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terça-feira, 12 de julho de 2011

Livro: Potencia Brasil: gas e petroleo: disponível livremente

Um livro de que participei, com um capítulo sobre Monteiro Lobato e a emergência da política do petróleo no Brasil, encontra-se disponível para download no site de Via Política. Ver também a ficha do livro e a capa no meu site.
Abaixo o indice para os interessados:

Potência Brasil: Gás natural, energia limpa para um futuro sustentável
Editores: Omar L. de Barros Filho e Sylvia Bojunga
(Porto Alegre: Laser Press, 2008)

Disponível no site de Via Política: http://www.viapolitica.com.br/paginas_extras/leia_potencia_brasil.htm

Índice

Palavra dos editores
Abrindo janelas no campo da energia
Por Omar L. de Barros Filho e Sylvia Bojunga

Monteiro Lobato e a emergência da política do petróleo no Brasil
Por Paulo Roberto de Almeida

A energia como chave do processo de integração regional
Por Daniel García Delgado

Integração energética do subcontinente: novas oportunidades e desafios
Por Luiz Alfredo Salomão e José Magalhães da Silva

Cenários energéticos para o futuro
Por João Carlos França de Luca

A política energética brasileira e o gás natural boliviano
Por José Alexandre Altayde Hage

Construindo a infra-estrutura para o uso do gás natural
Por Armando Martins Laudório

Gás natural: alternativa de desenvolvimento para o RS
Por Percy Louzada de Abreu

Perspectivas da utilização do biogás como fonte de energia
Por José Goldemberg, Suani Teixeira Coelho e Vanessa Pecora

Sobre os autores

Artur Lorentz, diretor-presidente da Companhia de Gás do Rio Grande do Sul - Sulgás

Daniel García Delgado, Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), Argentina.

Luiz Alfredo Salomão, consultor da Petrobras nas áreas de Estratégia e Desempenho Empresarial, Negócios Internacionais e Petroquisa, coordenador do projeto Rede Externa de Inteligência Sobre Energia (REISE) e José Malhães da Silva, consultor da Petrobras, membro do Comitê Brasileiro do Conselho Mundial de Energia (World Council of Energy) e da World Energy Efficiency Association.

José Alexandre Altayde Hage, doutor em Ciência Política pela Unicamp, consultor do núcleo de negócios internacionais da Trevisan Consultoria.

Armando Martins Laudório, presidente da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado - Abegás.

Percy Louzada de Abreu, engenheiro civil, consultor da Petrobras, onde trabalhou de 1962 a 1999, exercendo as funções de diretor e presidente da Petrobrás Gás e da Petrobrás Química. É também conselheiro da Sociedade de Engenharia do Rio Grande do Sul.

José Goldemberg, Graduado em Física, Doutor em Ciências Físicas e Pós-Doutor pela Universidade de São Paulo; Professor e Orientador do Programa Interunidades de Pós-Graduação em Energia da Universidade de São Paulo (PIPGE); Presidente do Conselho Gerenciador do CENBIO; Secretário Estadual do Meio Ambiente do Governo do Estado de São Paulo (2002 a 2006); autor de inúmeros artigos e livros sobre energia, meio ambiente e desenvolvimento sustentável, com vasta experiência em projetos de geração de energia a partir de biomassa.

João Carlos França de Luca, presidente da Repsol/YPF no Brasil e do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás - IBP.

Paulo Roberto de Almeida, doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas (1984) e mestre em Planejamento Econômico e Economia Internacional pelo Colégio dos Países em Desenvolvimento da Universidade de Estado de Antuérpia (1976), escritor e diplomata de carreira.

Omar L. de Barros Filho e Sylvia Bojunga, jornalistas e editores.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Odor de petroleo: sempre malcheiroso, e tendente a corrupcao

Percorrendo uma livraria recentemente, o que faço de modo muito frequente, como já é do conhecimento de quem frequenta este blog, deparei com um livro que eu já tinha lido, e que tenho, em sua primeira edição original:

Daniel Yergin"
The Prize: The Epic Quest for Oil, Money and Power
(New York, Simon and Schuster, 1991, 877 pp)

As resenhas que fiz, na ocasião, da edição americana e sua tradução brasileira, vão aqui referidas a partir da minha lista de publicados:

092. “O ‘Prêmio’ do poder mundial é o petróleo”, Correio Braziliense (Brasília: 3 de agosto de 1992, p. 6, Caderno Internacional) [Resenha crítica do livro de Daniel Yergin, The Prize: The Epic Quest for Oil, Money and Power (New York, Simon and Schuster, 1991, 877 pp)]. Relação de Trabalhos nº 219.

138. “[Odor de Petróleo]”, Revista Brasileira de Política Internacional (nova série: Brasília: ano 36, nº 1, 1993, pp. 158-163) [Resenha do livro de Daniel YERGIN, O Petróleo: Uma História de Ganância, Dinheiro e Poder (São Paulo: Scritta Editorial, 1992, 932pp.)]. Relação de Trabalhos nº 337.

Trata-se, provavelmente, da melhor história do petróleo disponível no mercado, embora existam muitos outros livros mais.
Aliás, comprei na minha última passagem pelos Emirados, mais exatamente em Dubai, este livro que também recomendo:

Peter Maass:
Crude World: The Violent Twilight of Oil
(dispenso-me de dar os dados editoriais completos, pois este livro acaba de me ser roubado, quando eu já estava em seu final, o que me impede, temporariamente, de fazer notas e comentários mais elaborados. Voltarei a ele, oportunamente.)

Bem, voltando a livro de Yergin, a edição brasileira, uma nova, é esta aqui:

Daniel Yergin:
O Petróleo: Uma história de conquistas, poder e dinheiro
tradução de Leila Marina U. Di Natale, Maria Cristina Guimarães, Maria Christina L. de Góes; edição Max Altmann
(São Paulo: Paz e Terra, 2010, 1080 p.; copyright Daniel Yergin, 1991, 1992, 2009; ISBN: 978-85-7753-129-5)

Trata-se, portanto, de uma nova edição, como pude constatar, na verdade uma mera atualização, já que a primeira edição terminava na primeira guerra do Golfo, aquela que expulsou o Saddam Hussein do Kuwait. Na verdade, Yergin acrescentou apenas um "Epílogo: A Nova Era do Petróleo" (p. 887-900), trazendo os dados até 2008 (quando o barril do petróleo andava a 147 dólares, e a gasolina custa 4 dólares o galão, nos postos americanos).

Creio que a editora Paz e Terra não foi muito honesta em sua política editorial, ainda que tenha procurado disfarçar seu gesto, colocando uma nota de advertência, para se precaver contra possíveis processos por apropriação de propriedade intelectual, ao se apropriar da tradução da edição anterior, sem mencioná-lo expressamente.
Com efeito, uma nota na página 4, reza literalmente:

"Foram feitos todos os esforços para contatar Maria Cristina Guimarães e Maria Christina L. de Góes. A editora Paz e Terra coloca-se à disposição das tradutoras e compromete-se a reparar erros ou omissões não intencionais, retificando-os, sempre que notificada."

Bem, não vou entrar na polêmica do aproveitamento da tradução anterior, mas como considero esse livro muito bom, e por isso recomendo aos leitores deste blog, vou permitir-me transcrever aqui minha resenha ampliada, que acho que nunca foi publicada em sua íntegra (pois parece que escrevo demais, e o editor da RBPI sempre mandava cortar meus artigos e resenhas).
Antes de fazê-lo, porém, permito-me remeter a dois outros trabalhos meus, sobre o mesmo tema, que retoma alguns dos temas -- e algumas passagens -- dessa resenha e do trabalho incluído no livro abaixo referido (e linkado):

860. “A economia mundial do petróleo”, Revista Acadêmica Espaço da Sophia (Ano 2, n. 19, outubro 2008, p. 1-10; ISSN: 1981-318X; link: http://www.revistaespacodasophia.com.br/no-19-out-2008/item/195-a-economia-mundial-do-petr%C3%B3leo.html). Relação de Trabalhos nº 1924.

865. “Monteiro Lobato e a emergência da política do petróleo no Brasil” In: Omar L. de Barros Filho e Sylvia Bojunga (orgs.), Potência Brasil: Gás natural, energia limpa para um futuro sustentável (Porto Alegre: Laser Press Comunicação, 2008, 144 p; ISBN: 978-82-61450-01-4; p. 12-33; link: http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/1925MonteiroLobatoPetroleoBr.pdf). Relação de Trabalhos nº 1925.

(Resenha)

Odor de Petróleo
Paulo Roberto de Almeida
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Daniel YERGIN: O Petróleo:
Uma História de Ganância, Dinheiro e Poder

São Paulo, Scritta Editorial, 1992, 932pp.
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Nos últimos três séculos, a sociedade ocidental conheceu sucessivas revoluções industriais, cada uma animada por um produto ou sistema produtivo específico: a máquina a vapor, o carvão e o aço, a química e a eletricidade, os novos materiais e a informática. Assim como a eletricidade — aliada à química — tinha sido o motor da segunda revolução industrial há cerca de um século, já se disse, metaforicamente, que o circuito integrado é a “máquina a vapor” da terceira, iniciada na década passada.
Mas, nada define melhor a moderna sociedade industrial do que o veículo automotor, em todas as suas variantes, do automóvel individual ao tanque militar; com todas as suas indústrias associadas, ele é a base inquestionável de uma civilização ainda em fase de expansão planetária O que tornou possível o desenvolvimento inaudito da civilização do automóvel foi um velho (e nauseabundo) conhecido do homem, a petra oleum dos romanos, o petróleo. Ele permeia diversas revoluções industriais ao mesmo tempo e permanecerá provavelmente, durante muito tempo ainda, como uma das bases materiais mais essenciais a qualquer tipo concebível de organização social da produção.
O impacto propriamente tecnológico do petróleo sobre a moderna sociedade industrial, apesar de imenso e multifacético, é normalmente descurado, talvez em razão da própria “normalidade” com que costumamos encarar a enorme quantidade de subprodutos do petróleo que frequentam nossa vida cotidiana. Isso é provavelmente devido à natureza evolutiva da indústria petrolífera, desde a etapa propriamente energética de utilização desse produto — sob a forma das “lâmpadas” do século passado — até as transformações tecnológicas mais sofisticadas do período atual. Mais do que “tomar de assalto” a sociedade contemporânea, o petróleo “impregnou” progressivamente todos os poros da moderna civilização industrial.
Como afirma Daniel Yergin em seu monumental livro, o petróleo tem sido, no docrrer do último século, um elemento essencial de poder nacional, um fator preponderante na economia mundial, um vetor crítico de conflitos e guerras e uma força decisiva nas relações internacionais. Contraditoriamente, no entanto, sua importância tem sido descurada na maior parte das análises de relações internacionais ou de história diplomática. Um livro tão importante como, por exemplo, o de Paul Kennedy, Ascenção e Queda das Grandes Potências, menciona apenas de passagem o papel do petróleo, considerado um entre muitos outros fatores de poder econômico e político.
Mas, o petróleo é inquestionavelmente a força de maior impacto social e econômico, senão político, na conformação da era contemporânea. Depois de 150 anos de intensa e diversificada utilização produtiva, ele continua no âmago de formas diversas de organização material da produção, de circulação de bens e pessoas e de repartição de riquezas. Ele ainda é, pelo menos até o advento de formas mais baratas e eficientes de energia, o sustentáculo material mais importante do trabalho humano, o primus inter pares da moderna estrutura energética da civilização industrial. Apesar de que sua história contemporânea tenha começado desde meados do século passado, é apenas no século XX que o petróleo passa a exercer todo o seu impacto econômico, social e político sobre as sociedades envolvidas na produção, comércio e transformação produtiva do chamado “ouro negro”.
A esse título, a exemplar história do petróleo contida na obra de Yergin é insubstituível, constituindo-se provavelmente na “história definitiva” do petróleo no século XX. Embora linear no que se refere ao desenvolvimento do tema, seu livro é, contudo, muito mais do que uma “mera” história do petróleo. Ele é a própria história de nossos tempos, vista sob a ótica do único “bem” que conseguiu reunir diferentes qualidades ao mesmo tempo: o single product mais importante na moderna estrutura produtiva, aquele economicamente de maior impacto na repartição das riquezas mundiais, o bem estrategicamente decisivo nos grandes enfrentamentos militares deste século e, também, politicamente, a matéria-prima de maior força na ascenção e queda de governos e mesmo regimes políticos.
Daniel Yergin já era bastante conhecido do público acadêmico por seu clássico estudo sobre as origens da Guerra Fria, The Shattered Peace (Boston, Houghton Mifflin, 1978; edição revista: Nova York, Penguin Books, 1990), onde ele discorria sobre os tumultuados anos finais da década de 40 que conformaram o mundo em que vivemos até bem recentemente. Ele volta agora consagrado como um dos maiores especialistas em questões energéticas da atualidade ao contar, num estilo tão cativante quanto denso, a história política e econômica do petróleo no século XX.
O título da edição original é The Prize e o “prêmio” referido deriva de uma frase de Winston Churchill no limiar da I Guerra Mundial, quando o então Lord (ministro) do Almirantado teve de confrontar-se ao problema da modernização da Royal Navy, face à crescente ameaça representada pelo build-up naval alemão. Firmemente convencido de que deveria basear a supremacia naval britânica sobre o petróleo (estrangeiro), e não mais sobre o carvão (inglês), Churchill dedicou-se com toda energia e entusiasmo a um custosíssimo programa de reconversão da frota. Nas palavras de Churchill, não havia escolha, já que próprio domínio britânico estava comprometido no empreendimento: “A própria hegemonia era o prêmio para o risco” (pp. xii e 150).
Apesar de que Daniel Yergin sublinha, na introdução a esta história global do petróleo, os três grandes temas presentes em sua “biografia social” do petróleo, ele raramente volta, no decorrer do texto, às implicações políticas e diplomáticas do petróleo no quadro das relações internacionais contemporâneas. Em todo caso, vejamos quais são essas três grandes questões.
Em primeiro lugar, está a emergência e o desenvolvimento do capitalismo e da economia contemporânea. O petróleo é, nas palavras do autor, “o maior e mais extenso negócio mundial”, a maior das grandes indústrias que surgiram nas últimas décadas do século XIX. A Standard Oil, que dominava a indústria americana do petróleo no final daquele século, esteve entre as primeiras grandes empresas multinacionais. A expansão da atividade petrolífera no século XX exemplifica a evolução da economia neste século, da estratégia empresarial, da mudança tecnológica e do desenvolvimento dos mercados e, efetivamente, das economias nacionais e internacional. Yergin reconhece no entanto que, à medida em que olhamos para o século XXI, está claro que a hegemonia certamente derivará tanto do chip de computador quanto do barril de petróleo. Mas, a indústria petrolífera continuará ainda assim a ter um enorme impacto no futuro previsível. Das primeiras vinte companhias relacionadas na revista Fortune, sete são companhias de petróleo. Nas palavras de um magnata entrevistado por Yergin: “O petróleo é quase como dinheiro”.
O segundo tema é que o petróleo, enquanto produto primário, está intimamente vinculado às estratégias nacionais de política global e de poder. Apenas emergente na Primeira Guerra Mundial, o petróleo foi decisivo para os destinos da Segunda, tanto nos terrenos de batalha da Europa quanto nas vastas extensões marítimas do Extremo Oriente. Durante a guerra fria, a batalha pelo controle do petróleo entre as grandes companhias e os países em desenvolvimento representou um dos elementos mais dramáticos na descolonização e no nacionalismo nascente. Na atualidade, mesmo com o fim da guerra fria e a conformação progressiva de uma nova ordem mundial, o petróleo manterá sua qualidade de produto estratégico, decisivo tanto para a política internacional como para as estratégias nacionais. O petróleo, para Yergin, está no epicentro do recente conflito no Golfo Pérsico, o que de certo modo é correto, mas certamente Saddam Hussein tinha também outros motivos ao invadir o Kuwait.
O terceiro tema na história do petróleo serve para ilustrar, segundo o autor, como a nossa sociedade tornou-se uma “Sociedade Hidrocarboneto” e o próprio homem moderno um “Hydrocarbon Man”. Até o final do século passado, a indústria petrolífera sobrevivia apenas do “querosene” de iluminação e a gasolina era praticamente um “derivado inútil”. Mas, assim como a invenção da lâmpada incadescente parecia assinalar a obsolescência da indústria petrolífera, o desenvolvimento do motor a combustão interna movido a gasolina abriu uma nova era. A indústria petrolífera ganhou um novo mercado e uma nova civilização nascia. No século XX, complementado pelo gás natural, o petróleo substituiu o Rei Carvão em seu trono como a fonte energética do mundo industrial, modificando de maneira fundamental as paisagens urbanas e o estilo de vida moderno. Hoje em dia, somos tão dependentes do petróleo, e ele está tão embebido em nossas atividades cotidianas, que raramente paramos para pensar em sua dimensão penetrante e universal. O petróleo fornece os plásticos e os produtos químicos que são os tijolos e o cimento da civilização contemporânea, uma civilização que entraria em colapso se os poços de petróleo do mundo se tornassem repentinamente secos. Mais recentemente, com as novas preocupações ecológicas, o petróleo tornou-se o grande vilão da poluição atmosférica e do efeito estufa, junto com o carvão e alguns outros agentes químicos. Ainda assim, o “Homem Hidrocarboneto” mostra-se extremamente reticente em abandonar não só os confortos, mas a própria essência do moderno estilo de vida permitido pelo petróleo.
Estes são os grandes temas que animam a “história épica” do petróleo por Daniel Yergin, uma história recheada de homens empreendedores (mas também corruptos), permeada de forças econômicas poderosas, de mudanças tecnológicas decisivas, de lutas políticas e de conflitos internacionais. Em suas páginas comparecem tycoons e magnatas como Rockefeller, Gulbenkian, Hammer ou Getty, estadistas, militares e líderes nacionalistas como o já citado Churchill, De Gaulle, Eisenhower, Mossadegh e Cárdenas, políticos e acadêmicos como Anthony Eden, Henry Kissinger e George Bush, soberanos independentes ou manipulados como Ibn Saud, Faiçal ou Rheza Pahlevi, ademais de ditadores como Stalin, Hitler e, last but not least, Saddam Hussein.
A própria invasão do Kuwait pelo Iraque, bem como a mobilização militar ocidental sem precedentes que se seguiu, são vistos pelo autor na ótica da luta pelo controle das fontes de petróleo, leitura provavelmente exagerada tanto do ponto de vista dos motivos iraquianos como das razões para a intervenção militar norte-americana. Outros elementos não propriamente econômicos — ou seja, não necessariamente vinculados à “geopolítica do petróleo” stricto sensu — estiveram provavelmente em jogo nessa região que continua sendo, apesar de tudo e segundo a imagem consagrada, um imenso barril de petróleo.
A obra de Daniel Yergin é, antes de mais nada, um típico produto da melhor tradição acadêmica norte-americana, aliando descrição minuciosa dos fatos (inclusive com diálogos dos personagens principais) e interpretação objetiva de suas consequências. As fontes primárias — arquivos públicos e das grandes companhias, entrevistas com atores de primeiro plano responsáveis governamentais e especialistas, coleções manuscritas, documentos de história oral, diversos bancos de dados — são extensivamente utilizadas e avaliadas. As notas e referências bibliográficas estão, para desespero de muitos, reunidas no final do livro, servindo ainda para vários parágrafos ao mesmo tempo. A bibliografia é predominantemente norte-americana e quase que exclusivamente em língua inglesa, com algumas poucas exceções (um livro em russo, outro em italiano, uma publicação oficial mexicana sobre o planejamento econômico naquele país e quatro ou cinco livros em francês), o que não é necessariamente uma falha, tendo em vista o virtual “monopólio” anglo-saxão, e mais especificamente norte-americano, no universo científico-tecnológico, empresarial, acadêmico e jornalístico do petróleo.
Nem por isso, se poderia acusar sua descrição histórica de “americano-centrista”, já que igual peso é dado a eventos políticos, econômicos e militares nos mais distintos cenários geográficos. A visão de Yergen é propriamente global e, se a presença de atores e interesses americanos é propriamente “hegemônica”, ela deve ser avaliada à luz dos fatos, mais do que do ponto de vista de uma pretensa questão de princípio metodológica que pretendesse assegurar uma relativa (e falaciosa) “imparcialidade” descritiva. Os Estados Unidos — seus homens de negócios, suas companhias petrolíferas, suas forças militares e seus agentes de informação — sempre foram a principal alavanca econômica, política, tecnológica e militar durante toda a “história social” do petróleo e não poderiam, assim, ser simplesmente considerados como um ator entre outros nesse drama geoestratégico de primeira grandeza que é a dominação sobre as fontes mundiais do combustível que move o mundo.
Apesar das enormes transformações tecnológicas em curso, sobretudo no que se refere à emergência dos chamados “novos paradigmas” industriais, o autor consegue sustentar bastante bem, no capítulo conclusivo, seus argumentos sobre a centralidade do petróleo para a civilização contemporânea (e para aquela imaginável no cenário histórico previsível). O petróleo ajudou a tornar possível a dominação sobre o mundo físico. Ele nos deu nossa vida diária e, literalmente, por meio dos insumos químicos agrícolas e do transporte, nosso pão de cada dia. Ele também impulsionou as lutas globais pela primazia econômica e política. Muito sangue foi vertido em seu nome. A procura audaz e muitas vezes violenta de petróleo — e das riquezas e poder que ele traz consigo — vai certamente continuar enquanto o petróleo continuar ocupando esse papel central. Isto porque vivemos num século no qual cada aspecto de nossa civilização foi transformado pela alquimia moderna do petróleo. A nossa época permanece verdadeiramente a era do petróleo.
Em todo caso, o cenário descrito no livro de Daniel Yergin já pertence, em grande parte, ao passado. Novas forças começam a se movimentar neste mesmo momento no vasto mundo do petróleo. Talvez o próprio “oil power” venha a ser progressivamente substituido pelo “microchip power” e pelas novas técnicas de processamento da informação. Como sempre, os caminhos do desenvolvimento são múltiplos: mas, também é claro que com um pouco mais de petróleo sempre será mais fácil chegar aonde se pretende ir.

_______________________

[Brasília, 25.04.94]
[Relação de Trabalhos nº 337]

219. “O ‘Prêmio’ é o Petróleo”, Montevidéu, 24 novembro 1991, 11 pp. “Review-article” sobre o livro de Daniel Yergin: The Prize: The epic quest for Oil, Money and Power (Nova York: Simon and Schuster, 1991, 877 + xxxiii pp.) e referência a artigo de Edward L. Morse, “The Coming Oil Revolution”, Foreign Affairs (Winter 1990/91). Publicado, sob o título “O ‘Prêmio’ do poder mundial é o petróleo” no Caderno Internacional do Correio Braziliense (Brasília: 3 agosto 1992, p. 6). Relação de Publicados nº 91.
337. “Odor de Petróleo”, Brasília: 25 abril 1993, 8 pp. Resenha do livro de Daniel YERGIN, O Petróleo: Uma História de Ganância, Dinheiro e Poder (São Paulo: Scritta Editorial, 1992, 932pp.), com base em resenha anterior feita a partir da versão original do livro. Publicado na Revista Brasileira de Política Internacional (nova série: Brasília: ano 36, nº 1, 1993, pp. 158-163). Relação de Publicados nº 138.

[Brasília, 02.06.92]
[Inédito; Relação de Trabalhos nºs 219 e 179]

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A maldicao do petroleo comeca a atingir o Brasil

Estou lendo um livro cruel sobre o mundo do petróleo.
Aliás, ele se chama Crude World: The Violent Twilight of Oil.
O autor é Peter Maass, um jornalista americano, e o livro pode ser encontrado bem barato na Abebooks.com, ou na Amazon (Penguin Books, 2009).
Apenas para dar uma ideia da "maldição", aqui vão os nomes dos capítulos:

1. Scarcity
2. Plunder
3. Rot
4. Contamination
5. Fear
6. Greed
7. Desire
8. Alienation
9. Empire
10. Mirage

Pois é, o petróleo é capaz de provocar tudo isso, não cumulativamente, nem nos mesmos países, mas seus efeitos são terríveis.
Espero não sair de sua leitura muito deprimido. E um pouco mais pessimista com os males que o petróleo já vem causando ao Brasil.
Eu resumiria em poucas palavras: rentismo sem-vergonha, corrupção, deformação da economia normal de um país, gastança antes do tempo, concentração de renda, desestímulo a outras atividades produtivas, enfim, tudo o que existe de pior.
Pode ser que eu esteja enganado, mas não custa ser realista.
Paulo Roberto de Almeida

Butim do petróleo

Editorial - O Estado de S.Paulo
05 de dezembro de 2010


Serão perniciosas para o País as consequências da avidez com que os congressistas se lançaram na briga pelos royalties do petróleo da camada do pós-sal, já em exploração, e do pré-sal, se e quando sua exploração for economicamente viável. Como se disputassem um butim, eles aprovaram um projeto no qual procuram assegurar a maior fatia possível dos royalties para as regiões de seu interesse eleitoral, sem levar em conta os interesses do País. O Executivo tem o dever de vetar essa partilha.
Deixando de lado questões essenciais do projeto, como a mudança do modelo de exploração do pré-sal - que não será mais pelo regime de concessão, em vigor até agora, e, sim, pelo regime de partilha - e a criação do fundo social, que aprovaram como o governo queria, deputados e senadores concentraram seus esforços na repartição dos royalties.
Na quarta-feira, a Câmara decidiu que o dinheiro será distribuído para todos os Estados e municípios de acordo com os critérios dos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios, sem levar em conta se eles são ou não produtores ou se têm despesas ou prejuízos ambientais com a exploração do petróleo.
Essa regra foi proposta inicialmente pelos deputados Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) e Humberto Souto (PPS-MG). Aprovada em março pela Câmara, seguiu para o Senado, onde o senador Pedro Simon (PMDB-RS) acrescentou a obrigatoriedade de a União ressarcir os Estados e municípios que perderem receita com a nova regra, mas sem especificar a fonte da receita para a nova despesa. Por causa do acréscimo, o projeto voltou à Câmara, onde foi novamente aprovado.
Pelo atual sistema de repartição dos royalties, os Estados produtores ficam com 26,25% do total; os municípios produtores, também com 26,25%; e os municípios afetados por operações de logística da exploração na plataforma continental, com 8,75%. A União fica com 30%. A parcela restante, de 8,75%, vai para um fundo especial que atende os demais Estados e municípios.
A nova regra afeta duramente as receitas do Rio de Janeiro (que recebe cerca de 70% dos recursos destinados aos produtores e passaria a receber só 1,51%) e do Espírito Santo.
Ela é ruim não só pelas perdas que impõe, mas também porque contraria o espírito da lei que instituiu os royalties, cuja finalidade é compensar os Estados e municípios que incorrem em custos decorrentes da exploração de petróleo, além dos riscos ambientais. A repartição dos royalties tem também a finalidade de compensar os Estados produtores pelo fato de o ICMS ser cobrado no destino, não na origem.
Nada disso foi levado em conta pelos deputados e senadores que aprovaram a nova regra. A questão federativa, que implica a discussão da repartição das receitas e das responsabilidades entre os diferentes níveis de governo e entre Estados e municípios, nem de longe mereceu atenção dos parlamentares durante o debate da forma de partilha do butim.
Preocupados apenas com a aprovação do que interessava ao governo e à Petrobrás, os integrantes da base governista no Congresso agiram exclusivamente de acordo com seus interesses eleitorais.
Diante do resultado do festival de demagogia e irresponsabilidade dos parlamentares, o governo nem pode comemorar o inquestionável ganho político que foi a aprovação do projeto do novo modelo de exploração para o pré-sal e de criação do fundo social, que, com outros três projetos aprovados anteriormente, compõe o marco regulatório que assegura a maior parte dos recursos para a União.
Se não quiser deixar mais este embaraço político para sua sucessora, o presidente Lula precisará vetar a partilha dos royalties aprovada pelo Congresso. Seu líder na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza, garante que ele o fará
Mas não será o bastante. O regime de partilha implica mudanças nas regras de composição e divisão dos royalties, e o governo ainda não decidiu como elas ficarão. Se não o fizer, propiciará novas demonstrações de demagogia e terá de arcar com o custo político de barrá-las.


sábado, 30 de outubro de 2010

Pre-sal: a mistificacao reiterada - Miriam Leitao

Míriam Leitão 

O Globo, 29.10.2010
 
O Brasil descobriu petróleo no pré-sal nos anos 50 e já o explora há décadas. O que houve agora foi a descoberta de grandes reservas, mas nem todo produto é de boa qualidade. A produção iniciada em Tupi é mínima perto do total extraído no Brasil. Principalmente é falsa a ideia de que o pré-sal é a solução mágica que garante o futuro. O governo faz confusão proposital quando o assunto é petróleo.
A excessiva politização do tema está criando mitos e passando para o país a ideia de que agora ganhamos na loteria, um bilhete premiado, que vai produzir dinheiro abundante que resolverá todos os nossos problemas. Isso reforça a tendência a acreditar na quimera, no “deitado em berço esplêndido”, que tem feito o país perder chances e assumir riscos indevidos.
A primeira descoberta de petróleo no pré-sal do Brasil foi em 1957 no campo de Tabuleiro dos Martins, em Maceió. A segunda foi em Carmópolis, em 1963. Ainda hoje se produz petróleo nos dois campos: no segundo, 30 mil barris por dia. O campo de Badejo, na Bacia de Campos, também fica na camada do pré-sal. Ele foi descoberto em 1975. Os dados contrariam o marketing do “nunca antes” e que esse petróleo é o “passaporte para o futuro”, como tem dito a candidata Dilma Rousseff.
Há produção de petróleo em campos de pré-sal no mundo inteiro. No Golfo do México, no Oriente Médio, no oeste da África, no mar do Norte. Um dos mais famosos é o de Groningen, na Holanda, descoberto pela Shell em 1959. Ainda hoje se tira petróleo de lá.
— O pré-sal invenção brasileira é uma distorção de marketing inventado pelos políticos do governo com apoio dos ideólogos da Petrobras e da ANP — explica o ex-diretor da Petrobras, Wagner Freire.
O Brasil produz hoje dois milhões de barris de petróleo por dia. Na melhor estimativa, a produção do pré-sal chegará a esse volume daqui a cinco anos. A exploração definitiva do campo de Tupi, que começou ontem, mas que na verdade ainda se encontra na fase de testes, foi de 14 mil barris, cerca de 0,7% da produção atual. A projeção é que em 2012 produza 100 mil.
— Na rodada zero de licitações, em 1998, a ANP permitiu que a Petrobras escolhesse todos os campos que gostaria de explorar. Ela não quis as áreas do pré-sal. Na época, o barril do petróleo custava em torno de US$ 15. Por esse preço, a exploração era inviável pelos custos e dificuldades. Hoje, o petróleo está cotado a US$ 80. É por isso que a produção começou a valer a pena — lembra o consultor Adriano Pires.
O campo de Tupi foi licitado para a Petrobras e outras empresas privadas no ano 2000, como resultado da segunda rodada da ANP. Em 2007, foi comprovado que havia petróleo e, diante dos indícios de grandes reservas 47, blocos do pré-sal foram retirados da competição.
Até agora ainda não se sabe quais são as reservas de Tupi. A Petrobras afirma que existem de 5 a 8 bilhões de barris. Mas a certificadora Gaffney, Cline & Associates, que foi contratada pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) para analisar o campo, estimou um volume menor: de 2,6 bilhões de barris. Quem está certo? Ninguém sabe. É preciso fazer mais prospecção.
O relatório da Gaffney também diz que um dos campos de pré-sal, o de Júpiter, tem óleo pesado, ou seja, com menor qualidade, explica Wagner Freire. O gás possui 79% de CO2 e o petróleo é de 18° de API. O petróleo do tipo Brent e WTI, que são referência no mundo, possuem API acima de 30°. Quanto mais alta essa medida, mais leve é o petróleo, ou seja, dele se retira maior volume dos derivados mais valorizados. O petróleo que hoje se extrai no Brasil é de 20° a 22°. Tupi é um pouco melhor, 26°, mas ainda assim não chega ao nível do Brent e do WTI.
O fato de ter alto teor de CO2 no gás em Júpiter é um complicador. Se o CO2 for para a atmosfera, aumentará muito as emissões de gases de efeito estufa do Brasil.
Todo brasileiro admira a capacidade da Petrobras, provada ao longo de cinco décadas, de encontrar petróleo, desenvolver tecnologias e produzir em águas profundas. Mas a propaganda tem distorcido tudo, como se houvesse uma Petrobras velha e uma nova, do PT.
Não é verdade também que antes o petróleo brasileiro era carne de pescoço e agora acharam filé. Temos no Brasil óleos mais leves, ou seja filé mignon, em poços como os do Espírito Santo. O de Urucu na Bacia do Solimões é leve e sem enxofre, melhor que o Brent. E tem petróleo leve e pesado no pré-sal.
A Gaffney, que fez o estudo para a ANP, concluiu que todas as reservas do pré-sal juntas têm potencial de 15 a 20 bilhões de barris. Isso é uma boa notícia porque significa dobrar as reservas provadas do Brasil, que em 31 de dezembro de 2009 estavam em 15,2 bilhões. Poderíamos chegar a 35 bilhões e ganharíamos cerca de seis posições no ranking mundial de países com potencial para explorar petróleo, saltaríamos do 16º lugar para 10º, ao lado da Nigéria. Ainda assim, estaríamos longe de países como Arábia Saudita, com 314 bilhões de barris em reservas; Irã, com mais de 138 bilhões; Iraque, 115 bilhões; Kuwait, com 113 bilhões. Não seríamos também o primeiro da América do Sul porque a Venezuela tem mais de 99 bilhões de reservas comprovadas.
Há dificuldades técnicas nada desprezíveis para a produção desse petróleo em larga escala.
— Para se ter ideia, o campo de Roncador, que é no pós-sal, e foi descoberto em 1996, com três bilhões de barris de reservas, ainda não tem seu plano de desenvolvimento completo. E o desenvolvimento e a operação do pré-sal são mais complexos e mais caros — diz Freire.
Não existe um pote de ouro depois do arco-íris que vai resolver todos os nossos problemas. Ainda não inventaram um passaporte para o futuro que não seja trabalhar muito, poupar mais, investir sempre e, principalmente, educar a população.

Miriam Leitão

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

A "maldicao" do petroleo, estilo brasileiro...

Economistas e historiadores, leitores bem informados também, conhecem o que comumente se chama de "maldição do petróleo", ou seja, o fato de um país permanecer pobre, e aumentar tremendamente suas taxas de desigualdade, de corrupção, disfuncionalidades diversas, por causa desse produto natural que já foi chamado um dia, por um entendido -- ele vinha ele mesmo de um dos países amaldiçoados, a Venezuela, e foi, me parece, o primeiro diretor da OPEP -- de "excremento do diabo".
A disponibilidade, em abundância, desse mineral estratégico na atual conformação civilizatória e industrial, torna os países que o exploram "rentistas", no pior sentido da palavra. E ser rentista é a pior coisa que possa existir para um país.
Pois bem, o Brasil ainda não virou rentista do petróleo -- embora alguns prefeitos e o governo do Rio de Janeiro desejassem sê-lo, e de certo modo o são, ao se apropriarem de uma extraordinária renda, usada de forma irracional -- mas corre o risco de atrair desde já uma espécie de "maldição" financeira sobre a Petrobras, a partir das trapalhadas patéticas feitas desde o começo em torno dos recursos do pré-sal.
O governo ainda afunda a Petrobras, não só pela utilização política que ele faz dela, mas também por obrigá-la, por essa nova lei talhada para o pré-sal, a participar de absolutamente todas as etapas de todas as concessões a serem feitas, o que obriga a empresa a se capitalizar muito além de sua capacidade, gerando desconfiança nos investidores quanto aos bons fundamentos de sua gestão (politizada, claro).
Em lugar de o governo manter o regime anterior -- ele já teria arrecadado uma fábula das empresas estrangeiras interessadas nessa fabulosa província petrolífera, sem correr nenhum risco -- ele se meteu a sujar a mão de petróleo, literalmente, por pura demagogia, e também pela insanidade mental que atinge todos os políticos de países rentistas do petróleo.
Os nossos não poderiam ficar atrás, contaminando aliás a população, que também quer ser rentista.
Não existe coisa mais patética a que eu assisti na minha vida (pela TV e fotos nos jornais, claro) do que a tal "marcha" dos prefeitos e do governador do Rio de Janeiro "em defesa dos royalties" do petróleo: ou seja, eles querem ser rentistas...
Triste, se não fosse altamente perigoso para a psicologia nacional. Já tem um bocado de gente aprendendo a viver de esmola pública. Agora também tem gente que quer viver da esmola do petrólo.
Paulo Roberto de Almeida

PETROBRAS NA IMPRENSA
Inferno astral do pré-sal
Por Rolf Kuntz
Observatório da Imprensa, 24/8/2010

A Vale tornou-se em 19 de agosto a maior empresa brasileira em valor de mercado – R$ 254,9 bilhões naquele dia. A Petrobras ficou pouco abaixo, com R$ 253,1 bilhões. A ultrapassagem foi manchete do Valor, no dia seguinte, sexta (20/8), e ganhou destaque em toda a grande imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Mas a ultrapassagem foi apenas um evento espetacular, e talvez de curta duração, no meio de uma história muito mais importante e mais longa. As ações da petrolífera estatal perderam cerca de um quarto do valor desde o começo do ano. As cotações começaram a fraquejar antes disso, quando surgiram dúvidas sobre como seria a capitalização da empresa.

A Petrobras precisa de muito dinheiro para a exploração do pré-sal, um dos maiores desafios técnicos e financeiros de sua história, talvez o maior. Terá de levantar, em pouco tempo, pelo menos uns US$ 150 bilhões para enfrentar a tarefa. O empreendimento pode ser muito lucrativo no longo prazo, mas grandes investidores têm preferido evitar o risco, neste momento.

Dificuldades reconhecidas
A Petrobras atravessa um inferno astral desde as primeiras informações sobre a capitalização. Em um ano, até a semana passada, seu valor de mercado encolheu cerca de R$ 66 bilhões. O drama começou com as incertezas sobre como o governo participará do aumento de capital. Em princípio, a União cederá à empresa 5 bilhões de barris de petróleo do pré-sal, uma riqueza ainda enterrada vários quilômetros abaixo da superfície do mar. Na prática, a União entregará à empresa títulos da dívida, para adiantar sua participação no reforço do capital. A estatal ficará com o petróleo, mais tarde, e liquidará o financiamento recebido na fase inicial.

Até aí, nenhum grande mistério, apesar da aparente complicação. O grande problema está na avaliação dos 5 bilhões de barris. A Petrobras, segundo informações extraoficiais, apresentou avaliações entre US$ 5 e US$ 6 por barril. As cifras da Agência Nacional do Petróleo (ANP), de acordo com as mesmas fontes, ficaram entre US$ 10 e US$ 12. A diferença é enorme e, quanto mais alto o preço de cada barril, maior será o desafio para os acionistas minoritários – hoje detentores, em conjunto, de 60,2% do capital total. A União detém 32,1% e a Bndespar, 7,7%. A maioria das ações com direito a voto pertence ao Estado brasileiro.

A história tem sido bem coberta pelos jornais, com detalhes suficientes para esclarecer o leitor medianamente informado. A hipótese de um novo adiamento da capitalização foi noticiada na semana passada e desmentido pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Talvez não haja prorrogação, mas a hipótese foi certamente considerada em Brasília. O limite para encerramento da operação, 30 de setembro, é muito próximo das eleições.

No fim da semana, a ideia de um aumento de participação estatal na Petrobrás já estava em circulação, para o caso de uma contribuição insuficiente dos minoritários. Mas os conflitos entre a empresa e a ANP eram mais amplos. Envolviam também o grau de nacionalização de máquinas e equipamentos destinados à exploração do pré-sal e à produção de petróleo e gás na área. A indústria brasileira, segundo a estatal, será incapaz de fornecer todo o material necessário, pelo menos durante algum tempo. A ANP e o Executivo já reconheceram a dificuldade, mas a questão não está encerrada, como ficou claro em reportagem publicada pelo Estado de S. Paulo na quarta-feira (19/8). Na fase de desenvolvimento do pré-sal, a presença de produtos e serviços nacionais poderá ficar abaixo dos 65% defendidos pelo governo, mas ainda seria preciso definir um número.

Tretas e mutretas
As polêmicas em torno da capitalização têm aparecido com destaque na imprensa internacional. Mas há muito mais especulações sobre o risco do investimento. O desastre com a plataforma da British Petroleum no Golfo do México foi lembrado em matérias sobre o pré-sal, um projeto de exploração e produção em águas muito mais profundas. Além disso, sindicalistas denunciaram más condições de manutenção em plataformas brasileiras.

O assunto deixou de ser especulativo quando o Globo publicou fotos coloridas de equipamentos enferrujados. Sem poder continuar negando o problema, o presidente da empresa, José Sérgio Gabrielli, acabou admitindo: algumas plataformas da Bacia de Campos, segundo ele, "realmente estavam feias, com problemas de conservação". A Petrobras divulgou uma nota sobre o programa de manutenção e negou haver risco para os trabalhadores. Mas as fotos forçaram a empresa a reconhecer a existência de algo fora dos padrões.

As plataformas não foram as únicas coisas feias mostradas pela imprensa na mesma semana. O Valor deu manchete com a tentativa de aumento e de indexação de salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do pessoal da Procuradoria-Geral da União. Dois projetos foram enviados ao Congresso, um no dia 12, outro no dia 16, com as propostas de novos benefícios para suas excelências. Os dois textos são iguaizinhos exceto por um detalhe: um se refere ao STF, o outro à Procuradoria. As duas propostas incluem a substituição, a partir de 2012, de leis de reajuste aprovadas no Congresso por atos administrativos assinados pelos chefes do Judiciário e do Ministério Público. Levantada a história, outros jornalistas foram atrás dos detalhes e da reação dos congressistas.

O Brasil Econômico também deu uma boa contribuição para quem quer conhecer um pouco mais da administração pública brasileira. Auditorias da Controladoria Geral da União em cidades com menos de 500 mil habitantes detectaram indícios de fraudes em 95% das licitações. Foram encontradas, entre outras irregularidades, alterações em documentos já assinados e até casos de editais de concorrência sem divulgação.

Valeu a pena, ultimamente, gastar dinheiro com mais de um jornal.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Petroleo e politica no Brasil - Paulo R. Almeida

Esta semana me consultaram sobre um trabalho que eu tinha produzido, dois anos atrás, sobre o petróleo, na verdade, sobre Monteiro Lobato e o petróleo no Brasil.
Como ele está disponível, permito-me relembrar aqui para possíveis interessados (inclusive porque o governo continua fazendo confusão em torno do pré-sal).

Monteiro Lobato e a emergência da política do petróleo no Brasil
In: Omar L. de Barros Filho e Sylvia Bojunga (orgs.), Potência Brasil: Gás natural, energia limpa para um futuro sustentável (Porto Alegre: Laser Press Comunicação, 2008, 144 p; ISBN: 978-82-61450-01-4; p. 12-33)
Relação de Trabalhos n. 1925; Publicados n. 865.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Pre-Sal: uma campanha ditada pelos interesses politicos do governo

Este engenheiro entrevistado pela Folha de S.Paulo confirma o que já se sabia desde o começo: o governo vem fazendo política com uma coisa muito séria, que é a exploração de petróleo.
Ele vem ditando um ritmo acelerado nos investimentos do pré-sal, fazendo uma confusão dos diabos no regime de exploração (que ele mudou completamente para satisfazer suas necessidades de demagogia política, jogando os estados uns contra os outros), estatizando projetos que poderiam tranquilamente ser realizados ao abrigo do antigo regime de concessão, retirando dinheiro necessário a investimentos sociais muito mais importantes para a coletividade do que essa necessidade febril de dar recursos à companhia (que, num regime normal de exploração, prospecção e produção, poderia conseguir esses recursos no mercado internacional de créditos), distorcendo a agenda financeira do Tesouro e do BNDES, enfim, manipulando politicamente a voracidade sempre manifesta dos políticos por novos recursos para gastar. Uma vergonha.
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 18.06.2010)

Campanha do pré-sal terá de ser revista, diz especialista
AGNALDO BRITO
Folha de S.Paulo, 13/06/2010

DE SÃO PAULO - Crítico da correria imposta pelo governo Lula à Petrobras, Newton Monteiro, ex-funcionário da estatal e ex-diretor de exploração da ANP (Agência Nacional do Petróleo), afirma que atual campanha para o investimento no pré-sal será revista pelo próximo presidente.

Para ele, simplesmente é impossível cumprir um programa com investimentos de US$ 200 bilhões a US$ 220 bilhões em cinco anos, com os recursos financeiros e humanos à disposição do país. Ele defende novas concessões, principalmente em terra, onde a exploração é mínima.

Monteiro diz que a pressa do governo brasileiro para o pré-sal é uma questão meramente política. "O grupo técnico da Petrobras tem a noção perfeita de quanto tempo esse processo [da descoberta ao início da produção] leva", diz.

A seguir, os princípios tópicos da entrevista
Ritmo
O volume de recurso para o pré-sal está muito acima do nível que a Petrobras estava acostumada a trabalhar. A companhia está numa escala fora do que costuma fazer.

Tempo
Há uma coisa que nós não estamos levando muito em consideração nessa equação toda do pré-sal, que é o tempo. Os projetos para prospecção e exploração de petróleo não estão nas prateleiras. O projeto em águas profundas não apareceu da noite para o dia. A diferença é que naquela época não havia essa pressa que há hoje em ter essa receita.

Retorno
Vai levar pelo menos 10 anos para alguém começar a ter receita com o pré-sal. Não é com os testes que vai se obter isso. Não é colocando um navio para produzir 100 mil barris por dia que você terá esse recurso do pré-sal. Se fizer assim, vai levar 170 anos para obter o retorno.

Gente
De uns anos para cá, a Petrobras perdeu grande parte do pessoal especializado. Segundo a turma do recursos humanos, quase 50% do pessoal da Petrobras tem cinco anos de experiência. São caras competentes, mas falta a vivência. Em petróleo, há muito de empirismo e de experiência.

Volta ao passado
Nos anos 60, quando a gente entrava na Petrobras, precisávamos fazer um curso intensivo de inglês para poder falar com os chefes. Não vamos ter gente para tocar tanto projeto. Caso contrário vamos voltar ao passado, quando entravamos numa plataforma da Petrobras e só tinha gringo. Nós substituímos esses caras. Vamos voltar a essa situação?

Limites
Quando se produz petróleo em terra, como no Iraque, na Arábia Saudita ou na Rússia, é possível começar a produzir em até seis meses. Se não houver um oleoduto, é possível produzir e transportar o óleo por caminhão. Isso é impossível no mar. Lá só se produz quando tudo, rigorosamente tudo estiver pronto.

A política
Acho que o pré-sal segue o viés político, algo complicado. Grupos técnicos da Petrobras têm perfeita noção do tempo desse processo [da descoberta ao início da produção]. Vários amigos meus que estão na Petrobras estão preocupados com isso.

Pré-sal revisto
A campanha para a exploração do pré-sal terá de ser revista. Até porque, é necessário saber o que vai ocorrer no Brasil. Se o país continuar a crescer e o pré-sal continuar com projeções para dez anos, corremos o risco de perder a autossuficiência.

Candidatos
Qualquer governante que assumir a Presidência da República em 2001 terá de pensar na revisão da campanha do pré-sal. Isso vai ser revisto, para o bem ou para o mal. Pode ser o [José] Serra (PSDB), a Marina [Silva] (PV), qualquer um terá de ter a própria visão. Acho que até o PT. Eles vão ficar quatro, oito anos. Essa situação atual sobre a Petrobras será revista.

Inexplorado
O Brasil tem hoje uma área de 6 milhões de quilômetros quadrados com potencial petrolífero. A exploração on shore (em terra) é hoje de 500 mil quilômetros quadrados. A dúvida no Brasil hoje é a seguinte: vamos sair da era do petróleo sem aproveitar esse grande potencial que nós temos? A Petrobras está no mar. Tudo bem, mas e o resto?

Desde Cabral
Desde Cabral até 2008, o Brasil furou 24 mil poços de petróleo. Nesse mesmo período, os Estados Unidos furaram 4,5 milhões. A Rússia furou no mesmo período 550 mil poços. Como se vê, falta muito coisa a fazer. Nossa área é quase do tamanho da dos Estados Unidos, mas furamos pouquíssimo.

Preço do petróleo
A tendência é de estabilidade. Sem ruído, o preço ficará estável. O mundo está consumindo entre 80 e 90 milhões de barris por dia, não mais do que isso. Mas as previsões de preço e de produção de petróleo estão sempre erradas. A questão é que se negocia diariamente cinco a seis vezes a produção do mundo. É muito difícil avaliar isso.

Acidente no Golfo
Acho que está vazando lá entre 20 e 30 mil barris por dia. A Petrobras tem muito mais experiência do que a BP na exploração em águas profundas. A exploração em águas profundas no Golfo do México está começando agora. A Petrobras, o Ibama estão lá para ver como é a situação.

terça-feira, 6 de abril de 2010

2032) O imbroglio do pré-sal: uma confusao previsivel...

Parece que a intenção não era criar confusão; apenas fazer publicidade em torno das supostas bondades do governo federal com um dinheiro que ainda não estava disponível, nem se sabe bem quando vai estar. Excesso de demagogia e intenções políticas costumam representar confusão na certa.

Lula foi o culpado
Por Mailson da Nóbrega
O Estado de S.Paulo, 6/04/2010

A decisão da Câmara de distribuir os royalties do petróleo com todos os estados e municípios, em detrimento das regiões produtoras, foi uma reprise de conhecido filme. Dava para perceber que isso poderia acontecer. Os parlamentares têm incentivos irresistíveis para transferir recursos permanentes às suas bases. Não enxergam seus efeitos negativos. Olham o interesse eleitoral. Muitos esperam virar heróis.

A mudança das regras de exploração do pré-sal continha muitos riscos, inclusive o de uma desastrosa repartição dos recursos. Lula colheu, pois, a tempestade dos ventos que semeou. A derrota foi acachapante: 369 deputados, dos quais 270 governistas, votaram a favor da emenda de Ibsen Pinheiro e Humberto Souto, os dois deputados que propuseram a “gracinha”, como o presidente chamou a tungada. Ele deveria saber que em questões como esta as lealdades se esfumaçam.

A maioria dos sistemas tributários modernos concentra a receita no governo central, ao qual costumam caber os impostos sobre o consumo e a renda, que têm ao mesmo tempo maior potencial de arrecadação e menor poder de distorção sobre a atividade econômica. Nessa esfera de governo a arrecadação costuma superar o gasto. Regiões menos desenvolvidas, ao contrário, precisam contar com a ajuda do governo central para se aproximar da situação das áreas ricas. Como fazer isso de forma permanente e justa não é trivial. Há sempre o risco de excessos prejudiciais a todos.

No Brasil, a partilha federativa dos recursos, que tinha entre seus propósitos o de promover a redução das desigualdades regionais, nasceu em 1965. Emenda constitucional de então destinou aos governos subnacionais 20% do imposto de renda e do IPI: 10% para o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e 10% para o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). As regiões menos desenvolvidas recebem proporcionalmente mais.

Em 1969, a partilha se reduziu à metade, mas foi restabelecida entre 1976 e 1980. De 1981 a 1984, passou para 26%: 12,5% para o FPE e 13,5% para o FPM. De 1985 a 1988, foi para 31%: 14% para o FPE e 17% para o FPM. Com a Constituição de 1988, saltou para 47%: 21,5% para o FPE, 22,5% para o FPM e 3% para financiar o setor produtivo das regiões menos desenvolvidas. E mais 10% do IPI para estados exportadores. Em apenas oito anos, a partilha pulou de 10% para 47% do IR e de 10% para 57% do IPI. Perdeu-se qualquer senso de medida. A União foi churrasqueada à míngua de líderes. E em 2007 a partilha subiu para 48% (1% a mais para o FPM). Parece interminável, não?

Ao mesmo tempo, foram aumentadas as despesas obrigatórias do governo federal com o INSS, os funcionários públicos e a educação. O grave desequilíbrio foi atenuado pela elevação brutal dos tributos, com a resultante piora de sua qualidade. Para cobrir o buraco, a União recorreu a tributos não partilháveis, as contribuições. Mesmo assim, a situação piorou: menor capacidade de investimento, maiores ineficiências e abalo no potencial de crescimento. A partilha pro-duziu mais salários de servidores, corrupção e gastos correntes do que investimentos nos estados e municípios.

Essas lições não foram aprendidas por Lula. Era questão de tempo. O Congresso iria à farra com os recursos do pré-sal. Ficara fácil. O governo não tinha estratégia para neutralizar o apetite dos parlamentares. Lula preferiu ignorar a história. Guiou-se pela ideologia estatizante e por objetivos eleitorais. A discussão sobre o pré-sal foi feita a portas fechadas. O Congresso foi atropelado com o regime de urgência para apreciar os respectivos projetos de lei.

E o imbróglio continuou. Com o propósito de compensar os estados produtores, os senadores Francisco Dornelles e Renato Casagrande propuseram diminuir a parcela da União nesses recursos. Dos mais de 25% antes previstos para o governo federal, restarão menos de 10%. A pulverização dos recursos levará a novos desperdícios.

Uma saída seria deixar a decisão para depois das eleições, o que acabaria ficando para o próximo governo. Haveria tempo para uma discussão saudável e responsável sobre o regime de exploração e os recursos. O mal teria vindo para o bem.

sexta-feira, 12 de março de 2010

1878) Royalties do petroleo: rentistas e interesses consolidados

Um artigo técnico, e bem embasado, sobre um problema econômico, que vem sendo politizado indevidamente por políticos mal intencionados...

A quem pertencem os royalties, afinal?
SÉRGIO GOBETTI, ECONOMISTA (IPEA)
Valor EConômico, Opinião - 12.03.2010

A aprovação da emenda do deputado Ibsen Pinheiro redistribuindo os royalties do petróleo por intermédio dos fundos de participação dos Estados e municípios abriu um importante debate: a quem pertencem esses recursos? De um lado, a maioria dos deputados expressou por meio do seu voto o sentimento de que o petróleo, sobretudo aquele extraído do alto-mar, é de todos os brasileiros e, por isso, sua renda deve ser repartida de forma "igualitária" entre todas as unidades da Federação. Por outro lado, o governador do Rio de Janeiro reagiu como se estivesse sendo roubado, já que hoje seu Estado (incluindo municípios) é beneficiário de 75% dos royalties descentralizados.

Alegam os governantes do Rio que os royalties devem servir para compensar os Estados produtores e que, portanto, nada mais justo que o governo fluminense receba a maior fatia. Esse argumento poderia ser considerado válido se o petróleo que gera os royalties estivesse sendo produzido nos limites territoriais do Estado do Rio. Mas não é. Mais de 95% do petróleo e do gás brasileiros são oriundos de plataformas localizadas a mais de 100 milhas da costa, de domínio da União.

Por uma peculiaridade da Constituição brasileira em comparação com outras federações, mesmo o petróleo extraído em terra é patrimônio da União, mas nesse caso ao menos podemos falar em Estado e município produtor e em direito a receber uma compensação financeira. Aliás, é interessante assinalar que a Agência Nacional de Petróleo não registra qualquer produção em terras fluminenses.

Como é que o Rio de Janeiro conquistou então o direito de receber a maior parcela dos royalties? A Constituição, a mesma que diz ser da União (e não do Rio) todas as jazidas de petróleo, concede o direito à compensação a Estados e municípios, delegando a leis ordinárias a definição da fatia e dos critérios a serem adotados na distribuição descentralizada.

Foram essas leis ordinárias que consolidaram um sistema de distribuição dos royalties de mar baseado principalmente no conceito de área de "confrontação" com campos de petróleo, segundo linhas traçadas pelo IBGE para dividir a plataforma continental entre Estados e municípios.

Esse critério de distribuição é um caso raro no mundo e causou espanto e preocupação entre especialistas reunidos em conferência do Banco Mundial, em Washington.

Mesmo em federações descentralizadas, como a canadense, os recursos do petróleo extraído a mais de 10 ou 12 milhas da costa são apenas do governo central. Além de raro, esse critério é irracional do ponto de vista socioeconômico, porque não compensa os Estados e municípios de acordo com os impactos que sofrem da atividade petrolífera, mas com base apenas na sorte geográfica de estar no litoral e possuir um formato de costa que lhe garanta uma área de confrontação generosa.

Talvez a aprovação da emenda Ibsen contribua para que o Senado faça uma discussão técnica mais séria e produza critérios de distribuição mais racionais, bem como regras de transição para viabilizar as mudanças, inclusive na partilha dos atuais royalties sob regime de concessão. O Rio de Janeiro pode até receber uma fatia especial dos recursos, mas não porque o petróleo lhe pertence e nem na proporção atual.

Por fim, é preciso considerar que a descentralização das receitas amplia os riscos econômicos, principalmente em contexto de alta volatilidade dos preços, já que a tendência dos governantes beneficiados por royalties é gastar muito nos anos de bonança e relaxar na arrecadação de impostos. Isso exige que se criem regras especiais que limitem os gastos e forcem a geração de poupança para os anos de queda nos preços de petróleo.

*Economista do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA)