O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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terça-feira, 13 de agosto de 2024

Antonio Delfim Netto (In Memoriam) - Blog José Roberto Afonso

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Atualizações da Semana
Atualização , 13/08/2024

Antonio Delfim Netto (In Memoriam)

"Antonio Delfim Netto, Professor Emérito da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, ex-ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento, faleceu, nesta segunda (12), aos 96 anos de idade. Nos três últimos cargos acima citados, teve profunda e decisiva influência nos destinos da economia brasileira durante os governos dos presidentes Emílio Garrastazu Médici e João Figueiredo, nos anos …

Keynes, crise e política fiscal (Delfim, FHC, Afonso)

Keynes, crise e política fiscal (Delfim, FHC, Afonso)
Vídeo da mesa redonda: "Keynes, crise e política fiscal: um debate necessário sobre um tema mal compreendido", evento promovido pela Fundação Fernando Henrique Cardoso realizado em 26/09/2012. O encontro foi comandado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, com exposição por José Roberto Afonso de seu livro sobre John Maynard Keynes e com uma aula do Professor e Ministro Delfim Netto. Durante uma hora e meia foram discutidos desde a …

Novos Modelos Econômicos (Delfim Netto)

Os novos modelos econômicos por Antonio Delfim Netto publicado no Valor Econômico (4/2014). "A ampliação da missão dos bancos centrais foi, até agora, a mudança mais importante para enfrentarmos as futuras crises conjunturais ínsitas ao sistema de economia de mercado, cujo codinome é 'capitalismo', e as crises estruturais produzidas pelo poder inventivo dos mercados financeiros..." delfim_netto_1Baixar

A economia política do desenvolvimento (Delfim Netto)

A economia política do desenvolvimento por Antonio Delfim Netto publicado por Ipea (2002). “Os matemáticos levam sobre nós, mortais comuns, pelo menos uma vantagem. Antes de encontrar a solução de um problema, podem demonstrar o que chamam de teorema da existência: provam que a solução existe. Descobri-la no caso concreto depende da habilidade e da capacidade do pesquisador...” a_economia_politica_do_desenvolvimentoBaixar

O problema do Café no Brasil (Delfim Netto)

O problema do Café no Brasil por Antonio Delfim Netto publicado por Estudos Avançados (2020). “É com enorme alegria e gratidão que venho a esta ilustre reunião de economistas, para celebrar um trabalho sexagenário sobre o problema do café no Brasil. 1 É difícil entender hoje, quando o valor das exportações de café representa cerca de 2% do total, e …

As oportunidades, os problemas e a estratégia para melhorar no Brasil o treinamento universitário em economia (Delfim Netto)

As oportunidades, os problemas e a estratégia para melhorar no Brasil o treinamento universitário em economia por Antonio Delfim Netto publicado por Revista Brasileira de Economia (1966). “Supõe-se neste trabalho que a tarefa básica do economista consiste em introduzir grau crescente de nacionalidade nas decisões políticas que envolvem a utilização de fatores escassos de uso alternativo, quer no setor público, …

A biblioteca de Delfim Netto (FEAUSP)

Uma viagem pela história do pensamento econômico: A biblioteca de Delfim Netto publicado por FEAUSP (2024). A exposição marca o início das comemorações dos 10 anos da abertura do acervo Delfim Netto ao público na FEAUSP, a serem celebrados em 2024.Acontece virtualmente aqui e fisicamente na Biblioteca da FEA de segunda a sexta-feira, das 7h30 às 21h30. https://abre.ai/kp56

A oportunidade perdida em meio à revolução inesperada (Lisboa) 

A oportunidade perdida em meio à revolução inesperada: a contribuição de Antonio Delfim Netto para a economia brasileira por Marcos Lisboa publicado por Estudos Econômicos (2020). "Economia é arte estranha, que navega entre a academia, o debate sobre os rumos do país e a intervenção na política pública. Nenhum economista brasileiro trafegou por essas três áreas com tamanha influência como Antonio …

Antonio Delfim Netto (Macedo)

Antonio Delfim Netto por Roberto Macedo publicado por Estudos Avançados (2001). “Uma metáfora de uso comum, Antonio Delfim Netto já teve muitos chapéus, cada um associado a uma ocupação. Ainda hoje, usa vários deles. Começou modestamente, com um boné, pois trabalhou como office-boy de uma empresa. Seu caminho educacional – do primário ao ensino médio – iniciou-se no Liceu Siqueira …

terça-feira, 11 de junho de 2024

Só dá Maria da Conceição Tavares nas redes sociais: uma presença incontornável - blog do José Roberto Afonso

Do blog do José Roberto Afonso: 

Maria da Conceição Tavares (In Memoriam)

Maria da Conceição Tavares (In Memoriam)
Desenvolvimento e Igualdade: homenagem aos 80 anos de Maria da Conceição Tavares livro organizado por João Sicsú, Douglas Portari publicado por Ipea (2010). Este livro é uma homenagem do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aos 80 anos da professora Maria da Conceição Tavares. Uma luso-brasileira cidadã do mundo. Economista brilhante e intelectual de posições firmes, sua vida é um …

Maria da Conceição Tavares: vida, ideias, teorias e política (Melo)

Maria da Conceição Tavares: vida, ideias, teorias e política livro organizado por Hildete Pereira de Melo publicado por Fundação Perseu Abramo (2019). "O Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento publica, nesta coletânea, uma seleção de textos da Professora Maria da Conceição Tavares escritos ao longo dos últimos 50 anos. Maria da Conceição Tavares construiu uma carreira acadêmica …

Além da estagnação (Tavares & Serra)

Além da estagnação: uma discussão sobre o estilo de desenvolvimento recente do Brasil por Maria da Conceição Tavares e José Serra publicado por CEPAL (2000). "O principal objetivo deste ensaio é abrir a discussão sobre as características fundamentais do desenvolvimento recente do Brasil. O debate não é estranho a outras economias da América Latina, dadas algumas semelhanças entre elas e …

Acumulação de capital e industrialização no Brasil (Tavares)

Acumulação de capital e industrialização no Brasil por Maria Conceição Tavares publicado por UNICAMP/IE (1998). Tentar articular problemas teóricos clássicos de acumulação de capital juntamente com alguns traços centrais das contribuições mais relevantes sobre problemas de acumulação oligopólica, através de uma visão não-convencional no interior da chamada ‘Teoria do Subdesenvolvimento’ , é uma tarefa que, embora inglória, não resulta (para …

A geoeconomia do império e as mutações do capital (Tavares & Metri)

A geoeconomia do império e as mutações do capital: os dois ciclos de expansão econômica dos Estados Unidos no final do século XX por Maria Conceição Tavares, Mauricio Metri publicado por Revista de Economia Política (2020). Este artigo, escrito em 2003-04, tem como objetivo analisar os dois ciclos de expansão econômica dos Estados Unidos no final do século XX e …

Tristes memórias do pacto inflacionário (Tavares)

Tristes memórias do pacto inflacionário por Maria da Conceição Tavares publicado pela Revista de Economia Política (1994). O problema fiscal que sempre obcecou os economistas de todos os matizes foi equacionado pelo professor Bulhões, com o auxílio do fiscalista Gerson Augusto da Silva, dando-lhe uma resposta satisfatória, entre 1964/1968. O fato histórico, porém, é que apesar da competência e do …

A retomada da hegemonia norte-americana (Tavares)

A retomada da hegemonia norte-americana por Maria da Conceição Tavares publicado por Revista de Economia Política (1985). "Até 1980/81 não era razoável supor que os EUA conseguissem reafirmar sua hegemonia sobre seus concorrentes ocidentais e muito menos tentar transitar para uma nova ordem econômica internacional para uma nova divisão de trabalho sob seu comando. Hoje essa probabilidade é bastante alta...” …

Ainda a controvérsia sobre a demanda efetiva (Belluzzo & Tavares)

Ainda a controvérsia sobre a demanda efetiva: uma pequena intervenção por Luiz Gonzaga de Melo Belluzzo, Maria da Conceição Tavares publicado por Revista de Economia Política (1981). "Keynes está morto. Assim o proclama - urbi et orbi - os arautos e praticantes da 'nova' ortodoxia monetarista. Keynes jamais deveria ter existido. Assim parecem desejá-lo as vestais do marxismo 'puro e …

Uma reflexão sobre a natureza da inflação contemporânea (Tavares & Belluzzo)

Uma reflexão sobre a natureza da inflação contemporânea por Maria da Conceição Tavares, Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo publicado por IE/Universidade Federal do Rio de Janeiro (1984) “O fracasso das tentativas de combate à inflação que vem sendo levadas a cabo, a caráter insatisfatório das teorias que se propõem a explicar o processo inflacionário e o recente debate brasileiro sobre …

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Em memória de José Augusto Lindgren Alves: um diplomata incomum - Gelson Fonseca Jr. (Revista do CEBRI)

Revista do CEBRI: 

Policy Papers

Em memória de José Augusto Lindgren Alves: um diplomata incomum

Homenagem ao diplomata que contribuiu para a promoção dos direitos humanos

Resumo

Memória sobre a atuação diplomática e a contribuição intelectual de José Augusto Lindgren Alves para a promoção dos direitos humanos.

Palavras-chave:

direitos humanos; Nações Unidas; Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial; Conferência de Viena sobre Direitos Humanos.
Foto: José Augusto Lindgren Alves. Por Maria Leonor de Calasans/Mediateca IEA-USP

José Augusto Lindgren Alves foi, durante cinquenta anos, funcionário diplomático de carreira, tendo ingressado no serviço exterior em 1968. Exerceu chefias na Secretaria de Estado, foi embaixador na Bulgária, Hungria e Bósnia-Herzegovina, além de cônsul-geral em São Francisco e Barcelona. Sua trajetória profissional é impecável. Porém, a memória de sua contribuição para a vida pública brasileira, se nasce na carreira, vai muito além do Itamaraty. Lindgren tornou-se uma referência necessária na defesa e na promoção dos direitos humanos no Brasil e no plano internacional. Rever seu trabalho e seu pensamento, além do tributo a um diplomata incomum, serve também para lembrar a permanente necessidade de renovar a causa que defendeu. Ele nos deixou em maio de 2022, vítima da Covid-19[1]

A sua aproximação ao tema dos direitos humanos começa quando é transferido em 1985 para a Missão do Brasil nas Nações Unidas e passa a trabalhar na Terceira Comissão da Assembleia Geral, encarregada das questões sociais. No Brasil, a luta pela democratização saíra vitoriosa, e os direitos humanos foram uma de suas bandeiras inspiradoras. O artigo 4º da Constituição de 1988 os consagrava como princípio orientador das relações internacionais do país. Não obstante, apesar do início do processo de adesão do Brasil em 1985 a pactos regionais e universais na área, a política externa ainda dava passos tímidos ao lidar com o assunto na agenda dos organismos multilaterais. Havia também dificuldade em aceitar o diálogo com as organizações não governamentais, ainda vistas como intrusas quando alertavam para violações dos direitos humanos. E a adesão a convenções não integrava automaticamente a questão no metabolismo da política externa brasileira. Faltava atualizar o discurso e o desempenho diplomático. Aí se desenha o papel crucial que Lindgren vai desempenhar.

Em Nova York, ele descobre a sua afinidade com o tema, certamente reflexo da generosidade que marcava a sua personalidade. Ao voltar para o Brasil, apresenta, em 1989, ao Curso de Altos Estudos (um requisito à promoção na carreira) uma tese pioneira – As Nações Unidas e os Direitos Humanos. Entre 1990 e 1995, comanda a Divisão de Nações Unidas, quando convence a chefia do Itamaraty de que os direitos humanos mereciam um lugar institucional de mais autoridade. Nasce, assim, o Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais, do qual Lindgren foi o primeiro diretor. Nessa função, e com a experiência prévia de ter sido um dos principais negociadores do documento final da Conferência Mundial de Direitos Humanos (ONU 1993), Lindgren teve participação ativa na preparação das posições brasileiras e nos processos negociadores das demais Conferências Globais das Nações Unidas na área social A agenda era, em certa medida, nova para a diplomacia brasileira. Íamos lidar com combate ao racismo, direitos das mulheres, assentamentos urbanos, desenvolvimento social, assuntos de interesse direto e permanente da sociedade civil. Um dos instrumentos que o Departamento de Lindgren usou para reforçar a legitimidade das posições brasileiras foi a criação de comissões que, sistemática e organizadamente, debatiam com as ONGs e os movimentos sociais quais os rumos que deveriam orientar a atuação da diplomacia brasileira nas conferências. A prática havia sido ensaiada na Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável de 1992 e, depois de plenamente implantada, serviu para transformar a maneira como o Itamaraty se aproximava da sociedade e respondia aos desafios postos pelo regime democrático. 

Lindgren tem, portanto, papel fundamental para situar a política externa na agenda internacional em que a problemática dos direitos humanos ganhava relevância crescente. Com sua tese e a produção intelectual que se seguiu, explica o tema, mostra suas implicações políticas e sociais, e, especialmente, esclarece porque interessava ao Brasil entrar, de forma aberta, no debate que se abria. A resposta diplomática teria consequências para definir a identidade internacional do país. Com a criação do Departamento, consegue que o argumento intelectual encontre solução institucional adequada. E, ao explorar caminhos novos de diálogo com a sociedade organizada, ganham consistência e legitimidade as posições diplomáticas que o Brasil levaria aos foros multilaterais. 

Ainda nesta fase, é preciso sublinhar a atuação de Lindgren, ao lado do embaixador Gilberto Saboia, outro diplomata notável, na Conferência de Viena sobre Direitos Humanos de 1993. Foram decisivos para  superar a distância de visões dos grupos que se formaram. Como lembra Benoni Belli, em expressivo depoimento, Lindgren, na delegação chefiada por Saboia, ajudou a “salvar do naufrágio a conferência” ao  encontrar fórmulas de equilíbrio aceitáveis para todos os países. E acrescenta, “a noção de legitimidade da preocupação internacional com a situação dos direitos humanos em qualquer país, um dos princípios consagrados na Declaração e Programa de Ação de Viena, tem as digitais inconfundíveis de Lindgren” (Belli 2022). A parceria se repete em 2001 na Conferência de Durban contra o racismo, que se origina de uma proposta de Lindgren, feita em 1994, na condição de membro (perito independente) da antiga Subcomissão para a Prevenção da Discriminação e Proteção de Minorias, principal órgão subsidiário da então Comissão de Direitos Humanos da ONU. A proposta foi aprovada por consenso.

Depois de Viena, a sua trajetória intelectual se consolida. Em 1994, publica Direitos humanos como tema global, prefaciado por Celso Lafer. O livro tem repercussão positiva nos meios acadêmicos e é recebido por elogio entusiasmado da professora Maria Victoria Benevides (1994) em uma resenha para a revista Lua Nova (da qual, aliás, ele se torna colaborador frequente). Nessa fase, suas reflexões são especialmente voltadas para a dimensão multilateral do debate. Livros como Arquitetura internacional dos direitos humanos (Alves & Bicudo 1997) e Relações Internacionais e temas sociais: a década das conferências (2001) se tornam, pela combinação de conhecimento, rigor e sensibilidade diplomática, textos de consulta obrigatória para quem estuda a evolução da diplomacia brasileira de direitos humanos. A partir dos anos 2000, Lindgren amplia o horizonte de seus interesses para além da dimensão diplomática. Começa a olhar para os direitos humanos como uma questão civilizacional, envolvendo escolhas que definiram os rumos da  modernidade. Impressiona a maneira como Lindgren dialoga com os clássicos, como Weber, Marx e Hannah Arendt, e os pensadores modernos, como Bobbio, Zizek, Lyotard, Alain Badiou, Derrida, Amartya Sen, Bernard-Henry Levy e, entre os brasileiros, Abdias Nascimento, Flávia Piovesan, Celso Lafer e Paulo Sergio Pinheiro. Dois livros marcam o período – Os direitos humanos e a pós-modernidade (2005) e É preciso salvar os direitos humanos! (2018)[2]

A participação em reuniões e comitês das Nações Unidas deu a ele prestígio pessoal e respeito internacional. Assim, entre 2002 e 2017, foi eleito e reeleito para sucessivos mandatos como perito do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD), o órgão formado por especialistas independentes encarregado de monitorar a implementação, pelos Estados-parte, de suas obrigações sob a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, em vigor desde 1968. Entre 2018-2020, Lindgren foi designado secretário-executivo do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul (IPPDH). A presença no CERD ofereceu um lugar privilegiado para acompanhar e opinar sobre as transformações na pauta de direitos humanos e suas implicações para as instituições multilaterais. Viu por dentro como funciona um órgão multilateral e escreveu artigos notáveis sobre os limites das instituições para aplicar as normas e resoluções na área de direitos humanos e as dificuldades para lidar com os conflitos de interpretações sobre o seu alcance. 

A coletânea de artigos que selecionou para o seu último livro abrange um amplo arco temporal, 1996 a 2018, e, por isso, é um registro valioso do balanço que faz Lindgren da história da luta pelos direitos humanos que começa em 1948 com a Declaração Universal. Ele sublinha as conquistas visíveis. Os direitos da mulher foram reconhecidos como integrantes dos direitos humanos universais; impôs-se o respeito aos homossexuais (e agora à comunidade LBGTQIA+); a escravidão foi equiparada aos crimes contra a humanidade; a expressão afrodescendentes se firmou nos foros internacionais. No âmbito do direito brasileiro, os crimes contra a honra deixaram de ser aceitos; aboliram-se conceitos de filhos bastardos e adulterinos; o próprio adultério deixou de ser crime; a união homoafetiva foi reconhecida como entidade familiar, regida pelas mesmas regras que se aplicam à união estável de casais heterossexuais; iniciaram-se as ações afirmativas para compensar desigualdades históricas. Cada uma dessas conquistas tem uma história própria, singular. Porém, a inspiração universalista dos direitos humanos, ao criar uma moldura ideológica consistente em defesa da dignidade individual, está presente em todas. 

A história de conquistas não iludiu o sentido realista das percepções de Lindgren, e os mais recentes escritos trazem uma medida de desencanto. Não por acaso, o título do último livro soa como um apelo: “é preciso salvar os direitos humanos!”. 

A história de conquistas não iludiu o sentido realista das percepções de Lindgren, e os mais recentes escritos trazem uma medida de desencanto. Não por acaso, o título do último livro soa como um apelo: “é preciso salvar os direitos humanos!”. Ele explica as razões essenciais da necessidade e da urgência de agir. Mostra como os consensos de Viena se tornaram frágeis e há sinais de retrocesso em conquistas que pareciam garantidas. Sublinha que a criação de uma frondosa burocracia multilateral no campo dos direitos humanos torna difícil acompanhar o que fazem os muitos órgãos e agências e, sobretudo, cobrar-lhes eficácia. Examina como emergem sinais e práticas de intolerância e xenofobia em sociedades que estiveram na vanguarda da promoção dos direitos humanos. O episódio das torturas em Guantánamo é analisado e suas consequências, medidas. A isto se soma o essencialismo multiculturalista, que traz o risco de fragmentar a perspectiva essencialmente universalista que Lindgren defendia como a plataforma necessária para organizar a melhor defesa dos direitos humanos. Ele oferece contribuições significativas para mostrar como as pautas identitárias, válidas em si, devem ter a abrangência para fertilizar e reforçar a luta que seria essencialmente universal. Teve a coragem intelectual para enfrentar questões conceituais intrincadas e socialmente polêmicas. São sempre equilibradas e sensíveis as respostas que sugere.

A soma de experiências de Lindgren é única; não houve outros brasileiros que tenham atuado em tantas frentes na luta pelos direitos humanos. Como diplomata, foi pioneiro para compreender o tema e formular a política externa brasileira de direitos humanos. Percebeu a necessidade de mudanças institucionais e liderou a sua implantação. Formou diplomatas. Negociou textos fundamentais que tecem os padrões contemporâneos da legitimidade internacional. Colaborou ativamente para a redação do I Plano Nacional de Direitos Humanos. O que aprendeu como diplomata é elaborado em reflexões conceitualmente sólidas que ficaram registradas em livros e artigos, sempre lidos com proveito. Tornou-se, por mérito pessoal, perito de órgão das Nações Unidas e olha por dentro o sistema multilateral e suas limitações. Divulga o que sabe em dezenas de intervenções em seminários, entrevistas, palestras e, recentemente, webinars.  O reconhecimento público se exprime quando recebe o Prêmio Nacional Heleno Fragoso de Direitos Humanos em 2001 e a Medalha Sergio Vieira de Mello, de Direitos Humanos e Direito Humanitário, em 2013. 

É exatamente a diversidade da experiência e a maneira como a viveu que o tornam um diplomata incomum. Foi além do Itamaraty, serviu à política externa e serviu ao país. Teve autoridade quando falava de direitos humanos. Deixa uma obra intelectual importante, mas deixa sobretudo um exemplo de integridade na dedicação a uma causa necessária quando se pensa em mundo mais igual, mais tolerante, melhor. Seu legado fica “à disposição da cidadania para a obtenção do avanço social com justiça (Alves 2018, 11).”  

Notas

[1] Agradeço os comentários de Celso Lafer, Benoni Belli e Silvio Albuquerque, que enriqueceram o texto. Eram amigos de Lindgren e, cada um à sua maneira, contribuiu para a história da promoção dos direitos humanos no Brasil. 

[2] Parte desta memória é baseada no prefácio que fiz para o livro. 

Referências Bibliográficas

Alves, José Augusto Lindgren. 1989. As Nações Unidas e os direitos humanos. Tese apresentada no Curso de Altos Estudos do Instituto Rio-Branco. 

Alves, José Augusto Lindgren. 1994. Os direitos humanos como tema global. São Paulo: Editora Perspectiva. 

Alves, José Augusto Lindgren. 2001. Relações internacionais e temas sociais: a década das conferências. Brasília: Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI). 

Alves, José Augusto Lindgren. 2005. Os direitos humanos na pós-modernidade. São Paulo: Perspectiva. 

Alves, José Augusto Lindgren. 2018. É preciso salvar os direitos humanos! São Paulo: Perspectiva. 

Alves, José Augusto Lindgren & Hélio Pereira Bicudo. 1997. Arquitetura internacional dos direitos humanos. São Paulo: FTD Educação.  

Belli, Benoni. 2022. “José Augusto Lindgren Alves: diplomata e intelectual público”. International Law Agendas, 6 de janeiro de 2022. http://ila-brasil.org.br/blog/jose-augusto-lindgren-alves/.  

Benevides, Maria Victoria de Mesquita. 1994. “Os direitos humanos como valor universal”. Lua Nova 34: 179-195. https://doi.org/10.1590/S0102-64451994000300011.  

Nações Unidas. 1993. Vienna Declaration And Programme Of Action. World Conference On Human Rights, Vienna, 14 a 25 de junho de 1993. https://www.ohchr.org/en/about-us/history/vienna-declaration.  

Recebido: 26 de outubro de 2022

Aceito para publicação: 11 de novembro de 2022 

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sábado, 28 de maio de 2022

José Augusto Lindgren Alves, In Memoriam - Gilberto Vergne Saboia


 Linda homenagem do embaixador Gilberto Saboia ao nosso colega recentemente falecido, autor de muitos livros de direitos humanos e diplomata especializado nessa área, como destacado nesta digna mensagem de adeus a um grande diplomata, amigo sincero. Escrevi algumas resenhas de seus livros, que transcreverei em próximas postagens.

Paulo Roberto de Almeida

Mensagem do embaixador Gilberto Saboia na lista da Associação dos Diplomatas Brasileiros (ADB), em 27/05/2022:

Queridos colegas e amigos,
Com grande pesar recebi a notícia do falecimento do grande amigo e companheiro de jornadas profissionais, Embaixador José Augusto Lindgren Alves. Ele exerceu muitos postos em sua carreira diplomática, sempre com sucesso e brilho. Mas foi no âmbito da diplomacia multilateral onde se notabilizou e, mais particularmente, nos temas de direitos humanos e questões sociais. José Augusto foi um dos primeiros chefes da Divisão de Direitos Humanos e o primeiro chefe do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais, onde ficou vários anos, durante o período em que se sucederam as grandes conferências internacionais sobre direitos humanos e temas sociais que marcaram a década dos anos 90. 
Foi o condutor, no Itamaraty, da preparação dessas conferências e se esmerou na articulação com os demais órgãos governamentais brasileiros interessados, sem excluir os poderes legislativo e judiciário e o ministério público. Estávamos, convém lembrar, num período de entusiasmo com o exercício das liberdades de associação e de promoção de uma democracia mais inclusiva, oriundos da Constituição de 1988. Espero que esta chama volte a brilhar . Seu dom de comunicação facilitou o diálogo com a sociedade civil que passou a se incorporar na preparação das conferências . 
Nossa amizade e proximidade se reforçaram durante a preparação e realização da Conferência Mundial de Direitos Humanos de 1993, em Viena. Nessa conferência coube-me o delicado papel de presidir o Comitê de Redação, órgão ao qual incumbia negociar a declaração e o plano de ação, longos textos que estavam eivados de graves divergências. Busquei sem sucesso atrair algum delegado de outro pais para dividir o encargo dirigindo um grupo para avançar o exame do plano de ação. Finalmente o José Augusto assumiu o papel de coordenador do Plano de Ação, com o que deu uma contribuição inestimável a que fosse alcançada a aprovação consensual dos documentos, garantindo o êxito da Conferência.
José Augusto exerceu também cargos eletivos em órgãos de peritos da ONU como o Comitê sobre Eliminação da Discriminação Racial (CERD) . 
Outro capítulo importante da sua trajetória foi o extenso número de obras que publicou sobre os temas de sua especialidade e sua disponibilidade para dar palestras e realizar seminário com o ânimo de compartilhar seus conhecimentos e sua experiência. Associo-me ao tributo que, merecidamente lhe dedicou FUNAG. 
José Augusto era de fácil comunicação e tinha uma alegria contagiante… 
Meus sentidos pêsames a sua esposa Edna e a sua filha Juliana .
Sinceramente,
Gilberto Saboia