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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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terça-feira, 11 de junho de 2024

Só dá Maria da Conceição Tavares nas redes sociais: uma presença incontornável - blog do José Roberto Afonso

Do blog do José Roberto Afonso: 

Maria da Conceição Tavares (In Memoriam)

Maria da Conceição Tavares (In Memoriam)
Desenvolvimento e Igualdade: homenagem aos 80 anos de Maria da Conceição Tavares livro organizado por João Sicsú, Douglas Portari publicado por Ipea (2010). Este livro é uma homenagem do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aos 80 anos da professora Maria da Conceição Tavares. Uma luso-brasileira cidadã do mundo. Economista brilhante e intelectual de posições firmes, sua vida é um …

Maria da Conceição Tavares: vida, ideias, teorias e política (Melo)

Maria da Conceição Tavares: vida, ideias, teorias e política livro organizado por Hildete Pereira de Melo publicado por Fundação Perseu Abramo (2019). "O Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento publica, nesta coletânea, uma seleção de textos da Professora Maria da Conceição Tavares escritos ao longo dos últimos 50 anos. Maria da Conceição Tavares construiu uma carreira acadêmica …

Além da estagnação (Tavares & Serra)

Além da estagnação: uma discussão sobre o estilo de desenvolvimento recente do Brasil por Maria da Conceição Tavares e José Serra publicado por CEPAL (2000). "O principal objetivo deste ensaio é abrir a discussão sobre as características fundamentais do desenvolvimento recente do Brasil. O debate não é estranho a outras economias da América Latina, dadas algumas semelhanças entre elas e …

Acumulação de capital e industrialização no Brasil (Tavares)

Acumulação de capital e industrialização no Brasil por Maria Conceição Tavares publicado por UNICAMP/IE (1998). Tentar articular problemas teóricos clássicos de acumulação de capital juntamente com alguns traços centrais das contribuições mais relevantes sobre problemas de acumulação oligopólica, através de uma visão não-convencional no interior da chamada ‘Teoria do Subdesenvolvimento’ , é uma tarefa que, embora inglória, não resulta (para …

A geoeconomia do império e as mutações do capital (Tavares & Metri)

A geoeconomia do império e as mutações do capital: os dois ciclos de expansão econômica dos Estados Unidos no final do século XX por Maria Conceição Tavares, Mauricio Metri publicado por Revista de Economia Política (2020). Este artigo, escrito em 2003-04, tem como objetivo analisar os dois ciclos de expansão econômica dos Estados Unidos no final do século XX e …

Tristes memórias do pacto inflacionário (Tavares)

Tristes memórias do pacto inflacionário por Maria da Conceição Tavares publicado pela Revista de Economia Política (1994). O problema fiscal que sempre obcecou os economistas de todos os matizes foi equacionado pelo professor Bulhões, com o auxílio do fiscalista Gerson Augusto da Silva, dando-lhe uma resposta satisfatória, entre 1964/1968. O fato histórico, porém, é que apesar da competência e do …

A retomada da hegemonia norte-americana (Tavares)

A retomada da hegemonia norte-americana por Maria da Conceição Tavares publicado por Revista de Economia Política (1985). "Até 1980/81 não era razoável supor que os EUA conseguissem reafirmar sua hegemonia sobre seus concorrentes ocidentais e muito menos tentar transitar para uma nova ordem econômica internacional para uma nova divisão de trabalho sob seu comando. Hoje essa probabilidade é bastante alta...” …

Ainda a controvérsia sobre a demanda efetiva (Belluzzo & Tavares)

Ainda a controvérsia sobre a demanda efetiva: uma pequena intervenção por Luiz Gonzaga de Melo Belluzzo, Maria da Conceição Tavares publicado por Revista de Economia Política (1981). "Keynes está morto. Assim o proclama - urbi et orbi - os arautos e praticantes da 'nova' ortodoxia monetarista. Keynes jamais deveria ter existido. Assim parecem desejá-lo as vestais do marxismo 'puro e …

Uma reflexão sobre a natureza da inflação contemporânea (Tavares & Belluzzo)

Uma reflexão sobre a natureza da inflação contemporânea por Maria da Conceição Tavares, Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo publicado por IE/Universidade Federal do Rio de Janeiro (1984) “O fracasso das tentativas de combate à inflação que vem sendo levadas a cabo, a caráter insatisfatório das teorias que se propõem a explicar o processo inflacionário e o recente debate brasileiro sobre …

segunda-feira, 10 de junho de 2024

Morre Conceição Tavares, um ícone do desenvolvimentismo - Mauricio David

Morre Conceição Tavares, um ícone do desenvolvimentismo

Nascida em Portugal, e no Brasil desde 1954, lecionou na UFRJ e colaborou com a Cepal. Faleceu em Nova Friburgo (RJ), aos 94 anos

 

Talvez um dos maiores méritos da economista Maria da Conceição Tavares, que faleceu sábado (8) em Nova Friburgo, aos 94 anos, tenha sido sua inesgotável capacidade de provocar polêmica e conseguir levar adiante debates sobre política e economia que, de outra forma, poderiam ficar restritos a pequenos grupos ou mesmo passar desapercebidos, sem influenciar políticas públicas e decisões governamentais.

Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) durante muitos anos, inclusive depois de aposentada, autora de livros adotados em muitos cursos de economia e de artigos publicados durante 12 anos pelo jornal "Folha de S. Paulo", Conceição Tavares teve entre seus alunos alguns dos economistas que dirigiram as finanças do país desde a redemocratização do Brasil depois do regime militar. Com alguns desses ex-alunos e colegas, manteve polêmicas públicas e ferozes, sobretudo com economistas liberais.

Dona de uma personalidade marcante, com tom de voz e sotaque inconfundíveis, controversa, debatedora incansável, ao mesmo tempo em que ganhou adversários na economia e na política, ela também colecionou admiradores, economistas em sua maioria, que prezavam a agudeza das suas críticas e a fidelidade às suas convicções, desprezando modismos do pensamento econômico.

Conceição Tavares - chamada simplesmente de Maria por alguns dos amigos mais próximos - conviveu com a maior parte dos economistas de renome do país durante a segunda metade do século XX e os primeiros anos deste século e deixou sua marca não apenas como uma espécie de "agitadora" de ideias, mas também pelo seu pioneirismo em estudar temas como a industrialização no Brasil e a ênfase, que ela considerava exagerada, no mercado financeiro.

Maria da Conceição de Almeida Tavares nasceu na cidade de Anádia, em Portugal, no dia 24 de abril de 1930. Licenciou-se em matemática na Universidade de Lisboa. Um ano depois de formada, em 1954, mudou-se para o Brasil, tendo se naturalizado brasileira poucos anos depois, em 1957.

Em uma entrevista à revista "Praga", explicou sua decisão de migrar: "Quando saí de Portugal, em 1954, os problemas lã eram democracia, humanismo, terror. Já no Brasil, eram a injustiça social, o atraso e a presença do imperialismo. Quando entrei para o (então ) BNDE, aluna de economia ainda, deparei-me com as estatísticas: esse país é uma desigualdade só. Compreendi, então, as dificuldades das tentativas de construção de uma democracia nos trópicos."

No banco que é hoje o BNDES, ela trabalhou como analista, entre 1958 e 1960 
(na verdade, como estagiária e um curto período como analista, não como afirmou errônea e mentirosamente o Aloizio Mercadante como “ocupando altas funções no Banco” (MD) - ano em que terminou a Faculdade de Ciências Econômicas na então Universidade do Brasil. Imediatamente, passou a dar aulas ao mesmo tempo em que fazia seu curso de pós-graduação em desenvolvimento econômico na Comissão Econômica para América Latina (Cepal). (Na verdade, o curso era na Comissão Mista CEPAL/BNDES, aqui no Rio de Janeiro, então dirigida pelo grande economista chileno e cepalino Aníbal Pinto (MD)”.

Foi colaboradora da Cepal entre 1961 e 1974. Em 1973, foi uma das fundadoras do primeiro curso de pós-graduação em economia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Obteve doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 1975, defendendo a tese "Acumulação de capital e industrialização no Brasil". Com a aposentadoria de Octavio Gouvêa de Bulhões, três anos depois, tornou-se professora titular na UFRJ.

Também foi uma das criadoras do Instituto de Economistas do Rio. Em 1980, formalizou sua participação política filiando-se ao PMDB. Na entrevista à revista "Praga", comentou da seguinte forma sua decisão de entrar no partido:

"Minha militância no PMDB durou de 1978 a 1988 e está indissoluvelmente ligada a duas personalidades públicas deste país: Ulysses Guimarães e Fernando Henrique Cardoso. O primeiro, Deus levou antes de testemunhar a ruína do seu partido e o apodrecimento da grande frente democrática que liderou durante tantos e tantos anos, nessa travessia infindável para a democracia. O segundo foi meu companheiro da luta político-intelectual por décadas. Quando saiu para fundar o PSDB não o acompanhei porque o grupo de economistas do PMDB permaneceu fiel a Ulysses, já que era sob sua serena condução que nos movíamos. Foi na sua ala, a Travessia, que nos reuníamos para discutir, organizar programas econômicos e debater com os quadros técnicos e cúpulas políticas do partido."

No governo de FHC - a quem Conceição Tavares continuava a tratar como Fernando, mesmo durante seu tempo na Presidência da República - ela foi dura crítica da política econômica, em especial no que se referia à decisão de manter as taxas de juros elevadas e o real, sobrevalorizado.

Na época em que o então presidente do Banco Central, Gustavo Franco, saiu do governo, Conceição Tavares, então deputada, fez em discurso no Congresso em que afirmou que o presidente Fernando Henrique deveria ter demitido Franco quando disse que não subiria os juros e acabou aumentando a taxa, em setembro, para 50%.

"Ali ele tinha que ter demitido esse menino", disse. Concluiu seu discurso de protesto no plenário afirmando que a "desvalorização cambial decretou a falência da política econômica do governo".


Na primeira metade dos anos 1980, Conceição Tavares ganhou maior notoriedade fora dos meios acadêmicos ao publicar uma série de trabalhos criticando a política econômica do governo. São dessa época seus livros "A economia política da crise: problemas e impasses da política econômica brasileira"* ( na verdade, de minha co-autoria junto com a Conceição. Nesta época, a Conceição resolveu assumir a Presidencia do Instituto de Economistas do Rio de Janeiro- IERJ ( o presidente anterior havia sido o economista Pedro Malan, odiado pelo Delfim porque crítico da política econômica do regime militar) e me convidou para colaborar com a sua gestão. Lá pelas tantas, resolvemos no Instituto organizar um Encontro de Economistas, primeira reunião aberta deste tipo, possível com a abertura política no Brasil) e "O grande salto para o caos: a economia política do regime autoritário", este com José Carlos de Assis.

Apoiou o Plano Cruzado e chorou em uma entrevista à televisão, ao comentar os efeitos que a estabilização monetária poderia trazer para os mais pobres.

Em 1994, ela se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT), elegendo-se deputada federal pelo Estado do Rio de Janeiro, onde sempre morou desde que chegou ao Brasil. Depois de cumprir um único mandato, desiludida com o pouco que conseguiu realizar como parlamentar, ela desistiu de concorrer a outros cargos públicos.

Mas voltou a participar do governo federal, assessorando o senador petista Aloizio Mercadante, de São Paulo, após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujo governo ela influenciou também por meio da indicação do amigo Carlos Lessa, que ocupou a presidência do BNDES até 2004.

Crítica também da política econômica adotada pelo governo Lula, Conceição Tavares resolveu parar de escrever em jornais em setembro de 2004. Em sua última contribuição à "Folha de S. Paulo", ela deixou explícita a determinação do seu caráter: "Depois de mais de 40 anos de luta intelectual no campo da heterodoxia e de militância nas lutas democráticas populares e nacionais, ainda não desisti das lutas maiores." Por isso mesmo, decidira parar de escrever - o que a obrigava a ler "centenas de matérias econômicas" - para "poupar as energias que me sobram para as únicas tarefas a que nunca me neguei".

Legado da economista

Obras de Maria da Conceição

Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Zaliar, 1972
Acumulação de capital e industrialização no Brasil. Tese de livre-docência (UFRJ), 1975, Ed. Unicamp, 1986.
Ciclo e crise. O movimento recente da economia brasileira. Tese de professora titular (UFRJ), 1979.
A economia política da crise (Org). Ed. Vozes/ Achiamé, 1982.
O grande salto para o caos: a economia política do regime autoritário (Coautoria com José Carlos de Assis). Zaliar, 1985.
Aquarela do Brasil: ensaios políticos e econômicos sobre o governo Collor (Org. e introdução). Ed. Rio Fundo, 1991
Japão: um caso exemplar de capitalismo organizado. (Coautoria com Emani Torres Filho e Leonardo Buriamaqui). Ipea/Cepal, 1991
Ajuste global e modernização conservadora. (Coautoria com José Luis Fiori). Ed. Paz e Terra, 1993.
Celso Furtado e o Brasil. (Org.) Fundação Perseu Abramo, 2000.

 

Economistas, ex-alunos e políticos ressaltam legado da professora

Paula Martini e Ricardo Bomfim

 

Economistas, ex-alunos e políticos lamentaram a morte de Maria da Conceição Tavares, no sábado.

Em uma rede social, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chamou Conceição Tavares de "uma das maiores da nossa história". "Foi uma economista que nunca esqueceu a política e a defesa de um desenvolvimento econômico com justiça social", escreveu.

Mercadante, atual presidente do BNDES, onde Conceição Tavares trabalhou, escreveu, em nota, que a economista tinha "densa formação intelectual e profunda coragem". "Não poderia deixar de mencionar a imprescindível contribuição de Conceição para a construção do BNDES, instituição na qual ela entrou concursada em 1958", afirmou.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, escreveu em rede social que a economista "deixa um rico legado" com "seu pensamento, crítica e defesa inegociável da justiça social". "Será sempre uma estrela guia para o pensamento econômico brasileiro", afirmou.

O economista Marcio Pochmann, presidente do IBGE, disse que Conceição Tavares deixa "uma trajetória exemplar de educadora engajada no que de melhor o pensamento crítico gerou no Brasil".

O diretor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Carlos Frederico Leão Rocha, ex-aluno de Conceição Tavares, atribui a ela o desenvolvimento de um pensamento econômico de esquerda no país. "Pegou o legado do Celso Furtado e criou duas escolas de economia. Ela tem artigos fantásticos", disse.

Para a economista Laura Carvalho, diretora global da Open Society Foundations, Conceição Tavares, que também foi sua professora, esteve à frente de seu tempo como mulher e acadêmica.

"Sempre foi muito aguerrida, mas nunca teve medo de enfrentar as conversas. E com isso chamava atenção, ainda mais sendo mulher num ambiente tão dominado por homens", afirmou. "Ela oferece esse exemplo que inspira e mostra a possibilidade que nós mulheres temos de fazer análises originais e ocupar espaço no debate."

Luiz Gonzaga Beluzzo, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), lembrou que a economista "discutia de maneira muito intensa". "Às vezes, não entendiam que ela não estava brigando com as pessoas, mas com as ideias. Isso faz parte da construção do conhecimento. Ela tinha grande capacidade de compreensão e, inclusive, de abandonar as próprias idéias", afirmou

Beluzzo atribui à energia e ao didatismo particular de Conceição Tavares a capacidade para atrair os alunos, que lotavam disciplinas lecionadas por ela na Unicamp e na UFRJ. Esse vigor, diz, fez com que ela se tornasse conhecida também pelas novas gerações através de trechos de aulas e entrevistas que viralizaram nas redes sociais. "Ela provocava as pessoas e suscitava nelas uma vontade de entender sobre o que ela estava falando."

Um dos criadores do Plano Real, o economista Edmar Bacha disse que a morte de Conceição Tavares é uma "grande perda para o país". "Amiga dileta, professora inspirada, com contribuições fundamentais para a compreensão da economia brasileira", afirmou. "Correntes pouco importam, o que importa é a qualidade da análise. E a da Conceição era excepcional".

O economista Cláudio Considera, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), recordou a convivência com Conceição Tavares no início dos anos 1970, quando foi estagiário dela no escritório da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) no Rio de Janeiro. "Irascível e ácida no debate, era afável no convívio", disse.

Ele sublinhou a atuação da colega contra a desigualdade na ditadura. "Corajosa no combate à política econômica da ditadura que provocou enormes desigualdades sociais, chegou a ser presa por alguns dias. Segundo consta, foi solta graças à intervenção do Simonsen, à época ministro [da Fazenda] de Geisel, que a respeitava."

 

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* "A economia política da crise: problemas e impasses da política econômica brasileira" ( na verdade, de minha co-autoria junto com a Conceição. Nesta época, a Conceição resolver assumir a Presidencia do Instituto de Economistas do Rio de Janeiro e me convidou para colaborar com a sua gestão. Lá pelas tantas, resolvemos no Instituto organizar um Encontro de Economistas, primeira reunião aberta deste tipo, possível com a abertura política no Brasil. Como professor e pesquisador da PUC/RJ, através do seu Instituto de Relações Internacionais-IRI, do qual fui um dos fundadores junto à liderança do pensador ligado “aos padres” da PUC Luiz Gonzaga de Souza Lima, e do Departamento de Economia (hoje célebre após o Plano Real), fiquei encarregado de organizar a reunião e de conseguir que a PUC cedesse seus auditórios e salas para a reunião. Consegui, depois de muitos sacrifícios e lutas, pois os padres ainda estavam receosos de enfrentamentos com os militares, que a PUC cedesse auditório e salas para o evento. Foi aí que tive o primeiro e talvez único encontrão com a Conceição. Explico : durante o evento, que reuniu dezenas de mesas de debate e grandes reuniões plenárias de abertura e encerramento, eu havia tomado a iniciativa de convidar Leonel Brizola e Darcy Ribeiro para participarem do evento. Ambos compareceram e, como é natural, “roubaram” boa parte do evento... A Conceição, apaixonada como sempre e nesta época vivendo um idílio com o PMDB, embora fosse uma democrata radical, perdeu as estribeiras e me desancou com virulência por ter convidado o Brizola e o Darcy (para ela, naquele período, o debate democrático só valia para seus amigos do PMDB...). Engoli em seco e passei uma borracha nas diatribes da Ceiça. Tudo voltou às boas, como solia acontecer nas “brigas” da Conceição... Neste meio termo, propus que aproveitássemos o evento a realizar-se na PUC para publicarmos um livro (não com os resultados do Encontro, porque é sabido que os intelectuais brasileiros são meio “preguiçosos” e difíceis de escrever. Era uma primeira iniciativa deste tipo que se realizava no Brasil pós-abertura. Houve muitas dúvidas sobre a sua viabilidade (a organização e publicação do livro). Como todos aplaudiram a minha idéia e proposição, mas ninguém queria assumir o encargo, por descrença total na sua viabilidade, acabei, como autor da idéia e proposição, encarregado de organizar o livro. Que batalha então ! Primeiro, procurar possíveis autores e incentivá-los a escrever os ensaios. Segundo, encontrar uma editora para publicá-los. Foi uma luta dura, mas afinal os originais foram recebidos (fiquei quase louco, pois ninguém cumpria prazos, a começar pela própria Conceição). Lá pelas tantas, consegui até uma editora (que depois deu um “golpe” no IERJ, editando e reeditando várias vezes o livro sem nunca pagar os direitos autorais ao IERJ). Eu havia sugerido que, para melhor divulgação do livro e como arma de combate, a Conceição aparecesse como autora e organizadora do livro. Idéia aceita, lá pelas tantas o Eduardo Augusto (professor do Instituto de Economia da UFRJ e a quem a Conceição havia convidado para ser a sua Vice no Instituto) disse em uma reunião : “Mas que absurdo, minha gente, a idéia do livro, a sua organização e a batalha por sua edição foi toda feita pelo Mauricio, não é justo que o seu nome não apareça na capa junto do da Conceição”... O Eduardo Agusto era muito respeitado e estava na Vice por indicação da Conceição. A aceitação foi unânime e assim passei a figurar como um dos organizadores do livro. Por modéstia talvez excessiva, eu organizai o livro mas fiquei constrangido em dele participar como um  dos ensaístas... Como a Conceição foi useira e vezeira em dar “carona” em toda a sua vida intelectual a moluscos que colavam a sua pele para aparecerem – e a generosa e bondosa Ceiça sempre dava guarida a estes oportunistas – há gente que até hoje há de pensar que fui um destes caronas...( Serra, José Carlos de Assis, Aluizio Mercadante, José Luiz Fiori, simples moluscos que se agregavam ao casco da brilhante intelectual que era a Conceição para aparecerem colados ao seu nome ( faço excessão ao nome da Hildete, sempre amiga da Ceiça para tudo e sempre, e ao Belluzzo, seu grande parceiro intelectual na Unicamp). Mas a verdade é que, desta vez, quem pegou carona foi a Conceição ! Ela apareceu no livro como Pilatos no Credo... Mas que o meu nome tenha aparecido como co-organizador/autor junto ao do dela, muito me honra e me alegra. Obrigado, Ceiça !, por me dar esta honra... E obrigado, Eduardo Augusto, pela sua dignidade intelectual de sempre...

MD    

 

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Conceicao: a ex-musa do desenvolvimentismo e suas opinioes desencontradas

Recebo, de uma lista de debates econômicos, uma matéria construída sobre uma entrevista de Maria da Conceição Tavares a um conhecido jornalista econômico.
O "distribuidor" da matéria sugeriu que se iniciasse um debate em torno dessa entrevista, ou seja, em torno dos argumentos de Conceição, que encontro confusos, contraditórios, equivocados, em alguns casos de má-fé, como indico a cada vez na segunda parte desta postagem.
Primeiro, reproduzo a matéria em sua integralidade, depois agrego, para cada trecho selecionado (MCT), e perfeitamente identificado, meus próprios comentários (PRA).
Como eu nunca recuso um debate, mandei os meus argumentos para a dita lista, mas suponho que eu vá decepcionar vários desenvolvimentistas e admiradores da Conceição.
Paulo Roberto de Almeida


Maria da Conceição Tavares: fim do desenvolvimentismo e a democracia social

Com pouca mobilidade, não deixou de lado nem o cigarro, nem a leitura nem a visão de país.

A mais importante economista da linha dita desenvolvimentista aderiu ao gradualismo. Não se trata de acomodamento trazido pela idade, mas pela própria dinâmica do crescimento brasileiro que acabou definindo um novo modelo - o da democracia social - que ela considera irreversível.

No final dos anos 60, ao lado de Ignácio Rangel Conceição foi o primeiro grande nome da economia a perceber que, após o esgotamento do ciclo de substituição das importações, haveria o ciclo do capitalismo financeiro.

Agora, o ciclo da criação do novo mercado de consumo baseado em políticas de renda impõe uma nova realidade na qual - segundo a mestra - não cabem mais os conceitos históricos de desenvolvimentismo e de industrialização.

O pêndulo do pensamento econômico

Historicamente, o pensamento econômico brasileiro oscilou entre a ortodoxia econômica e o desenvolvimentismo. Em ambos os casos, salários e renda eram variáveis secundárias do modelo.

Na ortodoxia, utilizavam-se de políticas monetária e fiscal para liberar o orçamento público para o pagamento de juros e para a acumulação de riqueza em mãos dos investidores. No desenvolvimentismo, a compressão dos salários era central para a competitividade das indústrias.

Ambos os movimentos foram fundamentalmente concentradores de renda.

Com o avanço da democracia social, Conceição constata que não há mais espaço para a compressão dos salários ou para maxidesvalorizações cambiais ou para política protecionistas - pontos que marcaram o pensamento desenvolvimentista.

Não há maneira de recuperar o espaço da indústria brasileira no mundo nem na economia brasileira, porque externamente nenhum avanço permitirá competir com os asiáticos e o crescimento interno dos serviços faz parte da própria dinâmica capitalista, diz ela.

Considera a desindustrialização como inevitável. Houve um período de maturação industrial no 2o PND (Plano Nacional do Desenvolvimento). Agora, estamos chegando a outro corte, diz ela.

Como em toda economia industrial madura, o único espaço para crescer é o dos serviços. Se aumentou os serviços, foi à custa de outro setor. Se não foi do agrobusiness e do investimento público, foi a partir da indústria. "Este é o padrão normal de desenvolvimento histórico do capitalismo", sentencia ela.

Crescimento acelerado? Dificilmente se repetirá, diz ela. O "milagre econômico" ocorreu em um período de instalação da indústria. Depois de instalada, esses saltos econômicos não se repetem.

Também não defende mudanças de modelo econômico. Alguns setores desenvolvimentistas propõem choques de câmbio para devolver competitividade ao país, enquanto se ajusta o custo Brasil. Os impactos sobre a inflação não recomendariam.

O mercado interno e o ajuste ortodoxo

A ideia de abandonar a política do salário mínimo para aumentar a competitividade da indústria não a atrai. A divisão internacional de trabalho mudou. No caso brasileiro, é mais favorável ao agrobusiness que à indústria. Ninguém conseguirá concorrer com a manufatura da Ásia.

Daí porque mais que nunca é necessário preservar o salário mínimo para manter o mercado interno robusto.

É o mercado interno que não permite alarmismo com a economia. Não existe depressão à vista. O que existe é um terrorismo da imprensa mudando as expectativas empresariais, diz ela.

A falta de competitividade internacional é mais um argumento para não baixar o salário mínimo. Sem competitividade externa e sem mercado de consumo interno, a economia desabaria.

É só comparar com América Latina e Europa. Só o fato de não haver desemprego é um enorme sucesso. No Porto, amigos de Conceição assistirão famílias de classe média morando na rua.

É ridículo estar pessimista com o Brasil, comparando com a situação internacional, diz ela.

Se não resistir nas políticas sociais, não teremos mais modelo nenhum.

A busca do crescimento

O investimento em bens de consumo de massa funcionou, garantiu um mercado interno robusto.

Dá para manter alto o consumo, mas não mais como efeito acelerador de crescimento.

O caminho proposto por Conceição é o seguinte:

- Destravar o regime de concessões.

- Deslanchar os investimentos em petróleo.

- Reverter as expectativas do setor privado.

Destravando os dois primeiros itens, o setor privado irá atrás e nós saímos do gargalo atual. Mas para destravar as expectativas empresariais, não se pode deixar a economia afundar. E afundaria na hipótese de arrocho salarial e de um choque fiscal.

O momento não recomenda nenhuma política fiscal contracionista. Os gastos públicos são incomprimíveis. O único gatos comprimível são os juros da dívida pública.

O problema é que o modelo fiscal brasileiro é todo alicerçado em impostos ad valorem diretamente influenciados pelo PIB. Praticamente não existe imposto patrimonial. Nos anos 80 tentou-se um imposto sobre grandes fortunas moderadíssimo, proposto pelo então senador Fernando Henrique Cardoso. Não passou.

Justamente por isso, Conceição defende a flexibilização da política monetária (reduzindo o peso dos juros no orçamento) e a neutralidade da política fiscal, mantendo o que está sendo investido e agregando financiamento novo e concessões.

Revertendo as expectativas, mantém-se a trajetória de distribuição de renda com políticas sociais, e destrava-se o pacote da infraestrutura.

Sobre políticas industriais

Conceição não é a favor de grandes revoluções na política industrial, inserção das empresas brasileiras nas grandes cadeias globais e por aí afora. Considera que a siderurgia, cerveja e carnes conseguiram se inserir nessas cadeias. As demais, dificilmente conseguirão.

O caminho daqui para frente é consertar o que pode ser consertado e aprimorar o que deve ser aprimorado.

"Não estamos mais discutindo modelos, mas o que fazer com setores débeis", diz ela.

Um dos caminhos são as políticas de encadeamento (atuando sobre as cadeias produtivas) e progressos técnicos. Defende políticas moderadas e corretas na direção certa. Aí a economia reage.

Os gargalos na remessa de dólares

Persiste o nó externo, e, segundo Conceição, por erros que se acumularam desde o governo FHC,

Fernando Henrique Cardoso tirou a tributação de 17% sobre remessas de capital, deixando (Francisco) Dornelles (ex-Secretário da Receita) indignadíssimo", diz ela. Em quatro anos ele fez um estrago que Margareth Tachther levou 14 anos para fazer.

Não existe nenhum país do mundo que não discrimine as empresas estrangeiras, concedendo o mesmo tratamento das nacionais, diz ela. Por aqui se dá isenção de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para carro importado.

Quando se trata de remessa para pagamento de tecnologia, alíquota zero de Imposto de Renda. A multinacional contrata uma assistência técnica lá fora, dizendo que está internalizando ativo. Esse pagamento é dedutível do Imposto de Renda por ser despesa. Por ser tecnologia, tributação zero.

Depois exporta e se credita porque supostamente estaria exportando conhecimento e gerando tecnologia no país.

É uma enorme brecha, diz ela. O déficit tecnológico brasileiro saltou de US$ 1 bi/ano em 2000 para US$ 9 bi. Tornou-se remessa de lucros disfarçada.

A situação das contas externas preocupa, mas Conceição não se atreveria a propor controles de capital e imposto patrimonial por serem propostas politicamente irrealistas. 

Fonte: Portal CGN - Luis Nassif
  
Retomo (PRA): 

           Permito-me, portanto, alinhar algumas observações abaixo sobre vários dos argumentos, alguns passavelmente impressionistas, da Conceição, sempre aguçada para falar, talvez menos para refletir antes de falar...
            Segue ela, em azul, a partir de trechos selecionados da matéria acima, e depois eu, mas nunca é sensato confiar em resumos de jornalistas, que podem não refletir exatamente o que disse a musa do desenvolvimentismo (agora um pouco pessimista e conformada, ao que parece).

MCT: "...a própria dinâmica do crescimento brasileiro que acabou definindo um novo modelo - o da democracia social - que ela considera irreversível."
PRA: Novo modelo? No Brasil? Mas esse modelo está aí há pelo menos um século, primeiro com os fabianos, depois com os trabalhistas britânicos e social-democratas continentais que deixaram o marxismo de lado e aderiram a modestos programas reformistas de redistribuição social, via Estado. Aliás, esse mesmo modelo já fez água em vários países, pelas crises fiscais dos Estados, e que estão levanto a Europa a um impasse de crescimento, de baixa produtividade e de alto desemprego, este um pouco menor nos social-democratas que são menos social-democratas do que os continentais, como os americanos, britânicos, holandeses e outros menos generosos do que os franceses, italianos, espanhois...

MCT: "... o primeiro grande nome da economia a perceber que, após o esgotamento do ciclo de substituição das importações, haveria o ciclo do capitalismo financeiro."
PRA: Certas pessoas tem um problema, eu diria, uma implicação, com a chamada "financeirização da economia" e continuam achando que o desenvolvimento, sem dúvida enorme, dos serviços financeiros se faz em detrimento da economia real, que para eles deve ser aquele stalinismo industrial, cheio de fábricas fumegantes, e operários combativos lutando contra o capital. Essa coisa de ciclo do capitalismo financeiro é uma das maiores ficções econômicas construídas pelos economistas desenvolvimentistas, como se houvesse qualquer contradição entre o fato de que Wall Street e a City de Londres (sem mencionar as outras grandes praças financeiras do capitalismo avançado) pudessem existir em contradição com os, e em detrimentos dos demais setores da economia. Não parece agradar a certos economistas que o setor financeiro cresça e apareça, pois eles parecem conservar aquela velha ojeriza do velho barbudo contra a mera intermediação financeira -- contra os serviços em geral -- como se isso não fosse fonte de riqueza e de valor adicionado (aliás algo inexistente nas planilhas do Gosplan).  Trata-se de uma pequena bobagem, ou de uma bobagem monumental, a depender da escolha de cada um. Aliás, se ela se refere ao Brasil, acho que está errada: após o esgotamento do ciclo de substituição de importações da era JK, veio mais substituição de importações, com os militares, depois do curto ciclo recessivo do início dos anos 1960. Os militares -- ou os tecnocratas encarregados da economia -- levaram a área industrial ao paroxismo do stalinismo industrial, para depois mergulhar o país nas crises de hiperinflação, dívida externa, desorganização das contas públicas, que só seriam resolvidas no Plano Real, que assistiu, aliás, à maior redução do setor financeiro na estrutura econômica do país de que se tem notícia, ever...

MCT: "Na ortodoxia, utilizavam-se de políticas monetária e fiscal para liberar o orçamento público para o pagamento de juros e para a acumulação de riqueza em mãos dos investidores. No desenvolvimentismo, a compressão dos salários era central para a competitividade das indústrias."
PRA: Uau! Ela reconhece que o seu mestre Celso Furtado, guru do desenvolvimentismo, promovia compressão salarial (via inflação, obviamente). Já é um progresso. Mas a que ortodoxia exatamente ela se refere? A dos militares? Nunca houve ortodoxia sob os militares, o que foi obviamente a fonte de vários problemas posteriores. Houve ortodoxia sob Sarney, sob Collor, sob Itamar, sob FHC? That's non sense. Com exceção de um curto verão sob Eugênio Gudin, em meados dos anos 1950, o Brasil NUNCA teve ortodoxia.

MCT: "Ambos os movimentos foram fundamentalmente concentradores de renda."
PRA: Talvez, mas foi basicamente Celso Furtado quem disse, aliás até pouco antes de morrer, que era preferível um pouco mais de inflação, desde que se preservassem os empregos e o crescimento. Sabemos onde isso leva. Quem promoveu, por sinal, uma enorme desconcentração de renda no Brasil, com uma queda significativa do Gini, foi o Plano Real, que liquidou com o principal imposto sobre os pobres, e um dos maiores fatores de concentração de renda, a inflação justamente, em relação à qual são muito lenientes os chamados desenvolvimentistas, com suas teorias estapafúrdias de "inflação estrutural" (parece que o emissionismo não tem nada a ver com isso).

MCT: "Com o avanço da democracia social, Conceição constata que não há mais espaço para a compressão dos salários ou para maxidesvalorizações cambiais ou para política protecionistas - pontos que marcaram o pensamento desenvolvimentista."
PRA: Uau! Ela reconhece outra vez que o desenvolvimento foi "arrochante", se me permitem a expressão. Mas eu não apostaria que não existe mais espaço para essas coisas. Protecionismo? O que é que os "desenvolvimentistas" do governo atual estão mesmo fazendo com a política comercial brasileira? E essa coisa de maxidesvalorização é outro non-sense: na flutuação cambial isso não se pratica, mas é dado pelos próprios fluxos de divisas. Imagimemos que a China entre em crise, e que as commodities despencam pesadamente, o que é que vai acontecer com o câmbio no Brasil?

MCT: "Considera a desindustrialização como inevitável."
PRA: Uau, que derrotismo, que fatalismo, e que decepção para os seus admiradores desenvolvimentistas. Mas o 2o PND não tem absolutamente nada a ver com isso: ele simplesmente completou o processo de industrialização completa no Brasil, avançando sobre os setores de indústrias de bens de capitais e produtos intermediários (na área química notadamente). O que viria depois não teria muito a ver com o stalinismo industrial e sim com os processos de inovação, o que nunca deslanchou de verdade. E o que acontece hoje não tem nenhuma relação com o PND, que representou a construção de capacidade de produzir (ainda que sob proteção e subsídios). Hoje, o que está acabando não é a capacidade de produzir, mas a capacidade de competir, por vários outros custos que não apenas o chamado custo Brasil. E a China não tem nada a ver com isso. Todos os nossos problemas são "made in Brazil".

MCT: "Se aumentou os serviços, foi à custa de outro setor. Se não foi do agrobusiness e do investimento público, foi a partir da indústria. "Este é o padrão normal de desenvolvimento histórico do capitalismo", sentencia ela."
PRA: Duvidoso que o crescimento (relativo e absoluto) dos serviços se faça em detrimento, ou às custas, dos demais setores, que podem aumentar absolutamente, ainda que diminuindo relativamente. Existe uma tendência natural em todas as economias de mercado altamente diversificadas -- o que ela chama de capitalismo -- para o crescimento contínuo dos serviços, geralmente novos, mais do que os velhos, incluindo o tal fantasma da financeirização, mas todos eles ligados, de alguma forma, a todos os demais setores da economia. Como se os serviços pudessem crescer em completo isolamento da indústria ou da agricultura. Aliás, o agronegócio no Brasil é uma prova disso, um perfeito exemplo do que se chamavam antigamente de indústrias agrícolas.

MCT: "Também não defende mudanças de modelo econômico."
PRA: Mas qual modelo? Existe um modelo? Seria a tal de nova matriz econômica? Ela tentou reduzir os juros a marteladas, aumentar o crédito a injeções daquelas de palhaço de circo, desvalorizar o câmbio para "aumentar a competitividade das exportações", manteve as metas de inflação nas alturas e torrou dinheiro público e reduziu o superávit primário a centavos. Está certo que os companheiros não gostam da dívida pública, mas onde é que eles vão se abastecer se continuam gastando acima das receitas?

MCT: "...mais que nunca é necessário preservar o salário mínimo para manter o mercado interno robusto."
PRA: Deve-se entender que MCT desistiu de inserir o Brasil no mundo?; que o objetivo é o de se retrair dentro da fortaleza Brasil?

MCT: "É o mercado interno que não permite alarmismo com a economia."
PRA: Mesmo se o mercado interno vem sendo continuamente penetrado pela oferta externa, mais barata? A solução seria aumentar o protecionismo? Tudo isso para não mudar o tal de "modelo econômico", que ninguém sabe exatamente qual é?

MCT: "A falta de competitividade internacional é mais um argumento para não baixar o salário mínimo. Sem competitividade externa e sem mercado de consumo interno, a economia desabaria."
PRA: Mas essa tentativa insana de estimular o mercado interno, via estimulo ao crédito e à demanda é inerentemente inflacionista. Ou seja, a economia pode desabar justamente pela aplicação dessa inércia externa e insistência no consumo internamente.

MCT: "O momento não recomenda nenhuma política fiscal contracionista. Os gastos públicos são incomprimíveis. O único gasto comprimível são os juros da dívida pública".
PRA: Justamente o que o governo menos vem fazendo: sem contracionismo fiscal. Que os gastos públicos sejam incomprimíveis já é sujeito a debate. OK, como é que vai se reduzir os juros da dívida pública? Reduzindo os juros na marretada, como se fez desde 2011, para depois voltar a aumentar novamente? Frustrante, não é? E se abaixar os juros, será que a tal "turma da bufunfa", os campeões da financeirização, vão continuar a financiar o governo? Será que eles não dariam uma imensa risada quando o governo viesse com um juro real inferior a 6%? Ah, essas angústias kirkegaardianas...

MCT: "Conceição defende a flexibilização da política monetária (reduzindo o peso dos juros no orçamento) e a neutralidade da política fiscal, mantendo o que está sendo investido e agregando financiamento novo e concessões. Revertendo as expectativas, mantém-se a trajetória de distribuição de renda com políticas sociais, e destrava-se o pacote da infraestrutura."
PRA: Maravilha! Só faltou dizer como conciliar todos esses objetivos. O bom da vidinha acadêmica é que é fácil recomendar, quando não se precisa fazer... O mais difícil, talvez seja reverter as expectativas, e não parece que seja terrorismo da imprensa. Basta perguntar aos empresários o que eles pensam da situação atual e da política econômica do governo.

MCT: "Conceição não é a favor de grandes revoluções na política industrial, inserção das empresas brasileiras nas grandes cadeias globais e por aí afora. Considera que a siderurgia, cerveja e carnes conseguiram se inserir nessas cadeias. As demais, dificilmente conseguirão."
PRA: Mais fatalismo, mais derrotismo? Por que outros setores industriais não conseguiriam se inserir nas grandes cadeias globais? Porque não querem, ou porque não podem? Mas por que? Carnes foi uma operação generosa com o meu, o seu, o nosso dinheiro, via BNDES (aliás sem muita justificativa). Siderurgia hoje está sobrevivendo à custa de protecionismo. Cerveja não precisa disso, pois já se internacionalizou, mas não precisou do governo para isso.
            E por que as montadoras, que são todas estrangeiras, por sinal, não poderiam estar integradas aos grandes circuitos produtivos globais? Por que elas não querem? Ou porque o governo da república sindical quer defender o emprego dos seus amigos metalurgicos do setor? Justamente a indústria é a que mais está integrada internacionalmente, só no Brasil ela continua no stalinismo industrial, integrada verticamente, o capitalismo num só país...

MCT: "Persiste o nó externo, e, segundo Conceição, por erros que se acumularam desde o governo FHC."
PRA: Aqui já é maldade da MCT ou simples má-fé. FHC justamente demitiu um presidente do BC para realizar o ajuste externo que se impunha, depois dos grandes desequilíbrios causados pelas crises financeiras externas da segunda metade dos anos 1990, e também porque os juros altos atrairam capitais externos e valorizaram a moeda (mas isso se deu porque o Plano Real não comportou um verdadeiro ajuste fiscal, e o governo preferiu aumentar impostos, e viver de crédito, interno e externo).
            Mas a desvalorização de 1999, a flutuação cambial, as metas de inflação e a preservação do superávit primário (aliás aumentado por Palocci) justamente deixaram o Brasil totalmente preparado para uma nova fase de crescimento com competividade externa. Foi o governo Lula quem deixou a moeda se valorizar bem mais do que ela o fez na fase que precedeu 1999. 
            Quais foram exatamente os erros de FHC? E se eram erros por que os companheiros não os corrigiram nestes 12 anos?

MCT: "Não existe nenhum país do mundo que não discrimine as empresas estrangeiras, concedendo o mesmo tratamento das nacionais, diz ela."
PRA: Aqui se trata simplesmente de ignorância ou de erro primário. Todos os países da OCDE, por exemplo, por força dos códigos de liberalização de investimentos e de capitais aplicam o princípio do tratamento nacional. A maior parte deles, senão a quase totalidade aderiram aos protocolos de compras governamentais do Gatt-OMC, e existem muitas convenções setoriais cobrindo a indústria. Quando existe protecionismo ele se concentra na agricultura ou nos setores monopolizados pelos estados nacionais (serviços públicos), que não devem ser confundidos com "empresas nacionais" do setor privado, sujeitas a regras de competição e de eliminação de subsídios.
            MCT precisa conhecer melhor o ambiente de negócios nos países da OCDE. Ele pode começar lendo o Doing Business, do Banco Mundial, já seria uma boa leitura. A parte do Brasil, aliás, deve estar num dos mais quentes cículos dantescos do inferno...

            Bem, estas são as minhas contribuições ao debate.
            Espero não ter decepcionado muito os admiradores da nossa brava economista ex-desenvolvimentista.

Paulo Roberto de Almeida