Recebo, de uma lista de debates econômicos, uma matéria construída sobre uma entrevista de Maria da Conceição Tavares a um conhecido jornalista econômico.
O "distribuidor" da matéria sugeriu que se iniciasse um debate em torno dessa entrevista, ou seja, em torno dos argumentos de Conceição, que encontro confusos, contraditórios, equivocados, em alguns casos de má-fé, como indico a cada vez na segunda parte desta postagem.
Primeiro, reproduzo a matéria em sua integralidade, depois agrego, para cada trecho selecionado (MCT), e perfeitamente identificado, meus próprios comentários (PRA).
Como eu nunca recuso um debate, mandei os meus argumentos para a dita lista, mas suponho que eu vá decepcionar vários desenvolvimentistas e admiradores da Conceição.
Paulo Roberto de Almeida
Maria da Conceição Tavares:
fim do desenvolvimentismo e a democracia social
Com pouca mobilidade, não
deixou de lado nem o cigarro, nem a leitura nem a visão de país.
A mais importante economista
da linha dita desenvolvimentista aderiu ao gradualismo. Não se trata de
acomodamento trazido pela idade, mas pela própria dinâmica do crescimento
brasileiro que acabou definindo um novo modelo - o da democracia social - que
ela considera irreversível.
No final dos anos 60, ao lado
de Ignácio Rangel Conceição foi o primeiro grande nome da economia a perceber
que, após o esgotamento do ciclo de substituição das importações, haveria o
ciclo do capitalismo financeiro.
Agora, o ciclo da criação do
novo mercado de consumo baseado em políticas de renda impõe uma nova realidade
na qual - segundo a mestra - não cabem mais os conceitos históricos de
desenvolvimentismo e de industrialização.
O pêndulo do pensamento
econômico
Historicamente, o pensamento
econômico brasileiro oscilou entre a ortodoxia econômica e o
desenvolvimentismo. Em ambos os casos, salários e renda eram variáveis
secundárias do modelo.
Na ortodoxia, utilizavam-se de
políticas monetária e fiscal para liberar o orçamento público para o pagamento
de juros e para a acumulação de riqueza em mãos dos investidores. No
desenvolvimentismo, a compressão dos salários era central para a
competitividade das indústrias.
Ambos os movimentos foram
fundamentalmente concentradores de renda.
Com o avanço da democracia
social, Conceição constata que não há mais espaço para a compressão dos
salários ou para maxidesvalorizações cambiais ou para política protecionistas -
pontos que marcaram o pensamento desenvolvimentista.
Não há maneira de recuperar o
espaço da indústria brasileira no mundo nem na economia brasileira, porque
externamente nenhum avanço permitirá competir com os asiáticos e o crescimento
interno dos serviços faz parte da própria dinâmica capitalista, diz ela.
Considera a
desindustrialização como inevitável. Houve um período de maturação industrial
no 2o PND (Plano Nacional do Desenvolvimento). Agora, estamos chegando a outro
corte, diz ela.
Como em toda economia
industrial madura, o único espaço para crescer é o dos serviços. Se aumentou os
serviços, foi à custa de outro setor. Se não foi do agrobusiness e do
investimento público, foi a partir da indústria. "Este é o padrão normal
de desenvolvimento histórico do capitalismo", sentencia ela.
Crescimento acelerado?
Dificilmente se repetirá, diz ela. O "milagre econômico" ocorreu em
um período de instalação da indústria. Depois de instalada, esses saltos
econômicos não se repetem.
Também não defende mudanças de
modelo econômico. Alguns setores desenvolvimentistas propõem choques de câmbio
para devolver competitividade ao país, enquanto se ajusta o custo Brasil. Os
impactos sobre a inflação não recomendariam.
O mercado interno e o
ajuste ortodoxo
A ideia de abandonar a
política do salário mínimo para aumentar a competitividade da indústria não a
atrai. A divisão internacional de trabalho mudou. No caso brasileiro, é mais
favorável ao agrobusiness que à indústria. Ninguém conseguirá concorrer com a
manufatura da Ásia.
Daí porque mais que nunca é
necessário preservar o salário mínimo para manter o mercado interno robusto.
É o mercado interno que não
permite alarmismo com a economia. Não existe depressão à vista. O que existe é
um terrorismo da imprensa mudando as expectativas empresariais, diz ela.
A falta de competitividade
internacional é mais um argumento para não baixar o salário mínimo. Sem
competitividade externa e sem mercado de consumo interno, a economia desabaria.
É só comparar com América
Latina e Europa. Só o fato de não haver desemprego é um enorme sucesso. No
Porto, amigos de Conceição assistirão famílias de classe média morando na rua.
É ridículo estar pessimista
com o Brasil, comparando com a situação internacional, diz ela.
Se não resistir nas políticas
sociais, não teremos mais modelo nenhum.
A busca do crescimento
O investimento em bens de
consumo de massa funcionou, garantiu um mercado interno robusto.
Dá para manter alto o consumo,
mas não mais como efeito acelerador de crescimento.
O caminho proposto por
Conceição é o seguinte:
- Destravar o regime de
concessões.
- Deslanchar os investimentos
em petróleo.
- Reverter as expectativas do
setor privado.
Destravando os dois primeiros
itens, o setor privado irá atrás e nós saímos do gargalo atual. Mas para
destravar as expectativas empresariais, não se pode deixar a economia afundar.
E afundaria na hipótese de arrocho salarial e de um choque fiscal.
O momento não recomenda
nenhuma política fiscal contracionista. Os gastos públicos são incomprimíveis.
O único gatos comprimível são os juros da dívida pública.
O problema é que o modelo
fiscal brasileiro é todo alicerçado em impostos ad valorem diretamente
influenciados pelo PIB. Praticamente não existe imposto patrimonial. Nos anos
80 tentou-se um imposto sobre grandes fortunas moderadíssimo, proposto pelo
então senador Fernando Henrique Cardoso. Não passou.
Justamente por isso, Conceição
defende a flexibilização da política monetária (reduzindo o peso dos juros no
orçamento) e a neutralidade da política fiscal, mantendo o que está sendo
investido e agregando financiamento novo e concessões.
Revertendo as expectativas,
mantém-se a trajetória de distribuição de renda com políticas sociais, e
destrava-se o pacote da infraestrutura.
Sobre políticas industriais
Conceição não é a favor de
grandes revoluções na política industrial, inserção das empresas brasileiras
nas grandes cadeias globais e por aí afora. Considera que a siderurgia, cerveja
e carnes conseguiram se inserir nessas cadeias. As demais, dificilmente
conseguirão.
O caminho daqui para frente é
consertar o que pode ser consertado e aprimorar o que deve ser aprimorado.
"Não estamos mais
discutindo modelos, mas o que fazer com setores débeis", diz ela.
Um dos caminhos são as
políticas de encadeamento (atuando sobre as cadeias produtivas) e progressos
técnicos. Defende políticas moderadas e corretas na direção certa. Aí a
economia reage.
Os gargalos na remessa de
dólares
Persiste o nó externo, e,
segundo Conceição, por erros que se acumularam desde o governo FHC,
Fernando Henrique Cardoso
tirou a tributação de 17% sobre remessas de capital, deixando (Francisco)
Dornelles (ex-Secretário da Receita) indignadíssimo", diz ela. Em quatro
anos ele fez um estrago que Margareth Tachther levou 14 anos para fazer.
Não existe nenhum país do
mundo que não discrimine as empresas estrangeiras, concedendo o mesmo
tratamento das nacionais, diz ela. Por aqui se dá isenção de IPI (Imposto sobre
Produtos Industrializados) para carro importado.
Quando se trata de remessa
para pagamento de tecnologia, alíquota zero de Imposto de Renda. A
multinacional contrata uma assistência técnica lá fora, dizendo que está
internalizando ativo. Esse pagamento é dedutível do Imposto de Renda por ser
despesa. Por ser tecnologia, tributação zero.
Depois exporta e se credita
porque supostamente estaria exportando conhecimento e gerando tecnologia no
país.
É uma enorme brecha, diz ela.
O déficit tecnológico brasileiro saltou de US$ 1 bi/ano em 2000 para US$ 9 bi.
Tornou-se remessa de lucros disfarçada.
A situação das contas externas
preocupa, mas Conceição não se atreveria a propor controles de capital e
imposto patrimonial por serem propostas politicamente irrealistas.
Fonte: Portal CGN - Luis Nassif
Retomo (PRA):
Permito-me, portanto, alinhar algumas observações abaixo sobre vários
dos argumentos, alguns passavelmente impressionistas, da Conceição, sempre aguçada para
falar, talvez menos para refletir antes de falar...
Segue
ela, em azul, a partir de trechos selecionados da matéria acima, e depois eu, mas nunca é sensato confiar em resumos de
jornalistas, que podem não refletir exatamente o que disse a musa do
desenvolvimentismo (agora um pouco pessimista e conformada, ao que parece).
MCT: "...a própria dinâmica do crescimento
brasileiro que acabou definindo um novo modelo - o da democracia social - que
ela considera irreversível."
PRA: Novo modelo? No Brasil? Mas esse modelo está aí há
pelo menos um século, primeiro com os fabianos, depois com os trabalhistas
britânicos e social-democratas continentais que deixaram o marxismo de lado e
aderiram a modestos programas reformistas de redistribuição social, via Estado. Aliás, esse mesmo modelo já fez água em vários países, pelas crises fiscais dos
Estados, e que estão levanto a Europa a um impasse de crescimento, de baixa
produtividade e de alto desemprego, este um pouco menor nos social-democratas
que são menos social-democratas do que os continentais, como os americanos,
britânicos, holandeses e outros menos generosos do que os franceses, italianos,
espanhois...
MCT: "... o primeiro grande nome da economia a
perceber que, após o esgotamento do ciclo de substituição das importações,
haveria o ciclo do capitalismo financeiro."
PRA: Certas pessoas tem um problema, eu diria, uma
implicação, com a chamada "financeirização da economia" e continuam
achando que o desenvolvimento, sem dúvida enorme, dos serviços financeiros se faz
em detrimento da economia real, que para eles deve ser aquele stalinismo
industrial, cheio de fábricas fumegantes, e operários combativos lutando contra
o capital. Essa coisa de ciclo do capitalismo financeiro é uma das maiores
ficções econômicas construídas pelos economistas desenvolvimentistas, como se
houvesse qualquer contradição entre o fato de que Wall Street e a City de
Londres (sem mencionar as outras grandes praças financeiras do capitalismo
avançado) pudessem existir em contradição com os, e em detrimentos dos demais setores
da economia. Não parece agradar a certos economistas que o setor financeiro
cresça e apareça, pois eles parecem conservar aquela velha ojeriza do velho
barbudo contra a mera intermediação financeira -- contra os serviços em geral
-- como se isso não fosse fonte de riqueza e de valor adicionado (aliás algo
inexistente nas planilhas do Gosplan). Trata-se de uma pequena bobagem,
ou de uma bobagem monumental, a depender da escolha de cada um. Aliás, se ela
se refere ao Brasil, acho que está errada: após o esgotamento do ciclo de
substituição de importações da era JK, veio mais substituição de importações,
com os militares, depois do curto ciclo recessivo do início dos anos 1960. Os
militares -- ou os tecnocratas encarregados da economia -- levaram a área
industrial ao paroxismo do stalinismo industrial, para depois mergulhar o país
nas crises de hiperinflação, dívida externa, desorganização das contas
públicas, que só seriam resolvidas no Plano Real, que assistiu, aliás, à maior
redução do setor financeiro na estrutura econômica do país de que se tem
notícia, ever...
MCT: "Na ortodoxia, utilizavam-se de políticas
monetária e fiscal para liberar o orçamento público para o pagamento de juros e
para a acumulação de riqueza em mãos dos investidores. No desenvolvimentismo, a
compressão dos salários era central para a competitividade das indústrias."
PRA: Uau! Ela reconhece que o seu mestre Celso Furtado,
guru do desenvolvimentismo, promovia compressão salarial (via inflação,
obviamente). Já é um progresso. Mas a que ortodoxia exatamente ela se refere? A
dos militares? Nunca houve ortodoxia sob os militares, o que foi obviamente a
fonte de vários problemas posteriores. Houve ortodoxia sob Sarney, sob Collor,
sob Itamar, sob FHC? That's non sense. Com exceção de um curto verão sob Eugênio
Gudin, em meados dos anos 1950, o Brasil NUNCA teve ortodoxia.
MCT: "Ambos os movimentos foram fundamentalmente
concentradores de renda."
PRA: Talvez, mas foi basicamente Celso Furtado quem disse,
aliás até pouco antes de morrer, que era preferível um pouco mais de inflação,
desde que se preservassem os empregos e o crescimento. Sabemos onde isso leva.
Quem promoveu, por sinal, uma enorme desconcentração de renda no Brasil, com
uma queda significativa do Gini, foi o Plano Real, que liquidou com o principal
imposto sobre os pobres, e um dos maiores fatores de concentração de renda, a inflação
justamente, em relação à qual são muito lenientes os chamados
desenvolvimentistas, com suas teorias estapafúrdias de "inflação
estrutural" (parece que o emissionismo não tem nada a ver com isso).
MCT: "Com o avanço da democracia social, Conceição
constata que não há mais espaço para a compressão dos salários ou para
maxidesvalorizações cambiais ou para política protecionistas - pontos que
marcaram o pensamento desenvolvimentista."
PRA: Uau! Ela reconhece outra vez que o desenvolvimento
foi "arrochante", se me permitem a expressão. Mas eu não apostaria
que não existe mais espaço para essas coisas. Protecionismo? O que é que os
"desenvolvimentistas" do governo atual estão mesmo fazendo com a
política comercial brasileira? E essa coisa de maxidesvalorização é outro
non-sense: na flutuação cambial isso não se pratica, mas é dado pelos próprios
fluxos de divisas. Imagimemos que a China entre em crise, e que as commodities
despencam pesadamente, o que é que vai acontecer com o câmbio no Brasil?
MCT: "Considera a desindustrialização como
inevitável."
PRA: Uau, que derrotismo, que fatalismo, e que decepção
para os seus admiradores desenvolvimentistas. Mas o 2o PND não tem
absolutamente nada a ver com isso: ele simplesmente completou o processo de
industrialização completa no Brasil, avançando sobre os setores de indústrias
de bens de capitais e produtos intermediários (na área química notadamente). O
que viria depois não teria muito a ver com o stalinismo industrial e sim com os
processos de inovação, o que nunca deslanchou de verdade. E o que acontece hoje
não tem nenhuma relação com o PND, que representou a construção de capacidade
de produzir (ainda que sob proteção e subsídios). Hoje, o que está acabando não
é a capacidade de produzir, mas a capacidade de competir, por vários outros
custos que não apenas o chamado custo Brasil. E a China não tem nada a ver com
isso. Todos os nossos problemas são "made in Brazil".
MCT: "Se aumentou os serviços, foi à custa de
outro setor. Se não foi do agrobusiness e do investimento público, foi a partir
da indústria. "Este é o padrão normal de desenvolvimento histórico do
capitalismo", sentencia ela."
PRA: Duvidoso que o crescimento (relativo e absoluto) dos
serviços se faça em detrimento, ou às custas, dos demais setores, que podem
aumentar absolutamente, ainda que diminuindo relativamente. Existe uma
tendência natural em todas as economias de mercado altamente diversificadas --
o que ela chama de capitalismo -- para o crescimento contínuo dos serviços,
geralmente novos, mais do que os velhos, incluindo o tal fantasma da
financeirização, mas todos eles ligados, de alguma forma, a todos os demais
setores da economia. Como se os serviços pudessem crescer em completo
isolamento da indústria ou da agricultura. Aliás, o agronegócio no Brasil é uma
prova disso, um perfeito exemplo do que se chamavam antigamente de indústrias
agrícolas.
MCT: "Também não defende
mudanças de modelo econômico."
PRA: Mas qual modelo? Existe um modelo? Seria a tal de
nova matriz econômica? Ela tentou reduzir os juros a marteladas, aumentar o
crédito a injeções daquelas de palhaço de circo, desvalorizar o câmbio para
"aumentar a competitividade das exportações", manteve as metas de
inflação nas alturas e torrou dinheiro público e reduziu o superávit primário a
centavos. Está certo que os companheiros não gostam da dívida pública, mas onde
é que eles vão se abastecer se continuam gastando acima das receitas?
MCT: "...mais que nunca é
necessário preservar o salário mínimo para manter o mercado interno robusto."
PRA: Deve-se entender que MCT desistiu de inserir o Brasil
no mundo?; que o objetivo é o de se retrair dentro da fortaleza Brasil?
MCT: "É o mercado interno
que não permite alarmismo com a economia."
PRA: Mesmo se o mercado interno vem sendo continuamente
penetrado pela oferta externa, mais barata? A solução seria aumentar o
protecionismo? Tudo isso para não mudar o tal de "modelo econômico",
que ninguém sabe exatamente qual é?
MCT: "A falta de
competitividade internacional é mais um argumento para não baixar o salário
mínimo. Sem competitividade externa e sem mercado de consumo interno, a
economia desabaria."
PRA: Mas essa tentativa insana de estimular o mercado
interno, via estimulo ao crédito e à demanda é inerentemente inflacionista. Ou
seja, a economia pode desabar justamente pela aplicação dessa inércia externa e
insistência no consumo internamente.
MCT: "O momento não
recomenda nenhuma política fiscal contracionista. Os gastos públicos são
incomprimíveis. O único gasto comprimível são os juros da dívida pública".
PRA: Justamente o que o governo menos vem fazendo: sem
contracionismo fiscal. Que os gastos públicos sejam incomprimíveis já é sujeito
a debate. OK, como é que vai se reduzir os juros da dívida pública? Reduzindo
os juros na marretada, como se fez desde 2011, para depois voltar a aumentar
novamente? Frustrante, não é? E se abaixar os juros, será que a tal "turma
da bufunfa", os campeões da financeirização, vão continuar a financiar o governo?
Será que eles não dariam uma imensa risada quando o governo viesse com um juro
real inferior a 6%? Ah, essas angústias kirkegaardianas...
MCT: "Conceição defende a
flexibilização da política monetária (reduzindo o peso dos juros no orçamento)
e a neutralidade da política fiscal, mantendo o que está sendo investido e
agregando financiamento novo e concessões. Revertendo as expectativas,
mantém-se a trajetória de distribuição de renda com políticas sociais, e
destrava-se o pacote da infraestrutura."
PRA: Maravilha! Só faltou dizer como conciliar todos esses
objetivos. O bom da vidinha acadêmica é que é fácil recomendar, quando não se
precisa fazer... O mais difícil, talvez seja reverter as expectativas, e não
parece que seja terrorismo da imprensa. Basta perguntar aos empresários o que
eles pensam da situação atual e da política econômica do governo.
MCT: "Conceição não é a
favor de grandes revoluções na política industrial, inserção das empresas
brasileiras nas grandes cadeias globais e por aí afora. Considera que a
siderurgia, cerveja e carnes conseguiram se inserir nessas cadeias. As demais,
dificilmente conseguirão."
PRA: Mais fatalismo, mais derrotismo? Por que outros
setores industriais não conseguiriam se inserir nas grandes cadeias globais?
Porque não querem, ou porque não podem? Mas por que? Carnes foi uma operação
generosa com o meu, o seu, o nosso dinheiro, via BNDES (aliás sem muita
justificativa). Siderurgia hoje está sobrevivendo à custa de protecionismo.
Cerveja não precisa disso, pois já se internacionalizou, mas não precisou do
governo para isso.
E por que
as montadoras, que são todas estrangeiras, por sinal, não poderiam estar
integradas aos grandes circuitos produtivos globais? Por que elas não querem?
Ou porque o governo da república sindical quer defender o emprego dos seus
amigos metalurgicos do setor? Justamente a indústria é a que mais está
integrada internacionalmente, só no Brasil ela continua no stalinismo
industrial, integrada verticamente, o capitalismo num só país...
MCT: "Persiste o nó
externo, e, segundo Conceição, por erros que se acumularam desde o governo FHC."
PRA: Aqui já é maldade da MCT ou simples má-fé. FHC
justamente demitiu um presidente do BC para realizar o ajuste externo que se
impunha, depois dos grandes desequilíbrios causados pelas crises financeiras
externas da segunda metade dos anos 1990, e também porque os juros altos
atrairam capitais externos e valorizaram a moeda (mas isso se deu porque o
Plano Real não comportou um verdadeiro ajuste fiscal, e o governo preferiu aumentar
impostos, e viver de crédito, interno e externo).
Mas a
desvalorização de 1999, a flutuação cambial, as metas de inflação e a
preservação do superávit primário (aliás aumentado por Palocci) justamente
deixaram o Brasil totalmente preparado para uma nova fase de crescimento com
competividade externa. Foi o governo Lula quem deixou a moeda se valorizar bem
mais do que ela o fez na fase que precedeu 1999.
Quais
foram exatamente os erros de FHC? E se eram erros por que os companheiros não
os corrigiram nestes 12 anos?
MCT: "Não existe nenhum
país do mundo que não discrimine as empresas estrangeiras, concedendo o mesmo
tratamento das nacionais, diz ela."
PRA: Aqui se trata simplesmente de ignorância ou de erro
primário. Todos os países da OCDE, por exemplo, por força dos códigos de
liberalização de investimentos e de capitais aplicam o princípio do tratamento
nacional. A maior parte deles, senão a quase totalidade aderiram aos protocolos
de compras governamentais do Gatt-OMC, e existem muitas convenções setoriais
cobrindo a indústria. Quando existe protecionismo ele se concentra na
agricultura ou nos setores monopolizados pelos estados nacionais (serviços
públicos), que não devem ser confundidos com "empresas nacionais" do
setor privado, sujeitas a regras de competição e de eliminação de subsídios.
MCT
precisa conhecer melhor o ambiente de negócios nos países da OCDE. Ele pode
começar lendo o Doing Business, do Banco Mundial, já seria uma boa leitura. A
parte do Brasil, aliás, deve estar num dos mais quentes cículos dantescos do
inferno...
Bem,
estas são as minhas contribuições ao debate.
Espero
não ter decepcionado muito os admiradores da nossa brava economista
ex-desenvolvimentista.
Paulo Roberto de Almeida