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quarta-feira, 18 de outubro de 2017

O Brasil e o sistema financeiro internacional entre 1985 e 1994 - Paulo Roberto de Almeida


Encontros e desencontros entre o Brasil e o FMI entre 1985 e 1994

Paulo Roberto de Almeida  
Trecho deste trabalho: 

O BRASIL E O FMI DESDE BRETTON WOODS: 70 ANOS DE HISTÓRIA 
Revista Direito GV (vol. 10, n. 2, 2014, p. 469-495; ISSN: 1808-2432; link: http://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/artigo-Edicao-revista/05-rev20_469-496_-_paulo_roberto_de_almeida_-_5.pdf;  http://direitosp.fgv.br/publicacoes/revista/artigo/brasil-fmi-desde-bretton-woods-70-anos-de-historia). 

(...)
Em janeiro de 1985, como forma de pressionar por novas facilidades creditícias, o governo brasileiro anunciou que estaria suspendendo o pagamento de juros sobre a dívida oficial bilateral até o reescalonamento dessas dívidas, ao que o Clube de Paris respondeu que o estabelecimento de um acordo stand-by com o FMI era a condição necessária para fazê-lo. A substituição de Francisco Dornelles por Dilson Funaro, em meados daquele ano, não foi particularmente bem-sucedida em termos de entendimentos com o FMI e com os demais credores oficiais e privados. A “novela da dívida” e o “balé de missões” do Fundo ao Brasil continuaram pelos meses seguintes, sem qualquer progresso substantivo na condução das renegociações e com muito pouco progresso no tratamento conceitual do problema. O presidente Sarney adotou uma retórica anti-Fundo, ao declarar em setembro de 1986 – e descartando o simples fato de que o Brasil não cumpria nenhum plano com a instituição – que “as fórmulas do FMI para o Brasil simplesmente não funcionam. Elas nos conduziram à mais dramática recessão em toda nossa história.”
A moratória declarada em fevereiro de 1987, envolvendo o pagamento de juros dos empréstimos de médio e longo prazo dos credores privados, chocou o mundo e o FMI, mas de fato ela era inevitável: a dívida total era então de 121 bilhões de dólares e as reservas brutas tinham caído dramaticamente de US$ 9,25 bilhões no final de 1985 para menos de 4 bilhões no momento da moratória. Uma renegociação inédita – isto é, sem o aval do Fundo e sem um stand-by em vigor – tinha, no entanto, sido concluída com o Clube de Paris um mês antes, o que permitiu algumas acomodações até que o ministro Funaro fosse substituído por Luiz Carlos Bresser Pereira, em abril de 1987.
O novo ministro não pretendia renegociar com o Fundo antes de acomodar a situação com os banqueiros privados, aos quais pediu um novo empréstimo-ponte a uma taxa de juros zero: levou zero empréstimo. Seu plano de debt relief para o Brasil – de fato de “securitização” da dívida –, discutido com funcionários do Tesouro norte-americano, foi recebido com um non-starter, a começar pelo próprio secretário do Tesouro James Baker, que recusou em setembro daquele ano desvincular o esquema “voluntário” de redução de dívidas privadas dos arranjos com o FMI. O mais extraordinário é que esse esquema conceitual veio depois a ser consubstanciado no chamado Plano Brady, nome do sucessor de Baker à frente do Tesouro. O episódio revela, em todo caso, que o crédito político e financeiro do Brasil estava próximo de zero e, provavelmente, com poucas perspectivas de melhoria.
Esse tipo de guerrilha financeira sem vitórias nem vencedores continuaria pelo resto da década, até que a gestão Marcílio Marques Moreira, na Fazenda, no princípio dos anos 1990, seguida mais adiante pela de Fernando Henrique Cardoso na mesma pasta – com Pedro Malan designado como negociador oficial da dívida externa – permitiu dar início a uma nova fase no relacionamento do Brasil com a comunidade financeira internacional. Um pouco antes dessa época, o Fundo e as próprias autoridades americanas já estavam convencidos que era preciso separar a estratégia do tratamento da dívida dos interesses dos banqueiros privados, o que foi logrado em 1989 por meio do Plano Brady, que previa precisamente uma estratégia mais flexível para o debt relief, e para o apoio do FMI aos novos esquemas de facilitação da renegociação dos créditos oficiais e dos empréstimos privados.
No intervalo, o sucessor de Bresser na Fazenda, Mailson Ferreira da Nóbrega, assinou uma carta de intenções com o Fundo, em junho de 1988, prevendo a negociação de um novo acordo stand-by e antecipando negociações com banqueiros e o Clube de Paris. Em agosto, o Brasil conseguiu sacar uma tranche de 365 milhões de DES (Direito Especial de Saque) de um total de mais de 1 bilhão aprovados, mas isso foi tudo. As turbulências políticas do final do governo Sarney e as expectativas geradas pela nova Constituição, entretanto, minaram os esforços do ministro Mailson em prol de acordos consistentes e duráveis com aqueles parceiros. Da mesma forma, uma carta de intenções negociada em setembro de 1990, já no governo Collor, não teve implementação em virtude das demais inconsistências do plano de estabilização introduzido em março daquele ano. Mas, o ministro Marcílio Marques Moreira logrou concretizar um reescalonamento no âmbito do Clube de Paris em 1992, mesmo sem dispor do aval do FMI.
Com a presença de Fernando Henrique Cardoso na condução dos negócios da Fazenda, a partir de maio de 1993, e uma brilhante equipe de assessores econômicos em postos estratégicos do governo Itamar Franco, foi possível conduzir, pela primeira vez em muitos anos, um processo realista e consistente de ajuste estrutural que, via desindexação planejada da economia, acabaria levando ao plano Real, passando pela solução parcial do problema da dívida em abril de 1994 e a subsequente suspensão oficial da moratória. Um acordo com o Clube de Paris em 1992 tinha contornado a situação dos créditos oficiais, reconduzidos por um período suplementar de pagamentos comprometidos.
O primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, eleito em outubro de 1994, em virtude basicamente do sucesso do Plano Real, inicia, em 1995, sua gestão com um desafio externo de grande amplitude: controlar os efeitos da crise do México de dezembro daquele ano e garantir a manutenção da estabilidade cambial, o que foi obtido mediante pequeno ajuste na política de valorização cambial do período inicial do programa de estabilização. Introduziu-se o sistema de bandas e a prática de correções ou ajustes (“minidesvalorizações” disfarçadas) dentro da banda, de maneira a compensar parte da erosão inflacionária e a valorização de fato pela qual passou o Real a partir de sua introdução nos segundo semestre de 1994. No plano internacional, o governo FHC começa a propor, mediante carta do presidente aos países do G-7, medidas de controle dos capitais voláteis, sem muita receptividade, porém.
Ao mesmo tempo, entretanto, o G-7 também propunha a liberalização dos movimentos de capitais, área que nunca fez parte da jurisdição do FMI, consoante o espírito keynesiano que presidiu aos acordos de Bretton Woods, voltados basicamente para a liberalização dos pagamentos correntes (à exclusão, portanto, dos fluxos voluntários de ativos). As autoridades monetárias brasileiras, a despeito de uma adesão conceitual ao princípio da liberalização progressiva e cautelosa desses fluxos, não concordavam com a ideia de abandonar de vez o monitoramento nacional desses capitais, uma vez que, escolado pelos desequilíbrios persistentes que o País conheceu praticamente desde a inauguração da República, o Brasil sequer tinha operado, quando da ratificação dos acordos de Bretton Woods, a liberalização completa de seus pagamentos correntes (fazendo uso das exceções previstas no artigo 14 do convênio constitutivo do FMI, para derrogar às obrigações previstas no artigo 8º, aceito integralmente apenas numa fase ulterior).
O ministro da Fazenda, Pedro Malan, também expressou restrições ao caráter amplo do sistema de disseminação de dados, argumentando que sua divulgação poderia ser fator de instabilidade, em lugar de contribuir para a estabilização dos mercados financeiros. Em todo caso, consoante seu novo papel internacional e de liderança na diplomacia dos países em desenvolvimento mais dinâmicos, o Brasil foi convidado em 1996, junto com outros sete países emergentes, a ingressar no Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sua sigla em inglês), o que foi efetivado em 1997, assim como a participar, mais tarde, de esquemas restritos de discussão das turbulências financeiras (como o G-20).
(...)

Artigo completo: 
Revista Direito GV (vol. 10, n. 2, 2014, p. 469-495; ISSN: 1808-2432; link: http://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/artigo-Edicao-revista/05-rev20_469-496_-_paulo_roberto_de_almeida_-_5.pdf;  http://direitosp.fgv.br/publicacoes/revista/artigo/brasil-fmi-desde-bretton-woods-70-anos-de-historia). 

quarta-feira, 22 de março de 2017

Rise and demise of Bretton Woods system - Michael Bordo

Um resumo de um paper importante, de um dos maiores especialistas no sistema de Bretton Woods.
Paulo Roberto de Almeida

The Operation and Demise of the Bretton Woods System; 1958 to 1971 
For your information, especially if you want to understand some important historical issues related to our international monetary system, here is a good paper by Michael Bordo (NBER Working Paper No. 23189), The Operation and Demise of the Bretton Woods System; 1958 to 1971.
National Bureau of Economic Research (NBER)
http://www.nber.org/papers/w23189?utm_campaign=ntw&utm_medium=email&utm_source=ntw
 
This chapter revisits the history of the origins, operation and demise of the Bretton Woods International Monetary System. The Bretton Woods system was created by the !944 Articles of Agreement to design a new international monetary order for the post war at a global conference organized by the US Treasury at the Mount Washington Hotel in Bretton Woods ,New Hampshire at the height of World War II. The Articles represented a compromise between the American plan of Harry Dexter White and the British plan of John Maynard Keynes. The compromise created an adjustable peg system based on the US dollar convertible into gold at $35 per ounce along with capital controls. It was designed to combine the advantages of fixed exchange rates of the pre World War I gold standard with some flexibility to handle large real shocks. The compromise gave members both exchange rate stability and the independence for their monetary authorities to maintain full employment.
It took over a decade for the fully current account convertible system to get started. The system only lasted for 12 years from 1959 to 1971 but it did deliver remarkable economic performance. The BWS evolved into a gold dollar standard which depended on the US monetary authorities following sound low inflation policies. As the System evolved it faced the same severe fundamental problems as in the interwar gold exchange standard of: adjustment, confidence and liquidity. The adjustment problem meant that member countries with balance of payments deficits, in the face of nominal rigidities, ran the gauntlet between currency crises and recessions. Surplus countries had to sterilize dollar inflows to prevent inflation.
The U.S. as center country faced the Triffin dilemma. With the growth of trade and income member countries held more and more dollars instead of scarce gold as reserves generated by a growing US balance of payments deficit. As outstanding dollar liabilities grew relative to the US monetary gold stock confidence in the dollar would wane raising the likelihood of a run on Fort Knox.This led to the possibility that the US would follow tight financial policies to reduce the deficit thereby starving the rest of the world of needed liquidity leading to global deflation and depression as occurred in the 1930s. Enormous efforts by the US, the G10 and international institutions were devoted to solving this problem.
As it turned out, after 1965 the key problem facing the global economy was inflation, not deflation, reflecting expansionary Federal Reserve policies to finance the Vietnam war and the Great Inflation. US inflation was exported through the balance of payments to the surplus countries of Europe and Japan leading them in 1971 to begin converting their outstanding dollar holdings into gold. In reaction President Richard Nixon closed the US gold window ending the BWS.

terça-feira, 28 de abril de 2015

O Brasil e os 70 anos de Bretton Woods - Paulo Roberto de Almeida (GV Direito)

Apenas hoje, e isto graças ao Google Scholar, que "descubro", de surpresa, que um artigo meu de meados do ano passado, fazendo um balanço da longa história de relacionamento (com altos e baixos) do Brasil com as instituições de Bretton Woods, especificamente com o FMI, foi finalmente publicado, como anotado agora em minha ficha:

O Brasil e o FMI desde Bretton Woods: 70 anos de História
Revista Direito GV (vol. 10, n. 2, 2014, p. 469-495; ISSN: 1808-2432;
Relação de Originais n. 2636; Publicados n. 1160. 
O BRASIL E O FMI DESDE BRETTON WOODS: 70 ANOS DE HISTÓRIA*

BRAZIL AND IMF SINCE BRETTON WOODS: A 70 YEARS HISTORY

Paulo Roberto de Almeida
Diplomata de carreira; Professor no programa de mestrado e doutoramento em Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub).


Resumo: O objetivo deste ensaio histórico é o de acompanhar o relacionamento do Brasil com o FMI, no contexto da evolução do sistema monetário internacional, desde Bretton Woods até a atualidade. O ensaio começa por retraçar o itinerário do FMI, com destaque para a mudança de padrão cambial em 1971, e segue com o exame das relações entre o Brasil e a instituição, com ênfase nos acordos contraídos sob diferentes políticas econômicas e em momentos diversos de crises nas transações externas; o primeiro acordo foi rompido por razões políticas em 1958, e o mais recente, de 2003, foi suspenso em 2005, antes de sua conclusão, também por motivos políticos. São destacados os problemas enfrentados pelo FMI no período – estabilidade cambial, liquidez, monitoramento das economias nacionais – e as circunstâncias que levaram o Brasil a contrair seus muitos acordos com a instituição. O país manteve uma relação errática com o FMI, com aproximações e distanciamentos ao longo do período, oscilando entre uma postura cooperativa – no início e durante a maior parte do regime militar, bem como no final dos anos 1990 e início do novo milênio –, e uma outra de rejeição ou confrontação – no governo Kubitschek e na redemocratização –, finalizando por uma passagem da situação de devedor dependente, na maior parte desse longo período, a uma de credor e demandante por reformas na instituição, na fase recente, quando o país busca aumentar seu poder de voto nas instituições de Bretton Woods; uma tabela final lista os acordos concluídos pelo Brasil com o FMI e os valores envolvidos em cada um.
Palavras-chave: Brasil; FMI; acordos; regimes cambiais; dívida externa; crises de transações correntes.

Abstract: The purpose of this historical essay is to follow Brazil’s relationship with IMF, in the context of the international monetary order, since Bretton Woods up to our days. The essay starts by IMF’s itinerary, emphasizing the 1971 change in the exchange regime pattern, follows the development of its relationship with Brazil, the various formal stand-by agreements contracted under different economic policies, arising from current transactions crises; a first agreement was adopted in 1958, and discontinued for political reasons, but the last one, concluded in 2003, was also interrupted for political reasons two years later. Attention was given to the main problems facing the IMF –exchange stability, liquidity, and the monitoring of the national economies – and to the circumstances that forced Brazil to enter into formal agreements with the IMF. Brazil’s relationship with the IMF was somewhat erratic, with phases of attraction
followed by others of repulsion; there was a cooperative stance – at the beginning and during the whole military regime, as well as around the turn of the millennium –, another confrontational or adversarial – in the Kubitschek government and at the redemocratization –to arrive at a transformation from dependent borrower to a creditor pushing for reforms in order to enhance its voting rights in both Bretton Woods institutions; a final table summarizes those agreements and the amounts involved in each one.
Keywords: Brazil; IMF; agreements; exchange regimes; external debt; current transactions crises.





* Este artigo conta, para além da análise da literatura secundária, com uma revisão de fontes primárias e de materiais constantes do acervo pessoal do autor, envolvendo negociações e discussões preparatórias para negociações internacionais nesta área da política financeira externa do Brasil. Destaca-se, em especial, o acompanhamento direto do assunto como chefe da Divisão de Política Financeira do Itamaraty, nos anos 1995 a 1999 e, depois, na Embaixada do Brasil em Washington, de 1999 a 2003. Todas as posições aqui apresentadas são, no entanto, de responsabilidade exclusiva do autor.
 

 Sumário: 

Introdução: o Brasil e o FMI, desde Bretton Woods 
1 O FMI começou no Brasil, dois anos antes de Bretton Woods...
2 Os direitos especiais de saque também começaram no Brasil
3 Os desequilíbrios acumulam-se e Nixon corta o nó górdio de Bretton Woods

4 Os choques do petróleo e a crise da dívida latino-americana dos anos 1980 
5 Encontros e desencontros entre o Brasil e o FMI nas duas décadas perdidas 
6 As crises asiáticas e a moratória russa: o Brasil volta ao FMI 
7 A crise argentina e cenário eleitoral de 2002: as novas fases do drama
8 A esquerda anti-FMI e o fim dos acordos formais

Conclusões: 70 anos de um relacionamento errático
  
Tabela – Brasil: acordos formais estabelecidos com o FMI, 1958-2010