efetuados pelos
dirigentes, em cada época, é forçoso constatar uma grande identidade de visão e
de propósitos, entre os militares intervencionistas e estatizantes daquela
época, ou seja, dos anos 1970, e os atuais dirigentes identificados,
basicamente, com as mesmas doutrinas econômicas e as mesmas disposições de
governança a partir do Estado, para o Estado, com o Estado. Talvez devamos apenas
torcer para que o desregramento fiscal, os controles de capitais, as
manipulações cambiais, não nos precipitem no mesmo ambiente inflacionário e de
crise fiscal como assistimos na década seguinte, os anos 1980, quando o Brasil
retrocedeu absoluta e relativamente.
A sociedade não parece
mais aceitar descontroles inflacionários, mas ela vem aceitando, talvez de
forma inconsciente, um novo crescimento do ativismo estatal, a mesma tutela
sobre os negócios privados, a mesma tolerância com o crescimento desmesurado da
máquina pública – com o agravante do aparelhamento do Estado por um partido de
claras tendências autoritárias – e um fechamento do país à competição
internacional. Tais tendências são claramente preocupantes, e deveriam ser
objeto de clara rejeição dos empresários e de seus representantes políticos (na
verdade, em grande medida, também comprometidos com esse agigantamento do ogro
famélico em que se converteu atualmente o Estado brasileiro). Se a classe
empresarial não tomar consciência dessas tendências negativas da atual
conjuntura econômica e política brasileira, o país pode estar sendo condenado,
não, talvez, a novos desastres como os do passado, mas a uma trajetória de
crescimento medíocre, claramente insuficiente para nos elevar a novos padrões
de prosperidade coletiva e de bem-estar social.
O que, na verdade, eu
preconizo é uma fronda empresarial, que nos retire da atual situação de
morosidade no crescimento e de mediocridade na governança, para um regime
aberto, competitivo, comprometido com reformas e liberdade dos mercados. O
Estado brasileiro, que no passado já foi um indutor do desenvolvimento,
tornou-se hoje, claramente, um obstrutor do processo de crescimento sustentado.
Os empresários precisariam dar um basta na atual situação e construir uma
plataforma de reformas estruturais, de abertura econômica e de liberalização
comercial, como condição para a retomada de nossa trajetória histórica de
crescimento e de desenvolvimento.
Brasília, 5 de Dezembro de 2012