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quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Falta uma estrategia? Pois nao, aqui tem uma... - Marcos Troyjo, Paulo Roberto de Almeida

Marcos Troyjo, no seu artigo semanal da FSP, reclama da falta de uma estratégia clara por parte do governo lulopetista que nos assalta atualmente. Concordo, mas se formos esperar por uma, esperaremos muito: os caras estão mais perdidos do que cego em tiroteio, como se diz, e não se pode esperar que desse mato saia cachorro, nem coelhos.
Eles, na verdade, estão matando cachorro a grito, atirando para todo lado, sobretudo contra os brasileiros, todos eles, pobres (ICMS, aumentos de tarifas públicas em todos os setores, sobretudo eletricidade), classe média (imposto de renda, impostos sobre serviços, combustíveis) ou empresários (torniquete nos recolhimentos, aumento de juros, fim de subsídios, etc.), e até contra os pobres beneficiários do curral eleitoral das supostas bolsas-pobre (com aumento generalizado da inflação).
Portanto, não esperem nada do lulopetismo.
Transcrevo abaixo o seu artigo, mas antes permito-me colocar a minha "estratégia" para o Brasil sair do buraco.
Resumi a natureza das medidas num artigo escrito em inglês, ainda não publicado, do qual transcrevo a última parte, apenas algumas linhas:
" Uncertainty, and insecurity, those are the words of the moment in Brazil. How an entrepreneur can make plans for a year, two years, or five years ahead? This complex set of problems require, at the same time: (a) urgent measures that have to be adopted in terms of fiscal adjustment, followed by (b) medium term decisions that have to be taken aiming to a certain number of reforms pointing to confidence building measures to facilitate the return of investments, and (c) the launching of a long term program of structural adjustments in order to create a new institutional framework looking for the recovery of competitiveness of the Brazilian industry, and creating a solid basis for a productivity overhaul of the economy.
Who will deliver all that? No guesses for the moment…" (Hartford, October 13, 2015)

Mas, dez anos atrás, eu já alinhava o meu conjunto de reformas, que pode constituir uma estratégia para "salvar" o Brasil. Antes precisamos expulsar os petralhas do poder, pois com eles não podemos esperar nenhuma reforma consistente, só continuação do desgoverno, da corrupção e da roubalheira.

1. Reforma política, a começar pela Constituição: seria útil uma “limpeza” nas excrescências indevidas da CF, deixando-a apenas com os princípios gerais, remetendo todo o resto para legislação complementar e regulatória. Operar diminuição drástica de todo o corpo legislativo em todos os níveis (federal, estadual e municipal), retirando um custo enorme que é pago pelos cidadãos; Proporcionalidade mista, com voto distrital em nível local e alguma representação por lista no plano nacional, preservando o caráter nacional dos partidos.
2. Reforma administrativa com diminuição radical do número de ministérios, e atribuições de diversas funções a agências reguladoras. Privatização dos grandes monstrengos públicos que ainda existem e são fontes de ineficiências e corrupção, no setor financeiro, energético, e outros; fim da estabilidade no serviço público.
3. Reforma econômica ampla, com diminuição da carga tributária e redução das despesas do Estado; aperto fiscal nos “criadores de despesas” irresponsáveis que são os legislativos e o judiciário; reforma microeconômica para criar um ambiente favorável ao investimento produtivo, ao lucro e para diminuir a sonegação e a evasão fiscal.
4. Reforma trabalhista radical, no sentido da flexibilização da legislação laboral, dando maior espaço às negociações diretas entre as partes; extinção da Justiça do Trabalho, que é uma fonte de criação e sustentação de conflitos; Retirada do imposto sindical, que alimenta sindicalistas profissionais, em geral corruptos.
5. Reforma educacional completa, com retirada do terceiro ciclo da responsabilidade do Estado e concessão de completa autonomia às universidades “públicas” (com transferência de recursos para pesquisa e projetos específicos, e os salários do pessoal remanescente, mas de outro modo fim do regime de dedicação exclusiva, que nada mais é do que um mito); concentração de recursos públicos nos dois primeiros níveis e no ensino técnico-profissional.
6. Abertura econômica e liberalização comercial, acolhimento do investimento estrangeiro e adesão a regimes proprietários mais avançados.
(Brasília, 15 de dezembro de 2005)

Paulo Roberto de Almeida
PS.: Pois é, vai demorar um bocado para implementar reformas do tipo que eu menciono acima. Mais ou menos duas ou três gerações, ou seja, entre 75 e 100 anos. Não me esperem até lá...


'É a ausência de estratégia, estúpido!'
MARCOS TROYJO
FSP, 13/01/2016

No Brasil há muito sofrimento, pouco sacrifício

Num recente texto publicado no UOL, o professor Carlos Primo Braga, do IMD (Suíça), relembra uma conhecida ação de marketing político que se notabilizou durante a disputa pela Casa Branca no início dos anos 1990 entre George Bush, que buscava reeleição, e o jovem governador do Arkansas, Bill Clinton.

Um dos estrategistas de Clinton, James Carville, explorou a conjuntura de estagnação do produto norte-americano ao propor o bordão "É a economia, estúpido!".

A frase viralizou e, mais que isso, ajudou a criar a contraposição entre um governante de perfil "velha economia" (Bush) e uma estrela ascendente da política (Clinton) que já se associava à nascente revolução da internet e suas empresas "pontocom".

Primo Braga compõe uma interessante analogia com o atual momento brasileiro. No nosso caso, para além de uma conjuntura internacional adversa –aumento das taxas de juros internacionais, desaceleração da China etc –, contribuem também o esgotamento da modalidade brasileira de capitalismo de Estado, tal como implementada pelo lulopetismo, e as barbeiragens na condução macroeconômica dos últimos seis anos.

Para agravar ainda mais a desarrumação, acirrou-se a "guerra" entre o Planalto de Dilma e a Câmara de Eduardo Cunha, cuja principal batalha se afigura com a abertura do processo de impeachment.

Por isso tudo, a melhor interpretação do quadro brasileiro viria com um "É a política, estúpido!".

Zhang Duo - 30.nov.2015/Xinhua   
A presidente Dilma Rousseff e o líder chinês Xi Jinping se cumprimentam durante encontro em Paris
A presidente Dilma Rousseff e o líder chinês Xi Jinping se cumprimentam durante encontro em Paris
Longe de mim minimizar a complexa gestão macroeconômica cotidiana ou a importância do diálogo construtivo entre Executivo e Legislativo. Tampouco se deve subestimar uma conjuntura global adversa para exportadores de commodities.

A questão é que, caso se prolongasse o período de "largesse" do afrouxamento monetário no Ocidente, o preço das commodities agrícolas e minerais continuasse lá em cima e Planalto e Congresso trabalhassem em harmonia, isso não bastaria para pavimentar o caminho brasileiro a tornar-se um país de renda per capita superior a US$ 20 mil no espaço de uma geração.

Realisticamente, se consideramos o intervalo 1980-2020, o Brasil terá acumulado duas décadas perdidas em quarenta anos. É tempo demais relegado ao ferro-velho da história.

E vale ressaltar que, na década passada, ainda fomos extremamente beneficiados por reformas empreendidas na segunda metade dos anos 1990 e pela ascensão dramática da China, com seu robusto apetite pelas matérias-primas de que dispomos em abundância.

MUITO SOFRIMENTO, POUCO SACRIFÍCIO

O Brasil já conheceu o céu e o inferno em termos de conjunturas internacionais mais ou menos propícias; já se governou com mais ou menos coesão entre os Poderes. O que o país jamais adotou foi uma estratégia de economia política que lhe permitisse a inserção competitiva no cenário global.

Ter uma estratégia não é prerrogativa de sociedades politicamente fechadas. É bem verdade que podem se observar diferentes graus de "consenso forçado" nas experiências históricas de Cingapura, Chile ou China.

Também é correto, contudo, enxergar movimentos (muitas vezes corretivos) de estratégia para a prosperidade em sociedades abertas de diversas filiações culturais, como Espanha, Reino Unido, Coreia do Sul ou EUA.

Também não demanda poderes extraordinários de visão ou ensaios de futurologia. Exige uma liderança capaz de arregimentar uma boa equipe, diagnósticos minimamente corretos sobre a direção em que o mundo está indo, planos de ação e eficiente execução.

E, no limite, estratégia exige algum grau de sacrifício –um esforço em nome do que é sagrado. No Brasil, historicamente há muito sofrimento e pouco sacrifício.

Essas não são apenas transposições de manuais de administração de empresas para o campo do desenvolvimento internacional. São as inescapáveis precondições que se exigem para que os países decolem.

No novo jogo global em que estamos entrando –e que durará ao menos um quarto de século– os pontos cardeais da "reglobalização" encontram-se bem delineados. Fortalecimento dos acordos plurilaterais, proeminência da "Chíndia", a volta da geopolítica e novo ciclo de prosperidade movido pelo talento.

Para isso bastam ajustes na política cambial ou de juros? É suficiente o estabelecimento de alianças que permitam ao Planalto maioria no Parlamento? Tudo se obtém com mudanças de governo que favoreçam a volta da "confiança"?

Essas características, todas com considerável peso relativo, nem de perto englobam o tamanho dos desafios do país.

O melhor slogan a explicar o impasse brasileiro talvez seja "É a ausência de estratégia, estúpido!"

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcostroyjo/2016/01/1728808-e-a-ausencia-de-estrategia-estupido.shtml
Mt2792@columbia.edu
@MarcosTroyjo

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Eleicoes 2014: esvaziando Aecio desde ja?

Também pode ser uma estratégia do alto comando da máfia, ops, dos companheiros para liquidar um candidato agora e depois se atacar ao "inimigo" principal, a beata da floresta, que poderia eventualmente ser destruida pela artilharia pesada de graudos chefes de gangue.

Paulo Roberto de Almeida 

Ideia de renúncia, para apoiar Marina, ronda Aécio Neves

SÃO PAULO  -  A ideia da renúncia seguida do apoio a Marina Silva ronda o candidato Aécio Neves, segundo reportagem exclusiva publicada no Valor PRO, serviço de notícias em tempo real do Valor. Seria a maneira de despachar o PT já no primeiro turno das eleições, sem correr o risco de uma eventual virada no segundo turno, algo que até hoje não ocorreu nas eleições, desde 1989, quando foi restabelecida a eleição direta para presidente da República.
Aécio tem prazos. Assim como o PT, o candidato do PSDB apostou na polarização e se deu mal. Contra a maioria das apostas no PSDB, Aécio ainda acredita numa resposta positiva do eleitorado, em meados de setembro, quando aposta que sua propaganda eleitoral começará a apresentar resultados. De qualquer forma, o programa de Aécio, cada vez mais, fala para Minas Gerais.
Mal na disputa presidencial, Aécio também enfrenta problemas em Minas, onde seu candidato ao governo do Estado, Pimenta da Veiga, está comendo poeira no rastro de Fernando Pimentel, o único petista a liderar a corrida para o governo do Estado, nos quatro maiores colégios eleitorais. O próprio Aécio não tem o desempenho esperado em Minas. Em algum momento da campanha, o candidato terá de se concentrar na campanha mineira, de modo a assegurar sua base de apoio mineira para as próximas eleições.
Também não é certo, a esta altura, que se Aécio desistir e apoiar Marina a fatura será liquidada no primeiro turno. Hoje a presidente está consolidada no segundo turno, graças sobretudo ao forte apelo que seu nome mantém nas regiões Norte e Nordeste. O problema de Dilma é que ela não amplia nem para o primeiro nem para o segundo turno, conforme demonstram as últimas pesquisas.
É improvável que Aécio aceite algum tipo de acordo com Marina já no primeiro turno, mas o simples f to de a proposta circular nas áreas afins ao candidato, eleitores fiéis que agora pensam no voto útil em Marina, dá uma ideia do tamanho do apoio que se delineia em torno da candidata do PSB. Na hora em que o PT perder a eleição, a disponibilidade dos o utros partidos para se aproximar será grande.
No segundo turno, a tendência do PSDB é apoiar Marina Silva e ajudá-la a governar, se ela for eleita, como apontam as pesquisas. Ao contrário do que aconteceu em 1992, quando era oposição e se recusou a compor com o governo Itamar Franco, o PT tem muitos interesses em jogo e deve  pensar com mais receptividade a ideia de dar apoio congressual a Marina. O problema é que Marina se tornou a primeira opção ao PT.  O mercado financeiro é parceiro de Marina porque não quer o PT no governo.
Nos cálculos dos políticos mais experientes, Marina não precisará compor com o PT. Ela pode fazer maioria tranquila com partidos médios e apoios nos maiores, mas, sobretudo, vai jogar luz sobre o Congresso. Marina terá uma agenda dura, para trazer as pessoas da rua, os manifestantes de junho. É evidente que haverá gente no Congresso tentando esconder com mão de gato, mas será muito mais difícil com uma relação transparente.
Dilma, no momento, tem maioria instável no Congresso. Pode-se afirmar que Marina deve ter uma minoria estável. Ela também vai contar com o apoio da mais tradicional sigla brasileira, o PG, o Partido do Governo, aquele que está com qualquer que seja o presidente no Palácio do Planalto. Mas a candidata do PSB também quer  inverter a lógica adotada pela presidente para a nomeação dos ministros.
Assim, não será o PSDB, por exemplo, que vai dizer “eu quero fulano”. Marina vai escolher, até porque poderá dizer que não tem interesse na reeleição. É uma negociação que não está sobre a mesa. E quando fala que não quer disputar um segundo mandato, Marina Silva desarma os partidos e seus eventuais candidatos em relação a ela. Pode montar um ministério de melhor qualidade. Eduardo Campos, o candidato cuja morte virou de ponta cabeça a  sucessão presidencial, era mais gestor e menos equipe. Marina, que o sucedeu, é menos gestora mas tem mais equipe
O PSDB deve declarar apoio a Marina Silva no segundo turno da eleição, se as pesquisas atuais forem confirmadas em 5 de outubro. A dúvida no entorno da candidata do PSB é sobre o apoio do PT. Afinal, Lula é candidato declarado em 2018. O fato de Marina não querer disputar um novo mandato ajuda um entendimento, se houver convencimento de que ela não cederá a pressões para permanecer, caso faça um bom governo.
A situação do PT hoje é muito diferente daquela vivida quando o partido teve de decidir se apoiava ou não Itamar Franco, após o impeachment de Fernando Collor. Não se trata simplesmente de uma questão de manter cargos, isso também existe, mas de projetos e políticas em andamento que são muito caras ao partido. Diz um integrante da coordenação da campanha de Dilma: “Na época do governo Itamar nós éramos oposição. Agora, com um monte de gente no governo, nós vamos ficar”.


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sábado, 20 de julho de 2013

Amorim: oposição brasileira à Alca mudou agenda da América do Sul

Mudou, sim, claro que mudou. Imediatamente após a implosão da Alca pelos companheiros -- with a little help from their friends, Chávez and Nestor -- os países interessados fecharam negociações bilaterais ou plurilaterais com os Estados Unidos e grande parte deles assinou acordos de livre comércio.
Com isso mudou completamente a tal de "geografia comercial" da América do Sul: os países interessados em livre comércio, em integração à economia mundial, seguiram em frente, assinaram acordos com os EUA, com a UE, com parceiros asiáticos e aumentam seu acesso a mercados desenvolvidos e seu volume de exportação mundial.
Os países que preferiram ficar protegendo o mercado interno contemplam mercados diminuídos, concorrência "desleal" de parceiros asiáticos (logo eles, que deveriam ser aliados na luta contra os hegemônicos) e possuem hoje uma margem de manobra muito mais reduzida em termos de política comercial e de acesso a mercados, provavelmente caminhando para a marginalização e o velho protecionismo de décadas passadas.
Essa é a mudança da agenda na América do Sul que ocorreu.
Atualmente, a agenda está assim: de um lado o Mercosul, desejando se expandir de qualquer maneira, sem qualquer critério de política comercial coerente com os propósitos do Tratado de Assunção; de outro os bolivarianos, que acham que vão fazer a Alba, o Sucre e outras maravilhas da integração protegida, mercantilista, estatizante; e por fim os países da Aliança do Pacífico, que avançam no comercio livre entre si (mas isto é o menos relevante no esquema) e se preparam para integrar os esquemas comerciais, de investimentos e de cooperação econômica da grande bacia do Pacífico.
Esta é a nova agenda, esta é a nova geografia do comércio internacional.
O Brasil deve agradecer aos companheiros que pelo menos se preocupam em proteger o emprego interno. Por enquanto...
Paulo Roberto de Almeida

Para Amorim, oposição brasileira à Alca mudou agenda da América do Sul
Da Rede Brasil Atual, 20/07/2017

Amorim definiu os novos ares da chancelaria brasileira como o início de uma política externa “altiva e ativa” 

“Em minha experiência de 50 anos em relações exteriores, posso dizer que derrubar um projeto prioritário dos Estados Unidos não é uma coisa fácil”, disse o embaixador Celso Amorim, ao falar dos esforços empenhados pelo Itamaraty junto aos países da região para barrar o avanço da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), enterrada em 2005 durante a Cúpula das Américas, na Argentina. 
Hoje ministro da Defesa, Amorim liderou a chancelaria brasileira por oito anos, durante os dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva. “A Alca já estava morta quando os presidentes se posicionaram fortemente contra a iniciativa, em Mar del Plata. Mudamos a agenda da América do Sul.”

A Alca foi um dos principais exemplos elencados por Amorim para demonstrar a mudança de rumos da diplomacia brasileira a partir da eleição de Lula, em 2003, e de sua posse como ministro de Relações Exteriores. 
O grande significado da vitória de Lula era a consciência do povo de que era possível mudar seu próprio destino, a ideia de que, sim, era possível mudar o Brasil”, lembrou, durante discurso na terça-feira (16) na Conferência Nacional “2003-2013: Uma Nova Política Externa”, promovida em São Bernardo do Campo (SP) pela Universidade Federal do ABC e pelo Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais, que reúne entidades sociais, políticas e sindicais interessadas no tema. 
“Para isso, era preciso também mudar de atitude na política externa.”

Em poucas palavras, Amorim definiu os novos ares da chancelaria brasileira como o início de uma política externa “altiva e ativa”. Esta definiu-se basicamente, explica, pela adoção de um protagonismo internacional até então inédito no Itamaraty. E que muitas vezes acabou colocando o país em rota de colisão com os interesses dos Estados Unidos, como no caso da Alca, principal projeto de Washington para a América Latina no final do século 20 e início do 21. “A oposição e os meios de comunicação diziam que o Brasil e o Mercosul ficariam isolados se não fechassem o acordo”, lembra. “Mas como é que isso seria possível se a Alca queria mesmo era obter concessões do Brasil e do Mercosul? Os negociadores norte-americanos sabiam disso e fizeram de tudo para chegar a um entendimento conosco.”

Celso Amorim afirma que os Estados Unidos começaram a falar sobre a Alca quando era ministro de Relações Exteriores do presidente Itamar Franco, entre 1993 e 1995. O chanceler já via o projeto com desconfiança desde então, mas explica que, na época, não havia condições geopolíticas para opor-se logo de cara à iniciativa. 
“Se tivéssemos feito isso, o Mercosul possivelmente teria acabado”, conta. 
“Com Carlos Menem na Presidência e Domingo Cavallo como ministro da Economia, a Argentina era favorável ao tratado de livre comércio com Washington. Então insistimos em retomar a negociação dali a dez anos, alegando que precisávamos de tempo. Tempo é importante em diplomacia: quando você não pode enfrentar determinadas situações, você tenta ganhar tempo para que as coisas possam mudar.”

E o quadro realmente mudou. Amorim reconhece que, em meados dos anos 1990, não havia qualquer indício de que Lula poderia ser eleito em 2003. Mas, com o petista no Planalto, além de presidentes de esquerda em vias de eleição ou já no poder na América do Sul, houve condições para mudar o patamar de negociação. “O que estava colocado para nós era muito negativo para o Brasil. Os assuntos que nos interessavam estavam sempre em segundo plano, como o fim dos subsídios agrícolas e as medidas antidumping. Por outro lado, questões ligadas aos interesses dos Estados Unidos iam assumindo prioridade: serviços, investimentos, propriedade intelectual, que para nós eram muito prejudiciais”, lembra. “A própria negociação da Alca nos desfavorecia.”

O ex-chanceler conta que, para frear as pretensões dos Estados Unidos, o Itamaraty foi buscar apoio dos países da região, principalmente do Mercosul. Com Menem fora do governo argentino, que em 2003 era liderado pelo neoliberalismo mais moderado de Eduardo Duhalde, Amorim afirma que foi paulatinamente costurando acordos de atuação conjunta entre os vizinhos para se contrapor às pressões de Washington. E se apressou para revelar a disposição do Brasil em não assinar o acordo da Alca, como estava colocado até então, já na primeira reunião com empresários argentinos de que participou como ministro. “A Argentina tinha algumas reclamações em relação ao Brasil no Mercosul, algumas legítimas, e por isso a essência da nossa posição era a seguinte: seríamos flexíveis dentro do Mercosul, mas queríamos atuar conjuntamente, unidos, em relação à Alca.”

Amorim afirma que a mesma proposta foi feita a empresários e autoridades uruguaias e paraguaias logo em seguida. O resultado foi que, na reunião seguinte do Mercosul, o Brasil aceitou “na prática” o conceito de assimetria regional – uma velha bandeira dos governos de Paraguai e Uruguai dentro do bloco por terem uma economia menos pujante que as economias brasileira e argentina. “Sacrificamos alguns interesses imediatos nossos, mas em benefício de um interesse muito maior, que era uma posição comum na Alca”, reconheceu. “Progressivamente, os países do Mercosul foram assumindo posição mais próxima à nossa, até que pudemos chegar a Miami, na reunião que finalizaria as negociações da Alca, com um projeto de acordo razoável.”
Isso não significa que o ministro tenha se arrependido por não tê-lo assinado.
 “De qualquer maneira, havia um elemento hegemônico na Alca que iria predominar”, afirma, em referência aos Estados Unidos. “Mas transformamos a Alca num acordo menos torto.” 


Aqui radica a razão pela qual, segundo Amorim, o projeto já estava morto quando foi repelido em uníssono por vários presidentes sul-americanos na Cúpula de Mar del Plata. “Na medida em que conseguimos desentortá-lo, o acordo deixou de ser interessante para uma grande parte dos Estados Unidos. E, num processo que ainda durou mais um ano e meio ou dois, a Alca acabou sendo abandonada.