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terça-feira, 16 de julho de 2019

Reforma da Previdência não garante crescimento no país: faltam outras reformas

Ricardo Bergamini, sempre atento ao que realmente importa no cenário econômico, nos brinda com a síntese do que pensam vários economistas a propósito do sonho do crescimento sustentado no Brasil.
Resumo: a reforma da Previdência é apenas um começo, muito resta ainda por fazer...
Paulo Roberto de Almeida

Há um certo sonho de que a simples aprovação da reforma da Previdência produziria uma explosão de investimento (Affonso Celso Pastore).

Prezados Senhores

A sociedade brasileira vai cobrar a falsa ideia vendida pelo governo de que com a aprovação da reforma da previdência, num passe de mágica, o Brasil daria um salto para o futuro, entretanto no curto prazo (quatro anos) não haverá nenhum efeito financeiro e econômico. Enquanto não tiver solução imediata para a tragédia constante no parágrafo abaixo, não haverá solução para a tragédia brasileira.

No acumulado em doze meses até dezembro de 2018, registrou-se déficit fiscal primário de R$ 108,3 bilhões (1,57% do PIB), No acumulado em doze meses até maio de 2019 registrou-se déficit fiscal primário da ordem de R$ 100,4 bilhões (1,44% do PIB). Redução real em relação ao PIB de 8,28%, comparativamente ao acumulado em doze meses até dezembro de 2018. Nesse ritmo o Brasil vai levar mais 4,6 anos para atingir resultado fiscal primário “zero”. 

Previdência é passo importante, mas não garante retomada do crescimento, dizem economistas

Com a Previdência encaminhada, analistas avaliam que o Brasil precisa endereçar reforma tributária, melhorar o ambiente de negócios, avançar nos projetos de infraestrutura e promover a abertura da economia.

Por Bianca Pinto Lima e Luiz Guilherme Gerbelli, GloboNews e G1

16/07/2019 06h00  Atualizado há 3 minutos

Análise econômica: retomada do crescimento exige longa agenda de reformas

Jornal das Dez

Análise econômica: retomada do crescimento exige longa agenda de reformas
Análise econômica: retomada do crescimento exige longa agenda de reformas
reforma da Previdência é um passo importante para a melhora da atividade econômica no país, mas, sozinha, não vai garantir um crescimento robusto sustentado ao longo dos próximos anos.

Com a reforma da Previdência encaminhada após a aprovação em primeiro turno na Câmara dos Deputados, o Brasil tem uma agenda extensa para a retomar o crescimento, avaliam os economistas.

A pauta de medidas engloba endereçar uma reforma tributária, melhorar o ambiente de negócios do país, avançar nos projetos de infraestrutura e promover a abertura da economia.

Por ora, os analistas avaliam que uma aceleração do crescimento econômico não deve ocorrer tão cedo. Para 2019, estimam um avanço do Produto Interno Bruto (PIB) abaixo de 1%. O relatório do início de julho de mercado, conhecido como "Focus", divulgado pelo Banco Central, previa crescimento de 0,85%.

No ano que vem, há expectativa de uma aceleração, mas nada que empolgue muito. Dificilmente o crescimento deve chegar a 2%, ponderam os economistas.

Plenário da Câmara durante votação de destaques da reforma da Previdência nesta quinta-feira (11) — Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados
Plenário da Câmara durante votação de destaques da reforma da Previdência nesta quinta-feira (11) — Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados
A seguir veja a avaliação de economistas sobre a agenda pós-Previdência necessária para o Brasil retomar o crescimento.

Affonso Celso Pastore, presidente do Centro de Debate de Políticas Públicas e da consultoria AC Pastore


Affonso Celso Pastore durante congresso em Campos de Jordão — Foto: Divulgação/BM&FBovespa
Affonso Celso Pastore durante congresso em Campos de Jordão — Foto: Divulgação/BM&FBovespa
·         Qual deve ser a agenda do governo pós-Previdência para retomar o crescimento?
·          
O crescimento econômico requer outras reformas. São reformas extremamente importantes, como a tributária. É a reforma como a que foi proposta pelo Appy (Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal), que está na agenda da Câmara dos Deputados. Também precisamos abrir a economia para o setor externo, aumentar a competitividade da nossa indústria, fazer um forte investimento em infraestrutura. É necessária ainda uma extensa agenda de reformas econômicas que mexam com a produtividade do trabalho, com a produtividade do capital. Com isso feito, eu acho que o Brasil terá condições de adquirir um crescimento econômico sustentável.

·         Quando o país pode vislumbrar uma melhora do crescimento?
·          
Nós temos hoje uma renda per capita que está 9% abaixo do patamar que ela estava no início do ciclo (recessivo, em 2014), e são 13 milhões de desempregados. Quer dizer, não podemos esperar que o consumo das famílias seja uma força propulsora da economia. O país tem uma capacidade ociosa na indústria muito grande, e a maturação dos investimentos em infraestrutura é longa, de forma que nós não temos o investimento sendo uma força propulsora. Não temos também impulso vindo das exportações. E finalmente não é possível usar estímulos fiscais porque o governo está fazendo o contrário, está fazendo um ajuste. Ele corta gastos. Isso significa que a recuperação da economia é lenta. Não há como sonhar uma recuperação muito forte.

·         Diante desse quadro, como fica o emprego no país?
·          
Há um certo sonho de que a simples aprovação da reforma da Previdência produziria uma explosão de investimentos, e o Brasil voltaria a crescer como jamais cresceu no passado. Isso não é verdade. Infelizmente, nós vamos ver o declínio da taxa de desemprego lentamente ao longo do tempo, assim como a recuperação da renda per capita. Será mais rápido se o país andar mais depressa com as reformas, como a tributária, promover a abertura da economia, e fazer as medidas microeconômicas. Portanto, está na nossa mão acelerar essa recuperação. Se nós dormirmos na glória de termos feito a reforma da Previdência, infelizmente a recuperação será muito mais lenta.

Ana Carla Abrão Costa, sócia da consultoria Oliver Wyman

Ana Carla Abrão Costa, sócia da consultoria Oliver Wyman — Foto: Reprodução/GloboNews
Ana Carla Abrão Costa, sócia da consultoria Oliver Wyman — Foto: Reprodução/GloboNews
·         Qual deve ser a agenda do governo pós-Previdência?
·          
Há três conjuntos de reformas muito importantes. O primeiro ataca o mercado de crédito. O Banco Central já vem trabalhando nisso: há medidas que ampliam o acesso ao crédito e reduzem o custo para a população. Existem medidas voltadas para a infraestrutura. O país precisa retomar a capacidade de investimento, mas o governo federal e os estados não têm essa capacidade. O Brasil precisa atrair investimento privado e isso exige várias medidas, que também estão sendo formuladas no âmbito do governo federal e que vão ter de passar pelo Congresso. E terceiro, precisamos de reformas que tragam maior produtividade para o setor público.

·         Por ora, Estados e municípios não foram incluídos na reforma. Qual é a sua avaliação sobre essa ausência?
·          
A não inclusão de estados e municípios tem um impacto muito negativo que não aparece agora no curto prazo, mas que vai aparecer na frente. O déficit da Previdência dos servidores estaduais e municipais é muito grande. O economista Paulo Tafner calculou um déficit em torno de R$ 140 bilhões só em 2019. E esse déficit é crescente. Então, sem uma reforma, o que estamos economizando na reforma federal vai ter de ser desembolsado porque estados e municípios vão recorrer ao governo federal para cobrir seus déficits.

·         Estados e municípios vão inevitavelmente enfrentar um problema?
·          
O país vai gastar lá na frente para ter de socorrer estados e municípios que vão colapsar por falta de recursos para cobrir esses déficits e, obviamente, vão bater em Brasília para pedir recursos no governo federal. Os 26 estados e o Distrito Federal precisam de uma reforma da Previdência porque, do contrário, teremos mais situações como a do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro. O problema da Previdência nos Estados está contratado. É estrutural.

Marcos Lisboa, presidente do Insper

·         Qual deve ser a agenda do governo pós-Previdência?
·          
Há três áreas essenciais para avançar. Não estou falando de grandes reformas. Estou falando em fazer a faxina da casa, arrumar a disfuncionalidade em que o país entrou com uma série de pequenas medidas. Primeiro, a questão tributária. A estrutura tributária brasileira se tornou disfuncional e está asfixiando as empresas do país. A mesma coisa acontece com o comércio exterior. Tem um dever de casa de acertar as tarifas, as barreiras não-tarifárias, a burocracia do comércio exterior. Terceiro, infraestrutura. A gente não vai ver a volta do investimento em energia e transporte com a confusão que se tornou o país para investir em infraestrutura. Você começa um projeto, aí só depois vem as obrigações ambientais e sociais, que podem surpreender. Essa insegurança do investimento em infraestrutura está afastando o setor privado.

·         Qual será a consequência se o país não endereçar essa agenda?
·          
Se não acertar a questão tributária, do comércio exterior e da infraestrutura, a notícia é ruim. O país chegou na situação em que chegou por tentativas precipitadas de descobrir um atalho, inventar uma novidade, desonerar a folhar, dar um crédito do BNDES, dar um estímulo para um determinado setor. Essas medidas precipitadas é que geraram esse caos institucional que a gente vive no ambiente de negócios. É preciso desfazer o que foi feito na última década para que o investimento volte a crescer e o país volte a gerar mais renda. Essa agenda está demorando para avançar. E quanto mais demora para andar, piora a estagnação.

·         Nos últimos anos, o PIB per capita caiu e o Brasil ficou mais pobre. Como você vê isso?
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É bem preocupante. Já há algumas décadas o Brasil vem ficando para trás. Para dar um dado, entre 1995 e 2016, a renda dos países emergentes fora da América Latina cresceu quase 130% por trabalhador. Nos Estados Unidos, avançou 48%. E no Brasil, cresceu 18%, 19%. Esse problema se agravou a partir de 2010. Até então, o Brasil não crescia tanto como os emergentes, mas pelo menos a gente crescia como o resto do mundo. Era um crescimento menor, medíocre, mas estava de bom tamanho frente ao que viria depois. A partir de 2010, o Brasil descolou do resto do mundo. Estamos ficando mais pobres, estamos ficando para trás e, quanto mais demorarmos para enfrentar esta agenda de melhora institucional e das contas públicas, mais para trás nós vamos ficar.

Alessandra Ribeiro, responsável pela área de macroeconomia da consultoria Tendências

Alessandra Ribeiro, economista e sócia da Tendências Consultoria Integrada — Foto: Divulgação
Alessandra Ribeiro, economista e sócia da Tendências Consultoria Integrada — Foto: Divulgação
·         Qual deve ser a agenda do governo pós-Previdência?
·          
O governo tem de agilizar algumas agendas e a principal delas é a do investimento. É preciso avançar no programa de concessões de infraestrutura – rodovias, portos, aeroportos e ferrovias – para o setor privado e, dessa forma, acelerar os efeitos desses investimentos para a atividade econômica e para o emprego. Há outras agendas importantes, certamente, como a reforma tributária, mas essa é uma agenda que vai demorar. É preciso, inclusive, entender qual é o projeto do governo. Isso vai demorar um pouco. Mais imediatamente é agilizar a agenda de investimentos.

·         O desemprego está elevado, o que também dificulta uma recuperação. Quando será possível ver uma reversão do quadro?
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A Tendências projeta um crescimento da economia um pouco abaixo de 1% neste ano. No ano que vem, um avanço de 2%. A economia ganha um pouco mais de tração a partir de 2021. Nesse cenário, a taxa de desemprego cai muito gradualmente, ainda estimamos taxa de desemprego em 11% ao final de 2022. Mas isso não significa que a economia não está gerando emprego. Está, mas é um trabalho mais informal. Nós esperamos este ritmo de criação de emprego ganhando mais tração, crescendo ao redor de 1,5% ao ano, mas com uma mudança na sua composição, de menos informal e mais formal.

·         E qual é a expectativa para renda?
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Esperamos um crescimento da renda mais próximo a 1% este ano. Ela ganha um pouco de tração com a mudança de composição de trabalhador menos informal e mais formal. O trabalhador com carteira tem um salário médio um pouco maior. Então, isso contribui para o aumento do rendimento a partir de 2022 e 2023. Quando nós olhamos a massa de renda, que considera tanto a geração de emprego quanto o salário médio real, a massa de renda deve crescer na casa de 2,5% ao longo dos próximos anos.

sábado, 23 de junho de 2018

O que se deve fazer para cumprir um programa de governo? - Paulo Roberto de Almeida

O que se deve fazer para cumprir um programa de governo?

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: auto-esclarecimento; finalidade: análise da conjuntura]

Introdução
Respondo imediatamente à pergunta do título: em primeiro lugar, ter uma visão clara de quais são os principais problemas do país, e portanto, quais seriam as suas principais prioridades. Para atender ao primeiro quesito é preciso fazer um diagnóstico correto da conjuntura, mas mantendo uma visão de médio e longo prazo, de maneira a construir uma estratégia adequada para enfrentar, de forma persistente e continuada, os principais problemas detectados.
Minha própria percepção sobre a situação atual do Brasil é, obviamente, a da mais grave crise jamais enfrentada pelo país no plano econômico, mas também a de uma crise ainda mais grave no plano moral. A segunda crise talvez seja muito pior do que a primeira, pois ela é mais insidiosa, permanente, e também mais subjetiva, sendo provavelmente derivada do estado mental da maioria dos membros da elite, o que a torna de muito mais difícil resolução.

A grave crise moral de que padece o Brasil
Esta profunda crise moral tem a ver não apenas com o mau funcionamento do sistema político, mas também, e principalmente, com a profunda corrupção e completa degradação dos costumes que todo o sistema da governança pública atravessa, uma situação de declínio ético que contaminou o país, que o intoxica, e que torna quase impossível a obtenção de algum consenso razoável em prol das grandes reformas estruturais de que o Brasil necessita para resolver a primeira crise, a econômica, e retomar níveis razoáveis de crescimento sustentado.
Não me perguntem como resolver essa profunda crise moral que nos atinge a todos, pois eu também não sei. Não basta dizer “Que se vayan todos!”, como fizeram os argentinos em 2001, porque isso não vai acontecer. Não ocorreu por lá, e não vai acontecer por aqui, mesmo que se processe uma renovação limitada do corpo político, que está, repito, profundamente podre, moralmente falando.
Esse problema tem a ver com o nosso velho patrimonialismo – sempre passando por novas formas, do velho patrimonialismo luso-colonial, estudado por Raymundo Faoro, conhecendo certa renovação no quadro dos regimes autoritários do Estado Novo e da ditadura militar, até o patrimonialismo de tipo gangster, na era lulopetista –, mas tem também a ver com vários outros “ismos” nefastos, alguns de extração mais recente, outros de existência permanente em nosso país: o nepotismo, o fisiologismo, o prebendalismo, o corporativismo, o sindicalismo exacerbado, o protecionismo comercial, o intervencionismo econômico, o nacionalismo rastaquera, o patriotismo de fachada, o dirigismo extremo de nossa burocracia atávica, o regulacionismo excessivo das mesmas corporações de ofício e, last but not the least, esse desenvolvimentismo ingênuo, que nos faz concentrar todas as alavancas do crescimento econômico nas mãos, nos pés, no estômago desse ogro famélico, insaciável e desastrado que se chama Estado brasileiro, a fonte segura da maior parte dos nossos males.
Ao colocar o Estado no centro dos nossos males, não me engano nem exagero. A despeito de o Estado ser, infelizmente, o eixo central de toda a nossa organização política e social, e também (e ainda mais infelizmente) econômica, ele é, para o bem e para o mal, a raiz, a fonte, o fulcro de todos os nossos problemas e preocupações. Não nos enganemos: o estado brasileiro atual é o verdadeiro inimigo da nação, de uma sociedade livre, de nossa prosperidade. 
O Estado brasileiro, que no passado foi um impulsionador do desenvolvimento nacional, tornou-se, nitidamente hoje, o principal obstrutor de um processo sustentado de crescimento econômico. Ele o é de diferentes formas: ao extrair, vorazmente, cerca de 2/5 de tudo o que a sociedade produz; ao cercear possibilidades de acumulação e de investimento privado, o que o faz ser também um obstáculo à transformação produtiva; por último, ele é o grande empecilho a um processo real de distribuição do (baixo) crescimento econômico, ao ser, de fato, um instrumento nas mãos de ricos e poderosos, inclusive dos mandarins do próprio Estado, concentrando renda e provocando um aumento contínuo, ou pelo menos a preservação, das desigualdades sociais. Volto a repetir: o Estado, tal como ele funciona hoje, ou como ele não funciona atualmente, é o principal inimigo da nação, e isso precisa ficar bastante claro para todos. 

Reduzir o peso do Estado
Ao dizer isso, não quero ingenuamente fazer uma profissão de fé anarquista, e proclamar a necessidade de destruir o Estado, para tornar a sociedade livre de todas as deformações, vícios, malefícios, deseconomias provocadas pelo Estado, por meio de suas corporações de ofício, por meio das instituições voltadas prioritariamente para si mesmas, por meio dos lobbies particularistas que atuam no, e em direção do Estado, em virtude de toda a promiscuidade mantida entre agentes políticos e corporativos, de um lado, e a classe dos capitalistas, dos industriais e dos banqueiros, de outro, que se apropriam, estes, do Estado, e de seus representantes, para fazê-los funcionar em benefício dos seus próprios interesses, um pouco como aquela imagem de um comitê político atuando em defesa dos negócios da burguesia, de que falava, num famoso manifesto, um antigo filósofo social alemão.
O Estado é, infelizmente, nas sociedades complexas e altamente burocratizadas nas quais vivemos hoje, com graus exacerbados de urbanização e de regulação intervencionista, o único instrumento de que dispomos para evitar a conhecida situação hobbesiana de luta de todos contra todos. Se ele é esse instrumento, não pode ser destruído, certo? Apenas parcialmente correto.
O que nos cabe fazer, em primeiro lugar, nas condições concretas do Brasil, é reduzir drasticamente o tamanho e do peso do Estado a proporções suportáveis pela população trabalhadora, os agentes econômicos primários de produção de riqueza e de criação de empregos, que são os empresários e os microempreendedores – até o nível de carroceiros e de pipoqueiros de esquina –, que são também os que alimentam e cobrem os privilégios de uma rica burocracia de Estado, ademais da classe política predatória e extratora, os equivalentes atuais da antiga aristocracia do Ancien Régime.
Reduzir o tamanho e o peso do Estado sobre a vida dos cidadãos, e sobre as atividades produtivas dos criadores primários de renda e riqueza, já é meio caminho andado para resolver o primeiro e mais grave problema econômico da nação, qual seja, o desequilíbrio dramático das contas públicas e a falência virtual da fiscalidade. Voltamos, portanto, ao primeiro problema apontado ao início deste texto: a grave crise fiscal de que padece o Brasil atualmente, fruto da Grande Destruição da era lulopetista, o mais grave atentado de que já padecemos, sem o perceber, desde a fundação da República. 
Pouca gente está disposta a admitir que o Brasil, de 2003 a 2016, foi vítima de, ainda que administrado por, uma organização criminosa travestida de partido político, que não apenas se revelou totalmente inepta no plano da governança, como também foi, e principalmente, exacerbadamente corrupta no plano dos negócios públicos. Sem reconhecer esta realidade, torna-se difícil propor um programa de reconstrução nacional e de refundação da própria República, que passa pela eliminação da vida pública desses quistos cancerosos do sistema político.

Como construir a governança?
Partindo desse pressuposto, uma primeira tarefa de uma governança responsável seria a de construir uma maioria de apoio ancorada na transparência em relação a um programa de governo declaradamente reformista, que afaste de vez a corrupção dos negócios públicos, como é a expressa vontade da imensa maioria da população. O governo deveria ser em parte político, em parte tecnocrático, pois seria impossível trabalhar sem especialistas, de um lado, e sem representantes dos partidos presentes no Congresso, de outro. 
A reforma política é algo absolutamente necessário, e o Executivo precisaria ter uma visão clara de como ela deve ser feita – reduzir a fragmentação, mudar o sistema eleitoral, cláusulas de barreira, fim dos fundos partidário e eleitoral –, mas também deve ter absoluta consciência de que essa reforma não será feita pelos próprios políticos e partidos, sem uma pressão decisiva por parte da cidadania consciente, o que obviamente será difícil de obter. O governo, então, deverá se concentrar nas reformas econômicas e em diversas outras reformas estruturais – previdenciária, trabalhista, educacional, etc. –, com total transparência sobre o que o Brasil precisa fazer para retomar o crescimento.
Na parte econômica, o restabelecimento do equilíbrio fiscal, a diminuição dos déficits orçamentários e do endividamento público, assim como um amplo programa de privatizações, são absolutamente necessários para que todos os demais objetivos reformistas sejam alcançados. O sentido geral das reformas deve ser o da abertura econômica, o da liberalização comercial – se preciso for unilateral –, amplas liberdades econômicas, com diminuição do regulacionismo intrusivo e uma profunda reforma fiscal no sentido da redução, sim, da redução da carga fiscal total. 
Como não parece haver entendimento preliminar, nem federativo, sobre o caráter dessa reforma, sobre a estrutura do novo sistema tributário, sobre a mudança na arquitetura e na composição da base fiscal – peso e repartição dos impostos, das taxas e contribuições, nos três níveis –, o que se propõe é um programa gradual e progressivo de redução paulatina de alguns pontos percentuais – pode ser meio por cento a cada ano – em cada uma das alíquotas ou valores aplicados em todos os componentes da atual base fiscal, digamos num espaço de cinco a dez anos, período no qual a sociedade e o parlamento engajariam uma discussão ponderada sobre a substância e o perfil da nova estrutura fiscal e tributária, condizente e compatível com as necessidades dos país. O sentido será sempre o da redução da carga sobre o investimento, sobre o trabalho e os lucros, com maior incidência sobre o consumo – mas desonerando os itens de consumo popular –, sobre o patrimônio e as rendas do capital. O Brasil precisa chegar a uma carga fiscal total não superior a 30% do PIB, que seria comensurável com sua atual renda per capita.
Outro aspecto essencial das reformas modernizantes é a privatização de todas – sublinho TODAS – as empresas estatais, que salvo raros casos têm servido principalmente de cofre e de cabide de empregos para políticos inescrupulosos, aqueles expropriadores e rentistas. Não existe nenhum motivo econômico, ou até político, para que grandes empesas públicas, em praticamente todas as áreas, inclusive os bancos estatais, continuem a funcionar sob a gestão ineficiente, e altamente comprometedora de sua higidez, do Estado. Mesmo bancos de “desenvolvimento” podem ser colocados parcialmente sob a responsabilidade de uma gestão pautada por critérios de mercado.
A política econômica externa e, portanto, a política externa igualmente podem ter como foco as mesmas prioridades de reformas estruturais já definidas para a tarefa de modernização doméstica, sendo que a política externa setorial é acessória ao, e em grande medida dependente do, imenso esforço de recuperação da nação, depois de quase duas décadas de descaminhos e contradições no processo de desenvolvimento nacional. 

Estas são as considerações genéricas que julgo serem importantes apresentar numa fase preliminar do debate em torno da reconstrução nacional. Argumentos mais específicos serão apresentados para políticas setoriais em terrenos seletivos, à exceção de questões atinentes às políticas macroeconômicas, para as quais não me julgo competente para formular. Apenas volto ao meu resumo habitual de políticas gerais para um processo de crescimento sustentado, com transformação produtiva e redistribuição de renda via mercados, antes que pela mão assistencialista sempre torta do Estado: macroeconomia estável – fiscal, monetária e cambial –, microeconomia competitiva, governança responsável e transparente, alta qualidade do capital humano e abertura ao comércio internacional e aos investimentos estrangeiros. Vale...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília-Lisboa, em voo; Aeroporto de Lisboa; Beja, 22 junho de 2018

segunda-feira, 19 de março de 2018

Persio Arida: reformas imediatamente depois da posse (OESP)

Reformas e privatizações devem ser feitas já no 1º ano de governo, diz Arida

Pressa é necessária, segundo ele, para evitar o ‘inevitável desgaste político’ dos anos seguintes

O Estado de S. Paulo, 18/03/2018

Coordenador do programa econômico que Geraldo Alckmin (PSDB) vai encampar como candidato à presidência da República, Persio Arida afirma que o tucano, uma vez eleito, vai tocar nos primeiros meses de governo um pacote com privatizações e as reformas do Estado, da Previdência e tributária. Explica que a pressa é necessária para tirar vantagem do capital político conquistado nas urnas. 
Arida diz que não haverá aumento da carga tributária, mas é preciso tornar a cobrança de impostos mais simples e socialmente justa. “Não faz sentido, num país como o nosso, dar benefício fiscal aos mais ricos”, disse ao Estado, em sua primeira entrevista como integrante da equipe do tucano. 
Um dos formuladores do Real, Arida afirmou que não é preciso um plano específico para conter o déficit público, mas determinação do governo para aplicar as regras que já existem. Segundo ele, a principal preocupação deve ser garantir a retomada. “Sem crescimento não há solução”, disse Arida, ex-presidente do BNDES e do Banco Central e, até 2017, sócio do banco BTG. 
O economista afirma que a campanha de Geraldo Alckmin buscará o caminho do “centro democrático” tanto no campo econômico quando no dos costumes. Segundo ele, o tucano manterá a disposição de defender temas impopulares, como a reforma da Previdência, e não cederá a apelos populistas na área da segurança. “A aposta é que há um eleitorado maduro no Brasil”, disse. 
A conversa com Persio Arida abre a série de entrevistas que o Estado passa a publicar com economistas que terão influência no debate eleitoral sobre a agenda de prioridades no campo econômico e o modelo de desenvolvimento que o País deve perseguir.  
O sr. já foi banqueiro, ocupou cargos no governo, é reconhecido como economista. Por que entrar numa campanha agora?
A vida corporativa e a puramente acadêmica são capítulos encerrados. A preocupação pública está viva em mim. Quero contribuir. Gosto do Alckmin e nos aproximamos depois que saí do BTG, no ano passado. Decidi aceitar o desafio de coordenar o programa. Tenho enorme preocupação. Essas eleições serão críticas. 
Por quê?
Uma escolha errada pode comprometer a recuperação que estamos vivendo. Sem crescimento, não há solução. Numa crise como essa, é natural que parte da população queira um salvador, alguém que venha do nada e resolva tudo. O Brasil está diante de dois riscos: ter uma esquerda retrógrada estatizante, com a noção de que esse ou aquele setor são estratégicos, o que é uma ideia claramente atrasada, ou ter uma direita populista e obscurantista.  
O que é a direita populista que o sr. diz ver como risco ao País?
Populista ao dizer que se resolve o problema da segurança dando armas a todos. Sabe o que acontecerá? O aumento de crimes passionais, de mortes por briga no trânsito. Imagine disputas de torcidas de futebol com pessoas armadas. A realidade não cansa de comprovar que, para todo problema complexo, há uma solução simples – e errada. São Paulo reduziu homicídios impondo o estatuto do desarmamento. 
E por que o sr. classifica como uma direita obscurantista?
Nos costumes. Nosso caminho não é negar a natureza plural da sociedade brasileira. O Brasil tem de respeitar os direitos humanos. É assim que o País foi construído e tem de continuar sendo. O desafio é escapar dos extremos e ter um centro democrático. 
Alckmin não chega a 10% nas pesquisas, já foi apelidado de picolé de chuchu. Ele possui as características para angariar apoio a esse projeto de centro?
Que atributos queremos num presidente? Tem de ser alguém sereno, com capacidade de negociação política. Quem assumir vai lidar com um Congresso tão fragmentado quanto o de hoje. Tem de ter experiência administrativa. Aprender no exercício da presidência é custoso demais para o País. Não tenho dúvida de que Alckmin será o melhor presidente para o Brasil. Sobre a história do picolé de chuchu, temos de lembrar que ele ganhou no primeiro turno na última eleição para governador. As pessoas votaram nele. E votarão agora. 
O sr. já começou a elaborar o programa? Já tem equipe?
Ainda não há equipe. Nesta fase, meu papel é filtrar boas ideias e, para isso, estou conversando com várias pessoas, mas não vou citar nomes. Teremos um documento básico, com as melhores ideias e diretrizes. Depois entraremos em outra fase, com advogados e especialistas, para preparar normas, decretos, projetos de lei e de emenda constitucional. Esses documentos têm de estar prontos antes de Alckmin tomar posse.  
Tem de haver pressa?
Haverá uma janela de oportunidade extraordinária no Brasil, que é a legitimidade de uma eleição presidencial. Isso dura seis meses, um ano. Depois, há o inevitável desgaste político. É importante ter tudo pronto antes da posse para não perder tempo. É possível aprovar as reformas da Previdência e tributária. As privatizações têm de começar no primeiro dia. Tem de aproveitar essa janela. A sociedade está madura.  
Qual deve ser o plano para domar o déficit público? 
No fiscal, não faltam regras. Teto de gastos, a regra de ouro, a lei de responsabilidade fiscal. Fiz a conta e há mais de dez restrições fiscais diferentes. E cá estamos com 75% de dívida sobre o PIB – sem contar os precatórios. O problema fiscal no Brasil é de administração. Há teto para salários. O que fizeram? Começaram a dar gratificações. A cultura brasileira do jeitinho, que nos leva a reinterpretar termos quando a regra fica restritiva, mostra claramente que, se o governante não tiver determinação, não adianta. 
Qual será a principal ideia do plano Alckmin para a economia?
São três pilares: produtividade, responsabilidade fiscal e igualdade de oportunidades. Em produtividade, incluo abertura comercial, simplificação, desburocratização e reforma tributária. Infelizmente, não estamos em condição de reduzir a carga tributária. Mas temos de aprender com o passado e não aumentar imposto.  
Mesmo com esse déficit?
Não pode aumentar. O Brasil tinha 20% de carga tributária sobre o PIB. Hoje tem 32% com déficit público maior. Quando se eleva a arrecadação, a dinâmica política te conduz, cedo ou tarde, para aumentar gasto. É preciso resistir à tentação de aumentar imposto. O que se pode fazer é tornar essa carga tributária compatível com ganho de produtividade e socialmente mais justa.  
Como fazer isso?
Suprimindo impostos de intermediação. IPI, ICMS, ISS, PIS/Cofins. Acaba com tudo isso, transforma num imposto sobre valor adicionado, reparte a receita. Você ganha em eficiência e transparência. Quando se puder ver que há no leite 20%, 25% de imposto, virá a revolta. E isso será positivo. O sistema político precisa de pressão. Nossa carga tributária é injusta porque ela recai sobre os pobres. 
Os ricos têm de pagar mais?
Não faz sentido algum, num país socialmente injusto como o nosso, dar benefícios fiscais para os segmentos mais ricos da população. Benesses como um instrumento com isenção tributária, como LCI e LCA, por exemplo. Tornar a alíquota socialmente mais justa é muito bom. A reforma tributária tem também o lado da justiça social.  
As desonerações acabariam num eventual governo Alckmin?
Estamos num nível de desoneração fiscal sem precedentes. Precisa voltar à normalidade. As isenções tributárias eram da ordem de 1,5% do PIB. Agora estamos em 4,5% do PIB. É dinheiro que poderia ir para saúde, educação, segurança e está sendo dado para o mundo corporativo. Vale a pena? É extraordinário que tenha acontecido isso sem qualquer avaliação. Gestão pública, tal como a gestão privada, se faz com metas, indicadores e meritocracia. O papel do Estado é dar segurança jurídica, garantir condições para florescer crédito, assegurar competição. A inteligência para assegurar o crescimento não está no Estado intervencionista, que dá isenção, subsídio e decide qual indústria será beneficiada. 
Os mais ricos devem contribuir para usar a rede pública?
O debate não é se os ricos devem ser cobrados. O problema dos ricos é pagar mais imposto. O que tem de se fazer é reformar o Estado.  
Reformar como?
É uma tarefa enorme e difícil, que envolve meritocracia do setor público, medir e ter objetivos em programas sociais e econômicos. O Brasil foi de um extremo, onde não havia estabilidade, o que gerava abusos e perseguições, para uma situação em que todo mundo tem estabilidade. Não pode. Estou convicto de que dá para sustentar essa trajetória e ter um crescimento elevado. Alguém tem de oferecer emprego e não será o Estado.  
Como o sr. vê a agenda da direita no campo econômico?
Não sei muito bem o que é a agenda da direita na economia. Sei a agenda do Paulo Guedes (economista que coordena o programa do deputado Jair Bolsonaro). Ele defende o sistema de capitalização na Previdência. Nada contra a ideia. Mas é inexequível. Hoje temos déficit. Se partir para a capitalização, os mais favorecidos param de contribuir para a Previdência e o buraco aumenta. Outro ponto: se você diz que vai privatizar tudo, vai brigar com todos os lados ao mesmo tempo e não vai privatizar nada. Você tem de elencar quais são as prioridades.  
Não dá para privatizar tudo ao mesmo tempo. Mas o que é possível fazer?
A direção é clara: o Estado tem de deixar de ser empresário. O que as pessoas querem hoje e o que Brasil precisa é de uma economia dinâmica. Para isso, não precisa de estatal. 
Privatização, reformar a Previdência e a estrutura do Estado são temas impopulares. Alckmin manterá essas posições? Não vai amarelar na campanha?
Não vai. Previdência: São Paulo fez. Quem entra no serviço público tem teto de aposentadoria de R$ 5 mil. Ele que contribua para previdência complementar. Privatização: ele está terminando agora a montagem da holding da Sabesp para privatização. Alckmin não fará concessões populistas. Defenderá o estatuto do desarmamento. A aposta é que há um eleitorado maduro no Brasil. Tenho convicção de que as posições serão mantidas. 

sábado, 13 de maio de 2017

Roberto Campos: proposta para um capitalismo do povo (1985)

Meu amigo Ricardo Bergamini persiste em seu empenho (que é também o meu) em nos desvendar antigos artigos de Roberto Campos, sobre temas diversos. Eu recentemente organizei um livro, "O Homem que Pensou o Brasil", em homenagem ao grande economista, diplomata, estadista, já disponível comercialmente (ver: https://www.amazon.com.br/Pensou-Brasil-Trajet%C3%B3ria-Intelectual-Roberto/dp/8547304851/ref=sr_1_1?s=books&ie=UTF8&qid=1494726879&sr=1-1&keywords=o+homem+que+pensou+o+brasil).
 O artigo transcrito abaixo foi escrito quando ele já era Senador por MT, logo no início da redemocratização, no qual Roberto Campos propunha desmonopolizar, desestatizar, privatizar uma centena e meia de empresas estatais, primeiro distribuindo a propriedade aos verdadeiros provedores da riqueza social extorquida pelo Estado, depois privatizando a gestão para aumentar a produtividade de dezenas de empresas estatais.
Uma luta infinita esta que levamos para imprimir um pouco mais de racionalidade à economia brasileira. Vamos persistir...
Paulo Roberto de Almeida

Prezados Senhores

Leiam esse magistral artigo escrito pelo mestre Roberto Campos em 1985 e vejam o quanto a solidão dos gênios no Brasil é assustadora: 

“Não sei se continuar solitário no meu liberalismo não seria melhor do que adquirir más companhias” (Roberto Campos).
Não por culpa da esquerda (citação minha): “O capitalismo não fracassou na América Latina. Apenas não deu o ar de sua graça” (Roberto Campos).
E o mais grave é que estamos vivendo um momento estranho, onde um governo sem jamais fazer uma única citação ao pensamento liberal tem tanto apoio dos ditos liberais, com exaltações doentias por ter caído à inflação, o transformando em um gênio Enquanto um gênio é simplesmente esquecido pelos liberais. Onde estão os liberais? (silêncio amplo, geral e irrestrito).
O mestre deixou um projeto pronto somente falta implantá-lo.  Enquanto isso o meu desprezo ao falso liberalismo brasileiro, que somente tem argumentos para atacar a esquerda como responsável por tudo. Vergonha na cara não faz mal a ninguém.
Resumo do projeto de Roberto Campos para transformar o Brasil no capitalismo do povo com a transferência do controle das 154 estatais federais ao povo. 

O programa de “repartição do capital” inauguraria imediatamente o capitalismo do povo. O programa de “desestatização” aumentaria gradualmente a eficiência de gestão, além de trazer receitas, que o Governo utilizaria para sanar aflitivas carências básicas – analfabetismo, endemias e epidemias, desnutrição e insuficiência dos serviços básicos de infraestrutura. Não faz sentido o governo ter postos de gasolina quando não tem postos de saúde, ou competir na fabricação de computadores quando não tem dinheiro para cuidar da malária... 
Ricardo Bergamini

154 Empresas Estatais Federais Dependentes Não Dependentes
Empresas com Controle Direto da União - 48
Empresas com Controle Indireto da União - 106
Empresas Estatais Dependentes do Tesouro Nacional - 18
Empresas Estatais Não Dependentes do Tesouro Nacional - 136
Empresas Estatais Não Dependentes com Controle Direto da União - 30
Empresas Estatais Não Dependentes com Controle Indireto da União – 106

O Capitalismo do Povo (11/08/85)

*Roberto de Oliveira Campos

“A coisa mais importante para os governos não é fazer as coisas que os indivíduos já estão fazendo, ou fazê-las um pouco melhor ou pior; e sim fazer aquelas que no presente ninguém possa fazer” (Lord Keynes).

Para o começo de conversa precisamos de uma revolução semântica. A expressão “setor privado” inspira uma conotação de egoísmo e apropriação. A expressão “setor público” transmite a ideia de generosidade. Isso é injusto e inadequado. Mais correto seria, como sugere o economista paulista Rafael Vechiatti, chamarmos o setor público de “setor coercitivo”, e o privado de “setor voluntário”.

Sempre que se fala em desestatização, surge logo a indagação: de onde virão os recursos para o setor voluntário comprar as empresas do setor coercitivo? Uma resposta complexa é explicar que: 1) o governo não gera recursos e sim administra os recursos hauridos do setor voluntário por tributação ou tarifas; 2) que a poupança do governo é hoje negativa e que seu déficit é coberto mediante sucção da poupança privada; 3) que, na medida em que o Governo corte suas despesas, liberando a poupança privada, esta poderia comprar as empresas do “setor coercitivo”. Estas, aliás, não nasceram do nada e sim de tributos pagos pelo “setor voluntário”. A velocidade de geração de recursos para a privatização dependeria assim apenas da velocidade da redução do déficit público e da liberação das poupanças do setor voluntário.   

Num sentido fundamental, entretanto, o problema é simples e não exige qualquer despesa. Basta uma revolução conceitual, que pode ser feita por definição legal. O importante, num primeiro estágio, é separarmos o conceito de propriedade, do direito de gestão, diferenciando-se “ações de propriedade” de “ações de gestão”. O Governo é gestor das despesas públicas. Mas não precisa ser seu proprietário. As empresas públicas devem ser do público.

É esse o objetivo do projeto de lei número 139 que apresentei ao Senado Federal, em junho de 1983, e que há dois anos ali dorme o sono dos justos, pois as ideias simples são em princípio escandalosas. Nesse projeto se prevê que o governo devolva aos cidadãos a propriedade das poupanças deles arrecadadas, mediante a transferência gratuita de ações integralizadas – boas ou más – que sejam de propriedade da União, suas autarquias e entidade públicas, a um grande fundo de repartição de capital. Todos nós, contribuintes do INPS ou IPASE ou Funrural receberíamos gratuitamente frações ideais desse fundo. Os dividendos eventualmente resultantes seriam creditados aos cotistas, vale dizer, ao universo dos contribuintes, cujos impostos financiaram originalmente a criação dos elefantes estatais. As ações ficariam em custodia num organismo central, que poderia ser a Caixa Econômica Federal, ou qualquer outro órgão suficientemente computadorizado, que manteria escrituração da carteira de ações dos beneficiários. Enquanto mantidas em custódia, essas ações seriam de propriedade, porém não de gestão. O poder de voto e de gestão continuaria, como no presente, nas mãos dos administradores governamentais, até que essas ações doadas se transformassem em ações vendidas ou negociadas, através dos mecanismos normais de Bolsas de Valores ou de licitação de ações. O projeto de lei acima citado prevê que a alienação das ações ou a retirada da custodia se faça gradualmente (à razão de 5% ao ano), a fim de na se congestionar o mercado de valores.

Se a privatização da propriedade pode ser resolvida, resta o problema da privatização da gestão, indispensável para aumento da produtividade global do sistema. Esta continuaria a ser buscada através dos programas correntes de desestatização, por venda em bolsa ou licitação. O importante seria abandonarmos a ideia – usada pelos estatizantes para sabotar a desestatização – de que o Governo tem que reaver integralmente o capital investido. Em muitos casos, os investimentos foram superdimensionados, com custos financeiros tornados proibitivos pela lerda execução, de sorte que seria irrealista esperar vendê-las senão pela rentabilidade real ou esperada do patrimônio, aferida segundo as regras do mercado. 

O programa de “repartição do capital” inauguraria imediatamente o capitalismo do povo. O programa de “desestatização” aumentaria gradualmente a eficiência de gestão, além de trazer receitas, que o Governo utilizaria para sanar aflitivas carências básicas – analfabetismo, endemias e epidemias, desnutrição e insuficiência dos serviços básicos de infraestrutura. Não faz sentido o governo ter postos de gasolina quando não tem postos de saúde, ou competir na fabricação de computadores quando não tem dinheiro para cuidar da malária...

Se há hoje uma constatação universal é a da falência do Estado-empresário. Até mesmo os regimes socialistas estão sentindo a rigidez e o desperdício dos sistemas centralistas. No universo das estatais brasileiras, o julgamento da eficiência é dificultado porque, contrariamente ao previsto no Art. 170, Parágrafo 20 da Constituição Federal, elas desfrutam de privilégios de mercado ou vantagens fiscais inacessíveis às empresas privadas. A Petrobrás, por exemplo, é lucrativa, mas desfruta de um monopólio que impede a aferição de eficiência. O Banco do Brasil é lucrativo, mas recebe recursos trilionários da Conta de Movimento do Tesouro a juros simbólicos, e coleta depósitos compulsórios de entidades públicas, sem ter que pagar os altos custos de captação. A Vale do Rio Doce e Usiminas, que operam superavitariamente e sem subsídio, em mercados competitivos, figuram talvez entre as únicas empresas sobre cuja eficiência não pairam dúvidas. Os grupos Telebrás e Eletrobrás não podem ser julgados porque operam em condições monopolísticas, caso em que o lucro pode resultar de manipulação tarifária e não eficiência competitiva.

O importante é acentuar que o Ministro Dornelles e Roberto Gusmão, que pregam a privatização por sentirem na carne os abusos dos elefantes enlouquecidos do setor coercitivo, não precisam se preocupar inicialmente com a carência de recursos para a privatização. Podemos privatizar imediatamente a propriedade por transferência gratuita, e, mais gradualmente, o voto e a gestão, pela venda convencional das ações à medida que o mercado as absorva. Mas mesmo o primeiro passo tem consequências psicológicas importantes. Sentindo-se proprietário, ainda que em frações minúsculas, das empresas públicas, os contribuintes se interessariam em fiscalizá-las, na esperança de algum dividendo, e para isso se organizariam em associações civis, a fim de se manifestarem nas assembleias gerais. Os gestores, sentindo-se também coproprietários, ainda que microscópios, talvez deixassem de considerar os dinheiros públicos um bem de ninguém. E o lucro da empresa passaria a ser considerado o que realmente é, um prêmio do desempenho e não uma secreção de cupidez capitalista. É uma perfeita imbecilidade dizer-se que não se pode privatizar as estatais porque elas são “patrimônio do povo”. Precisamente por isso é que devem ser privatizadas, na forma indicada no projeto de lei número 139. Para que sejam do povo. Hoje são dos tecnocratas, que às vezes delas abusam, ou dos políticos, que as desfiguram. O povo não tem vez.... 

*Defensor apaixonado do liberalismo. Economista, diplomata e político também se revelou um intelectual brilhante. De sua intensa produção, resultaram inúmeros artigos e obras como o livro A Lanterna na Popa, uma autobiografia que logo se transformou em best-seller. Foi ministro do Planejamento, senador por Mato Grosso, deputado federal e embaixador em Washington e Londres. Sua carreira começou em 1939, quando prestou concurso para o Itamaraty. Logo foi servir na embaixada brasileira em Washington, e, cinco anos depois, participou da Conferência de Bretton Woods, responsável por desenhar o sistema monetário internacional do pós-guerra.

Ricardo Bergamini
Membro do Grupo Pensar+ www.pontocritico.com