O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

Mostrando postagens com marcador privatização. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador privatização. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 11 de abril de 2024

"Ideal é privatizar a Petrobras", diz Marcelo Mesquita, conselheiro mais antigo da Petrobras (Valor)

"Ideal é privatizar a Petrobras", diz Mesquita

Governança - Conselheiro mais longevo afirma que crises sucessivas ocorrem pelo modelo estatal

Kariny Leal, Fábio Couto e Francisco Góes - Do Rio

Valor, 11/04/2024


Mais antigo conselheiro da Petrobras, cargo que ocupa há oito anos, o economista Marcelo Mesquita entende que a privatização é a melhor saída para as contínuas crises vividas pela empresa, governo após governo. "Se um governo do PT faz isso, ficaria no poder 20 anos", diz. Um modelo possível, segundo ele, seria o de "Corporation", empresa sem controle acionário definido, com atuação focada em exploração e produção de petróleo no Brasil. No formato atual de empresa de economia mista, Mesquita identifica vários problemas. Entre os quais aponta as tentativas de ingerência política, incluindo a formação de preços dos combustíveis, e retrocessos na governança, que vai sendo minada gradualmente: "É uma barragem que vai criando rachaduras", compara.

No tempo em que está no colegiado da Petrobras, Mesquita conviveu com sete diferentes presidentes da empresa. Ele deixará o conselho depois da assembleia de acionistas do dia 25, uma vez que não pode se candidatar a uma terceira reeleição, vedada pelo estatuto. O economista não quis opinar sobre tuna possível permanência do atual CEO da estatal, Jean Paul Prates. Mas reconheceu que o debate sobre o comando da estatal paralisa a companhia. Diz ainda nunca ter visto situação como a atual em que conselheiros do governo e diretoria não se entendem, como ocorreu no caso dos dividendos extraordinários: "É como se não fosse bom estar dando lucro e pagando dividendo." A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor: Valor: Que avaliação faz do momento da Petrobras?

Marcelo Mesquita Em crises anteriores, a empresa estava em momento ruim. Em 2018, a Petrobras tinha dívida e custos altos. A lucratividade não era elevada, a empresa não pagava dividendos e a cotação do petróleo estava baixa. A empresa estava fragilizada. Hoje, anos depois, é diferente porque se fez uma reestruturação da governança. A empresa chegou a ter 120 mil funcionários, hoje tem 60 mil e produz mais. Quando se vê que a empresa está indo bem, não tem a "desculpa" para Brasília de que [a Petrobras] não pode atender os pedidos.

Valor: Porque dá lucro?

Mesquita: A empresa é muito lucrativa. Do ponto de vista do país, deveríamos olhar isso [o lucro] com felicidade, e não com o estranhamento que algumas pessoas olham, como se ter muito lucro fosse errado. É como se não fosse bom estar dando lucro e pagando dividendo, essa é a insanidade do atual momento.

Valor: Qual é a razão disso?  

Mesquita: A visão de que a Petrobras é uma galinha de ovos de ouro para o país precisa ser um consenso. O debate deveria ser o seguinte: vai haver uma transição energética, vamos fazer com a Petrobras ou não? É um debate complexo e saudável que o Ministério de Minas e Energia (MME) devia ter com o país. A empresa tem que dar lucro e pagar o máximo de dividendo que puder. Isso não deveria ser debatido. As pessoas acham que está sobrando dinheiro porque a Petrobras não está investindo o suficiente. É uma falácia. Esse é o ponto de partida da conversa do dividendo e do lucro. A Petrobras tem um plano de investimento que é o maior do Brasil, da América Latina e do hemisfério sul. É quase o tamanho da Exxon Mobil, a maior empresa de petróleo americana. Óbvio que a Petrobras gostaria de investir mais, mas precisa ter projeto.

Valor: Se a empresa está tão bem operacionalmente, por que não se construiu um consenso para evitar a crise dos dividendos?

Mesquita: Pois é, eu não entendo. Não sou do governo, não entendo o que acontece entre os políticos em Brasília. O sindicato não querer maior distribuição de dividendos até entendo, porque eles acham que dinheiro na empresa é melhor para ter mais emprego. Mas, de novo, isso é uma falácia porque não gera mais emprego sem as condições [econômicas] para sustentar essas vagas. Se tem dinheiro sobrando e compra ativo na Bolívia, na Venezuela ou na África só para dar destinação ao recurso, não faz sentido. Eu também gostaria que o país fosse autossuficiente em fertilizantes, mas não existe país rico que faça tudo. Se somos bons em fazer poços profundos, vamos focar nisso. Vamos debater como aumentar o investimento em exploração no Brasil.

Valor: Há risco de retrocesso na governança da Petrobras depois dos avanços dos últimos anos?

Mesquita: O risco é a empresa estar muito lucrativa, pagando dividendos e as pessoas quererem fazer coisas que no passado já se viu que não dão retomo. Esse risco é potencializado pela incerteza da transição energética. Mesmo empresas de petróleo privadas, sem as amarras da Petrobras, estão vivendo esse dilema [de diversificar o portfólio].

Valor: Qual é o melhor uso do dinheiro da Petrobras?

Mesquita: O ideal é privatizar a Petrobras, ter uma empresa menor e mais focada em exploração e produção de petróleo no Brasil. E deixar o país usar os recursos [da privatização] para fazer o que precisa, como infraestrutura, escolas, hospitais e abater a dívida pública para ter uma taxa de juros mais baixa. Isso permite ter um custo de capital menor. É saudável para o país usar esse dinheiro que a Petrobras gera. A Noruega e o Chile, por exemplo, têm fundos criados para pegar o excedente de dinheiro em momento de bonança, investir e guardar. No Brasil, não temos maturidade política para guardar porque todo mundo quer gastar quando está no poder e não deixar para quem vem depois. Se pudesse, esse seria o caminho: colocar o dinheiro em um fundo e usar quando precisar. Mas isso é tão sofisticado que não estamos nesse ponto do debate no Brasil.

Valor: O senhor defende a privatização da Petrobras há tempos, mas nunca houve condições reais de avançar nessa discussão...

Mesquita: A sociedade evoluiu. Agora seria o momento de ser magnânimo, de ser estadista. Se um governo do PT faz isso, ficaria no poder 20 anos. Deveriam ter a grandeza de entender isso. Se as forças políticas entendessem que têm que ser pragmáticas e não ideológicas em certas questões, alcançaríamos o consenso para nos desenvolvermos como nação. Cada vez que entra um grupo, fala que vai fazer tudo diferente do anterior. Não se acha uma convergência para que haja avanço.

Valor: Por que nunca ninguém conseguiu privatizar a Petrobras?

Mesquita: Porque ela ficou por último, depois de outros setores como celulose, siderurgia e mineração. A Petrobras, talvez por ser a maior e mais rentável, de um setor que muitos países têm estatais, ficou para o fim. E tem um debate polêmico [em torno ao tema], então vai indo pelas beiradas.

Valor Seu modelo para a privatização seria o de uma "Corporation"?

Mesquita: Privatização pode ser feita em vários modelos, o país tem que debater. Como permitir que a Petrobras se livre das interferências políticas privatizando, mas sem que fique desnacionalizada e aumentando investimentos, pagando impostos e gerando mais lucro. Se faz uma operação eficiente e lucrativa, o país ganha com isso, como ganha com a Vale. Quem é contra privatização por hipocrisia, deveria se obrigar a usar escola e hospital públicos em vez de ir no privado. O governo nem precisaria ter participação acionária, mas poderia influenciar, via "golden share", para não desnacionalizar. O governo recebe impostos da Petrobras, que são brutais. O [valor] que vai para funcionários e acionistas também é brutal.

Valor: Mas para privatizar teria que ter apoio do Congresso, mudar a Lei do Petróleo...

Mesquita: Estamos ficando para trás no mundo. A urgência da privatização da Petrobras tem a ver com a transição energética global. O petróleo vai deixar de ser uma riqueza, então precisamos usá-lo de forma correta.

Valor: Em que prazo?

Mesquita: Ninguém sabe. Mas está determinado que o planeta não quer mais usar petróleo, quer outras fontes de energias renováveis. Não sabemos em que velocidade. Uma empresa privada e ágil vai ter mais condições de tomar riscos do que uma estatal que muda a direção a cada quatro anos com a troca de governo. Qualquer governo de direita ou de esquerda quer mudar o presidente [da Petrobras] a cada ano. Em oito anos, eu vi sete conselhos, sete presidentes, sete diretorias. O Prates entrou, ainda está mudando as pessoas e a estrutura, e já estão falando que ele vai sair.

Valor: A dificuldade de Prates parece ser se equilibrar entre os interesses do governo e do mercado.

Mesquita: Esse embate existe porque tem minoritários que colocaram dinheiro e estão ali brigando. A empresa de economia mista [caso da Petrobras] funciona melhor do que quando não é, mas no Brasil não funciona bem como poderia. Porque não tem esse consenso político de que tem que ter vida de empresa e que não é uma autarquia federal. Com a "class action" [ação movida por investidores contra a Petrobras nos EUA, em 2015] e o acordo com a SEC [a CVM americana], a Petrobras se comprometeu a melhorar a governança e criar regras para evitar ataques e interferências. Graças a isso nos últimos oito anos a empresa melhorou muito. O ataque de Brasília é o mais difícil. Bolsonaro [o ex-presidente Jair Bolsonaro] ligava e achava que podia fazer o que queria. Mas não pode porque as pessoas que estão ali respondem com o CPE É resistência diária, mas a empresa vai sendo minada. É uma barragem que vai criando rachaduras. A flexibilização da Lei das Estatais foi uma delas.

Valor: Faltam duas semanas para a assembleia que vai eleger o conselho. Qual é a sua expectativa?

Mesquita: É um assunto difícil de falar, melhor comentar depois.

Valor: Tem elementos para dizer se Prates fica no cargo?

Mesquita: Nenhum, mas ficar 15 dias aparecendo supostos nomes que vão entrar [como CEO] é péssimo. A empresa para, os diretores começam a procurar emprego porque sabem que vão ficar desempregados. O presidente para de tomar decisão, as empresas que queriam parcerias também param.

Valor: O clima no conselho não parecer ser bom. É isso mesmo?

Mesquita: Onde tem alguma polêmica é quando se define o plano estratégico, ao definir o longo prazo da empresa. Eu votei contra o plano estratégico porque acredito numa Petrobras focada em exploração e produção, vendendo campos maduros, não entrando em coisas que não sabe fazer. Essa gestão, orientada por Brasília, aposta no outro caminho [de diversificar investimentos]. Tem que ter responsabilidade de votar com o CPE Às vezes tem consenso e outras vezes não.
Valor: Um caso em que não houve consenso foi na votação do dividendo extraordinário, quando Prates se absteve na votação.

Mesquita: Nunca vi isso em oito anos. Nos governos Temer e Bolsonaro, mesmo com todas as mudanças, havia coordenação entre CEO e o chairman da empresa, entre conselheiros colocados pelo governo e o que o presidente da empresa estava querendo fazer, sempre houve coordenação forte. Não entendo o que acontece, também não pergunto e não quero saber. É muito estranho a diretoria ter uma proposta e os conselheiros que a indicaram não terem uma atuação coordenada. É surpreendente como minoritário. E não sei explicar, não sei porque é assim. Eu acho que tem que ser distribuído 100% de tudo o que sobra. Por definição, se sobrou dinheiro e a empresa está com dívida resolvida, investindo o máximo que pode, tem que distribuir.

Valor: Então o senhor foi contrário à criação da reserva de capital.

Mesquita: Claro! Porque não tem que ter reserva de procrastinação. Eu até brinco internamente que essa não é uma reserva de capital, é uma reserva de atraso, porque esse dinheiro, um dia, ou vai ter que ser dado ao acionista ou vai ser investido em maluquice. Ou pode queimar [o recurso] caso faça retenção de preço de combustíveis.

Valor: Há algum ativo que a Petrobras não deveria ter vendido?

Mesquita: Foi ótimo [vendera distribuição de combustíveis] porque cria mais concorrência, mais players. Também não houve problema em vender refinarias. Quando se tem uma fatia de mercado monopolista e o dono da empresa é o governo, a mão pesada é sempre para vender barato e fazer politicagem. Historicamente, o capital aplicado em refino nunca deu retorno porque sempre se tentou represar preços para segurar a inflação.

Val

"Ideal é privatizar a Petrobras", diz Mesquita

Governança - Conselheiro mais longevo afirma que crises sucessivas ocorrem pelo modelo estatal

Kariny Leal, Fábio Couto e Francisco Góes - Do Rio

Mais antigo conselheiro da Petrobras, cargo que ocupa há oito anos, o economista Marcelo Mesquita entende que a privatização é a melhor saída para as contínuas crises vividas pela empresa, governo após governo. "Se um governo do PT faz isso, ficaria no poder 20 anos", diz. Um modelo possível, segundo ele, seria o de "Corporation", empresa sem controle acionário definido, com atuação focada em exploração e produção de petróleo no Brasil. No formato atual de empresa de economia mista, Mesquita identifica vários problemas. Entre os quais aponta as tentativas de ingerência política, incluindo a formação de preços dos combustíveis, e retrocessos na governança, que vai sendo minada gradualmente: "É uma barragem que vai criando rachaduras", compara.

No tempo em que está no colegiado da Petrobras, Mesquita conviveu com sete diferentes presidentes da empresa. Ele deixará o conselho depois da assembleia de acionistas do dia 25, uma vez que não pode se candidatar a uma terceira reeleição, vedada pelo estatuto. O economista não quis opinar sobre tuna possível permanência do atual CEO da estatal, Jean Paul Prates. Mas reconheceu que o debate sobre o comando da estatal paralisa a companhia. Diz ainda nunca ter visto situação como a atual em que conselheiros do governo e diretoria não se entendem, como ocorreu no caso dos dividendos extraordinários: "É como se não fosse bom estar dando lucro e pagando dividendo." A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor: Valor: Que avaliação faz do momento da Petrobras?

Marcelo Mesquita Em crises anteriores, a empresa estava em momento ruim. Em 2018, a Petrobras tinha dívida e custos altos. A lucratividade não era elevada, a empresa não pagava dividendos e a cotação do petróleo estava baixa. A empresa estava fragilizada. Hoje, anos depois, é diferente porque se fez uma reestruturação da governança. A empresa chegou a ter 120 mil funcionários, hoje tem 60 mil e produz mais. Quando se vê que a empresa está indo bem, não tem a "desculpa" para Brasília de que [a Petrobras] não pode atender os pedidos.

Valor: Porque dá lucro?

Mesquita: A empresa é muito lucrativa. Do ponto de vista do país, deveríamos olhar isso [o lucro] com felicidade, e não com o estranhamento que algumas pessoas olham, como se ter muito lucro fosse errado. É como se não fosse bom estar dando lucro e pagando dividendo, essa é a insanidade do atual momento.

Valor: Qual é a razão disso?  

Mesquita: A visão de que a Petrobras é uma galinha de ovos de ouro para o país precisa ser um consenso. O debate deveria ser o seguinte: vai haver uma transição energética, vamos fazer com a Petrobras ou não? É um debate complexo e saudável que o Ministério de Minas e Energia (MME) devia ter com o país. A empresa tem que dar lucro e pagar o máximo de dividendo que puder. Isso não deveria ser debatido. As pessoas acham que está sobrando dinheiro porque a Petrobras não está investindo o suficiente. É uma falácia. Esse é o ponto de partida da conversa do dividendo e do lucro. A Petrobras tem um plano de investimento que é o maior do Brasil, da América Latina e do hemisfério sul. É quase o tamanho da Exxon Mobil, a maior empresa de petróleo americana. Óbvio que a Petrobras gostaria de investir mais, mas precisa ter projeto.

Valor: Se a empresa está tão bem operacionalmente, por que não se construiu um consenso para evitar a crise dos dividendos?

Mesquita: Pois é, eu não entendo. Não sou do governo, não entendo o que acontece entre os políticos em Brasília. O sindicato não querer maior distribuição de dividendos até entendo, porque eles acham que dinheiro na empresa é melhor para ter mais emprego. Mas, de novo, isso é uma falácia porque não gera mais emprego sem as condições [econômicas] para sustentar essas vagas. Se tem dinheiro sobrando e compra ativo na Bolívia, na Venezuela ou na África só para dar destinação ao recurso, não faz sentido. Eu também gostaria que o país fosse autossuficiente em fertilizantes, mas não existe país rico que faça tudo. Se somos bons em fazer poços profundos, vamos focar nisso. Vamos debater como aumentar o investimento em exploração no Brasil.

Valor: Há risco de retrocesso na governança da Petrobras depois dos avanços dos últimos anos?

Mesquita: O risco é a empresa estar muito lucrativa, pagando dividendos e as pessoas quererem fazer coisas que no passado já se viu que não dão retomo. Esse risco é potencializado pela incerteza da transição energética. Mesmo empresas de petróleo privadas, sem as amarras da Petrobras, estão vivendo esse dilema [de diversificar o portfólio].

Valor: Qual é o melhor uso do dinheiro da Petrobras?

Mesquita: O ideal é privatizar a Petrobras, ter uma empresa menor e mais focada em exploração e produção de petróleo no Brasil. E deixar o país usar os recursos [da privatização] para fazer o que precisa, como infraestrutura, escolas, hospitais e abater a dívida pública para ter uma taxa de juros mais baixa. Isso permite ter um custo de capital menor. É saudável para o país usar esse dinheiro que a Petrobras gera. A Noruega e o Chile, por exemplo, têm fundos criados para pegar o excedente de dinheiro em momento de bonança, investir e guardar. No Brasil, não temos maturidade política para guardar porque todo mundo quer gastar quando está no poder e não deixar para quem vem depois. Se pudesse, esse seria o caminho: colocar o dinheiro em um fundo e usar quando precisar. Mas isso é tão sofisticado que não estamos nesse ponto do debate no Brasil.

Valor: O senhor defende a privatização da Petrobras há tempos, mas nunca houve condições reais de avançar nessa discussão...

Mesquita: A sociedade evoluiu. Agora seria o momento de ser magnânimo, de ser estadista. Se um governo do PT faz isso, ficaria no poder 20 anos. Deveriam ter a grandeza de entender isso. Se as forças políticas entendessem que têm que ser pragmáticas e não ideológicas em certas questões, alcançaríamos o consenso para nos desenvolvermos como nação. Cada vez que entra um grupo, fala que vai fazer tudo diferente do anterior. Não se acha uma convergência para que haja avanço.

Valor: Por que nunca ninguém conseguiu privatizar a Petrobras?

Mesquita: Porque ela ficou por último, depois de outros setores como celulose, siderurgia e mineração. A Petrobras, talvez por ser a maior e mais rentável, de um setor que muitos países têm estatais, ficou para o fim. E tem um debate polêmico [em torno ao tema], então vai indo pelas beiradas.

Valor Seu modelo para a privatização seria o de uma "Corporation"?

Mesquita: Privatização pode ser feita em vários modelos, o país tem que debater. Como permitir que a Petrobras se livre das interferências políticas privatizando, mas sem que fique desnacionalizada e aumentando investimentos, pagando impostos e gerando mais lucro. Se faz uma operação eficiente e lucrativa, o país ganha com isso, como ganha com a Vale. Quem é contra privatização por hipocrisia, deveria se obrigar a usar escola e hospital públicos em vez de ir no privado. O governo nem precisaria ter participação acionária, mas poderia influenciar, via "golden share", para não desnacionalizar. O governo recebe impostos da Petrobras, que são brutais. O [valor] que vai para funcionários e acionistas também é brutal.

Valor: Mas para privatizar teria que ter apoio do Congresso, mudar a Lei do Petróleo...

Mesquita: Estamos ficando para trás no mundo. A urgência da privatização da Petrobras tem a ver com a transição energética global. O petróleo vai deixar de ser uma riqueza, então precisamos usá-lo de forma correta.

Valor: Em que prazo?

Mesquita: Ninguém sabe. Mas está determinado que o planeta não quer mais usar petróleo, quer outras fontes de energias renováveis. Não sabemos em que velocidade. Uma empresa privada e ágil vai ter mais condições de tomar riscos do que uma estatal que muda a direção a cada quatro anos com a troca de governo. Qualquer governo de direita ou de esquerda quer mudar o presidente [da Petrobras] a cada ano. Em oito anos, eu vi sete conselhos, sete presidentes, sete diretorias. O Prates entrou, ainda está mudando as pessoas e a estrutura, e já estão falando que ele vai sair.

Valor: A dificuldade de Prates parece ser se equilibrar entre os interesses do governo e do mercado.

Mesquita: Esse embate existe porque tem minoritários que colocaram dinheiro e estão ali brigando. A empresa de economia mista [caso da Petrobras] funciona melhor do que quando não é, mas no Brasil não funciona bem como poderia. Porque não tem esse consenso político de que tem que ter vida de empresa e que não é uma autarquia federal. Com a "class action" [ação movida por investidores contra a Petrobras nos EUA, em 2015] e o acordo com a SEC [a CVM americana], a Petrobras se comprometeu a melhorar a governança e criar regras para evitar ataques e interferências. Graças a isso nos últimos oito anos a empresa melhorou muito. O ataque de Brasília é o mais difícil. Bolsonaro [o ex-presidente Jair Bolsonaro] ligava e achava que podia fazer o que queria. Mas não pode porque as pessoas que estão ali respondem com o CPE É resistência diária, mas a empresa vai sendo minada. É uma barragem que vai criando rachaduras. A flexibilização da Lei das Estatais foi uma delas.

Valor: Faltam duas semanas para a assembleia que vai eleger o conselho. Qual é a sua expectativa?

Mesquita: É um assunto difícil de falar, melhor comentar depois.

Valor: Tem elementos para dizer se Prates fica no cargo?

Mesquita: Nenhum, mas ficar 15 dias aparecendo supostos nomes que vão entrar [como CEO] é péssimo. A empresa para, os diretores começam a procurar emprego porque sabem que vão ficar desempregados. O presidente para de tomar decisão, as empresas que queriam parcerias também param.

Valor: O clima no conselho não parecer ser bom. É isso mesmo?

Mesquita: Onde tem alguma polêmica é quando se define o plano estratégico, ao definir o longo prazo da empresa. Eu votei contra o plano estratégico porque acredito numa Petrobras focada em exploração e produção, vendendo campos maduros, não entrando em coisas que não sabe fazer. Essa gestão, orientada por Brasília, aposta no outro caminho [de diversificar investimentos]. Tem que ter responsabilidade de votar com o CPE Às vezes tem consenso e outras vezes não.
Valor: Um caso em que não houve consenso foi na votação do dividendo extraordinário, quando Prates se absteve na votação.

Mesquita: Nunca vi isso em oito anos. Nos governos Temer e Bolsonaro, mesmo com todas as mudanças, havia coordenação entre CEO e o chairman da empresa, entre conselheiros colocados pelo governo e o que o presidente da empresa estava querendo fazer, sempre houve coordenação forte. Não entendo o que acontece, também não pergunto e não quero saber. É muito estranho a diretoria ter uma proposta e os conselheiros que a indicaram não terem uma atuação coordenada. É surpreendente como minoritário. E não sei explicar, não sei porque é assim. Eu acho que tem que ser distribuído 100% de tudo o que sobra. Por definição, se sobrou dinheiro e a empresa está com dívida resolvida, investindo o máximo que pode, tem que distribuir.

Valor: Então o senhor foi contrário à criação da reserva de capital.

Mesquita: Claro! Porque não tem que ter reserva de procrastinação. Eu até brinco internamente que essa não é uma reserva de capital, é uma reserva de atraso, porque esse dinheiro, um dia, ou vai ter que ser dado ao acionista ou vai ser investido em maluquice. Ou pode queimar [o recurso] caso faça retenção de preço de combustíveis.

Valor: Há algum ativo que a Petrobras não deveria ter vendido?

Mesquita: Foi ótimo [vendera distribuição de combustíveis] porque cria mais concorrência, mais players. Também não houve problema em vender refinarias. Quando se tem uma fatia de mercado monopolista e o dono da empresa é o governo, a mão pesada é sempre para vender barato e fazer politicagem. Historicamente, o capital aplicado em refino nunca deu retorno porque sempre se tentou represar preços para segurar a inflação.

Valor: Faz sentido econômico ter lançado o segundo trem da Rnest [Refinaria Abreu e Lima]?

Mesquita: Faz porque o investimento foi feito. O ganho é grande ao se terminar o que começou. Votei a favor. Apesar de ter sido um investimento mal-feito, com preços absurdos, que demorou à beça [para ser implantado], a pior obra é a inacabada. Não é uma questão ideológica, é prática, específica.

Valor: Há defasagem nos preços dos combustíveis desde o início do ano. Como é o debate no conselho?

Mesquita: Não se pode olhar a defasagem apenas a curto prazo. Todo mês o conselho monitora a política de preços, a equipe de vendas explica o que está acontecendo com dados e gráficos. Na gestão de Prates, a política foi correta, não se vendeu gasolina com subsídios. Quando precisou, [a Petrobras] aumentou [os preços]. Agora é difícil [aumentar preços], porque quando se fala em derrubar o presidente e é preciso reajustar, é difícil acreditar que ele vá fazer. Entram as pressões políticas. Eu já vi esse filme antes. Por isso tem que privatizar.

Valor E se Prates reajustasse os preços dos combustíveis hoje?

Mesquita: Seria corajoso ao extremo. Eu, se fosse ele, até tentaria, para mostrar que é forte e que não vai sair. Se o Lula não quer tirá-lo [da presidência da Petrobras] de fato, é um ótimo momento para aumentar os combustíveis, mostrar que está tudo normal.


or: Faz sentido econômico ter lançado o segundo trem da Rnest [Refinaria Abreu e Lima]?

Mesquita: Faz porque o investimento foi feito. O ganho é grande ao se terminar o que começou. Votei a favor. Apesar de ter sido um investimento mal-feito, com preços absurdos, que demorou à beça [para ser implantado], a pior obra é a inacabada. Não é uma questão ideológica, é prática, específica.

Valor: Há defasagem nos preços dos combustíveis desde o início do ano. Como é o debate no conselho?

Mesquita: Não se pode olhar a defasagem apenas a curto prazo. Todo mês o conselho monitora a política de preços, a equipe de vendas explica o que está acontecendo com dados e gráficos. Na gestão de Prates, a política foi correta, não se vendeu gasolina com subsídios. Quando precisou, [a Petrobras] aumentou [os preços]. Agora é difícil [aumentar preços], porque quando se fala em derrubar o presidente e é preciso reajustar, é difícil acreditar que ele vá fazer. Entram as pressões políticas. Eu já vi esse filme antes. Por isso tem que privatizar.

Valor E se Prates reajustasse os preços dos combustíveis hoje?

Mesquita: Seria corajoso ao extremo. Eu, se fosse ele, até tentaria, para mostrar que é forte e que não vai sair. Se o Lula não quer tirá-lo [da presidência da Petrobras] de fato, é um ótimo momento para aumentar os combustíveis, mostrar que está tudo normal.


domingo, 17 de janeiro de 2021

Intervenção no BB é mais um ataque ao liberalismo - Editorial de O Globo

Bozo não é, nunca foi, nunca será liberal. Usou dessa carapuça hipocritamente, de má-fé, para enganar os "liberais de mercado" e os grandes empresários, que são tão estúpidos quanto ele, achando que poderiam realizar alguns de seus objetivos secretos. Ele conseguiu ser eleito, e os donos do capital ainda aguardam a maravilha do crescimento. Que não virá sem reformas, e reformas é tudo o que Bolsovirus não quer. Seu único objetivo é proteger seus negócios escusos, e sua família miliciana, aliás muito parecido com Trump, nisso também.

Paulo Roberto de Almeida 

Intervenção no BB é mais um ataque ao liberalismo
Editorial de O Globo, 17/01/2021
Barrar reforma no banco confirma que Bolsonaro só se preocupa com seus projetos político-eleitorais
A ameaça de demissão de André Beltrão da presidência do Banco do Brasil revela a essência antiliberal de Jair Bolsonaro, que trata empresas estatais, mesmo as com ações em bolsa dentro e fora do país, como se estivessem subordinadas ao Planalto, à sua disposição para interferências políticas. Ex-presidente do HSBC, Beltrão foi levado para o banco pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para fazer uma gestão profissional. Esbarrou no projeto político e na visão ideológica de Bolsonaro sobre as estatais.
Assumiu o cargo em julho para substituir Rubem Novaes, que saiu se dizendo frustrado por não conseguir fazer privatizações no BB. Não é difícil deduzir de onde partiam as resistências. Desta vez, Brandão anunciou um necessário plano de enxugamento do banco, cada vez menos competitivo num setor em rápida evolução. O plano envolvia um programa de demissão voluntária para afastar 5 mil funcionários, fechar agências, escritórios e postos de atendimento, 361 unidades ao todo, gerando economia de R$ 353 milhões ainda este ano. Não faz sentido mesmo manter guichês e balcões quando, também no BB, cresce o número de operações feitas pelos clientes de forma digital.
Mas o programa de reestruturação não é considerado conveniente em meio ao toma lá dá cá que transcorre em Brasília para Bolsonaro eleger Arthur Lira (PP-AL) presidente da Câmara dos Deputados. “Quem manda sou eu” é um dos bordões mais usados por Bolsonaro quando não gosta de alguma decisão tomada em seu governo. Ele reclama que não foi informado sobre detalhes do plano, aprovado pelo ministro Paulo Guedes.
Na quarta-feira, Bolsonaro recebeu a visita de nove deputados e um senador, preocupados com os efeitos do plano de enxugamento em suas bases. Consta que Paulo Guedes, além de procurar demover Bolsonaro, tenta substituir Brandão por alguém do mesmo perfil. O plano de Brandão, diga-se, é até modesto perto da real necessidade para o país: privatizar a área comercial do BB — não faz sentido o Estado operar um banco de varejo — e, se necessário, criar uma nova instituição financeira para as operações de fomento e crédito agrícola operadas pelo banco, área com que o BB tem ligação tradicional.
Fundado na chegada da família real portuguesa ao país, em 1808, o BB tem uma longa história de uso pelos donos do poder. A começar pela primeira falência, em 1821, quando Dom João VI voltou a Lisboa levando nas arcas o dinheiro do banco. Bolsonaro repete uma tradição secular da manipulação de estatais, sem qualquer preocupação com os acionistas privados da instituição financeira.
Todos os bancos têm planos de enxugamento para se adaptar à digitalização do setor, acelerada pela chegada das fintechs. Mas Bolsonaro se preocupa apenas com seu projeto político-eleitoral e, no momento, em eleger Lira para controlar a pauta da Câmara. A queda de braço em torno do BB resulta em mais uma derrota a seu ministro da Economia, a cada vez menos visível face liberal do governo.


domingo, 27 de maio de 2018

O balanco desastroso das estatais - Ricardo Bergamini

Ricardo Bergamini, um crítico feroz da irresponsabilidade política e econômica dos governantes, investe aqui contra as estatais, usando os dados oficiais do próprio governo. Ele tem razão, inteiramente, completamente, absolutamente. TODAS as estatais, sem exceção, devem ser privatizadas, o mais rapidamente possível, mas num regime regulatório de concorrência, num ambiente competitivo o mais amplo possível. A Petrobras, por exemplo, pode ser desmembrada em uma dúzia, ou mais, de empresas privadas, todas complementares entre si, mas concorrendo com diversas outras empresas privadas, nacionais e estrangeiras, em toda a cadeia produtiva, de distribuição e de assistência técnica nos ramos de exploração, refino, venda de derivados de petróleo e todos os demais bens e serviços associados.
O mesmo com os bancos estatais e TODAS as demais.
O Brasil e os brasileiros pagam muito caro o desperdício estatal.
Paulo Roberto de Almeida

Empresas estatais: uma aberração econômica
Ricardo Bergamini
A existência das estatais é por si só uma aberração econômica, sendo dominada pela CUT e pelo PT para manter a orgia. Os ingênuos e/ou estúpidos comemoram o aparente fracasso do PT, se esquecendo de que sua principal fonte de contribuição legal advém dos dízimos dos empregados das estatais. 
Vide abaixo o balanço das estatais federais. Uma das maiores usinas de gastos públicos da história do Brasil.
LAMENTO JAMAIS TER LIDO ALGUMA MATÉRIA NA IMPRENSA, OU MESMO NA INTERNET, SOBRE O ASSUNTO. SE ALGUÉM CONHECER FAVOR DE ENVIAR.  
Destaques do estudo:
- São 146 empresas estatais federais (elefantes brancos) e suas centenas de subsidiárias onde existem algumas curiosidades, tais como: empresas com patrimônio líquido (PL) negativo e outras empresas dependentes exclusivas do tesouro nacional. Por que não iniciar a privatização ou extinção das empresas com PL negativo e dependentes exclusivas do tesouro nacional?
Esses “elefantes brancos” somente servem para gerar deficit público e empregos para apadrinhados de políticos, além de ser o principal ninho petista. E o mais grave é que o “prostíbulo BNDES” financia muitas delas. Uma imoralidade sem precedentes. No Brasil é proibido ser normal (anexo 2.1).
- Em 2017 o tesouro nacional colocou R$ 18,2 bilhões na lixeira das estatais dependentes exclusivas do tesouro nacional, mais R$ 3,4 bilhões nas empresas não dependentes. Com desperdício fiscal  inútil da ordem de R$ 21,6 bilhões (anexos 3.8 e 3.9).
- Em 2009 a dívida das estatais era de R$ 142,0 bilhões (4,26% do PIB), em 2017 a dívida das estatais era de R$ 412,0 bilhões (6,28% do PIB). Crescimento real em relação ao PIB de 47,42%. (anexo 4.1).
- Em 2015 as empresas com patrimônio líquido negativo totalizaram passivo a descoberto da ordem de  R$ 24,5 bilhões. Em 2016 totalizaram passivo a descobeto de R$ 33,3 bilhões. (anexo 6.7).
- Em 2006 existiam 431.259 servidores ativos nas estatais, já em dezembro de 2017 saltou para 504.444, cujo crescimento foi de 16,97% em relação ao ano de 2006 (anexo 6.10). 
- Em 2006 somente nas empresas dependentes exclusivas do tesouro nacional tinha um efetivo de 34.616 servidores ativos, já em dezembro de 2017 saltou para 74.364 servidores ativos, cujo crescimento foi de 114,82% (anexo 6.10).

Balanço das Estatais Federais – Fonte MP
Base: Quarto Trimestre de 2017







Arquivos oficiais do governo estão disponíveis aos leitores.
Ricardo Bergamini

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Privatizar a Petrobras? Certamente: ja devia ter sido feito - Paulo Roberto de Almeida

No final de 2005, respondendo a três questões de um grupo de debates, eu  já me pronunciava sobre a privatização da Petrobras, e essa percepão vinha de pelo menos dez anos antes.
Ou seja, a privatização da Petrobras está pelo menos 20 anos atrasada, talvez mais...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 23/10/2017

Privatizar a Petrobras?
Respostas tentativas a três perguntas

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 30 de dezembro de 2005

1. A Petrobras deveria ser privatizada? Se sim, por que?

            PRA: Vamos proceder primeiro por analogia: minério de ferro entra na merenda escolar? Mesmo que entrasse, haveria alguma justificativa racional para que a empresa produtora de minério de ferro fosse estatal? Ao meu ver, nenhuma relevante, mesmo arguindo o aspecto supostamente "estratégico" do minério para a produção siderúrgica e de aço, em vista de um suposto poder nacional.
Havendo necessidade de minério, e de produtos da siderurgia, haveria qualquer impedimento a que alguma empresa privada fornecesse tais produtos para o governo? Ao meu ver, novamente nenhum, e não há praticamente nenhum produto -- com a única exceção, talvez, de material atômico -- que não possa ser produzido e fornecido numa pura relação de mercado com o governo, este sendo um comprador como outro qualquer, e de certa forma até privilegiado, uma vez que poderia expropriar, nacionalizar, estatizar, se assim desejasse e se assim justificasse a segurança nacional.
            Com o petróleo, pode ser ligeiramente diferente, mas apenas ligeiramente, dado seu caráter verdadeiramente estratégico, do ponto de vista energético e de combustível, mas não há, a priori, nenhum impedimento para que ele não possa ser fornecido em condições de mercado ao governo e ao país. Havendo necessidade, uma lei pode regular esse mercado especial, digamos assim, garantindo reservas estratégicas e impondo certas obrigações aos produtores privados.
            Cabe lembrar que o projeto de lei, original, da exploração de petróleo no Brasil não previa uma empresa estatal, o que só foi logrado a partir de emenda da UDN ao projeto enviado por Getúlio Vargas. Desta forma, a primeira pergunta a ser feita não é a de se a Petrobrás deveria ser privatizada, e sim a de saber se uma companhia estatal se justifica. Admitindo-se positivamente, dadas as condições prevalecentes naquela conjuntura, pergunta-se se essas condições ainda são prevalecentes, a ponto de justificar a continuidade de uma estatal, semi-monopolista, ou monopolista de fato, depois de décadas de monopólio de direito.
            Da mesma forma como a Vale do Rio Doce foi privatizada, sem nenhum prejuízo para o país – ao contrário, com muitos ganhos, a despeito de muitos alegarem os atuais lucros “fabulosos”, como sendo “perdas” para o Estado, como se ela produzisse lucros fabulosos antes disso --, a Petrobrás poderia tranquilamente ser privatizada, com muitos ganhos para todos os consumidores.


2. Se uma empresa estatal pode ser eficiente, porque outra empresa estatal também não pode ser eficiente?

            PRA: A pergunta está mal formulada. Empresas estatais, quase que por definição, não são eficientes, simplesmente porque são impedidas de agir como empresas, tendo de cumprir certos objetivos políticos do governo em vigor. Esses objetivos podem não coincidir, e em alguns casos colidem diretamente, com os interesses da empresa enquanto empresa (não enquanto benemerência política, o que é outra coisa). Nos raros casos em que uma empresa é eficiente, a explicação é a pouca ingerência de critérios políticos em sua gestão, o que pode ser facilmente desmantelado por algum governo que pretenda vê-la cumprir objetivos outros que não os diretamente ligados à atividade empresarial.
            Governos, em geral, devem prover bens públicos, e externalidades para o setor privado, e não devem, por princípio, imiscuir-se no provimento de bens que tenham como critério de eficiência a raridade relativa e o cálculo pelo preço de mercado. Bens públicos não ostentam, por definição, um critério muito claro quanto à sua escassez relativa ou a sua formação de valor – preço de mercado – e por isso podem ser entregues ao Estado. Não é o caso da quase totalidade de bens de consumo em geral, e da maior parte dos bens de capital: mesmo serviços “públicos”, como eletricidade, comunicações, saneamento, água, podem tranquilamente ser deixados à iniciativa privada, e mesmo a segurança (mas não a justiça), pois são serviços ou produtos que são “consumidos” por particulares e para os quais não há nenhuma justificativa para que preços de mercado não prevaleçam.
            A busca de eficiência faz parte do “código genético” das empresas privadas, mas não das estatais, que devem buscar outros critérios para justificar sua existência. A regra básica nesse tipo de mercado – estamos falando de “bens públicos” – é o modo de provimento e a sua demanda. Se os custos podem ser repartidos por consumidores, de forma individual, eles podem estar sob responsabilidade da iniciativa privada, mas se eles não podem ser facilmente divididos segundo os usuários, então a intervenção estatal se justifica.
            Faço uma pergunta: existe alguma justificativa racional, legítima, para que o filho do padeiro e do açougueiro, que ele mesmo não tem a expectativa de acesso ao ensino de terceiro ciclo, pague para que o filho do advogado e do médico freqüentem uma universidade pública gratuita? De minha parte, acho isso uma tremenda injustiça, uma vez que a sociedade não necessita que todos tenham ensino superior para cumprir atividades úteis ao bem estar geral. Esta é uma justificativa mais do que racional para que, não só a Petrobrás, mas para que todas as universidades públicas sejam privatizadas.


3. Qual é o prejuizo que empresas estatais eficientes trariam ao Brasil?

            PRA: A pergunta, mais uma vez, está mal formulada. Uma empresa estatal eficiente não traz, supostamente, nenhum prejuízo, podendo até trazer “lucros”, mas então qual a justificativa para que ela seja estatal? Um governo não é feito para produzir “lucros”, e sim para prover serviços públicos, sob critérios que não se encaixam nas condições já explicitadas acima: raridade relativa, preços de mercado, cálculo de valor, market contestability, etc.
            Se um governo se dedica a produzir “lucros” através de uma atividade produtiva qualquer, ele está se desviando de suas funções primordiais, que são as da segurança, justiça, educação básica – para que todos tenham as mesmas chances na vida, até o fim da adolescência, apenas e tão somente – e algumas externalidades que influenciam no meio ambiente produtivo (o que pode, eventualmente incluir a “produção” de eletricidade, comunicações, infra-estrutura de modo geral).
            O mais provável, porém, é que empresas estatais produzam “prejuízos” ao país, e não necessariamente derivados de sua ineficiência absoluta na produção de algum bem, seja ele minério de ferro, petróleo ou qualquer outro. Ocorre, geralmente, uma ineficiência relativa, pois essa empresa será quase que fatalmente “ordenhada” pelos políticos do governo, servindo às mais diversas modalidades de corrupção e práticas nefandas que todos conhecemos.
            Seria por acaso uma coincidência que as fontes mais conhecidas de corrupção nos meios partidários derivem de empresas estatais? Empresas privadas também entram nesse tipo de “financiamento” espúrio, mas elas podem, em princípio, se subtrair à extorsão, o que se afigura praticamente impossível no caso das empresas públicas.
            Eu poderia continuar arguindo com muitos elementos de direito, de economia, de “psicologia social” para justificar a não existência e a conseqüente privatização de empresas estatais (há uma sútil diferença destas em relação às empresas “públicas”, que podem ter apenas uma determinada participação estatal), mas prefiro reter tão somente os argumentos acima.
            Não apenas a Petrobrás, mas o Banco do Brasil, a CEF e várias outras poderiam ser tranquilamente privatizadas, sem nenhum prejuizo para o Brasil. Aqueles que invocam o argumento da segurança nacional, podem ser confrontados com o seguinte fato: o país mais preocupado com tal aspecto, que são os EUA, não possuem nenhuma empresa petrolífera estatal, nem de minério de ferro ou de aço, nem de transportes, nem de aviões (militares inclusive), nem banco estatal, ou praticamente nada. Vão certamente retorquir que os EUA praticam “imperialismo” sobre recursos dos demais países, ou que o Pentágono faz isto e mais aquilo em matéria de compras governamentais. Tudo isso pode ser verdadeiro, mas não elimina o fato de que o governo dos EUA trabalha, na maior parte do tempo, em relações de mercado com seus fornecedores “estratégicos”.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 30 de dezembro de 2005

sábado, 13 de maio de 2017

Roberto Campos: proposta para um capitalismo do povo (1985)

Meu amigo Ricardo Bergamini persiste em seu empenho (que é também o meu) em nos desvendar antigos artigos de Roberto Campos, sobre temas diversos. Eu recentemente organizei um livro, "O Homem que Pensou o Brasil", em homenagem ao grande economista, diplomata, estadista, já disponível comercialmente (ver: https://www.amazon.com.br/Pensou-Brasil-Trajet%C3%B3ria-Intelectual-Roberto/dp/8547304851/ref=sr_1_1?s=books&ie=UTF8&qid=1494726879&sr=1-1&keywords=o+homem+que+pensou+o+brasil).
 O artigo transcrito abaixo foi escrito quando ele já era Senador por MT, logo no início da redemocratização, no qual Roberto Campos propunha desmonopolizar, desestatizar, privatizar uma centena e meia de empresas estatais, primeiro distribuindo a propriedade aos verdadeiros provedores da riqueza social extorquida pelo Estado, depois privatizando a gestão para aumentar a produtividade de dezenas de empresas estatais.
Uma luta infinita esta que levamos para imprimir um pouco mais de racionalidade à economia brasileira. Vamos persistir...
Paulo Roberto de Almeida

Prezados Senhores

Leiam esse magistral artigo escrito pelo mestre Roberto Campos em 1985 e vejam o quanto a solidão dos gênios no Brasil é assustadora: 

“Não sei se continuar solitário no meu liberalismo não seria melhor do que adquirir más companhias” (Roberto Campos).
Não por culpa da esquerda (citação minha): “O capitalismo não fracassou na América Latina. Apenas não deu o ar de sua graça” (Roberto Campos).
E o mais grave é que estamos vivendo um momento estranho, onde um governo sem jamais fazer uma única citação ao pensamento liberal tem tanto apoio dos ditos liberais, com exaltações doentias por ter caído à inflação, o transformando em um gênio Enquanto um gênio é simplesmente esquecido pelos liberais. Onde estão os liberais? (silêncio amplo, geral e irrestrito).
O mestre deixou um projeto pronto somente falta implantá-lo.  Enquanto isso o meu desprezo ao falso liberalismo brasileiro, que somente tem argumentos para atacar a esquerda como responsável por tudo. Vergonha na cara não faz mal a ninguém.
Resumo do projeto de Roberto Campos para transformar o Brasil no capitalismo do povo com a transferência do controle das 154 estatais federais ao povo. 

O programa de “repartição do capital” inauguraria imediatamente o capitalismo do povo. O programa de “desestatização” aumentaria gradualmente a eficiência de gestão, além de trazer receitas, que o Governo utilizaria para sanar aflitivas carências básicas – analfabetismo, endemias e epidemias, desnutrição e insuficiência dos serviços básicos de infraestrutura. Não faz sentido o governo ter postos de gasolina quando não tem postos de saúde, ou competir na fabricação de computadores quando não tem dinheiro para cuidar da malária... 
Ricardo Bergamini

154 Empresas Estatais Federais Dependentes Não Dependentes
Empresas com Controle Direto da União - 48
Empresas com Controle Indireto da União - 106
Empresas Estatais Dependentes do Tesouro Nacional - 18
Empresas Estatais Não Dependentes do Tesouro Nacional - 136
Empresas Estatais Não Dependentes com Controle Direto da União - 30
Empresas Estatais Não Dependentes com Controle Indireto da União – 106

O Capitalismo do Povo (11/08/85)

*Roberto de Oliveira Campos

“A coisa mais importante para os governos não é fazer as coisas que os indivíduos já estão fazendo, ou fazê-las um pouco melhor ou pior; e sim fazer aquelas que no presente ninguém possa fazer” (Lord Keynes).

Para o começo de conversa precisamos de uma revolução semântica. A expressão “setor privado” inspira uma conotação de egoísmo e apropriação. A expressão “setor público” transmite a ideia de generosidade. Isso é injusto e inadequado. Mais correto seria, como sugere o economista paulista Rafael Vechiatti, chamarmos o setor público de “setor coercitivo”, e o privado de “setor voluntário”.

Sempre que se fala em desestatização, surge logo a indagação: de onde virão os recursos para o setor voluntário comprar as empresas do setor coercitivo? Uma resposta complexa é explicar que: 1) o governo não gera recursos e sim administra os recursos hauridos do setor voluntário por tributação ou tarifas; 2) que a poupança do governo é hoje negativa e que seu déficit é coberto mediante sucção da poupança privada; 3) que, na medida em que o Governo corte suas despesas, liberando a poupança privada, esta poderia comprar as empresas do “setor coercitivo”. Estas, aliás, não nasceram do nada e sim de tributos pagos pelo “setor voluntário”. A velocidade de geração de recursos para a privatização dependeria assim apenas da velocidade da redução do déficit público e da liberação das poupanças do setor voluntário.   

Num sentido fundamental, entretanto, o problema é simples e não exige qualquer despesa. Basta uma revolução conceitual, que pode ser feita por definição legal. O importante, num primeiro estágio, é separarmos o conceito de propriedade, do direito de gestão, diferenciando-se “ações de propriedade” de “ações de gestão”. O Governo é gestor das despesas públicas. Mas não precisa ser seu proprietário. As empresas públicas devem ser do público.

É esse o objetivo do projeto de lei número 139 que apresentei ao Senado Federal, em junho de 1983, e que há dois anos ali dorme o sono dos justos, pois as ideias simples são em princípio escandalosas. Nesse projeto se prevê que o governo devolva aos cidadãos a propriedade das poupanças deles arrecadadas, mediante a transferência gratuita de ações integralizadas – boas ou más – que sejam de propriedade da União, suas autarquias e entidade públicas, a um grande fundo de repartição de capital. Todos nós, contribuintes do INPS ou IPASE ou Funrural receberíamos gratuitamente frações ideais desse fundo. Os dividendos eventualmente resultantes seriam creditados aos cotistas, vale dizer, ao universo dos contribuintes, cujos impostos financiaram originalmente a criação dos elefantes estatais. As ações ficariam em custodia num organismo central, que poderia ser a Caixa Econômica Federal, ou qualquer outro órgão suficientemente computadorizado, que manteria escrituração da carteira de ações dos beneficiários. Enquanto mantidas em custódia, essas ações seriam de propriedade, porém não de gestão. O poder de voto e de gestão continuaria, como no presente, nas mãos dos administradores governamentais, até que essas ações doadas se transformassem em ações vendidas ou negociadas, através dos mecanismos normais de Bolsas de Valores ou de licitação de ações. O projeto de lei acima citado prevê que a alienação das ações ou a retirada da custodia se faça gradualmente (à razão de 5% ao ano), a fim de na se congestionar o mercado de valores.

Se a privatização da propriedade pode ser resolvida, resta o problema da privatização da gestão, indispensável para aumento da produtividade global do sistema. Esta continuaria a ser buscada através dos programas correntes de desestatização, por venda em bolsa ou licitação. O importante seria abandonarmos a ideia – usada pelos estatizantes para sabotar a desestatização – de que o Governo tem que reaver integralmente o capital investido. Em muitos casos, os investimentos foram superdimensionados, com custos financeiros tornados proibitivos pela lerda execução, de sorte que seria irrealista esperar vendê-las senão pela rentabilidade real ou esperada do patrimônio, aferida segundo as regras do mercado. 

O programa de “repartição do capital” inauguraria imediatamente o capitalismo do povo. O programa de “desestatização” aumentaria gradualmente a eficiência de gestão, além de trazer receitas, que o Governo utilizaria para sanar aflitivas carências básicas – analfabetismo, endemias e epidemias, desnutrição e insuficiência dos serviços básicos de infraestrutura. Não faz sentido o governo ter postos de gasolina quando não tem postos de saúde, ou competir na fabricação de computadores quando não tem dinheiro para cuidar da malária...

Se há hoje uma constatação universal é a da falência do Estado-empresário. Até mesmo os regimes socialistas estão sentindo a rigidez e o desperdício dos sistemas centralistas. No universo das estatais brasileiras, o julgamento da eficiência é dificultado porque, contrariamente ao previsto no Art. 170, Parágrafo 20 da Constituição Federal, elas desfrutam de privilégios de mercado ou vantagens fiscais inacessíveis às empresas privadas. A Petrobrás, por exemplo, é lucrativa, mas desfruta de um monopólio que impede a aferição de eficiência. O Banco do Brasil é lucrativo, mas recebe recursos trilionários da Conta de Movimento do Tesouro a juros simbólicos, e coleta depósitos compulsórios de entidades públicas, sem ter que pagar os altos custos de captação. A Vale do Rio Doce e Usiminas, que operam superavitariamente e sem subsídio, em mercados competitivos, figuram talvez entre as únicas empresas sobre cuja eficiência não pairam dúvidas. Os grupos Telebrás e Eletrobrás não podem ser julgados porque operam em condições monopolísticas, caso em que o lucro pode resultar de manipulação tarifária e não eficiência competitiva.

O importante é acentuar que o Ministro Dornelles e Roberto Gusmão, que pregam a privatização por sentirem na carne os abusos dos elefantes enlouquecidos do setor coercitivo, não precisam se preocupar inicialmente com a carência de recursos para a privatização. Podemos privatizar imediatamente a propriedade por transferência gratuita, e, mais gradualmente, o voto e a gestão, pela venda convencional das ações à medida que o mercado as absorva. Mas mesmo o primeiro passo tem consequências psicológicas importantes. Sentindo-se proprietário, ainda que em frações minúsculas, das empresas públicas, os contribuintes se interessariam em fiscalizá-las, na esperança de algum dividendo, e para isso se organizariam em associações civis, a fim de se manifestarem nas assembleias gerais. Os gestores, sentindo-se também coproprietários, ainda que microscópios, talvez deixassem de considerar os dinheiros públicos um bem de ninguém. E o lucro da empresa passaria a ser considerado o que realmente é, um prêmio do desempenho e não uma secreção de cupidez capitalista. É uma perfeita imbecilidade dizer-se que não se pode privatizar as estatais porque elas são “patrimônio do povo”. Precisamente por isso é que devem ser privatizadas, na forma indicada no projeto de lei número 139. Para que sejam do povo. Hoje são dos tecnocratas, que às vezes delas abusam, ou dos políticos, que as desfiguram. O povo não tem vez.... 

*Defensor apaixonado do liberalismo. Economista, diplomata e político também se revelou um intelectual brilhante. De sua intensa produção, resultaram inúmeros artigos e obras como o livro A Lanterna na Popa, uma autobiografia que logo se transformou em best-seller. Foi ministro do Planejamento, senador por Mato Grosso, deputado federal e embaixador em Washington e Londres. Sua carreira começou em 1939, quando prestou concurso para o Itamaraty. Logo foi servir na embaixada brasileira em Washington, e, cinco anos depois, participou da Conferência de Bretton Woods, responsável por desenhar o sistema monetário internacional do pós-guerra.

Ricardo Bergamini
Membro do Grupo Pensar+ www.pontocritico.com