Lei de
Políticas Agrícolas e Estatuto da Terra foram feitos há décadas, quando o
Brasil era importador; hoje, País é o segundo maior exportador
Cristiane
Barbieri ESPECIAL PARA O ESTADO
Na última
década, o Produto Interno Bruto (PIB) agropecuário brasileiro cresceu a uma
taxa média anual de 3,3% ante 2,3% do resto da economia. A produção deu um
salto de mais de 100 milhões de toneladas, a produtividade cresceu em 1,1 quilo
por hectare e o País vem conquistando e superando títulos de maior produtor
mundial em diferentes produtos agrícolas, nesse mesmo período. Numa área porém,
o Brasil parou décadas atrás: a legal. “Apesar de sermos uma potência agrícola,
termos algumas das tecnologias mais avançadas do mundo e recursos naturais em
abundância, na área do Direito o País está atrasado”, diz Renato Buranello,
professor do Insper Direito.
Isso
porque os marcos regulatórios que regem o setor, como a Lei de Políticas
Agrícolas e o Estatuto da Terra, têm décadas. “O maior diploma jurídico que
trata de financiamentos e contratos, o Estatuto da Terra, é datado de 1964 e
foi elaborado antes disso, quando o maior objetivo era desenvolver uma política
pública de reforma agrária e distribuição de renda”, afirma Buranello. “Não que
essa preocupação não deva existir, mas éramos importadores de alimentos naquela
época. Hoje, somos o segundo maior exportador.”
As
gigantes do agronegócio hoje dependem de contratos que envolvem instrumentos
como mercados futuros, derivativos cambiais, certificados de recebíveis,
garantias de exportação, entre outros, não previstos na legislação. Na época em
que o Estatuto da Terra foi criado, ele protegia, por exemplo, um arrendatário
hipossuficiente”, diz Fernando Campos Scaff, professor da Faculdade de Direito
do Largo São Francisco. “De modo geral, hoje o arrendatário são grandes
multinacionais.”
Defasagem.
Além de os contratos empresariais e comerciais em si dependerem de leis
defasadas, outras áreas relacionadas ao agronegócio, como tributária, ambiental
e trabalhista, sofrem do mesmo problema. Com características muito típicas, que
envolvem riscos inerentes à atividade, o agronegócio tem obrigado os advogados
a adaptarem seus contratos, usando códigos criados e praticados em outras
áreas. “Se o consumidor comprar um armário ou uma tonelada de soja, a lei é a
mesma”, diz Buranello.
Sem regras
e jurisprudência claras a serem aplicadas a suas necessidades, o resultado para
as empresas de agronegócios, evidentemente, é a incerteza jurídica – e custos
maiores. “Fizemos em outubro um seminário sobre tributação no agronegócio, com
temas que de maneira nenhuma são novidade, mas que os produtores não têm
conhecimento porque é preciso garimpar artigos e interpretações que podem ser
usadas em suas atividades”, diz Fabio Calcini, professor da pós-graduação da
FGV Direito SP. “Lotou porque, nem é preciso dizer, a questão tributária pode
viabilizar ou não um negócio.”
Na
verdade, dizem os especialistas, está se vendo a formação de um novo campo de
atuação, o do Direito do Agronegócio. Com a oferta crescente de cursos em
pós-graduação e extensão, uma bibliografia variada e a demanda de um mercado de
clientes enorme a ser atendido.
Para os
especialistas, a solução não seria fazer uma única legislação que abrangesse
todo o tema, mas atualizar as pertinentes com capítulos específicos
referentes ao agronegócio. Uma formalização essencial já que, segundo
levantamento da Confederação Nacional da Agricultura, havia mais de 300
projetos de lei ligados ao setor em andamento. Os ganhos de produtividade,
afirmam, seriam sensíveis, com a geração de mais riqueza, empregos e tributos.
Também
haveria mais clareza com relação aos assuntos polêmicos ligados ao setor. A
recente portaria do Ministério do Trabalho que mudou a legislação sobre o
trabalho escravo, atendendo a demanda da bancada ruralista, com fortes críticas
até ser suspensa pelo Supremo Tribunal Federal, não precisaria nem sequer ter
existido.
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