No final de 2005, respondendo a três questões de um grupo de debates, eu já me pronunciava sobre a privatização da Petrobras, e essa percepão vinha de pelo menos dez anos antes.
Ou seja, a privatização da Petrobras está pelo menos 20 anos atrasada, talvez mais...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 23/10/2017
Privatizar a Petrobras?
Respostas tentativas a três
perguntas
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 30 de dezembro de 2005
1. A
Petrobras deveria ser privatizada? Se sim, por que?
PRA: Vamos
proceder primeiro por analogia: minério de ferro entra na merenda escolar?
Mesmo que entrasse, haveria alguma justificativa racional para que a empresa
produtora de minério de ferro fosse estatal? Ao meu ver, nenhuma relevante,
mesmo arguindo o aspecto supostamente "estratégico" do minério para a
produção siderúrgica e de aço, em vista de um suposto poder nacional.
Havendo necessidade de minério, e
de produtos da siderurgia, haveria qualquer impedimento a que alguma empresa
privada fornecesse tais produtos para o governo? Ao meu ver, novamente nenhum,
e não há praticamente nenhum produto -- com a única exceção, talvez, de
material atômico -- que não possa ser produzido e fornecido numa pura relação
de mercado com o governo, este sendo um comprador como outro qualquer, e de
certa forma até privilegiado, uma vez que poderia expropriar, nacionalizar,
estatizar, se assim desejasse e se assim justificasse a segurança nacional.
Com o petróleo,
pode ser ligeiramente diferente, mas apenas ligeiramente, dado seu caráter
verdadeiramente estratégico, do ponto de vista energético e de combustível, mas
não há, a priori, nenhum impedimento para que ele não possa ser fornecido em
condições de mercado ao governo e ao país. Havendo necessidade, uma lei pode
regular esse mercado especial, digamos assim, garantindo reservas estratégicas
e impondo certas obrigações aos produtores privados.
Cabe lembrar que
o projeto de lei, original, da exploração de petróleo no Brasil não previa uma
empresa estatal, o que só foi logrado a partir de emenda da UDN ao projeto
enviado por Getúlio Vargas. Desta forma, a primeira pergunta a ser feita não é
a de se a Petrobrás deveria ser privatizada, e sim a de saber se uma companhia
estatal se justifica. Admitindo-se positivamente, dadas as condições
prevalecentes naquela conjuntura, pergunta-se se essas condições ainda são
prevalecentes, a ponto de justificar a continuidade de uma estatal,
semi-monopolista, ou monopolista de fato, depois de décadas de monopólio de
direito.
Da mesma forma
como a Vale do Rio Doce foi privatizada, sem nenhum prejuízo para o país – ao
contrário, com muitos ganhos, a despeito de muitos alegarem os atuais lucros
“fabulosos”, como sendo “perdas” para o Estado, como se ela produzisse lucros
fabulosos antes disso --, a Petrobrás poderia tranquilamente ser privatizada,
com muitos ganhos para todos os consumidores.
2. Se
uma empresa estatal pode ser eficiente, porque outra empresa estatal também não
pode ser eficiente?
PRA: A pergunta está mal formulada.
Empresas estatais, quase que por definição, não são eficientes, simplesmente
porque são impedidas de agir como empresas, tendo de cumprir certos objetivos
políticos do governo em vigor. Esses objetivos podem não coincidir, e em alguns
casos colidem diretamente, com os interesses da empresa enquanto empresa (não
enquanto benemerência política, o que é outra coisa). Nos raros casos em que
uma empresa é eficiente, a explicação é a pouca ingerência de critérios
políticos em sua gestão, o que pode ser facilmente desmantelado por algum
governo que pretenda vê-la cumprir objetivos outros que não os diretamente
ligados à atividade empresarial.
Governos, em geral, devem prover
bens públicos, e externalidades para o setor privado, e não devem, por
princípio, imiscuir-se no provimento de bens que tenham como critério de
eficiência a raridade relativa e o cálculo pelo preço de mercado. Bens públicos
não ostentam, por definição, um critério muito claro quanto à sua escassez
relativa ou a sua formação de valor – preço de mercado – e por isso podem ser
entregues ao Estado. Não é o caso da quase totalidade de bens de consumo em
geral, e da maior parte dos bens de capital: mesmo serviços “públicos”, como
eletricidade, comunicações, saneamento, água, podem tranquilamente ser deixados
à iniciativa privada, e mesmo a segurança (mas não a justiça), pois são
serviços ou produtos que são “consumidos” por particulares e para os quais não
há nenhuma justificativa para que preços de mercado não prevaleçam.
A busca de eficiência faz parte do
“código genético” das empresas privadas, mas não das estatais, que devem buscar
outros critérios para justificar sua existência. A regra básica nesse tipo de
mercado – estamos falando de “bens públicos” – é o modo de provimento e a sua
demanda. Se os custos podem ser repartidos por consumidores, de forma
individual, eles podem estar sob responsabilidade da iniciativa privada, mas se
eles não podem ser facilmente divididos segundo os usuários, então a
intervenção estatal se justifica.
Faço uma pergunta: existe alguma
justificativa racional, legítima, para que o filho do padeiro e do açougueiro,
que ele mesmo não tem a expectativa de acesso ao ensino de terceiro ciclo,
pague para que o filho do advogado e do médico freqüentem uma universidade
pública gratuita? De minha parte, acho isso uma tremenda injustiça, uma vez que
a sociedade não necessita que todos tenham ensino superior para cumprir
atividades úteis ao bem estar geral. Esta é uma justificativa mais do que
racional para que, não só a Petrobrás, mas para que todas as universidades
públicas sejam privatizadas.
3. Qual é o prejuizo que empresas estatais eficientes
trariam ao Brasil?
PRA: A pergunta,
mais uma vez, está mal formulada. Uma empresa estatal eficiente não traz, supostamente,
nenhum prejuízo, podendo até trazer “lucros”, mas então qual a justificativa
para que ela seja estatal? Um governo não é feito para produzir “lucros”, e sim
para prover serviços públicos, sob critérios que não se encaixam nas condições
já explicitadas acima: raridade relativa, preços de mercado, cálculo de valor,
market contestability, etc.
Se um governo se
dedica a produzir “lucros” através de uma atividade produtiva qualquer, ele
está se desviando de suas funções primordiais, que são as da segurança,
justiça, educação básica – para que todos tenham as mesmas chances na vida, até
o fim da adolescência, apenas e tão somente – e algumas externalidades que
influenciam no meio ambiente produtivo (o que pode, eventualmente incluir a
“produção” de eletricidade, comunicações, infra-estrutura de modo geral).
O mais provável,
porém, é que empresas estatais produzam “prejuízos” ao país, e não
necessariamente derivados de sua ineficiência absoluta na produção de algum
bem, seja ele minério de ferro, petróleo ou qualquer outro. Ocorre, geralmente,
uma ineficiência relativa, pois essa empresa será quase que fatalmente
“ordenhada” pelos políticos do governo, servindo às mais diversas modalidades
de corrupção e práticas nefandas que todos conhecemos.
Seria por acaso
uma coincidência que as fontes mais conhecidas de corrupção nos meios
partidários derivem de empresas estatais? Empresas privadas também entram nesse
tipo de “financiamento” espúrio, mas elas podem, em princípio, se subtrair à
extorsão, o que se afigura praticamente impossível no caso das empresas
públicas.
Eu poderia
continuar arguindo com muitos elementos de direito, de economia, de “psicologia
social” para justificar a não existência e a conseqüente privatização de
empresas estatais (há uma sútil diferença destas em relação às empresas
“públicas”, que podem ter apenas uma determinada participação estatal), mas
prefiro reter tão somente os argumentos acima.
Não apenas a
Petrobrás, mas o Banco do Brasil, a CEF e várias outras poderiam ser tranquilamente
privatizadas, sem nenhum prejuizo para o Brasil. Aqueles que invocam o
argumento da segurança nacional, podem ser confrontados com o seguinte fato: o
país mais preocupado com tal aspecto, que são os EUA, não possuem nenhuma
empresa petrolífera estatal, nem de minério de ferro ou de aço, nem de
transportes, nem de aviões (militares inclusive), nem banco estatal, ou
praticamente nada. Vão certamente retorquir que os EUA praticam “imperialismo”
sobre recursos dos demais países, ou que o Pentágono faz isto e mais aquilo em
matéria de compras governamentais. Tudo isso pode ser verdadeiro, mas não
elimina o fato de que o governo dos EUA trabalha, na maior parte do tempo, em
relações de mercado com seus fornecedores “estratégicos”.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 30 de dezembro de 2005
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