O que a guerra de agressão de Putin contra a Ucrânia significa para a Rússia, para o próprio Ocidente?
Paulo Roberto de Almeida
Pelas estatísticas do lado ucraniano, já se chegou à marca de meio milhão de perdas russas nas frentes de batalha da guerra de agressão de Putin contra a Ucrânia. Está se contando vitimas, não ainda o efeito mental que uma provável derrota militar causará na população russa. Outro tanto deve existir do lado ucraniano, onde aliás se encontram as maiores destruições materiais e perda de vidas humanas, animais e do patrimônio natural do país.
O que esse volume de perdas humanas do lado russo significa para o tirano de Moscou? Provavelmente nada.
Putin é completamente indiferente à vida das pessoas, inclusive a de seus próprios soldados. Está construindo uma bomba social que provavelmente só vai explodir depois do seu desaparecimento, quando mães, irmãs e filhas russas se derem conta da extensão das perdas individuais, além e acima dos efeitos demográficos maioresna sociedade russa.
Ele também deformou a economia da Rússia, tornando-a uma mera máquina de guerra. Para isso teve de colocar a Rússia como caudatária da economia chinesa, vinte vezes superior à do seu país, comprometendo os interesses do seu próprio povo.
A Rússia emergirá dessa guerra insana diminuída economicamente, desprezada diplomaticamente e destruída moralmente, com talvez o início de um processo de recomposição psicológica da alma eslava, deformada durante vários séculos por uma arrogante impulsão de superioridade imperialista inculcada na população por elites irresponsáveis.
Durante séculos, a psiquê russa cresceu junto com formidável extensão do império na direção da Europa, do Pacífico e das terras meridionais, em detrimento de paises e populações dominadas por uma máquina de guerra feita mais de músculos do que de inteligência. Essa foi a História.
Por uma vez, o assim chamado Ocidente, animado ao que parece por valores do Iluminismo - Direitos Humanos, Democracia, Liberdades - e por princípios do Direito Internacional - respeito à soberania de outros Estados, não interferência nos seus assuntos internos, solução pacífica de controvérsias, cooperação em prol do bem-estar dos povos - tem a chance de se opor a esse fator desestruturador da paz e harmonia das Nações que se chama imperialismo russo.
O Ocidente, enquanto conceito, não como simples realidade geográfica ou histórica, assim o fará?
Parece existir mais no plano das intenções, mas menos ainda no terreno da prática, o que resta a ser confirmado pelas ações concretas em defesa da soberania da Ucrânia e da paz e da segurança da própria Europa e do Ocidente em geral, cuja resistência na preservação dos seus mais altos interesses tem sido desafiada por duas grandes autocracias.
O mundo se encontra num desses momentos decisivos, em que tudo parece depender da vontade de alguns estadistas, em face da vontade insana de alguns dirigentes. Em 1938 essa vontade falhou e o mundo foi arrastado para a voragem que começou em 1939 e só terminou seis anos depois, na maior destruição material e humana da história da Humanidade.
Desta vez é a própria civilização que está em jogo. A Ucrânia e talvez Taiwan representam nada menos do que isso: a preservação da vida e da dignidade humanas, assim como de algumas realizações civilizatórias acumuladas ao longo dos últimos 10 mil anos. Nem todos os dirigentes ao redor do mundo têm consciência da urgência do momento e da importância que têm certos valores e princípios como os da liberdade e da dignidade humanas em face de paixões e interesses de certos personagens animados de ódio e de ambições. Isso também existe.
A guerra de Troia não está muito longe de nós. Progredimos um pouco desde então? Por vezes creio que sim, em outros momentos não. A guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia não é uma simples expressão da vingança de um déspota contra um outro povo. Pode ser algo maior, como em 1939, quando dois tiranos se uniram para destruir um Estado independente. Putin é, de fato, um novo Hitler. O Ocidente está preparado e disposto a enfrentá-lo? Veremos se desta vez será diferente, ou não. As implicações são maiores agora.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25/05/2024