Primeiro
Emprego – Depoimento Pessoal e Reflexões
Paulo Roberto de
Almeida
Respostas a perguntas
colocadas pela Editora Abril
(para elaboração do Guia do Primeiro Emprego)
1) Qual foi o seu primeiro emprego na vida? E na área (se
não tiver começado nessa área)? Quantos anos tinha nas ocasiões citadas?
Comecei
a trabalhar muito cedo na vida, em torno de 12 anos, em trabalhos informais de
adolescente (clube de tenis e supermercado), nos quais não havia registro em
carteira ou pagamento regular de salário. Entre os 16 e 20 anos, fui auxiliar
de escritório em duas grandes empresas (brasileira e multinacional), ao mesmo
tempo em que passei a estudar (segundo
ciclo do secundário) pela noite. Após uma longa interrupção para estudos
universitários de graduação e mestrado, entre 1971 e 1976 (que realizei no
exterior, combinado ao exercício não regular de atividades remuneradas),
retornei ao Brasil em 1977, passando a desempenhar-me como professor em
faculdades de São Paulo.
Meu
trabalho como servidor público federal, na carreira de diplomata, teve início em
dezembro de 1977, já com 28 anos. Desde essa época (um quarto de século já),
servi no exterior em diversas missões diplomáticas e no Brasil (Ministério das
Relações Exteriores, em Brasília), geralmente na área econômica. Mais
recentemente fui chefe da Divisão de Política Financeira e de Desenvolvimento
do Itamaraty, de 1996 a 1999, e desde outubro daquele ano sou Ministro
Conselheiro na Embaixada em Washington, o mais importante dos postos externos
do Ministério das Relações Exteriores.
2) Como era seu relacionamento com o chefe (ou o
superior)?
Tive
vários chefes ao longo de uma carreira profissional que teve início muito jovem
na iniciativa privada e depois se prolongou, no essencial, no governo. Sempre
gozei da confiança de meus chefes, pela dedicação demonstrada no trabalho e
pela boa disposição em cumprir sempre um pouco mais do que seria normalmente
esperado. Com um desses chefes, trabalhei em diversas ocasiões na carreira
diplomática, o atual representante diplomático do Brasil em Washington, Embaixador
Rubens Antônio Barbosa. Com ele trabalhei ao ingressar na carreira diplomática
e três vezes mais, sempre a seu convite e na base da confiança pessoal: desde
1977, portanto, venho desfrutando da confiança de um dos diplomatas mais
distinguidos do serviços exterior brasileiro.
3) Analisando o passado, existe algum erro ou deslize -
engraçado ou até constrangedor - que acredita ter cometido por conta da idade,
da falta de experiência?
Sim,
logo ao início da carreira diplomática, por ter ingressado por concurso direto
e não mediante curso do Instituto Rio Branco, como costuma ser a norma, tinha
pouca experiência com linguagem diplomática e procedimentos tícpicos da
carreira. Meu primeiro telegrama escrito destoava totalmente do estilo habital
empregado no serviço exterior, algo como se um “paisano” fosse chamado a
exercer o comando de alguma tropa militar. Isso revela que uma boa preparação,
com o conhecimento adequado de normas e procedimentos aplicados em qualquer
profissão ou atividade, é absolutamente essencial para um bom desempenho
profissional. A boa disciplina no exercício das funções também constitui
requisito essencial quando se trabalha numa grande burocracia, pois a boa
organização no trabalho depende de um certo número de regras de convivência.
4) Que lições tirou do primeiro emprego?
Nunca
se deve chegar num primeiro emprego como se não se necessitasse de treinamento
ou aperfeiçoamento técnico e profissional. Atitudes do tipo “eu sei fazer”, “eu
sei tudo”, “deixa comigo”, geralmente conduzem a desastres, ou pelo menos a
situações de constrangimento funcional. Um pouco de humidade e uma boa
disposição para aprender e, antes de tudo, para perguntar são essenciais para
um bom desempenho nas etapas iniciais da carreira.
Como
regra geral, e não apenas no primeiro emprego, tenho por norma que o bom
aprendizado se resume geralmente a duas fontes de conhecimento e de
aprendizado: bons livros e convivência com gente mais esperta e experiente.
Geralmente se aprende mais na leitura e no convívio com gente capacitada e com
experiência do que nos estudos formais de escola, onde se perde tempo com
matérias que pouco servirão na vida. Não estou recusando a ncessidade do
diploma, ou da disciplina e sistemática que são próprios do ensino
convencional, mas todos podem constatar a desadequação dos curriculos escolares
– necessariamente tradicionais e defasados – em relação a aspectos práticos que
serão úteis no desempenho profissional.
Repito:
se aprende muito nos livros e no contato com gente mais esperta, o que de certa
forma confirma uma velha constatação do senso comum: o verdadeiro aprendizado é
auto-didata e a escola pode ensinar alguma coisa, mas educação mesmo é um
processo necessariamente pessoal e derivado do esforço individual.
5) Para alguém que está procurando emprego na área, quais
cuidados você recomenda para o candidato à vaga se sair bem (cuidados com
aparência e roupas, comportamento social, somente preparo intelectual,
maturidade, etc)?
A
carreira diplomática é obviamente única nos seus requisitos de entrada, não
apenas em termos de uma grande bagagem intelectual acumulada ao longo de anos
de estudo e preparação dedicada, mas também no sentido em que o diplomata deve
exibir algumas qualidades de convivência e de interação social que serão
importantes no desempenho posterior. Por isso os exames de ingresso na carreira
envolvem não apenas disciplinas tradicionais, mas também entrevistas diretas
com banca examinadora que julga as aptidões do candidato para aquele tipo de
exercício profissional (a maturidade entra em linha de conta nesse contexto,
assim como o comportamento social). O cuidado com sua própria aparência (modo
de vestir, portanto) também é avaliado.
6) Para finalizar, preciso de mais três informações:
idade, local de nascimento e faculdade(s) que cursou.
Nasci
em 19 de novembro de 1949, na cidade de São Paulo: estou portanto com 53 anos
atualmente, praticamente a metade vividos no exterior.
Iniciei estudos de ciências sociais na Universidade de São Paulo em 1969,
tendo interrompido porém os estudos no curso do segundo ano, após que medida
arbitrária do regime militar então em vigor resultou na aposentadoria
compulsória de vários professores (entre eles Fernando Henrique Cardoso,
Florestan Fernandes, Octavio Ianni e vários outros). Retomei os estudos na
Universidade de Bruxelas, onde me graduei em Ciências Sociais em 1974, com a
apresentação de dissertação de licenciatura intitulada “Ideologia e Política no
Desenvolvimento Brasileiro, 1945-1964”.
Completei mestrado em planejamento econômica na Universidade de Antuérpia
em 1976, com tese de economia internacional intitulada “Problemas Atuais do
Comércio Exterior Brasileiro: uma avaliação do período 1968-1974”.
Fiz inscrição para doutoramento em Ciências Sociais na Universidade de
Bruxelas em 1976, mas retornei ao Brasil em 1977 interrompendo os estudos para
ingresso na carreira diplomática; eles só seriam retomados em 1981, quando
refiz meu projeto de tese e efetuei nova inscrição, sempre na Universidade de
Bruxelas. Obtive o doutoramento por essa universidade em 1984, com defesa de
tese que mereceu “grande distinção” sobre “Classes sociais e poder político no
Brasil: uma avaliação dos fundamentos empíricos e metodológicos da revolução
burguesa”.
Já fui professor de Sociologia e de Economia Internacional em diversos
cursos de graduação e de pós-graduação em São Paulo e Brasília, desde 1985,
assim como sou professor convidado em várias universidades estrangeiras.
Atualmente sou orientador de mestrado do Instituto Rio Branco, a academia
diplomática do Ministério das Relações Exteriores. Tenho diversos livros
publicados no Brasil e no exterior, como pode ser constatado em minha página
pessoal:
www.pralmeida.org.
Paulo Roberto de Almeida, Washington: 22 de maio de 2003