Esta foi mais uma tentativa de chamar a atenção do governo lulopetista – para o qual eu trabalhava, sublinhe-se – para a grave crise de governança no país. Obviamente, o chefe de governo não estava interessado nesse tipo de conselho, pois se julgava autossuficiente e capaz de resolver qualquer problema. Mal sabia eu, e toda a sociedade, que a essa altura – eu escrevia em abril de 2004 – eles já tinham resolvido o problema da governança por um método mais direto: passaram a comprar todo mundo, bancadas inteiras. Essa foi a origem do Mensalão.
Lido a esta distância, este texto revela uma boa disposição para ajudar, mas que pode ter sido considerado pelos companheiros apenas como demonstração de suprema ingenuidade...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 23/10/2017
A grave crise da governança no Brasil
Duas ou três coisas que eu sei dela e algumas maneiras de
superá-la
Paulo
Roberto de Almeida
Espaço Acadêmico (nº 36, maio de 2004)
Brasília
(1241), 9 de abril de 2004.
A despeito do que se crê e do que se afirma frequentemente, o
Brasil não enfrenta nenhuma crise econômica, ou mesmo política. Ele tem, sim,
uma séria e grave crise de governança, que: (a) paralisa a máquina pública; (b)
aumenta a volatilidade do ciclo econômico; (c) diminui a confiabilidade do e no
sistema de solução de controvérsias (judiciário) e (d) influencia de modo
negativo o quadro político-institucional. Esse quadro termina por: (e) acirrar
artificialmente alguns conflitos menores e (f) diminuir, de modo dramático, as
perspectivas de melhoria da mesma governança. Desejo, desde já, sublinhar o
adjetivo “grave”, pois o quadro compromete a possibilidade de quaisquer
políticas.
Não há crise econômica no País. Esta
afirmação pode soar irônica ou irrealista, em vista do crescimento negativo do
PIB, do aumento do desemprego, da fragilidade continuada das contas públicas e
da incapacidade de enfrentar novas demandas por recursos públicos por parte dos
agentes públicos e da própria sociedade. Tudo isso pode ser verdade e, no
entanto, o País não está e nem corre o risco de enfrentar uma crise econômica.
Os indicadores negativos atualmente exibidos decorrem de um pequeno ciclo de
falta de confiança despertado pela conjuntura eleitoral de 2002, que veio
agregar-se aos problemas gerados anteriormente em escala regional a partir da
crise argentina desde antes da derrocada, no final de 2001. O Brasil tem
problemas de fragilidade interna e externa desde muitos anos, praticamente
desde a fase da redemocratização – que jamais produziu anos de crescimento
sólido e sustentável – e vinha penosamente, ao longo dos anos 1990, tentando
colocar em ordem esses desequilíbrios, com base em políticas consistentes e
adeptas do rigor fiscal, com maior ênfase a partir da mudança no regime cambial
em 1999. O comando econômico precisaria continuar virtuoso, sem hesitações.
A retomada de um processo de
crescimento sustentado, compatível com as taxas historicamente registradas no
passado (com exceção do interregno 1962-1965), depende, ao meu ver, da
manutenção daquelas políticas, o que entretanto foi colocado em dúvida na
conjuntura eleitoral de 2002. Pagamos o preço por uma transição política
extremamente saudável do ponto de vista democrático e bem vinda do ponto de
vista político e social. Devemos reconhecer que a democracia tem um certo preço
em termos de aumento da cacofonia no processo decisório, mas ela é, em qualquer
hipótese, infinitamente mais saudável, inclusive no plano econômico, do que
qualquer sistema autoritário de debates (restritos) e de tomada (arbitrária) de
decisões.
O aparelho político precisaria estar
“aparelhado” para acomodar esse aumento na dispersão de opiniões, mas qualquer
melhoria na institucionalidade do Estado depende dramaticamente da qualidade
dos homens públicos, fator notoriamente carente na nossa tradição social e
cultural. Não se pode sempre dispor de condições ideais para o processo de
desenvolvimento, mas as improvisações podem por vezes custar caro. Ora, temos
hoje, no comando da máquina econômica, uma equipe realista, preparada e inimiga
declarada de qualquer improvisação ou magia econômica. Esta equipe é um
poderoso fator para a superação das dificuldades econômicas conjunturais, mas
ela não pode, obviamente, ocupar as demais vertentes da governabilidade, que
dependem do governo como um todo e não apenas dos limitados poderes da equipe
econômica.
Não há, tampouco, o menor sinal de
crise política no País. Oposição e situação vêm cumprindo, com graus razoáveis
de ativismo e de engajamento, suas funções respectivas: criticar e apontar
caminhos alternativos a primeira, processar e votar leis a segunda. Ruídos e
“golpes baixos” correspondem ao que se poderia esperar de um sistema político
baseado em “jogo de soma zero”, como o brasileiro, e a um certo estilo de fazer
política, marcado mais pelo apelo a uma retórica de teatro do que apoiado em
argumentos racionais de governança responsável. A grande imprensa parece
moderada, e não tem insuflado os ânimos ou paixões políticas, nem acuado o
governo com demandas excessivas de explicações para os impasses atuais da
governança.
O sistema político-partidário e,
reconhecidamente, mesmo o regime democrático-representativo apresentam, no
Brasil, baixa qualidade intrínseca e baixíssimos níveis de eficiência e não há
qualquer expectativa de progresso no futuro previsível. Não obstante, o
funcionamento do Legislativo não se deteriorou nos últimos quinze meses, mas
tampouco experimentou melhora sensível, como corresponderia à “nova era” da
política. Mas não se pode esperar, no curto prazo, correção de fatores
estruturais como estes.
Não hesito portanto em dizer que o
atual quadro brasileiro não se caracteriza por qualquer crise econômica ou
política, ainda que possam existir indicadores preocupantes na primeira
vertente e “ruídos” agora mais “ruidosos” na segunda, aliás derivados quase que
inteiramente do dramático quadro de governança que passo agora a registrar.
É um dos truísmos da vida prática, e
até da teoria política, o fato de que o poder especificamente político não se divide,
nem deve ser dispersado, devendo existir de forma concentrada numa única fonte
de autoridade. Esta tem de deter, legítima e incontestavelmente, por delegação
dos eleitores, o comando do processo decisório, que deve então funcionar de
maneira eficiente a partir dessa fonte unitária de decisões.
Não é uma revelação inédita o fato de
que, no Brasil atual, as fontes de poder estavam e estão relativamente
dispersas, ainda que de maneira informal, passando a estar um pouco mais
diluídas a partir de conhecido episódio no comando central do governo, que
fragilizou uma dessas fontes legítimas e reconhecidas de poder. Sem qualquer
avaliação sobre o caráter mais ou menos ético, ou eficiente, da “solução” que
se deu ao episódio em questão, deve-se reconhecer que ambos, o evento e seu
“encaminhamento”, impactaram tremendamente a natureza e o exercício da
governança no Brasil. (Não me manifesto aqui sobre o impacto público, e suas consequências
em termos de imagem, desses elementos ligados à simbologia e ao próprio
exercício do poder, mas refiro-me, tão simplesmente, aos seus efeitos sobre a
qualidade e a “quantidade” da governança. Mas pode-se também notar que esse
processo, assim como o episódio ainda em aberto da compra do novo avião
presidencial representam um enorme custo político e moral para a autoridade do
poder central, difíceis de serem revertidos no curto ou no médio prazo.)
A recomposição de uma única autoridade
central e a existência de um comando político reconhecido constituem, ao meu
ver, condições indispensáveis para a superação da atual crise de governança no
Brasil. Sem isso, todo o mais, em termos de políticas públicas e setoriais,
está e ficará comprometido pelo resto do período de governo. Não é preciso
dizer que autoridade não se proclama, mas sim se exerce, de modo claro e
direto, com consequências imediatas – demissão ou afastamento – para os mais
recalcitrantes e eventuais candidatos a rebeldes. Tergiversações e hesitações
costumam ser mortais.
Mas o quadro é ainda mais grave quando
se passa da autoridade “para dentro” para a autoridade “para fora”, isto é, em
direção de fontes concorrentes de poder ou no âmbito do exercício real da
autoridade legítima, delegada pela sociedade e pelo sistema constitucional,
para o cumprimento das leis. Ora, não é preciso muito esforço visual, ou apelo
a registros impressos, para se constatar que diminuiu enormemente o respeito à
lei e aos contratos nos últimos quinze meses. Sem considerar questões
partidárias ou mesmo de cunho ideológico (e persiste uma certa confusão aqui),
deve-se reconhecer que essa situação faz aumentar, tremendamente, a
volatilidade do cenário econômico, além de agregar custos reais ao
funcionamento do sistema como um todo e de contribuir para agravar o quadro de
anomia social e de desrespeito generalizado ao quadro legal no País.
A justiça, em si, já constitui um ônus
terrível, direto e indireto, para o sistema econômico, diminuindo o PIB
potencial. Mas o desrespeito à lei, endossado inclusive por ministros de
Estado, constitui um imenso desincentivo aos investimentos (estrangeiros e
nacionais) e à iniciativa privada, únicos capazes de criar empregos e
disseminar renda no País. É dramático saber, por exemplo, que juízes de
província podem criar obrigações para o Executivo sem qualquer amparo na
legislação em vigor, que governadores podem promulgar leis anticonstitucionais
ou que os mandatários, em geral, se eximem de fazer cumprir a lei em casos
claríssimos de violação de direitos dos cidadãos (como as muitas invasões de
propriedades). O desrespeito à legalidade chegou a níveis preocupantes no
Brasil, mas isso não parece preocupar nem o sistema judiciário nem o próprio
Executivo.
A desgovernança existente aparece em
primeiro lugar na própria máquina pública, hoje ineficiente e descoordenada ao
ponto da paralisia. Algo pode ser debitado aos custos da transição, na qual uma
parte da tecnocracia foi substituída pela militância, dedicada e entusiasmada
com a causa da mudança, mas nem sempre habilitada a lidar com as reais
complexidades da administração pública. Se o ministro da área não possui
competências executivas, ou não dispõe de prévia experiência anterior no seu
setor, o quadro pode ficar ainda mais dramático, dando a impressão de que os
ministérios atuam em ordem dispersa, cada um com suas próprias prioridades
políticas e um escasso comprometimento com as diretrizes gerais do governo
(quando elas existem naquele setor).
Não há uma solução simples a esse
problema, pois qualquer estrutura ministerial, grande, média ou pequena – e a
atual é desmesurada –, só pode funcionar bem se a qualidade da gestão, em suas
diferentes vertentes, for razoavelmente satisfatória, com metas claras e
cobranças regulares. A continuidade da atual lógica político-partidária na
montagem ministerial significa a continuidade da inoperância administrativa na
mesma proporção. Ainda que eu recomende uma completa reestruturação
ministerial, reconheço que isso traria problemas na frente congressual. Cabe ao
supremo mandatário julgar o que seria possível fazer para aumentar a eficiência
da “sua” máquina executiva.
A ausência de prioridades claras de
governo e sobretudo a dispersão do comando central, com a persistência de
dúvidas relativamente ao apoio às orientações econômicas até aqui seguidas – e
que certamente permitiram reverter o quadro dramático existente no final de
2002 –, tem atuado para aumentar a volatilidade do ciclo econômico, pois os
agentes são levados a adotar um compasso de espera (seja para precaver-se
contra uma possível mudança de regras, seja no aguardo de medidas que possam
representar uma melhoria relativa das condições da atividade econômica). O
problema aqui é tanto a falta de uma clara manifestação em favor da política
econômica atual, com o engajamento do conjunto do governo, quanto o próprio fato
de que agentes do Estado ainda determinam, por vezes de modo arbitrário, o
comportamento de vários setores da economia, o que obviamente dá margem à
manutenção do já referido quadro de incertezas.
Um exemplo, entre outros, da
contradição entre as orientações gerais do governo e a implementação concreta
de medidas setoriais revelou-se no caso da discriminação entre companhias
nacionais e de capital estrangeiro nos financiamentos concedidos pelo mais
importante órgão do setor. Independentemente da legalidade ou da oportunidade
de tal tipo de medida discriminatória, o fato a ser destacado é, justamente, a
possibilidade de que órgãos subordinados possam atuar contraditoriamente às
orientações do governo. Isto se chama ausência de autoridade e repercute na crise
geral da governança pública.
A situação da justiça e do ordenamento
legal é provavelmente um dos fatores mais negativos que afetam a
governabilidade do e no País, aumentando dramaticamente os custos da atividade
econômica. Não me refiro apenas à possível e provável existência de
disfuncionalidades no aparato judicial, com manifestações de corrupção e
nepotismos que podem e devem ser coibidos por alguma forma de controle externo
(como aliás deve ser o caso com qualquer poder: não é possível, por exemplo, que
o Legislativo e o Judiciário possam criar fontes de despesas sem qualquer tipo
de disciplina orçamentária). O que desejo destacar é a própria anomia dos
processos jurídicos, nas três esferas da federação e em vários setores de
atividade (nas relações de trabalho, por exemplo). Mais: controles internos e
externos devem ser implementados para coibir a extraordinária profusão de
medidas liminares, várias dotadas de escasso ou nenhum embasamento legal.
Um exemplo pode ser citado na
determinação ilegal de fichamento de turistas americanos ingressando no Brasil,
ainda mais dramatizada pelo endosso oficial (isto é, do Executivo) a essa
medida que claramente carece de amparo na legislação existente. Outro é o fato
de estados federados introduzirem, também ilegalmente, restrições à circulação
de mercadorias em seus territórios (soja supostamente transgênica), sem que
qualquer autoridade federal coibisse imediatamente tal usurpação
inconstitucional de autoridade. A falta de iniciativa do Executivo ou do
Judiciário redunda em imensos custos econômicos para os agentes privados:
produtores, transportadores, compradores ou simples cidadãos.
Podem ser multiplicados várias vezes
os casos de ausência de controle – o que não é, senão, uma manifestação a mais
de falta de autoridade – de medidas “legais” que afetam gravemente a
confiabilidade do sistema judicial em nosso País e aumentam, de modo
exponencial, a volatilidade com que tem de se haver o sistema econômico. Uma
possível recomendação seria a constituição de um grupo de trabalho para
examinar esse tipo de controle, que não está sendo cogitado no atual processo
de reforma do Judiciário.
Um governo, qualquer governo, não é
feito para provar teses acadêmicas ou testar programas partidários. Ele
tampouco atua com base em “grandes teorias” (aliás mais proclamadas do que
reais). Ele é eleito, e constituído, para produzir o máximo de bem estar para
os cidadãos, pelos meios os mais pragmáticos e racionais possíveis. Parece
estar havendo hoje, no Brasil, uma luta contra o passado e uma dispersão de
esforços no presente. A luta contra o passado se exerce tanto contra antigos
“adversários” (o que é revelado pela tese da “herança maldita”), como em
relação às teses anteriores, que não podem (e não devem) ser o centro do debate
das alternativas de políticas econômicas.
Essa obsessão com um passado mítico,
seja para condenar (o dos outros), seja para se justificar (o seu próprio), tem
ocupado uma parte substancial da atividade retórica do governo, o que constitui
obviamente um grande perda de energia e um desvio do foco próprio da governança
atual. Mas também existe, hoje, uma grave dispersão de esforços em diferentes
áreas de atividade, mesmo quando elas não são prioritárias para o aumento do
bem estar do povo, em setores concretos sob responsabilidade governamental.
O exemplo mais conspícuo é,
obviamente, o da chamada política industrial, não porque ela esteja
absolutamente errada, mas porque ela é claramente não prioritária no rol imenso
de problemas graves que deve enfrentar o governo para melhorar a qualidade de
vida da maioria da população. Corretamente apresentada como sendo “tecnológica”
e de “comércio exterior”, essa política não vai conseguir, concretamente: (a)
aumentar a oferta de empregos, (b) distribuir renda e (c) capacitar
profissionalmente a mão-de-obra, três objetivos que estariam, supostamente, no
coração da política social do governo (cujo foco não é, ou pelo menos não
poderia ser, a assistência a necessitados, assim preservados).
Infelizmente, pode-se antecipar que
essa política industrial vai: (a) criar poucos empregos, (b) pode concentrar
ainda mais ou, no máximo, ser neutra em relação à iníqua distribuição de renda
e (c) vai formar poucos trabalhadores nas habilidades mínimas que se espera de
um país voltado para o incremento das oportunidades sociais via aumento da
produtividade dos recursos humanos (num sentido amplo, e não apenas como foco
setorial). A criação de mais uma agência pública pode representar, por outro
lado, mais um cartório de espera para alguns esperançosos em dádivas públicas,
o que continuará influenciando negativamente o quadro de expectativas
microeconômicas em nosso País (em lugar do livre empreendedorismo, o possível
leilão de favores governamentais).
Ainda que a política industrial possa
oferecer, um dia, todas as virtudes que se esperam dela, não me parece que ela
venha a alterar, dramaticamente, as condições sob as quais o Brasil já
participa da economia internacional, ou sequer arranhar as condições sob as
quais labuta a maioria dos trabalhadores, em grande medida à margem do mercado
formal de relações contratuais. Esse tipo de dispersão e de perda de foco me
parece grave, num governo que foi eleito para cuidar dos trabalhadores e não
dos patrões, que deveriam ser deixados à sua própria sorte, e sobretudo com
menos interferência estatal.
A tentativa de mudar um pouco de tudo,
no Brasil e no mundo, e que parece estar no centro do ativismo governamental,
aliás mais pelo lado das intenções do que pelo das realizações, pode constituir
um entrave concreto ao exercício de uma boa governança em favor dos mais pobres
e dos absolutamente carentes. Como as expectativas eram, de modo legítimo,
muito grandes, o governo tem se esforçado para corresponder a todas elas, dando
a impressão de que vai conseguir mudar tudo no curto espaço de quatro anos.
Entretanto, mais de um quarto do tempo
alocado a este governo já se passou e um balanço (talvez impressionista) do
quadro da governança poderia ser assim apresentado:
1) Um notável desempenho macroeconômico, que conseguiu reverter um
quadro dramático de deterioração dos indicadores internos e externos com base
no bom senso e também na certeza de que o único caminho disponível é o que foi
efetivamente seguido. A construção da confiança só não foi total porque, no
interior do próprio governo e nas bases “naturais” de sustentação, a demanda
por magia continua alta e não coibida. Minha única recomendação concreta, aqui,
seria a persistência na via adotada e um enquadramento de todo o governo com a
política determinada pela autoridade máxima, que neste caso é também a política
de maior racionalidade intrínseca.
2) Um pífio desempenho administrativo, em talvez na metade dos
ministérios, o que é amplamente reconhecido até dentro das hostes
governamentais. O inchaço da máquina e a seleção dos titulares por critérios
alheios a preocupações com o desempenho são os responsáveis por esse quadro
lamentável. A recomendação geral seria por um total remanejamento da máquina e
dos titulares, mas não é possível oferecer neste espaço sugestões concretas
sobre quais áreas devem e precisam mudar. Já ofereci a hipótese de que o
governo tem muito Antonio Gramsci e carência de Peter Drucker. Talvez uma boa
consultoria externa, dessas voltadas para organização e métodos para resultados,
pudesse ajudar um pouco na reorganização da máquina do governo. Recomendo, sem
pudores.
3) Um desempenho externo extremamente ativo e variado do Brasil-Estado,
com impacto notável nos meios de comunicação, internos e externos, mas com
resultados até aqui pelo menos duvidosos do ponto de vista da solução dos
problemas concretos, e graves, do outro Brasil, o Brasil-Nação. Pode-se certamente assegurar, por essa via, uma maior
presença do Brasil no cenário internacional, mas ela pode ser igualmente
alcançada por uma melhoria da nossa situação econômica e social, pela maior
solidez dos grandes equilíbrios macroeconômicos, pela confiança gerada nos
investidores internos e externos ou ainda por um diálogo aberto com todo tipo
de parceiro, sobretudo os mais relevantes. A segunda via é certamente mais
lenta, mas não se deve descurar o fato de que um precoce engajamento em novas
responsabilidades internacionais gerará uma demanda por recursos escassos, em
meios militares e/ou cooperação técnica e financeira, que ainda fazem
dramaticamente falta no plano interno. Minha recomendação, até por um questão
de respeito aos eleitores deste governo, seria a de que uma atenção prioritária
fosse agora dedicada ao plano interno, em especial em direção dos setores
carentes.
4) Uma deterioração dramática do quadro político-institucional,
sobretudo no que se refere ao cumprimento da lei, ao respeito da legalidade e à
administração de conflitos sociais. O Estado, aos olhos de muitos, não faz
cumprir a lei, ou por falta de vontade ou por falta de capacidade, ou por
ambas, o que é, reconheçamos, extremamente grave. Uma caracterização desse
tipo, se suficientemente embasada em fatos claramente delimitados, pode
prestar-se a uma acusação de crime de responsabilidade, contra qualquer um dos
agentes públicos, inclusive o mais alto. Minha singela recomendação seria em
favor de uma revisão séria e ponderada da situação do quadro jurídico-legal no
País e sobretudo no sentido de uma decisão superior em prol do seu estrito
cumprimento pelo Estado. A experiência histórica nos ensina que o mais rápido e
seguro caminho para a desgovernança prática começa pelo desrespeito à lei.
Não tenho a pretensão de oferecer soluções adequadas a todos
os problemas de que padece atualmente (e estruturalmente) o País, em especial
na vertente governamental. Tenho consciência, porém, de que um dos requisitos
para encontrar respostas apropriadas está na correta formulação das perguntas
pertinentes e no oferecimento de um diagnóstico ajustado aos problemas. Creio
ter indicado os problemas que me parecem mais graves no Brasil atual, a começar
pela crise de governança, que resulta ser uma crise da autoridade legal. Espero
ter assim contribuído, com total ânimo cooperativo, para diminuir o quadro
nebuloso que dificulta até mesmo visualizar a falta de governança no Brasil
atual.
Paulo Roberto de Almeid
Brasília
(1241), 9 de abril de 2004.
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