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sábado, 20 de julho de 2013

Amorim: oposição brasileira à Alca mudou agenda da América do Sul

Mudou, sim, claro que mudou. Imediatamente após a implosão da Alca pelos companheiros -- with a little help from their friends, Chávez and Nestor -- os países interessados fecharam negociações bilaterais ou plurilaterais com os Estados Unidos e grande parte deles assinou acordos de livre comércio.
Com isso mudou completamente a tal de "geografia comercial" da América do Sul: os países interessados em livre comércio, em integração à economia mundial, seguiram em frente, assinaram acordos com os EUA, com a UE, com parceiros asiáticos e aumentam seu acesso a mercados desenvolvidos e seu volume de exportação mundial.
Os países que preferiram ficar protegendo o mercado interno contemplam mercados diminuídos, concorrência "desleal" de parceiros asiáticos (logo eles, que deveriam ser aliados na luta contra os hegemônicos) e possuem hoje uma margem de manobra muito mais reduzida em termos de política comercial e de acesso a mercados, provavelmente caminhando para a marginalização e o velho protecionismo de décadas passadas.
Essa é a mudança da agenda na América do Sul que ocorreu.
Atualmente, a agenda está assim: de um lado o Mercosul, desejando se expandir de qualquer maneira, sem qualquer critério de política comercial coerente com os propósitos do Tratado de Assunção; de outro os bolivarianos, que acham que vão fazer a Alba, o Sucre e outras maravilhas da integração protegida, mercantilista, estatizante; e por fim os países da Aliança do Pacífico, que avançam no comercio livre entre si (mas isto é o menos relevante no esquema) e se preparam para integrar os esquemas comerciais, de investimentos e de cooperação econômica da grande bacia do Pacífico.
Esta é a nova agenda, esta é a nova geografia do comércio internacional.
O Brasil deve agradecer aos companheiros que pelo menos se preocupam em proteger o emprego interno. Por enquanto...
Paulo Roberto de Almeida

Para Amorim, oposição brasileira à Alca mudou agenda da América do Sul
Da Rede Brasil Atual, 20/07/2017

Amorim definiu os novos ares da chancelaria brasileira como o início de uma política externa “altiva e ativa” 

“Em minha experiência de 50 anos em relações exteriores, posso dizer que derrubar um projeto prioritário dos Estados Unidos não é uma coisa fácil”, disse o embaixador Celso Amorim, ao falar dos esforços empenhados pelo Itamaraty junto aos países da região para barrar o avanço da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), enterrada em 2005 durante a Cúpula das Américas, na Argentina. 
Hoje ministro da Defesa, Amorim liderou a chancelaria brasileira por oito anos, durante os dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva. “A Alca já estava morta quando os presidentes se posicionaram fortemente contra a iniciativa, em Mar del Plata. Mudamos a agenda da América do Sul.”

A Alca foi um dos principais exemplos elencados por Amorim para demonstrar a mudança de rumos da diplomacia brasileira a partir da eleição de Lula, em 2003, e de sua posse como ministro de Relações Exteriores. 
O grande significado da vitória de Lula era a consciência do povo de que era possível mudar seu próprio destino, a ideia de que, sim, era possível mudar o Brasil”, lembrou, durante discurso na terça-feira (16) na Conferência Nacional “2003-2013: Uma Nova Política Externa”, promovida em São Bernardo do Campo (SP) pela Universidade Federal do ABC e pelo Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais, que reúne entidades sociais, políticas e sindicais interessadas no tema. 
“Para isso, era preciso também mudar de atitude na política externa.”

Em poucas palavras, Amorim definiu os novos ares da chancelaria brasileira como o início de uma política externa “altiva e ativa”. Esta definiu-se basicamente, explica, pela adoção de um protagonismo internacional até então inédito no Itamaraty. E que muitas vezes acabou colocando o país em rota de colisão com os interesses dos Estados Unidos, como no caso da Alca, principal projeto de Washington para a América Latina no final do século 20 e início do 21. “A oposição e os meios de comunicação diziam que o Brasil e o Mercosul ficariam isolados se não fechassem o acordo”, lembra. “Mas como é que isso seria possível se a Alca queria mesmo era obter concessões do Brasil e do Mercosul? Os negociadores norte-americanos sabiam disso e fizeram de tudo para chegar a um entendimento conosco.”

Celso Amorim afirma que os Estados Unidos começaram a falar sobre a Alca quando era ministro de Relações Exteriores do presidente Itamar Franco, entre 1993 e 1995. O chanceler já via o projeto com desconfiança desde então, mas explica que, na época, não havia condições geopolíticas para opor-se logo de cara à iniciativa. 
“Se tivéssemos feito isso, o Mercosul possivelmente teria acabado”, conta. 
“Com Carlos Menem na Presidência e Domingo Cavallo como ministro da Economia, a Argentina era favorável ao tratado de livre comércio com Washington. Então insistimos em retomar a negociação dali a dez anos, alegando que precisávamos de tempo. Tempo é importante em diplomacia: quando você não pode enfrentar determinadas situações, você tenta ganhar tempo para que as coisas possam mudar.”

E o quadro realmente mudou. Amorim reconhece que, em meados dos anos 1990, não havia qualquer indício de que Lula poderia ser eleito em 2003. Mas, com o petista no Planalto, além de presidentes de esquerda em vias de eleição ou já no poder na América do Sul, houve condições para mudar o patamar de negociação. “O que estava colocado para nós era muito negativo para o Brasil. Os assuntos que nos interessavam estavam sempre em segundo plano, como o fim dos subsídios agrícolas e as medidas antidumping. Por outro lado, questões ligadas aos interesses dos Estados Unidos iam assumindo prioridade: serviços, investimentos, propriedade intelectual, que para nós eram muito prejudiciais”, lembra. “A própria negociação da Alca nos desfavorecia.”

O ex-chanceler conta que, para frear as pretensões dos Estados Unidos, o Itamaraty foi buscar apoio dos países da região, principalmente do Mercosul. Com Menem fora do governo argentino, que em 2003 era liderado pelo neoliberalismo mais moderado de Eduardo Duhalde, Amorim afirma que foi paulatinamente costurando acordos de atuação conjunta entre os vizinhos para se contrapor às pressões de Washington. E se apressou para revelar a disposição do Brasil em não assinar o acordo da Alca, como estava colocado até então, já na primeira reunião com empresários argentinos de que participou como ministro. “A Argentina tinha algumas reclamações em relação ao Brasil no Mercosul, algumas legítimas, e por isso a essência da nossa posição era a seguinte: seríamos flexíveis dentro do Mercosul, mas queríamos atuar conjuntamente, unidos, em relação à Alca.”

Amorim afirma que a mesma proposta foi feita a empresários e autoridades uruguaias e paraguaias logo em seguida. O resultado foi que, na reunião seguinte do Mercosul, o Brasil aceitou “na prática” o conceito de assimetria regional – uma velha bandeira dos governos de Paraguai e Uruguai dentro do bloco por terem uma economia menos pujante que as economias brasileira e argentina. “Sacrificamos alguns interesses imediatos nossos, mas em benefício de um interesse muito maior, que era uma posição comum na Alca”, reconheceu. “Progressivamente, os países do Mercosul foram assumindo posição mais próxima à nossa, até que pudemos chegar a Miami, na reunião que finalizaria as negociações da Alca, com um projeto de acordo razoável.”
Isso não significa que o ministro tenha se arrependido por não tê-lo assinado.
 “De qualquer maneira, havia um elemento hegemônico na Alca que iria predominar”, afirma, em referência aos Estados Unidos. “Mas transformamos a Alca num acordo menos torto.” 


Aqui radica a razão pela qual, segundo Amorim, o projeto já estava morto quando foi repelido em uníssono por vários presidentes sul-americanos na Cúpula de Mar del Plata. “Na medida em que conseguimos desentortá-lo, o acordo deixou de ser interessante para uma grande parte dos Estados Unidos. E, num processo que ainda durou mais um ano e meio ou dois, a Alca acabou sendo abandonada.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Acordos de Barra Comercio: Republica Solitaria do Brasil

Pois é, os companheiros se orgulhavam tanto, nos idos de 2003-2006, de terem implodido a Alca, e o presidente de então, uma sumidade em políticas comerciais, dizia que o Brasil não pretendia ficar "dependente" (sic três vezes) do comércio com os EUA, e que ele estava mesmo era afim de criar uma "nova geografia do comércio internacional" (uau!, que coisa hem?).
Seu ministro das relações exteriores também se rejubilava por ter implodido, conscientemente, a Alca, e quando veio a crise de 2008, que impactou fortemente o México afirmava com todo o contentamente dos muito inocentes que "ainda bem que o Brasil não tinha entrado na Alca" (sic, mais "n" vezes), pois imagina se  tivesse a "dependência que o México tinha do comércio bilateral americano" (sic, quantas vezes vocês quiserem), a crise nos impactaria muito mais fortemente.
Essa eu confesso que não entendi. Ou entendi: se trata mesmo de estupidez econômica ou de suprema desonestidade intelectual.
Bem, nunca achei que a Alca era uma maravilha, e certamente não seria: ela consolidaria o acesso brasileiro a alguns mercados dos EUA e dos DEMAIS 33 PAÍSES da região, para a maior parte dos nossos manufaturados, deixando de fora produtos agrícolas considerados sensíveis nos EUA. So what?
Ela seria, sobretudo para o Brasil, um acordo de atração de investimentos dos EUA em nosso parque produtivo industrial.
Mas os companheiros se apressaram em desmantelar essa possibilidade, para não ficarmos "dependentes" (vejam que coisa horrível) do comércio com os EUA. 
O presidente, e seu chanceler, e todos os demais conselheiros companheiros preferiam aumentar o comércio com a China, promovida a parceira estratégica, e a sumidade do presidente chegou até a propor acordo de livre comércio com a China (certamente era parte da "nova geografia"), e fazer comércio em "moedas locais" (por puro preconceito contra o dolar, claro...).
Pois, assim ficamos, e estamos muito bem com a não-dependência da China, como vocês sabem todos.
Fiquem pois com um artigo meio para o irônico...
Paulo Roberto de Almeida 



A falta que fazem os acordinhos
Carlos Alberto Sardenberg
O Globo, 19/04/2012

Logo no início do governo Lula, quando as negociações em torno da Associação de Livre Comércio das Américas, Alca, estavam enterradas, diversos governos da região começaram a se mover para negociar acordos bilaterais com os EUA. O Brasil não quis nem saber desses "acordinhos", como os qualificou o então chanceler Celso Amorim. Só nos interessava o entendimento global na Organização Mundial do Comércio (OMC).
Passados estes dez anos, o que temos? A rodada na OMC fracassou, como muitos desconfiavam. E proliferaram pelo mundo os acordos bilaterais. Aqui do nosso lado, dez países latino-americanos têm tratado de livre comércio com os EUA. O Brasil não tem nem o entendimento para evitar a bitributação - sendo um dos únicos países importantes que não fecharam esse arranjo com os Estados Unidos.
Será uma coincidência que o Brasil tenha perdido espaço nas vendas para o maior mercado consumidor do mundo?
Por ocasião do Fórum das Américas e da visita de Hillary Clinton ao Brasil, empresários brasileiros que participaram de reuniões paralelas queixaram-se justamente disso: o acesso mais fácil e pagando menos impostos obtidos pelas indústrias instaladas na América Central e do Sul. Fábricas brasileiras mudaram para o Caribe para de lá vender nos Estados Unidos.
Colômbia, Chile e Peru já têm acordos com os EUA. Integram também a Aliança do Pacífico, um bloco comercial diferente do Mercosul, este reunindo Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, pendente a entrada da Venezuela.
O Mercosul deveria ser como a União Europeia, uma área inteiramente aberta, de livre circulação de mercadorias e pessoas. Por isso, seus membros, como na Europa, não podem assinar acordos separadamente. Só o bloco pode.
Mas se lá funcionou, aqui é uma sucessão de fracassos. O governo argentino vem há tempos impondo restrições às importações brasileiras. Do principal sócio! Como esperar que tope negociar abertura comercial com os EUA ou Europa?
Quer dizer, até negocia, mas para nunca chegar a qualquer resultado. Por exemplo, o Mercosul é o bloco que há mais tempo conversa com a União Europeia. Países que começaram depois, como o Chile, já fecharam o negócio.
Muita gente por aqui diz que Chile, Colômbia e Peru têm parques industriais limitados e, por isso, mais facilidade para acertar acordos com países avançados. Estes teriam interesse especial na exportação de produtos industrializados, o que seria uma ameaça para as fábricas brasileiras, mais amplas do que nos vizinhos.
Mas a Coreia do Sul, que é mais industrializada, tem acordo com os EUA e com a União Europeia.
Na verdade, o governo Lula fez uma opção ideológica: sem conversa com os EUA e ponto final. Claro que certos acordos podem ser desfavoráveis - por isso a negociação precisa ser cuidadosa -, mas o ponto é outro: o governo brasileiro simplesmente não quis nem começar a conversa. Alca é tentativa de dominação dos EUA, e ponto final. Acordo com os EUA é entregar nosso mercado.
Vai daí, Lula saiu por aí tentando organizar os países do Sul, os pobres, contra o Norte. Muitos desses países manifestaram apoio a essa estratégia, até entraram em organizações como a Unasul, da turma da América do Sul.
Mas continuaram tocando sua vida. Considerem a Colômbia: tem 44 tratados de livre comércio, inclusive com o Mercosul! Idem para o Chile. Eles não são bobos, gostam de muitos "acordinhos".
O Brasil está com um Mercosul desmantelado e seus produtores enfrentando problemas mundo afora. No último dia 17, Delfim Netto, em artigo no jornal "Valor Econômico", mostrou um resultado específico e grave dessa diplomacia: dos 20 maiores produtores de café, o Brasil é o que paga as taxas mais altas de exportação. Na União Europeia, por exemplo, o café brasileiro paga 9%; Colômbia, México e Equador estão isentos.
No Japão, um dos principais destinos do café nacional, a taxa "brasileira" para o solúvel é de 8,8%. Dos concorrentes, de zero a 1,1%.
Hillary Clinton mencionou acordos de livre comércio, mas, como o governo Dilma segue na mesma linha de Lula, a secretária americana tratou do tema que mais a interessa no momento: levar brasileiros para gastar dinheiro nos EUA.
Quando os EUA apertaram as exigências de visto, para quase todo mundo, tinham dois objetivos: prevenir o terrorismo e impedir a entrada de trabalhadores ilegais. O Brasil caía nos dois quesitos. Os americanos suspeitavam de grupos islâmicos em Foz do Iguaçu, na tríplice fronteira, e milhares de brasileiros tentavam mesmo buscar emprego nos EUA.
O Brasil, mesmo não sofrendo qualquer ameaça desse tipo vinda dos EUA, apertou também a concessão de vistos para os americanos. Reciprocidade diplomática.
Agora, quando tem mais emprego aqui do que lá e quando a ameaça terrorista parece controlada, os EUA estão facilitando os vistos para brasileiros. E o governo brasileiro?

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

A "nova geografia comercial", finalmente, não deu em nada...

Durante oito anos, para disfarçar um pouco -- mas apenas um pouco -- a forte inclinação anti-ricos e a opção preferencial pelos pobres (entenda-se, países pobres), ou seja a famosa "diplomacia Sul-Sul", inventou-se uma expressão, tirada do bolso do colete, que parecia ajustar-se às maravilhas nas necessidades legitimadoras desse forte penchant pelo Sul e desse desprezo pelo Norte: a expressão era "nova geografia do comércio internacional".
Por trás dessa infeliz trouvaille, estava uma realidade que na verdade era uma miragem, mas que parecia existir na cabeça dos seus proponentes: a mudança nos eixos do poder mundial pela alteração nos fluxos de bens e serviços, do sentido Norte-Sul (e vice-versa, mas com as inevitáveis conotações coloniais), para um sentido Sul-Sul, ou seja, entre países em desenvolvimento. Essa descoberta "genial" só era uma descoberta para os seus proponentes brasileiros, pois no resto do mundo as realidades eram outras.
Por um lado, os países dinâmicos da Ásia oriental, os emergentes exportadores do Pacífico, já tinham feito a sua própria "nova geografia comercial": eles exportavam aceleradamente produtos manufaturados -- primeiro com marcas e tecnologias ocidentais, depois com suas próprias marcas -- para os países desenvolvidos, no sentido Sul-Norte, portanto, aproveitando -- sem qualquer conotação ideológica, como aqui no Brasil se tentou dar -- todas as oportunidades oferecidas por mercados dinâmicos, consumidores vorazes, e solventes, ou seja, sem problemas de linhas de crédito não honradas, calotes bancários ou comerciais, etc.
Por outro lado, os mercados emergentes dinâmicos também passaram a exportar cada vez mais para outros mercados emergentes e mesmo alguns sub-emergentes, enfim, países em desenvolvimento que se integravam cada vez nos circuitos internacionais (também sem qualquer vezo ideológico).
Só o Brasil insistia no seu arsenal de bobagens: desprezou a promoção comercial nos países ricos, e direcionou todos os seus recursos para os países em desenvolvimento, tentado construir a sua tal de "nova geografia".
Ela acabou surgindo, mas não por obra do governo, que em princípio não exporta nada, pois são os empresários que tem de sair a vender.
Mas a nossa "nova geografia", afinal, não tem nada a ver com a política comercial do governo.
Os outros países mais compraram do Brasil do que este vendeu a eles, e esta é uma realidade elementar, bastando olhar a composição e o direcionamento do nosso comércio de exportação: o Brasil foi comprado, não vendeu commodities, que são cotadas internacionalmente e tem compradores onde quer que existam atividades industriais de transformação, que é exatamente o que fazem os asiáticos, que se alimentam com nossos produtos agrícolas e produzem manufaturados com nossos minérios de ferro e outros primários.
Quando se contar a história real -- não a propaganda, como faz o governo -- de todas as políticas implementadas ao longo dos últimos oito anos, com base em dados fiáveis, não em montagens publicitárias, se poderá separar fato da ficção, e assim superar a nuvem de otimismo delirante que foi despejada sobre nós durante todo esse tempo. Estará então na hora de enterrar as bobagens que nos foram servidas impunemente durante tanto tempo, entre outras, a tal de "nova geografia do comércio internacional".
Paulo Roberto de Almeida

O Brasil e o comércio mundial
ALDO FORNAZIERI
O Estado de S.Paulo, 16 de janeiro de 2011

Uma nação adquire condições de se constituir em potência e de ocupar espaços e funções de hegemonia na medida em que se habilita a exportar excedentes. Esses excedentes podem ser de diversas ordens, mas os principais são: militar, comercial, financeiro, político, diplomático, religioso, populacional, cultural, industrial e tecnológico. O excedente religioso já cumpriu um papel importante nos processos expansionistas, mas as duas formas preeminentes foram a militar e a comercial. Com o fim da 2.ª Guerra Mundial, com o equilíbrio nuclear (ex-União Soviética e Estados Unidos da América) e com a afirmação do Direito Internacional, o expansionismo militar ficou cada vez mais comprimido a partir da segunda metade do século 20. O fim da guerra fria e a interdependência econômica relativizaram ainda mais as possibilidades de uso e de êxito do expansionismo militar. Sua função subsidiária de outras formas de expansionismo, contudo, permanece muito relevante. E nada indica que no futuro não possa vir a ser novamente uma forma prioritária de expansionismo.

A forma por excelência de expansionismo que se foi firmando no século 20 e, particularmente, no pós-guerra fria foi a comercial. Essa estratégia já estava inscrita de maneira consciente no processo de fundação dos Estados Unidos como nação independente e foi ratificada de modo eficaz na transição do século 19 para o século 20, com a preparação de uma poderosa diplomacia comercial.

Definido este preâmbulo e tomando como recorte apenas os últimos 20 anos, quando se iniciou a abertura econômica e comercial brasileira, cabe perguntar: o Brasil tem uma estratégia de expansão comercial? A resposta, stricto sensu, é não. Em que pese a triplicação das exportações nos últimos oito anos, nem mesmo no governo Lula foram dados passos significativos para a constituição dessa estratégia.

Durante o governo Lula o Brasil, certamente, ganhou mais peso e relevância internacionais. Isso, contudo, se deveu mais à exportação de um ativismo político-diplomático e à diplomacia presidencial, o que foi muito importante, do que a uma coerente, objetiva e realista política comercial. Mas se fazer uso do protagonismo de um estadista carismático é um instrumento expansionista válido, a força e a grandeza de uma nação perante as outras precisam se fundar na evidência interna e externa de seu poderio. O fato é que, no que tange ao comércio, o Brasil tem pouco peso, estando sua participação global em torno de 1% apenas.

Outro fator que vem projetando relevância do Brasil no mundo é o dinamismo interno de sua economia e a adoção de políticas macroeconômicas prudentes. Mas, tendo em vista que a expansão da economia pelo dinamismo interno não é infinita - ela se define pelo processo de superação da pobreza e ampliação do consumo -, o País não pode negligenciar a ocupação de espaços externos de comércio e de multinacionalização de empresas - que é um fator que o dinamiza. Uma das regras da globalização mostra que os Estados e as economias que não se internacionalizam passam a sofrer impactos estratégicos negativos do sistema interdependente.

Em certo sentido é possível dizer que as exportações brasileiras cresceram, nos últimos anos, apesar da política externa, contaminada por um viés ideológico. O Brasil cresceu como exportador a partir daquilo que a natureza lhe dá como possibilidade imediata de potência: commodities, agricultura, agroindústria. A proporção de produtos exportados de alta, média e baixa intensidade tecnológica vem caindo, o que indica que o País não se está habilitando no que diz respeito à competitividade baseada no conhecimento e na tecnologia.

Em termos comparativos, a China vem se tornando um gigante exportador perfazendo um caminho diverso: adota uma crescente estratégia de inserção global desde o início da década de 1980, vem criando um sistema sino-cêntrico de comércio mundial e exporta produtos com valor agregado, mesmo que sejam intensivos em mão de obra barata. Nesses termos, sabendo que existe um grau de autonomia entre política comercial e política externa, pode-se estabelecer que, se um dos objetivos centrais do Brasil no mundo globalizado deve ser sua expansão comercial, a política externa deve estar a serviço desse objetivo, e não o contrário - a subordinação da política comercial à política externa.

A ausência de uma estratégia de expansão comercial pode ser percebida em outro lugar: a precária infraestrutura e os custos portuários e de logística. Não existem no País plataformas logísticas modernas de exportação. A própria legislação é, em vários casos, um entrave às exportações. E apesar de o Brasil ter sido um dos mais ativos demandantes de investigações na Organização Mundial do Comércio (OMC), é possível dizer que não existe uma sólida política de defesa comercial.

O Brasil não patrocinou tratados de livre-comércio, bilaterais ou multilaterais, nos últimos 20 anos. O nosso vizinho Peru é um caso prolífico e bem-sucedido na aplicação de tratados de livre-comércio. Chama a atenção também a forma pouco prática como o nosso país vem tocando suas relações com a América do Sul e a América Latina. O Mercosul é um ente que se vem arrastando ao longo dos anos, com poucos avanços. Em relação à América do Sul, não há uma aposta efetiva e coordenada no sentido de integrar a região em termos comerciais, energéticos, infraestruturais, de investimentos, serviços e mercado de capitais. Já quanto à América Central e ao México, as relações vão pouco além da declaração de intenções. Com os Estados Unidos passamos à condição de deficitários. O México tem mais de 100 milhões de habitantes e o nosso comércio bilateral gira em torno de apenas US$ 5 bilhões. A América Latina tem mais de 500 milhões de habitantes, o que faz da região um mercado global considerável.

Enquanto a China está cada vez mais presente com objetivos claros nos países da região, não se vê o Brasil fazendo o mesmo.

DIRETOR ACADÊMICO DA FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO (FESPSP)

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Comércio exterior do País depende de cinco produtos
O Estado de S.Paulo, 15 de janeiro de 2011

O jornal Valor mostrou há poucos dias como as exportações do Brasil dependeram de um número reduzido de commodities e também do mercado chinês: cinco commodities (minério de ferro, petróleo bruto, complexo soja, açúcar e complexo carne) representaram no ano passado 43,3% do total das exportações, compradas essencialmente pela China.

O Brasil virou exportador de commodities, enquanto durante muitos anos procurou criar uma indústria capaz de substituir os produtos manufaturados importados - o que, nos últimos anos, parecia uma tentativa bem-sucedida. Ora, o que aparece é um crescimento constante da participação de cinco commodities no total das exportações. Tais produtos, em 2004, eram responsáveis por 20,04% das exportações, e essa participação mais que dobrou até 2010.

O minério de ferro é o grande responsável por essa evolução, e seu preço em dezembro de 2010 era 142,2% maior do que no mesmo mês de 2009, e o volume exportado, 27,2% maior. O mercado chinês é o maior comprador do minério, cuja exportação, que cresceu regularmente nos últimos anos, representou 4,53% das exportações totais em 2004 e 14,3% no ano passado.

Convém notar que a China está comprando minas de minério de ferro ao redor do mundo, para assegurar seu abastecimento, ao mesmo tempo que está constituindo estoques com a perspectiva de forçar uma baixa dos preços dessa commodity no futuro, uma vez que a sua produção de aço deverá se estabilizar em um prazo não muito longo.

Um outro produto que teve forte elevação de preço foi o açúcar, mas com flutuação ao longo do período, indicando que a sua exportação é muito ligada às condições climáticas.

O petróleo bruto também exibiu um forte aumento nas exportações: sua participação no total passou de 2,62% em 2004 para 8,48% no ano passado. Podemos imaginar que essa participação vai aumentar com a exploração do pré-sal, mas é provável que seu preço cairá.

O Brasil apresenta uma diferença dos outros países exportadores de commodities: tinha realizado com sucesso uma política de substituição das importações de produtos manufaturados, mas desde o ano passado a sua produção industrial estagnou, enquanto aumentavam os componentes importados na sua produção, e a participação de manufaturados no total das exportações caía de 44,0%, em 2009, para 39,4%, no ano passado, crescendo apenas 17,7%, para um crescimento total de 31,4%.