Encontros e desencontros entre o
Brasil e o FMI entre 1985 e 1994
Paulo Roberto de Almeida
Trecho deste trabalho:
O BRASIL E O FMI DESDE
BRETTON WOODS: 70 ANOS DE HISTÓRIA
(...)
Em janeiro de 1985, como forma de pressionar por novas facilidades
creditícias, o governo brasileiro anunciou que estaria suspendendo o pagamento
de juros sobre a dívida oficial bilateral até o reescalonamento dessas dívidas,
ao que o Clube de Paris respondeu que o estabelecimento de um acordo stand-by com o FMI era a condição
necessária para fazê-lo. A substituição de Francisco Dornelles por Dilson
Funaro, em meados daquele ano, não foi particularmente bem-sucedida em termos
de entendimentos com o FMI e com os demais credores oficiais e privados. A
“novela da dívida” e o “balé de missões” do Fundo ao Brasil continuaram pelos
meses seguintes, sem qualquer progresso substantivo na condução das
renegociações e com muito pouco progresso no tratamento conceitual do problema.
O presidente Sarney adotou uma retórica anti-Fundo,
ao declarar em setembro de 1986 – e descartando o simples fato de que o Brasil
não cumpria nenhum plano com a instituição – que “as fórmulas do FMI para o
Brasil simplesmente não funcionam. Elas nos conduziram à mais dramática
recessão em toda nossa história.”
A moratória declarada em
fevereiro de 1987, envolvendo o pagamento de juros dos empréstimos de médio e
longo prazo dos credores privados, chocou o mundo e o FMI, mas de fato ela era
inevitável: a dívida total era então de 121 bilhões de dólares e as reservas
brutas tinham caído dramaticamente de US$ 9,25 bilhões no final de 1985 para
menos de 4 bilhões no momento da moratória. Uma
renegociação inédita – isto é, sem o aval do Fundo e sem um stand-by em vigor – tinha, no entanto,
sido concluída com o Clube de Paris um mês antes, o que permitiu algumas
acomodações até que o ministro Funaro fosse substituído por Luiz Carlos Bresser
Pereira, em abril de 1987.
O novo ministro não
pretendia renegociar com o Fundo antes de acomodar a situação com os banqueiros
privados, aos quais pediu um novo empréstimo-ponte a uma taxa de juros zero:
levou zero empréstimo. Seu plano de debt
relief para o Brasil – de fato de “securitização” da dívida –, discutido
com funcionários do Tesouro norte-americano, foi recebido com um non-starter, a começar pelo próprio
secretário do Tesouro James Baker, que recusou em setembro daquele ano
desvincular o esquema “voluntário” de redução de dívidas privadas dos arranjos
com o FMI. O mais extraordinário é que esse esquema
conceitual veio depois a ser consubstanciado no chamado Plano Brady, nome do
sucessor de Baker à frente do Tesouro. O episódio revela, em todo caso, que o
crédito político e financeiro do Brasil estava próximo de zero e,
provavelmente, com poucas perspectivas de melhoria.
Esse tipo de guerrilha
financeira sem vitórias nem vencedores continuaria pelo resto da década, até
que a gestão Marcílio Marques Moreira, na Fazenda, no princípio dos anos 1990,
seguida mais adiante pela de Fernando Henrique Cardoso na mesma pasta – com Pedro
Malan designado como negociador oficial da dívida externa – permitiu dar início
a uma nova fase no relacionamento do Brasil com a comunidade financeira
internacional. Um pouco antes dessa
época, o Fundo e as próprias autoridades americanas já estavam convencidos que
era preciso separar a estratégia do tratamento da dívida dos interesses dos
banqueiros privados, o que foi logrado em 1989 por meio do Plano Brady, que
previa precisamente uma estratégia mais flexível para o debt relief, e para o apoio do FMI aos novos esquemas de
facilitação da renegociação dos créditos oficiais e dos empréstimos privados.
No intervalo, o sucessor
de Bresser na Fazenda, Mailson Ferreira da Nóbrega, assinou uma carta de
intenções com o Fundo, em junho de 1988, prevendo a negociação de um novo
acordo stand-by e antecipando
negociações com banqueiros e o Clube de Paris. Em agosto, o Brasil conseguiu
sacar uma tranche de 365 milhões de
DES (Direito Especial de Saque) de um total de mais de 1 bilhão aprovados, mas
isso foi tudo. As turbulências políticas do final do governo Sarney e as
expectativas geradas pela nova Constituição, entretanto, minaram os esforços do
ministro Mailson em prol de acordos consistentes e duráveis com aqueles
parceiros. Da mesma forma, uma carta de intenções negociada em setembro de
1990, já no governo Collor, não teve implementação em virtude das demais
inconsistências do plano de estabilização introduzido em março daquele ano.
Mas, o ministro Marcílio Marques Moreira logrou concretizar um reescalonamento
no âmbito do Clube de Paris em 1992, mesmo sem dispor do aval do FMI.
Com a presença de Fernando
Henrique Cardoso na condução dos negócios da Fazenda, a partir de maio de 1993,
e uma brilhante equipe de assessores econômicos em postos estratégicos do
governo Itamar Franco, foi possível conduzir, pela primeira vez em muitos anos,
um processo realista e consistente de ajuste estrutural que, via desindexação
planejada da economia, acabaria levando ao plano Real, passando pela solução
parcial do problema da dívida em abril de 1994 e a subsequente suspensão
oficial da moratória. Um acordo com o Clube de Paris em 1992 tinha contornado a
situação dos créditos oficiais, reconduzidos por um período suplementar de
pagamentos comprometidos.
O primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, eleito em outubro de 1994,
em virtude basicamente do sucesso do Plano Real, inicia, em 1995, sua gestão
com um desafio externo de grande amplitude: controlar os efeitos da crise do
México de dezembro daquele ano e garantir a manutenção da estabilidade cambial,
o que foi obtido mediante pequeno ajuste na política de valorização cambial do
período inicial do programa de estabilização.
Introduziu-se o sistema de bandas e a prática de correções ou ajustes
(“minidesvalorizações” disfarçadas) dentro da banda, de maneira a compensar
parte da erosão inflacionária e a valorização de fato pela qual passou o Real a
partir de sua introdução nos segundo semestre de 1994. No plano internacional,
o governo FHC começa a propor, mediante carta do presidente aos países do G-7,
medidas de controle dos capitais voláteis, sem muita receptividade, porém.
Ao mesmo tempo,
entretanto, o G-7 também propunha a liberalização dos movimentos de capitais,
área que nunca fez parte da jurisdição do FMI, consoante o espírito keynesiano
que presidiu aos acordos de Bretton Woods, voltados basicamente para a
liberalização dos pagamentos correntes (à exclusão, portanto, dos fluxos
voluntários de ativos). As autoridades monetárias brasileiras, a despeito de
uma adesão conceitual ao princípio da liberalização progressiva e cautelosa
desses fluxos, não concordavam com a ideia de abandonar de vez o monitoramento
nacional desses capitais, uma vez que, escolado pelos desequilíbrios
persistentes que o País conheceu praticamente desde a inauguração da República,
o Brasil sequer tinha operado, quando da ratificação dos acordos de Bretton
Woods, a liberalização completa de seus pagamentos correntes (fazendo uso das
exceções previstas no artigo 14 do convênio constitutivo do FMI, para derrogar
às obrigações previstas no artigo 8º, aceito integralmente apenas numa fase
ulterior).
O ministro da Fazenda,
Pedro Malan, também expressou restrições ao caráter amplo do sistema de
disseminação de dados, argumentando que sua divulgação poderia ser fator de
instabilidade, em lugar de contribuir para a estabilização dos mercados
financeiros. Em todo caso, consoante seu novo papel internacional e de
liderança na diplomacia dos países em desenvolvimento mais dinâmicos, o Brasil
foi convidado em 1996, junto com outros sete países emergentes, a ingressar no
Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sua sigla em inglês), o que foi
efetivado em 1997, assim como a participar, mais tarde, de esquemas restritos
de discussão das turbulências financeiras (como o G-20).
(...)
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